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Pró-reitoria de EaD e CCDD Teorias do Conhecimento Aula 2 Professoras Máira Nunes e Nicole Kollross Pró-reitoria de EaD e CCDD Conversa Inicial Olá, Quando estudamos, adquirimos novos conhecimentos sobre determinados temas, construídos a partir da pesquisa de autores teóricos que refletiram sobre esses assuntos antes de nós. Na nossa vida escolar, muitas vezes, “recebemos” esses conhecimentos de maneira não crítica e acabamos por reproduzi-los sem analisar suas origens e a forma como foram produzidos. Nesta aula, falaremos sobre o conhecimento científico e suas formas de produção, e também conheceremos mais sobre outras formas de apreender o mundo, não apenas por meio da racionalidade, como também por meio dos nossos sentidos, da nossa imaginação e capacidade de percepção. Veremos que nossa capacidade mental é muito mais ampla do que imaginamos e possui inúmeras possibilidades de articulação para a construção do conhecimento. Contextualizando Quando estudamos as relações entre comunicação e sociedade, precisamos nos lembrar de que elas são estabelecidas no campo social, mas são analisadas a partir de estudos teóricos que apontam análises científicas sobre os fatos e fenômenos estudados. Os conceitos que embasam essas teorias são importantíssimos para que possamos compreender, de maneira objetiva, o mundo que nos cerca. Nesta aula, discutiremos sobre os principais conceitos da teoria do conhecimento e o processo de construção do conhecimento científico. Pesquise O conteúdo da nossa aula foi dividido em cinco temas, organizados de acordo com os objetivos que queremos atingir. Leia os textos de cada uma das aulas, faça anotações e realize as atividades. Ao final da leitura, você deverá resolver nosso caso de estudo. Bons estudos! Pró-reitoria de EaD e CCDD Tema 1: Conhecimento Científico A forma como conhecemos o mundo se dá de diferentes maneiras. As nossas experiências, as nossas leituras, a interação com outras pessoas produzem mudanças no nosso conhecimento e na nossa concepção da realidade social. Percebemos, então, que existem diferentes tipos de conhecimento, organizados de acordo com suas características e com a maneira como são produzidos. Assim, podemos classificar o conhecimento como: ● Conhecimento popular (senso comum): baseado nas experiências, na apreensão do mundo pelos sentidos, na tradição e costumes de um grupo social. ● Conhecimento teológico (religioso): baseado na fé e nas crenças e, portanto, não necessita de comprovação. ● Conhecimento filosófico: baseado na observação racional dos fatos e fenômenos, construído a partir da especulação e da argumentação. ● Conhecimento científico: baseado na análise racional, objetiva e verificável da realidade, a partir de procedimentos metódicos. ● Fonte: Trujillo (apud Lakatos; Marconi, 1991, p. 15) Esses diferentes tipos de conhecimento fazem parte do nosso repertório social e compõem a forma como apreendemos a realidade. Desde as primeiras civilizações, produzimos formas de compreender e organizar o mundo à nossa volta. O povo egípcio desenvolveu conhecimentos sobre matemática e Pró-reitoria de EaD e CCDD medicina; os gregos criaram a filosofia e organizaram os saberes existentes até então; os pensadores católicos medievais submeteram a razão à fé. É durante a Idade Moderna que tem início o desenvolvimento da ciência que, a partir do século XIX, torna-se o campo do conhecimento que conhecemos hoje. Atualmente, segundo Lakatos e Marconi (1991, p. 20), podemos definir a ciência como: Um pensamento racional, objetivo, lógico e confiável [tem] como particularidade o ser sistemático, exato e falível, [...] submetido à experimentação para comprovação de seus enunciados e hipóteses, procurando-se as relações causais; destaca-se, também, a importância da metodologia que, em última análise, determinará a própria possibilidade de experimentação. Assim, para que se possa estabelecer um conhecimento racional e exato, é necessário que se determinem procedimentos metodológicos para que haja a verificação dos resultados alcançados. O método científico é “o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento.” (Gil, 2008, p. 12) Pró-reitoria de EaD e CCDD É importante também lembrarmos que não existe apenas um único método ou uma única ciência, mas vários