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1 Pró-reitoria de EaD e CCDD Teorias do Conhecimento Aula 3 Professoras Máira Nunes e Nicole Kollross 2 Pró-reitoria de EaD e CCDD Conversa inicial Olá, Ao longo do século XX, consolidou-se a Era da Comunicação de Massa, resultando em profundas transformações na forma como apreendemos o mundo e construímos nossos conhecimentos. Os meios de comunicação, como a imprensa, o rádio, a TV e – atualmente – a internet, passaram a fazer parte da nossa vida cotidiana e têm sido estudados por diferentes áreas do conhecimento. No caso da filosofia e da teoria do conhecimento, essas mudanças resultaram em novas escolas teóricas, que buscam compreender nossa organização social e nossas visões de mundo a partir dos estudos da linguagem, dos processos dialéticos e da psicanálise, entre outros. Nesta aula, estudaremos algumas dessas correntes teóricas, para melhor compreendermos os diferentes processos de produção do conhecimento. Vamos lá? Contextualizando Não podemos negar a importância e a influência dos meios de comunicação de massa em nossas vidas. Todos os dias, somos bombardeados com um número enorme de informações e estímulos que interferem na forma como nos comunicamos e interagimos em sociedade. Leia atentamente os textos da nossa aula, refletindo sobre essa importância e influência a partir das diferentes teorias do conhecimento. Pesquise O conteúdo da nossa aula foi dividido em cinco temas, organizados de acordo com os objetivos que queremos atingir. Leia os textos de cada uma das aulas, faça anotações e realize as atividades. Ao final da leitura, você deverá resolver nosso caso de estudo. Bons estudos! 3 Pró-reitoria de EaD e CCDD Tema 1: Abordagem Pragmática A língua, ou o uso da linguagem, pode ser estudada a partir de vários pontos de vista diferentes. Os principais são: a semântica, ou o estudo dos significados (conotação e denotação); a sintaxe, que busca entender como se dá a construção de frases, o que acontece na gramática, por exemplo; e, por fim, a pragmática, que foca a comunicação em seu uso prático. Nas palavras de Edna de Nascimento (2010, p. 1-2), “o termo pragmatismo, derivado do grego prágma, significa ‘fazer’, denota ação, ato ou caso”. Isso faz com que, ao falarmos que alguém é pragmático, utilizemos essa palavra no sentido de que essa pessoa é realista, objetiva e prática. No dicionário, a definição do termo pragmática é: “ramo da semiologia que trata das relações entre o signo e o usuário”, a qual surgiu nos Estados Unidos, no fim do século XIX, mais especificamente em 1870, com um grupo da Universidade de Cambridge, em Massachusetts. Seu objetivo principal era se opor às filosofias especulativas, que não estavam baseadas na realidade do ato da fala, em contexto. Os intelectuais de Cambridge, tendo a frente o próprio Peirce, compreendiam que o debate filosófico marcado pelo emaranhado de doutrinas e disputas teóricas não assegurava um consenso ou acordo entre as formulações, de maneira que, como consequência disso se obtinha um fazer improdutivo marcado por disputas filosóficas vãs. Para superar as contendas metafísicas seria necessário [sic] a adoção de outro método em filosofia. O pragmatismo teria esse desafio. (Nascimento, 2010, p. 3) 4 Pró-reitoria de EaD e CCDD Charles Peirce, citado no texto transcrito acima, é considerado um dos fundadores do pragmatismo (junto de John Dewey e William James, dentre outros), o qual pode ser entendido como a filosofia científica da linguagem. Uma de suas ideias principais é a de que o significado das palavras varia de acordo com o contexto, assim como de quem está falando e para quem etc.; em outras palavras, não está restrito à língua formal, ou às definições do dicionário. Tal perspectiva implica em [sic] valorização dos recursos disponíveis pelos indivíduos enquanto integrantes de uma comunidade de falantes: a história de sua vida, a classe social a que pertence, o gênero, a idade, a família, escolaridade, as suas crenças. Somente no interior de uma comunidade é que se pode avaliar a multiplicidade de regras para a ação que determinam e são determinadas pelos recursos individuais e coletivos de seus membros. (Oliveira, 2004, p. 2) Ou seja, a língua não tem o seu sentido “real” definido antes do seu uso, apenas pelo dicionário; ele ocorre, efetivamente, no próprio ato de falar (na prática), no processo de comunicação em si mesmo. É a linguagem contextualizada. Tanto que, para Oliveira (2004, p. 2-3), “na perspectiva pragmática, falar de linguagem é falar de ‘sentido’. A origem do sentido está no próprio uso que se faz da linguagem. [...] investigar os sentidos é investigar as regras de uso que o estão definindo [ou seja] o contexto”. 5 Pró-reitoria de EaD e CCDD Tema 2: Dialética e Historicidade Na filosofia, há duas linhas principais: a formal e a histórica. Na formal, o filósofo entende que existem verdades absolutas, independentes de tempo ou de espaço, e que o seu papel é descobri-las e demonstrá-las. Nas palavras de Danilo Marcondes (2004, p. 139), a filosofia estava “preocupada em garantir a diferença entre a mera opinião [...] e a verdade [e] considerou que as ideias só seriam racionais e verdadeiras se fossem [...] eternas, as mesmas em todo tempo e todo lugar”. Já na histórica, desenvolvida principalmente a partir do século XIX, ela é entendida como o próprio epicentro da filosofia, não apenas como “pano de fundo”, relato histórico complementar, anedótico. O filósofo que primeiro ganhou destaque pela abordagem histórica da filosofia foi Georg Hegel, que entendia a história como o próprio modo de ser da verdade, igual ao das pessoas em sua racionalidade. O sujeito pesquisado pela filosofia passou a ser, então, histórico. Ao afirmar que a razão é histórica, Hegel não está, de modo algum, dizendo que a razão é algo relativo, que vale hoje e não vale amanhã, que serve aqui e não serve ali, que cada época não alcança verdades universais. Não. O que Hegel está dizendo é que a mudança, a transformação da razão e de seus conteúdos é obra racional da própria razão. A razão não é uma vítima do tempo, que lhe roubaria a verdade, a universalidade, a necessidade. A razão não está na História; ela é a História. A razão não está no tempo; ela é o tempo. Ela dá sentido ao tempo. (Chauí, 2000, p. 98-99) A partir do ponto em que reconhece a relação entre história e verdade, Hegel determina que a razão não é nem só objetiva, nem só subjetiva, mas se encontra na união entre objeto e sujeito (aquele que vê e aquilo que é visto). Seu pensamento, aqui, foi importante porque abriu caminho para pensar a razão historicamente, e a história racionalmente, ou seja, a história como tendo uma racionalidade própria e inerente e, algo importante, não condicionada socioculturalmente! 6 Pró-reitoria de EaD e CCDD Com base em Hegel, Karl Marx embasou sua própria teoria, também entendendo que a história é feita a partir da contradição entre as “formas de racionalidade” de determinados períodos históricos, porém, com uma importante oposição, a de que ela é condicionada por conflitos de ordem social, cultural, política, econômica etc. (e não obra da própria razão, em si mesma, como uma “força histórica autônoma”). O marxismo permitiu compreender que os fatos humanos são instituições sociais e históricas produzidas não pelo espírito e pela vontade livre dos indivíduos, mas pelas condições objetivas nas quais a ação e o pensamento humanos devem realizar-se[...]. Graças ao marxismo, as ciências humanas puderam compreender que as mudanças históricas não resultam de ações súbitas e espetaculares de alguns indivíduos ou grupos de indivíduos, mas de lentos processos sociais, econômicos e políticos, baseados na forma assumida pela propriedade dos meios de produção e pelas relações de trabalho. (Chauí, 2000, p. 350) Foi a partir da releitura de Hegel e Marx, dentre outros, que a Escola de Frankfurt e a sua teoria crítica surgiram, por meio de sua atuação no Instituto de Pesquisas Sociais, o qual foi fundado em Frankfurt, em 1924. Alguns de seus principais autores são: Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973). 