tipos de conhecimento científico organizados a partir das características de seu objeto. Dessa forma, temos a seguinte divisão das ciências: Fonte: Lakatos e Marconi (1991, p. 24) Os campos teóricos da comunicação social e do jornalismo estão inseridos na área chamada ciências sociais aplicadas e constituem-se também como áreas do conhecimento científico. Durante muito tempo, pesquisadores e teóricos discutiram sobre a possibilidade da existência de ciências “humanas” e “sociais”, principalmente, pelo fato de não poderem usar as mesmas premissas e procedimentos metodológicos das ciências naturais. Se a ciência trabalha com classificações, leis gerais, fatos observáveis, análises e sínteses, como produzir uma observação racional e metódica da subjetividade humana? Foi para responder a essa pergunta que passaram a ser desenvolvidos métodos específicos das ciências sociais, que permitem a construção do conhecimento científico a partir do estudo das relações humanas e da vida social dos indivíduos. Pró-reitoria de EaD e CCDD Tema 2: Produção do Conhecimento Produzimos conhecimento de diversas maneiras, mas o conhecimento científico deve seguir passos metodológicos bem determinados em sua formulação. Para que se estabeleça um novo conhecimento na ciência, é necessário determinar o assunto a ser pesquisado, delimitar um problema de pesquisa, levantar hipóteses que serão comprovadas ou não, estabelecer objetivos e quais procedimentos metodológicos serão utilizados ao longo da pesquisa. Todos esses passos fazem parte do que chamamos “metodologia de pesquisa” e se organizam em um projeto, um planejamento de todas as etapas que serão cumpridas até a finalização da pesquisa. O primeiro passo na elaboração de um projeto é a escolha do assunto. Para tanto, é preciso definir um tema de interesse e também realizar um levantamento bibliográfico sobre o que já foi estudado a respeito do tema. Chamamos essa etapa de “pesquisa bibliográfica”, momento fundamental de contato com tudo o que já foi dito sobre o tema da pesquisa, em termos teóricos, a partir da identificação de quais são os principais pesquisadores/autores sobre o tema e os conceitos que devem ser trabalhados na pesquisa. Outra etapa importante é a definição do problema de pesquisa. Quando usamos o termo “problema”, pensamos imediatamente em uma situação que deve ser resolvida. Não é o caso aqui. Problema de pesquisa compreende uma pergunta, um questionamento que orienta a condução da pesquisa. Essa pergunta deverá ser respondida ao final da realização da pesquisa. “O Problema, assim, consiste em um enunciado explicitado de forma clara, compreensível e operacional, cujo melhor modo de solução ou é uma pesquisa ou pode ser resolvido por meio de processos científicos.” (Lakatos; Marconi, 1991, p. 126) Entendemos que o problema irá definir a abrangência da sua pesquisa e deve ser formulado de acordo com os seguintes critérios: relevância; Pró-reitoria de EaD e CCDD originalidade e viabilidade. Dessa forma, Gil (2008) alerta que devemos ter em mente queum problema de pesquisa deve: ● ser formulado como pergunta; ● ser delimitado a uma dimensão viável; ● ter clareza; ● ser preciso; ● apresentar referências empíricas; ● conduzir a uma pesquisa factível; ● ser ético. Para que a pergunta de pesquisa possa ser respondida, precisamos levantar hipóteses, proposições que serão comprovadas ou não após a finalização da pesquisa. Para Lakatos e Marconi (1991, p. 125), as hipóteses representam um enunciado de diferentes variáveis como fatos e fenômenos que deve ser: a) formulado como solução provisória para um determinado problema, b) apresentando caráter ou explicativo ou preditivo, c) Compatível com o conhecimento científico (coerência interna) e revelando consistência lógica (coerência interna), d) Sendo passível de verificação empírica em suas consequências. As hipóteses formuladas podem propor a discussão sobre a origem de fenômenos, sobre a relação entre diferentes variáveis, sobre a frequência com que ocorrem determinados fatos, sobre as causas ou consequências de determinados fenômenos. Pró-reitoria de EaD e CCDD Da mesma forma, para levantarmos hipóteses viáveis e consistentes, devemos partir da observação dos fatos, de pesquisas teóricas já realizadas. Segundo Chizzotti (2008), as hipóteses devem ser: claramente enunciadas, objetivamente delimitadas e facilmente verificáveis. Após a formulação do problema de pesquisa (pergunta) e das hipóteses (possíveis respostas), o passo seguinte é a elaboração dos objetivos da pesquisa, que determinam o que se quer atingir. O Objetivo representa a finalidade da realização da pesquisa e os resultados esperados. Os objetivos são definidos a partir de verbos no infinitivo e representam sempre ações como analisar, identificar, relacionar, mapear, pesquisar, investigar, localizar etc. Os objetivos são comumente divididos em “Geral” (descrição do que se quer pesquisar) e “Específicos” (passos a serem seguidos e possíveis desdobramentos). A última etapa da formulação de um projeto de pesquisa é a definição dos procedimentos metodológicos que serão utilizados ao longo do estudo. É a metodologia que especifica como a pesquisa será desenvolvida, quais serão os tipos de pesquisa utilizados, os instrumentos de coletas de dados e as formas de tabulação desses dados coletados. Os procedimentos metodológicos permitem que seja feito o levantamento de informações pertinentes ao tema, bem como a organização das ações para que os objetivos propostos sejam atingidos. Pró-reitoria de EaD e CCDD Tema 3: Pensamento e Linguagem Estamos sempre pensando em alguma coisa, mesmo sem perceber. Pode ser de modo distraído, no famoso “ócio criativo”, ou com bastante atenção, como quando estudamos para uma prova difícil. O ponto é que, justamente por estarmos sempre pensando em algo, o jeito que pensamos depende do “algo” que é pensado. Há diferentes formas de pensamento, e cada uma prevalece de acordo com a situação. Podemos entender, por exemplo, que a própria intuição é um modo de pensamento, uma via de acesso a mais para o conhecimento das coisas. Nas palavras de Marilena Chauí (2000, p. 77-79), “a intuição é uma compreensão global e instantânea”; ou seja, já na hora a gente entende tudo, quase “sem pensar”. Como quando estamos diante de um elevador cheio, e sabemos “intuitivamente” que teremos de esperar chegar o próximo, porque não iremos caber (ao menos, confortavelmente) no que está ali. Não precisamos contar quantas pessoas há dentro do elevador, ou tentar adivinhar qual o peso de cada uma para conferir se o total (com ou sem você) ultrapassa o limite máximo recomendado. Pró-reitoria de EaD e CCDD É um caso da intuição sensível (porque depende de nossos sentidos), por meio da qual temos conhecimento direto e imediato das “qualidades sensíveis” (por intermédio da visão, da audição, do olfato, do paladar e do tato) das coisas. Também chamada de intuição empírica (do grego, empeiria), é para Chauí (2000, p. 77-79) “o conhecimento que temos a todo momento de nossa vida”. Assim como sabemos o que está por fora, pela intuição sensível/empírica entendemos, também, o que temos dentro de nós mesmos: nossos estados emocionais (se estamos felizes ou tristes), nossas memórias, o que imaginamos, necessitamos e desejamos. Ela é “psicológica”, pois depende do próprio sujeito, de sua mente e de seu corpo. É o ponto de vista de cada um que vale, sendo que o que eu vejo pode ser completamente diferente do que você vê. No caso do elevador, quando chega o próximo, eu posso entender que tive de esperar muito tempo; já, você, pode nem ter sentido o tempo passar entre a chegada de um e outro. Eu posso achar que ele está muito sujo, você, limpíssimo, e assim por diante. É diferente da intuição intelectual, que é o conhecimento direto e imediato de saberes universais, conhecidos por meio da razão, pois, como seres racionais, por exemplo, entendemos “intuitivamente” que o número um vem antes do dois, em uma contagem progressiva. Já em regressão, seria o contrário, querendo ou não, independente de nossos sentidos ou estados mentais. Para Chauí (2000, p. 77-99), “o exemplo mais célebre de intuição intelectual é conhecido como o cogito cartesiano, isto é, a afirmação de Descartes: ‘Penso (cogito), logo existo’”. Para ter essa intuição intelectual, René Descartes (filósofo francês do século XVI) desenvolveu uma metodologia científica, na qual abordou todos os próprios saberes a partir de um “ceticismo radical”; isto é, duvidando de absolutamente tudo que não fosse claro e distinto, buscando uma base sólida que servisse de apoio para tudo o mais. Para Danilo Marcondes (2004, p. 