7 Pró-reitoria de EaD e CCDD Os pensadores da Escola de Frankfurt procuraram desenvolver uma teoria crítica do conhecimento e da sociedade inspirados na obra de Marx e em suas raízes hegelianas, relacionando o marxismo com a tradição crítica moderna. O principal aspecto dessa crítica diz respeito à racionalidade técnica e instrumental [contra a qual] é necessário desenvolver a razão emancipatória, com base na crítica da dominação. (Marcondes, 2004, p. 233-234) Um dos livros mais estudados da Escola de Frankfurt, na área de comunicação, é o de Walter Benjamin (2013), A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, cujas primeiras frases já fazem referência direta a Marx, afirmando que ao fazer “a análise do modo de produção capitalista [então] não somente se podia atribuir-lhe uma exploração progressivamente intensificada do proletariado como também a produção de condições que chegariam a possibilitar ao capitalismo a sua própria abolição”. Esse é um exemplo de como o autor se apropriou do pensamento marxista, usando suas principais ideias como base para o desenvolvimento das próprias argumentações e análises socioculturais. Entendendo que a razão é histórica, e condicionada por fatores específicos de dado período, a teoria crítica categorizou dois tipos específicos de razão: a instrumental (técnico-científica, simples “reprodutora” dos sistemas de dominação), que busca o controle da natureza, da sociedade e da cultura, e a crítica, que reconhece, nas palavras de Chauí (2000, p. 98-104), que “as mudanças sociais, políticas e culturais só se realizarão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação do gênero humano [ela] se apresenta como uma força libertadora”. Desse modo, seu foco não é a mera descrição e análise dos processos, mas, a partir delas, a transformação do social. Um exemplo da diferença entre os dois tipos de razão, a instrumental e a crítica, é a que existe entre cursos ou matérias mais teóricas ou práticas. Embora ambas sejam importantes para a formação acadêmica ou profissional, todas as que apenas ensinam “como fazer” – ou seja, as que simplesmente passam os saberes técnicos e científicos, sem os problematizar – somente reproduzem os sistemas de produção. 8 Pró-reitoria de EaD e CCDD Em outras palavras, as pessoas são condicionadas a sentir “preguiça de pensar”, para que os outros pensem por elas. As mais teóricas, entretanto, como a filosofia, a sociologia, a antropologia, a psicologia etc. (as áreas de humanas, em geral), buscam problematizar o sujeito e seu entorno, fazendo com que ele reconheça as contradições de sua situação, assim como os conflitos nos quais está envolvido. Os livros teóricos são sempre pensados a partir da prática, do real, porém, são problematizações, descrições de “como” as coisas são, e análises do “porquê” elas são de um jeito e não de outro. Tema 3: Abordagem Fenomenológica A filosofia pode ser entendida com base em seus diferentes períodos históricos, sendo que atualmente estamos na “contemporaneidade”. Nela, uma das principais correntes é a da fenomenologia, cuja origem se reconhece pelo livro de Edmund Husserl, Investigações lógicas, de 1901. Um ponto interessante é o fato de não ter sido ele o criador do termo inicialmente utilizado pelo “filósofo e matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert para caracterizar a ‘ciência das aparências’ e empregado 9 Pró-reitoria de EaD e CCDD posteriormente por Hegel em sua ‘ciência da experiência da consciência’, sendo esta tradição em que Husserl se inspira”. (Marcondes, 2004, p. 257) O foco, em cada um dos casos, é a experiência que o sujeito tem dos objetos, em outras palavras, os “fenômenos”. Não está mais em questão, aqui, se o objeto é real ou irreal, mas, aquém ou além, busca-se o entendimento da própria experiência, unicamente a partir do sujeito. Por exemplo, enquanto você lê um livro, o que interessa na fenomenologia é sua experiência, o que você vê, “independentemente” de o que é visto estar lá, ou não. Concentrarmo-nos [em] focar nossa atenção não tanto no que experienciamos lá fora no mundo, mas na nossa experiência do mundo, é dar o primeiro passo na prática da fenomenologia [...]