139- 150), “a dúvida visa, portanto, à certeza, sendo precisamente um critério para se testar a validade dessa certeza”. Pró-reitoria de EaD e CCDD Esforçar-me-ei, não obstante [...] afastando-me de tudo em que possa imaginar a menor dúvida, tal como se eu soubesse que isto fosse absolutamente falso; e continuarei sempre nesse caminho até que tenha encontrado algo de certo ou, pelo menos, se não puder outra coisa, até que tenha aprendido certamente que não há nada de certo no mundo. (Descartes, 2011, p. 41) Assim, duvidou de suas intuições sensíveis/empíricas, ou seja, de seus sentidos, suas memórias e imaginação. Qualquer coisa que fosse dependente do próprio sujeito, em sua “psicologia” característica, não universalizável. Mesmo duvidando de tudo, algo permaneceu, “aquilo” de que duvidava: e aí reconheceu algo basilar, pois não há “gênio maligno” ou “Deus enganador” que possa fazer com que eu pense sem existir; em outras palavras, enquanto estou pensando, estou existindo. Nas palavras de Marcondes (2004, p. 139- 150), “até mesmo para duvidar é preciso que eu pense; logo, o pensamento é ele próprio imune à dúvida [e temos] assim, a primeira certeza, a verdade necessária do cogito”. Pró-reitoria de EaD e CCDD É interessante como, a partir do autor que encarna em si o centro da filosofia moderna, podemos passar para o que faz o mesmo em relação à filosofia contemporânea: Edmund Husserl, um filósofo alemão do século XIX, que também teve uma intuição intelectual ao entender que toda a consciência é, sempre, “consciência de...” alguma coisa. É em geral da essência de todo cogito atual ser consciência de algo [e] uma vez que são consciência de algo, eles são ditos “intencionalmente referidos” a esse algo [...]. Na própria essência do vivido não está contido apenas que ele é consciência, mas também do que é consciência, e em que sentido determinado ou indeterminadoela o é. (Husserl, 2006, p. 89-90) Se prestarmos atenção, perceberemos que estamos sempre cientes, de um modo ou de outro, daquilo com o que nos relacionamos. Por exemplo, na sala de aula, independentemente de nossa ação – checando o Facebook ou anotando o conteúdo –, estamos em uma situação relacional (com o celular ou com a lousa), pois assim trabalha nossa consciência. Pró-reitoria de EaD e CCDD Façamos um exercício: imagine que você, na sala de aula, consegue “cortar” todas as relações. Não há mais celular ou lousa. Professor e alunos não estão mais aí. Mesmo a cadeira em que está sentado, o teto, as paredes e o chão. Cada coisa, uma por vez, vai sendo “cortada” até ficar apenas “você”. Mas como será? Se não há algo sobre o que ter consciência, como ser, apenas em si mesmo, uma consciência? Sem relação, com base em que posso entender a mim mesmo, ou o meu corpo, por exemplo? Desse modo, percebemos que (“revendo” o cogito cartesiano) só existimos ao pensar, ou seja, eu sou uma “consciência” apenas se tenho consciência de alguém ou de algo. O próprio processo de “ser consciência” é dado pelo “ter consciência” de alguma coisa, sempre em relação a algo. Assim, responde-se à pergunta feita por Descartes (2011, p. 42), “sou de tal forma dependente do corpo e dos sentidos que não posso existir sem eles?”. Para os fenomenólogos, a resposta é “não!”. Ser é explodir para dentro do mundo, é partir de um nada de mundo e de consciência para subitamente explodir-como-consciência-no-mundo. Se a consciência tentar se reconstituir, coincidir enfim consigo mesma, então imediatamente [...] se aniquilará. Essa necessidade da consciência de existir como consciência de outra coisa que não ela mesma, Husserl a chama de “intencionalidade”. (Sartre, 2005, p. 56-57) Além das intuições sensível/empírica e intelectual, temos também a emotiva, ou valorativa (porque, com base nela, damos valor às coisas). É a partir do valor que damos a algo, que somos tocados emocionalmente por ele. Em comparação, de acordo com Chauí (2000, p. 80), “a intuição intelectual capta a essência do objeto (o que ele é) e a intuição emotiva ou valorativa capta essa essência pelo que o objeto vale”. Em todas as formas de pensamento, modos de conhecimento, há de se pensar na importância da linguagem: o próprio entendimento sobre as coisas tem relação com o “como” eu falo sobre elas. Analisando Chauí (2000, p. 67), entendemos que a linguagem é a manifestação da própria “humanidade”, de homens e mulheres. Indo um pouco além, é também a manifestação de dado período sociocultural e histórico: falamos sobre as coisas como as Pró-reitoria de EaD e CCDD entendemos, e também entendemos as coisas de acordo com o que é falado sobre elas. Um caso simples, que exemplifica a relação, ocorre quando não conseguimos falar sobre algo que não entendemos muito bem (parece que nos falta vocabulário e, consequentemente, as ideias). Também há o “ato falho”, no qual falamos algo que não queríamos, mas que, ainda assim, pensamos, ou os termos preconceituosos que contêm em si modos negativos de entender os outros. Tema 4: Percepção e Imaginação A nossa relação com o que está a nossa volta é mais rica do que parece, tanto que podemos diferenciar as sensações das percepções pelo grau de complexidade. Para Marilena Chauí (2000, p. 151), “quando examinamos a sensação, notamos que ninguém diz que sente o quente, vê o azul e engole o amargo. Pelo contrário, dizemos que a água está quente, que o céu é azul e que o alimento está amargo”. Por meio dos exemplos dados pela própria autora, notamos que as sensações (que acontecem a partir de nossos sentidos) são menos complexas. Podemos sentir o quente ou o frio, o amargo ou o doce, ver uma cor ou outra. Pró-reitoria de EaD e CCDD As sensações são sentidas isoladamente e, se estiverem juntas, formam as percepções. Mais importante, segundo Chauí (2000, p. 151), “só temos sensações sob a forma de percepções, isto é, de síntese de sensações”. A partir das sensações, formamos as percepções (que são mais complexas). Com base na teoria do conhecimento, podemos entender a própria percepção a partir de três teorias principais: a empirista, a racionalista e a fenomenológica. Cada uma entende, ao seu jeito, que nossa consciência se relaciona com os outros e as coisas, de acordo com Chauí (2000, p. 301), “por perfis ou perspectivas, como algo interminável, que nossos sentidos nunca podem apanhar de uma só vez e de modo total”. Ao lermos um livro, por exemplo, a percepção que temos dele é sempre parcial. Indiscutivelmente, só lemos uma página por vez; nossa relação com ele depende de nosso ponto de vista e, então, é relativa. Não conseguimos ver de uma só vez, por exemplo, todos os seus lados. No empirismo, a percepção (e, consequentemente, as sensações e os nossos cinco sentidos) é a base de qualquer forma de pensamento. É a única fonte de conhecimento; a origem, inclusive, das ideias abstratas. Nas palavras de Danilo Marcondes (2004, p. 139-150), empirismo “significa uma posição filosófica que toma a experiência como guia e critério de validade de suas afirmações”. E me é igualmente impossível formar a ideia abstrata de movimento diferente da de um corpo que se move e que não seja nem rápido nem lento, nem curvilíneo Pró-reitoria de EaD e CCDD nem retilíneo. E o mesmo poderia ser dito de todas as demais ideias gerais abstratas, quaisquer que sejam. [...] nego que possa abstrair algumas qualidades de outras, ou conceber separadamente as que não existem assim separadas, ou que possa formar uma noção geral mediante a abstração dos particulares. (Berkeley, 2010, p. 39-40) O termo significa um saber consequente da experiência, de sensações. A partir de então, para os empiristas, não podemos ter ideias inatas, ou um conhecimento anterior à experiência (ou, mesmo, independente dela). Alguns dos principais filósofos da teoria são: John Locke, George Berkeley e David Hume, para o qual, segundo Chauí (2000, p. 155-156), “todo conhecimento é percepção e [...] existe [sic] dois tipos de percepção: as impressões (sensações, emoções e paixões) e as ideias (imagens das impressões)”. A gente, a partir de então, só pode ter ideias com base em nossas impressões, por exemplo: só poderia pensar em fazer um livro, a partir do entendimento de muitas folhas juntas, formando as páginas. Já na teoria racionalista, ao contrário, a percepção não é considerada uma fonte segura para o conhecimento, pois, ao depender do sujeito (sendo subjetiva), é passível de falhas. Nas palavras de Chauí (2000, p. 155-156), a percepção “é considerada não muito confiável para o conhecimento porque depende das condições particulares de quem percebe e está propensa a ilusões”. Seria o oposto da teoria anterior, a empirista, pois considera