. Portanto, prestar atenção à experiência em vez de àquilo que é experienciado é prestar atenção aos fenômenos [ou seja] nos convida a ficar com o que estou chamando aqui “a própria experiência”. (Cerbone, 2012, p. 13-14) Tal proposta é um desdobramento de uma tendência problemática da filosofia moderna: a dicotomia sujeito-objeto cuja origem pode ser reconhecida, por sua vez, em René Descartes e em seu livro Meditações metafísicas, de 1641. Nele, elabora-se o “cogito”, ou a ideia basilar de que “eu penso, logo, eu existo”. O autor buscava uma certeza absoluta e, após aplicar o método de duvidar de tudo (inclusive de sua própria memória, imaginação e razão), percebeu que algo se manteve: “quem” estava pensando. 10 Pró-reitoria de EaD e CCDD A partir de então, o autor usou a “prova” da existência de Deus como recurso para apoiar a existência de todo o resto (com base em si mesmo), sendo sua argumentação a seguinte: se entendo o que é perfeição e infinitude, mas sou imperfeito e finito, só posso ter tido essas ideias a partir de alguém que é, em si mesmo, perfeito e infinito... Que só pode ser Deus (a “primeira alteridade”, ou o “primeiro outro”)! Então, como Deus (da Igreja católica) é, para ele, obrigatoriamente bom e verdadeiro, não permitiria que os objetos experienciados por mim fossem irreais. É um exemplo de um argumento tautológico, pois “Deus existe porque é bom” e “Deus é bom porque existe”. A partir do momento em que não se usa o “recurso de Deus”, sujeito e objeto são separados – e é justamente essa separação que a filosofia contemporânea tenta superar – na fenomenologia, por meio da ideia da intencionalidade. O lema básico da fenomenologia é “de volta às coisas mesmas”, procurando com isso a superação da oposição [...] entre o sujeito e o objeto, a consciência e o mundo. Toda consciência é consciência de alguma coisa; a consciência se caracteriza exatamente pela intencionalidade, pela visada intencional que a dirige sempre a um objeto determinado. (Marcondes, 2004, p. 258) Se só posso ter certeza absoluta de minha própria existência e das experiências que vivo (não importando se são reais ou obra de minha memória ou imaginação), o foco passa a ser o próprio fenômeno, e como ele acontece. É desse momento, então, que muitos entenderam que a psicologia passaria a ocupar o lugar da filosofia. Contra tal posição, segundo Husserl, a fenomenologia “está encarregada, entre outras, de três tarefas principais: separar psicologia e filosofia, manter o privilégio do sujeito do conhecimento ou consciência reflexiva diante dos objetos e ampliar/renovar o conceito de fenômeno” (Chauí, 2000, p. 300). Seu projeto filosófico [de Husserl] caracterizou-seinicialmente pela formulação da fenomenologia como um método que pretende explicitar as estruturas da experiência humana do real, revelando o sentido dessa experiência através de uma análise da consciência em sua relação com o real. (Marcondes, 2004, p. 257) 11 Pró-reitoria de EaD e CCDD Para seu aluno, Martin Heidegger, no entanto, antes de entender como ocorre a experiência do objeto, a fenomenologia deveria buscar o próprio sujeito que tem a experiência (também assumindo o pressuposto da intencionalidade). Segundo o autor, em seu livro Ser e Tempo, de 1927, “deve-se colocar a questão do sentido do ser. Tratando-se de uma ou até da questão fundamental, seu questionamento precisa, portanto, adquirir a devida transparência [para] ser como uma questão privilegiada” (Heidegger, 2012). Ele entende o sujeito como um tipo de “ente”, dentre outros, e o chama de Dasein (palavra na língua alemã) que é o [...] seu nome para o tipo de ente que nós somos [que é o] composto de “Da”, significando “aí”, e “sein”, significando “ser” [então, o sujeito é o “ser-aí”]. O Dasein é o lugar para começar a responder à questão sobre o ser porque ele, diferente de outros tipos de entidades, sempre tem uma compreensão do ser [ou seja] o que é ser o tipo de ente que somos, pressupõe compreender [antes] o ser”. (Cerbone, 2012, p. 69-70) 12 Pró-reitoria de EaD e CCDD Foi a partir da leitura desse livro (e da fenomenologia em geral) que Jean-Paul Sartre escreveu O ser e o nada, em 1943. Nele, o autor usa noções fenomenológicas, como a intencionalidade na relação do sujeito com o objeto (de Husserl) e a diferenciação entre o ser e o ente (de Heidegger), criando a própria corrente filosófica: o existencialismo. O existencialismo de Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi uma das correntes mais importantes do pensamento francês do pós-guerra, sobretudo entre os anos 50 e 60 [...]