que há uma verdade absoluta, que ela obedece às leis da lógica, e que é passível de ser apreendida apenas pelo exercício da razão. Seria como se já tivesse a ideia de um tipo ideal de “livro”, antes de realmente haver um livro, que seria apenas a sua encarnação. Para os intelectualistas, a sensação e a percepção dependem do sujeito do conhecimento e a coisa exterior é apenas a ocasião para que tenhamos a sensação ou a percepção. Nesse caso, o sujeito é ativo e a coisa externa é passiva, ou seja, sentir e perceber são fenômenos que dependem da capacidade do sujeito para decompor um objeto em suas qualidades simples (a sensação) e de recompor o objeto como um todo, dando-lhe organização e interpretação (a percepção). A passagem da sensaçãopara a percepção é, neste caso, um ato realizado pelo intelecto do sujeito do conhecimento, que confere organização e sentido às sensações. Não haveria algo propriamente chamado percepção, mas sensações dispersas ou elementares; sua organização ou síntese seria feita pela inteligência e receberia o nome de percepção. (Chauí, 2000, p. 152) Pró-reitoria de EaD e CCDD Há ainda a teoria fenomenológica, para a qual, na prática, sensação e percepção são a mesma coisa, pois, em Chauí (2000, p. 152-153), “nunca temos sensações parciais [ou seja] sensações separadas de cada qualidade, que depois o espírito juntaria e organizaria como percepção de um único objeto. Sentimos e percebemos juntos, isto é, totalidades estruturadas”. Tendo como epicentro o filósofo alemão Edmund Husserl, o primeiro fenomenologista na filosofia contemporânea, entendemos que sua abordagem é uma tentativa de superar tanto o empirismo quanto o racionalismo. Basta perguntar ao empirista qual é a fonte de validez de suas teses gerais [...], para que ele se enrede em notório contrassenso. A experiência direta fornece apenas singularidades e não generalidades; ela, portanto, não basta [...]. A falta de clareza também reina, sem dúvida, no lado oposto. Aceita-se, é verdade, um pensar puro, um “pensar apriorista” e, com isso, rejeita-se a tese empirista, mas não se chega reflexivamente à consciência clara de que há algo como uma intuição pura, enquanto espécie de doação na qual as essências são dadas como objetos. (Husserl, 2006, p. 63-65) Para ele, a superação da dicotomia entre sujeito e objeto (uma das dificuldades inerentes à filosofia moderna, consequente do cogito cartesiano) é superada a partir da ideia da intencionalidade, na qual a consciência é sempre “consciência de...”, quer dizer, a consciência do sujeito (e, então, o próprio sujeito) é feita sempre por meio da relação com os objetos. Não há mais, assim, “dentro” (o sujeito) e “fora” (os objetos), pois tanto o sujeito se dá na própria relação com os objetos, quanto eles só se dão por meio da “intenção” Pró-reitoria de EaD e CCDD dele. Para os fenomenologistas, de acordo com Chauí (2000, p. 302), a consciência é “puro ato [...] é sempre consciência de. O ser ou essência da consciência é o de ser sempre consciência de, a que Husserl dá o nome de intencionalidade. A consciência é um ato intencional e sua essência é a intencionalidade”. Como dito anteriormente, ao percebermos as coisas, apenas temos uma parte delas; no exemplo do livro, não conseguimos ver todos os seus lados de uma só vez. A relação com o que está em nosso entorno é sempre limitada pelos nossos sentidos, os quais são inerentemente parciais e falhos. Nas palavras de Chauí (2000, p. 168), “observar é jamais ter uma coisa, pessoa ou situação de uma só vez por inteiro [já] a imaginação, ao contrário, não observa o objeto: cada imagem põe o objeto por inteiro”. Ou seja, como para imaginar não dependemos de nossos sentidos, em nossa imaginação, os objetos são “observados” por inteiro, sem limitação. Há muitos tipos de imaginação, sendo algumas delas: reprodutora, evocadora, irrealizadora, fabulosa e criadora. Na imaginação reprodutora, nossas imagens mentais são feitas a partir de nossas sensações-percepções e memórias; já a evocadora, para Chauí (2000, p. 170), “presentifica o ausente por meio de imagens com forte tonalidade afetiva [ao passo que a irrealizadora] torna ausente o presente e nos coloca vivendo numa outra realidade que é só nossa, como no sonho”. Pensando em exemplos, a gente entende melhor cada uma delas: na primeira, imaginamos