. Essa filosofia tem origem na própria análise fenomenológica da consciência intencional, na influência do pensamento de Heidegger, com o qual Sartre entrou em contato quando estudou na Alemanha no início dos anos 30, e na tradição filosófica [...] que se opõe à filosofia sistemática e especulativa, valorizando uma reflexão a partir da experiência humana concreta. (Marcondes, 2004, p. 259) Enquanto Sartre se baseia mais em Heidegger, Maurice Merleau-Ponty (outro existencialista importante, que trabalhou bastante com ele, Simone de Beauvoir e outros) usa mais os conceitos de Husserl em seus livros. Na França, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) foi o principal seguidor de Husserl e, em sua Fenomenologia da percepção (1945), procura desenvolver uma análise do sujeito no mundo, anterior mesmo à relação de conhecimento, considerando o sujeito como corpo e a consciência como encarnada no corpo, tentando assim evitar o dualismo cartesiano que considera presente ainda em Husserl. (Marcondes, 2004, p. 258) O ponto importante a ser destacado é a significativa contribuição da fenomenologia para a filosofia contemporânea. Na corrente existencialista, talvez sua influência esteja mais explícita, mas também está presente, por 13 Pró-reitoria de EaD e CCDD exemplo, no pós-estruturalismo (em especial, nas primeiras fases de Michael Foucault1). Então, para entender inclusive os autores mais atuais, devemos reconhecer quais são suas principais influências, isto é, em quais autores se basearam e qual interpretação fizeram deles. Tema 4: Perspectivas Sociológicas O termo foi inventado por Augusto Comte, quando buscou desenvolver um estudo da sociedade com base em princípios próximos aos da ciência natural e no modo como ela pesquisa. Nas palavras de Anthony Giddens (2005, p. 28), “a visão sociológica de Comte foi a da ciência positiva. Ele acreditava que a sociologia deveria aplicar os mesmos métodos científicos rigorosos ao estudo da sociedade que a física ou a química usam no mundo físico”. 1 Para saber mais, procure Nalli, M. Foucault e a fenomenologia. São Paulo: Edições Loyola, 2006. 14 Pró-reitoria de EaD e CCDD Foi a partir dele, dentre outros (como Gabriel Tarde), que se desenvolveu a ideia seminal do que seria a proposta de estudo da sociologia, que, para Chauí (2000, p. 351), pode ser entendida como o “estudo das estruturas sociais: origem e forma das sociedades, tipos de organizações sociais, econômicas e políticas; estudo das relações sociais e de suas transformações; estudo das instituições sociais”. Depois de Comte, surgiram três outros importantes autores, que servem ainda hoje de referencial para todos os demais, de acordo com a linha de pesquisa escolhida: Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920). O primeiro, Marx, talvez seja o mais conhecido, principalmente pela apropriação de suas teorias por movimentos sociais e partidos políticos. Apesar de se considerar um filósofo, e não um sociólogo, ele foi e ainda é amplamente usado na sociologia e nas demais disciplinas da área de humanas. Para ele, as mudanças mais importantes estavam estreitamente ligadas ao desenvolvimento do capitalismo. O capitalismo é um sistema de produção que contrasta radicalmente com os sistemas econômicos anteriores da história, já que envolve a produção de mercadorias e de serviços vendidos a uma ampla faixa de consumidores [...]. De acordo com Marx, o capitalismo é inerentemente um sistema de classe no qual as relações de classe são caracterizadas pelo conflito [e que ele] em função dos recursos econômicos tornar-se-ia mais agudo com o passar do tempo. (Giddens, 2005, p. 31-32) 15 Pró-reitoria de EaD e CCDD O seu foco estava nos aspectos materiais do cotidiano, os quais mudam de acordo com o período histórico; assim, sua abordagem se chama “materialismo-histórico”, pois junta as duas ideias. Nela, a sociedade pode ser entendida com base na infraestrutura (as relações de produção e de divisão do trabalho em classes) e na superestrutura, dada a partir da anterior, que estaria mais próxima a ideias culturais. Assim, a produção e o trabalho determinariam todo o resto, limitando muito as pessoas e suas escolhas. Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. (Marx, 2008, p. 19) Tal proposta foi um desdobramento da dialética de Georg Hegel, a qual, para Henri Lefebvre (2011, p. 26-27), é “todo esforço para fazer avançar os conhecimentos [...] por meio da confrontação de teses opostas: o pró e o contra, o sim e o não, a afirmação e a crítica”, priorizando, entretanto, as contradições de uma dada conjuntura sociocultural e histórica. Já Durkheim tinha mais afinidade com a proposta original da sociologia de Comte, em seu desdobramento da filosofia. Durkheim via a sociologia como uma nova ciência que poderia ser usada para elucidar questões filosóficas tradicionais ao examiná-las de uma maneira empírica [...]. Seu famoso primeiro princípio da sociologia era “Estude fatos sociais como coisas”. Com isso, queria dizer que a vida social poderia ser analisada tão rigorosamente como os objetos ou os eventos na natureza [enfim] o estudo de fatos sociais. (Giddens, 2005, p. 29) 16 Pró-reitoria de EaD e CCDD Para ele, os fatos sociais constituem quaisquer modos de sentir, pensar ou agir, os quais são, por sua vez, externos e anteriores aospróprios sujeitos que os sentem, pensam ou executam a ação. Seria como se a sociedade, feita por fatos sociais, tivesse uma realidade própria, independente das pessoas, de suas necessidades, desejos e escolhas. Assim, seria um poder coercitivo, invisível e intangível, que produz e mantém a sociedade unida, em uma “coesão” inerente que tende à harmonia. Max Weber, por sua vez, considera que o que seria o ideológico para Marx tem tanto significado e valor quanto os fatores econômicos; nas palavras de Giddens (2005, p. 33), “ao contrário de outros pensadores sociólogos anteriores, Weber acreditava que a sociologia deveria se concentrar na ação social e não nas estruturas”, tornando sua abordagem relativamente mais abrangente, discutindo junto da sociedade alguns aspectos culturais importantes. A moderna organização racional das empresas capitalísticas não teria sido possível sem dois outros fatores importantes em seu desenvolvimento: a separação dos negócios da moradia da família, fato que domina completamente a vida econômica, e, estritamente ligada a isso, uma contabilidade racional [...]. Entre fatores de importância incontestável estão as estruturas racionais das leis e da administração, pois que o moderno capitalismo racional não necessita apenas dos meios técnicos de produção, mas também de um sistema legal calculável e de uma administração baseada em termos de regras formais. (Weber, 2009, p. 29-31) 17 Pró-reitoria de EaD e CCDD Já em oposição a Durkheim, Weber entende que os indivíduos agem livremente, sendo o social uma consequência de suas escolhas. Ele não acreditava, como Durkheim e Marx, que as estruturas existiam externa ou independentemente dos indivíduos. Ao contrário, as estruturas na sociedade eram formadas por uma complexa interação de ações [...]. Na concepção de Weber, ideias e valores culturais ajudam a modelar a sociedade e modelam nossas ações individuais. (Giddens, 2005, p. 33) Uma de suas contribuições mais importantes foi a noção de “tipo ideal”, a qual nada mais é do que uma construção teórica feita para ajudar a entender a prática, ou seja, a partir de um “tipo ideal” social, podemos entender a própria realidade. Para Giddens (2005, p. 34), “essas construções hipotéticas podem ser muito úteis, já que qualquer situação no mundo real pode ser compreendida ao compará-la a um tipo ideal. Dessa forma, tipos ideais servem como um ponto fixo de