a partir de nossas sensações-percepções e memórias, por exemplo quando está frio e imaginamos como seria bom beber uma xícara de café com leite bem quentinho. Já a segunda é quando nos lembramos de alguém que não encontramos há muito tempo, sentimos saudades e imaginamos como seria um reencontro; já para a terceira, podemos pensar no exemplo dado pela própria autora, no sonho, ou mesmo em alucinações. Pró-reitoria de EaD e CCDD A imaginação fabulosa (ou “religiosa”) é, ao contrário das anteriores, de caráter social, feita coletivamente; nela, uma sociedade cria sua “origem” a partir de uma dada mitologia, a qual embasa o seu presente e projeta um futuro idealizado. Por fim, temos a imaginação criadora, que integra todas as demais, já que, nas palavras de Chauí (2000, p. 170), “pede auxílio à percepção, à memória, às ideias existentes, à imaginação reprodutora e evocadora para cumprir-se como criação ou invenção”; é partir dela que inventamos coisas, nas artes e na ciência, com base em elementos afetivos, intelectuais e culturais. Pró-reitoria de EaD e CCDD Tema 5: Consciência e Conhecimento O modo como o sujeito é entendido pela filosofia depende da época; é consequência da sociedade e da cultura, assim como dos preceitos científicos elaborados por aqueles que têm autoridade reconhecida para tanto. A partir da modernidade, entendida aqui como tendo se desenvolvido principalmente do século XVII a meados do século XVIII, surge o interesse científico pelo “sujeito do conhecimento”. Em vez de tentar entender Deus ou a natureza, o foco é o entendimento da própria humanidade, assim como de sua capacidade de conhecer e demonstrar a verdade absoluta. Nas palavras de Chauí (2000, p. 55-56), é a “volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer a sua capacidade de conhecer. O ponto de partida é o sujeito do conhecimento como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que conhece sua capacidade de conhecer”. Um exemplo é o método que induziu ao cogito cartesiano, no qual o sujeito questiona a si mesmo, suas sensações-percepções, memórias e imaginação. A partir de então, surge um segundo questionamento: como o sujeito, enquanto consciência imaterial, pode conhecer os objetos materiais? Como o que está dentro de nós se relaciona com o que está lá fora? A ideia que dá conta da questão é a da representação; que funcionaria como uma Pró-reitoria de EaD e CCDD “ponte” entre o dentro e o fora, ou mesmo uma fotografia que transforma o tridimensional em uma imagem bidimensional e, então, passível de ser escaneada e armazenada como arquivo digital. Para os modernos, as coisas exteriores [...] podem ser conhecidas desde que sejam consideradas representações, ou seja, ideias ou conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento. Isso significa, por um lado, que tudo o que pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa ideia clara e distinta, demonstrável e necessária, formulada pelo intelecto. (Chauí, 2000, p. 55- 56) Para ser formulada e demonstrada pelo intelecto, a exterioridade (tudo aquilo “fora de nós”) deve ter uma inteligibilidade própria, ou seja, uma lógica interna que obedeça aos parâmetros da racionalidade; resumindo, tanto o sujeito conhece o exterior por meio da razão e das representações, quanto o exterior é, em si mesmo, racional e passível de ser conhecido pelo sujeito. Além do exterior, o “sujeito do conhecimento” também pode conhecer a si mesmo, sua interioridade. Nas palavras de Chauí (2000, p. 55-56), “existe também a convicção de que a razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e das emoções e, pela vontade oriunda pelo intelecto, é capaz de governa-las e dominá-las”. Tal convicção foi, porém, posta em dúvida por dois pesquisadores importantes: Karl Marx e Sigmund Freud. O primeiro, filósofo alemão, explicitou a limitação da razão humana diante das coerções sociais (externas), emPró-reitoria de EaD e CCDD específico as que se dão por meio da ideologia; já o segundo, psicanalista austríaco, fez o mesmo, porém em relação às “coerções individuais” (internas), dadas pelo inconsciente (internas). Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa própria vontade, racional e livremente, de acordo com nosso entendimento e nossa liberdade, porque desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar como pensamos e agir como agimos. A esse poder - que é social - ele deu o nome de ideologia. Freud, por sua vez, mostrou que os seres humanos têm a ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e desejam, tudo quanto dizem ou calam estaria sob o controle de nossa consciência porque desconhecemos a existência de uma força invisível, de um poder - que é psíquico e social - que atua sobre nossa consciência sem que ela o saiba. A esse poder que domina e controla invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu o nome de inconsciente. (Chauí, 2000, p. 63) A partir do desenvolvimento de Freud, entendemos que a razão não é unitária e, consequentemente, o sujeito não tem total conhecimento ou controle sobre si mesmo. Nossa consciência, ou aparelho psíquico segundo ele, tem pelo menos três partes: o id, o ego e o superego. A divisão do psíquico em o que é consciente e o que é inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, e somente ela torna possível a esta compreender os processos patológicos da vida mental, que são tão comuns quanto importantes, e encontrar lugar para eles na estrutura da ciência. (Freud, 1927) O id se refere aos nossos instintos mais básicos, como a libido, que está sempre em busca do prazer e em processo de negação da dor; o ego seria a parte da consciência da qual estamos conscientes, a nossa parte racional; e, por fim, o superego é a imposição de significados e valores – socioculturais – vigentes em determinada época. Examinaremos agora o indivíduo como um id psíquico, desconhecido e inconsciente, sobre cuja superfície repousa o ego, desenvolvido a partir de seu núcleo [...]. Se fizermos um esforço para representar isso pictoricamente, podemos acrescentar que o ego não envolve completamente o id [...]. O ego não se acha nitidamente separado do id; sua parte inferior funde-se com ele. Mas o reprimido também se funde com o id, e é simplesmente uma parte dele. Ele só se destaca nitidamente do ego pelas resistências da repressão, e pode comunicar-se com o ego através do id. (Freud, 1927) De acordo com Chauí (2000, p. 76), a noção de inconsciente “revelou que a razão é muito menos poderosa do que a Filosofia imaginava, pois nossa consciência é, em grande parte, dirigida e controlada por forças profundas e Pró-reitoria de EaD e CCDD desconhecidas que permanecem inconscientes e jamais se tornaram plenamente conscientes e racionais”. Esta é uma diferença importante entre o inconsciente e o subconsciente: o primeiro não se torna consciente, ao passo que o segundo sim; inclusive, tanto como “consciência passiva” (uma percepção rasa de nós mesmos, ou do que está em nosso entorno), quanto como “consciência vivida não reflexiva”, que, segundo Chauí (2000, p. 149-150), é “aquela que reconhece a diferença entre o interior e o exterior, entre o si e os outros, entre si e as coisas [e que] permite a existência da consciência em suas quatro modalidade, isto é, eu, pessoa, cidadão e sujeito”. Síntese Nesta aula, vimos quais são os principais conceitos e fundamentos teóricos do campo da teoria do conhecimento. Estudamos o processo de produção do conhecimento científico e as relações entre o conhecimento produzido pela experiência e pela racionalidade. Da mesma forma, refletimos sobre o pensamento consciente e inconsciente e as muitas formas como percebemos o mundo e construímos nossas experiências. Referências BERKELEY, G. Obras filosóficas. São Paulo: UNESP, 2010. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 2008. DESCARTES, R. Meditações metafísicas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. Pró-reitoria de EaD e CCDD FREUD, S. O Ego e o Id. Londres: Hogarth Press; Instituto de Psicanálise, 1927. GIL, A. C. Métodos e técnicas da pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008. HUSSERL, E. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica – introdução geral à fenomenologia pura. Aparecida: Ideias & Letras, 2006. LAKATOS, E.; MARCONI, M. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1991. MARCONDES, D. Iniciação à história da Filosofia: dos pré-socráticos à Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. SARTRE, J. P. Uma ideia fundamental da fenomenologia de Husserl – a intencionalidade. In: Situações I. São Paulo: Cosac Naif, 2005.
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