referência”. Ao selecionar uma experiência comum como exemplo, podemos entender o “tipo ideal” a partir da ideia que fazemos de um par romântico ideal, o parceiro perfeito: com todas as características que desejamos (e nenhum dos defeitos); obviamente essa pessoa não é real, mas, justamente por ser um 18 Pró-reitoria de EaD e CCDD “ponto fixo de referência”, temos algo que serve de base para comparação, como se a base teórica servisse de régua para medir a realidade. Concluindo, é a partir desses três autores – Marx, Durkheim e Weber – que toda a sociologia seguinte se desenvolveu; a favor ou em oposição, os pesquisadores atuais ainda referenciam (mesmo que apenas indiretamente) ao menos um dos três, juntando, na maioria das vezes, mais de um em seus desenvolvimentos. Tema 5: Psicanálise e Conhecimento A nossa relação com os outros é determinada tanto por nossa psicologia, quanto por fatores externos a nós, como a sociedade e a cultura em que estamos, ou seja, não nos relacionamos livremente, sem imposições ou coerções. Quando não percebemos o que nos é imposto, ou as coerções que sofremos – por instituições sociais ou condições históricas específicas –, estamos sob o julgo de uma alienação social, que, nas palavras de Chauí (2000, p. 218), “é o desconhecimento das condições histórico-sociais concretas em que vivemos”. A alienação acontece por meio de um imaginário (ou ideologia) que tenta justificar o social de modo totalizante, ou seja, reproduz a realidade como algo irrepreensível, como um relógio suíço em que todas as partes cumprem sua função com perfeição. Seu principal recurso é a ideologia, que dissimula as relações de poder por meio da ocultação das divisões sociais e políticas, ou seja, as relações de poder nas quais estamos imbricados. É, por exemplo, a ideia da meritocracia, em que somos levados a crer que o sucesso ou o fracasso de alguém depende exclusivamente de sua força de vontade (independente de quaisquer fatores relevantes em seu entorno, ou mesmo de sua história de vida). Tal processo pode, inclusive, culpabilizar a própria pessoa quando não é tão bem-sucedida quanto gostaria, pois ela seria a única responsável. 19 Pró-reitoria de EaD e CCDD A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar-lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos. Indivisão: apesar da divisão social das classes, somos levados a crer que somos todos iguais porque participamos da ideia de “humanidade” [...]. Diferenças naturais: somos levados a crer que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não são produzidas pela divisão social das classes, mas por diferenças individuais dos talentos e das capacidades, da inteligência, da força de vontade maior ou menor, etc. A produção ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com que todas as classes sociais aceitem as condições em que vivem, julgando-as naturais. (Chauí, 2000, p. 221) Se sou malsucedido é porque não sou tão inteligente ou porque não me esforcei tanto quanto o outro; em um livre mercado, por exemplo, todos teriam as mesmas condições de lucro, então, se meu negócio falhou, é culpa minha. Além de na relação entre as classes, o mesmo acontece entre as raças e etnias, ou mesmo entre as identidades de gênero. É a naturalização da desigualdade, como se ela fosse inata ou algo que “sempre esteve e sempre estará aí”, e não a consequência das construções feitas a partir das relações e disputas de poder (e, então, passível de ser desconstruída). São os modos de operação da ideologia, que, segundo Chauí (2000, p. 221-223), classificam-se em: inversão, imaginário social e silêncio. Na inversão, entendem-se os efeitos como se fossem anteriores às causas (as quais, em si mesmas, tornam-se “efeitos”); por exemplo, eu sou pobre (efeito) e, “consequentemente”, não consigo estudar (causa), ao passo que, antes: como não consigo estudar, eu continuo sendo pobre. No imaginário social, são construídas e representadas (na mídia, por exemplo) ideias que reforçam a ideologia, ou os modos de dominação, como os “casos excepcionais” em que algumas pessoas, mesmo sem qualquer recurso ou ajuda, superam as adversidades e ocupam espaços que não estavam destinados a elas. 20 Pró-reitoria de EaD e CCDD O terceiro modo de operação da ideologia é pelo silêncio, no qual as falhas do discurso dominante (ou as contradições próprias ao social) são sumariamente ignoradas. Ainda no exemplo da relação entre a pobreza e os estudos, é o silenciamento sobre o fato de que os “casos excepcionais” reiteram a regra, e não o contrário. Como dito por Antônio Teixeira (2009), “podemos, portanto, inferir, a propósito do mecanismo de dominação ideológica, que ele é possível pelo simples fato de que toda realidade representada é invariavelmente uma realidade forçada”. As pessoas que superaram as adversidades, fazem-no não pelos recursos que estavam previstos para elas – usando o material didático da escola pública, por exemplo –, mas pelo acesso aos recursos de outros, com melhores condições, como quando a pessoa passa no vestibular usando os livros queencontrou no lixo (de quem já estudava em escola particular). Nas palavras de Chauí (2000, p. 221-223), o imaginário social “se parece com uma frase onde nem tudo é dito, nem pode ser dito, porque, se tudo fosse dito, a frase perderia a coerência [...] e ninguém acreditaria nela. A coerência e a unidade [...] vêm, portanto, do que é silenciado”. 21 Pró-reitoria de EaD e CCDD Concluindo, assumimos a ideologia como um senso comum, e entendemos a nós mesmos e aos outros a partir dela, inclusive, em nossa própria psicologia, naquilo que entendemos que somos ou não capazes de fazer, ou de ter. Qual seria, então, a posição que a psicanálise adotaria em relação à ideologia? Em Teixeira (2009), ela busca “expor na discordância do sintoma, [sic] a verdade sonegada na relação do sujeito ao desejo, verdade de cuja sonegação depende a própria estabilidade de sua representação imaginária como Ego”. Trocando Ideias Com base no conceito de comunicação de massa, reflita e responda: Como podemos construir um conhecimento dialético que leve em consideração nossa linguagem e nosso inconsciente? Síntese Nesta aula, analisamos características da Era da Comunicação de Massa a partir dos estudos da teoria do conhecimento. Falamos sobre a abordagem pragmática e a significação da linguagem existente entre os interlocutores. Analisamos também aspectos da dialética e da historicidade dos conhecimentos com base nos estudos da Escola de Frankfurt. Estudamos as características da abordagem fenomenológica enquanto estudo dos fenômenos e discutimos perspectivas sociológicas do conhecimento. Para finalizar, investigamos a relação entre psicanálise, inconsciente e o conhecimento. Referências BENJAMIN, W. A obra de arte da era de sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: L&PM, 2013. CERBONE, D. Fenomenologia. Petrópolis: Vozes, 2012. 22 Pró-reitoria de EaD e CCDD ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012. GIDDENS, A. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005. HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2012. MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos à Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. MARX, K. O 18 brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Martin Claret, 2008. NASCIMENTO, E. do. Pragmatismo: uma filosofia da ação. In: VI Encontro de Pesquisa em Educação da UFPI. Programa de Pós-graduação em Educação do Piauí. Teresina, 2010. OLIVEIRA, J. de. Comunicação e cultura: uma perspectiva pragmática. In: VII Colóquio Brasil-França de Ciências da Comunicação e da Informação. Porto Alegre: Comunicação e Cultura, 2004. Disponível em: <http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/117286955872540208435705283454 439828576.pdf>. Acesso em: nov. 2015. TEIXEIRA, A. Psicanálise e ideologia: a violência da representação. Belo Horizonte, v. 15, n. 3, dez. 2009. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677- 11682009000300010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: nov. 2015. 23 Pró-reitoria de EaD e CCDD WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2009.
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