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Pró-reitoria de EaD e CCDD 1 Teorias do Jornalismo Aula 4 Prof. Roberto Nicolato Pró-reitoria de EaD e CCDD 2 Conversa Inicial Olá! Aos poucos, vamos avançando nos estudos das teorias do jornalismo, esse campo específico do conhecimento que busca alicerçar o seu arcabouço teórico, tendo como principal matéria-prima a sua própria atividade nas redações dos meios impressos, eletrônicos e digitais. Atividade que está sujeita à dinâmica social, econômica e política de uma determinada sociedade, inserida num determinado momento histórico. Aqui, estamos falando da década de 70, época de importantes transformações sociais e grandes avanços na área do conhecimento e, para o que mais nos interessa, das pesquisas relacionadas às teorias do jornalismo: as da Ação Política, dos Definidores Primários, da Espiral do Silêncio e dos Construcionistas. No fundo, a gente pode dizer que os anos 70 foram um marco na história, um divisor de águas, nos estudos do jornalismo, nos Estados Unidos e na Europa. Os acontecimentos em diferentes continentes, tanto na categoria política como econômica e social, repercutiram tanto nas temáticas quanto nas preocupações e perspectivas dos estudiosos. Portanto, seja bem-vindo à década de 70! Você pode até pensar que foi uma época de muita diversão e deslumbre, das discotecas, do nostálgico filme Os embalos de sábado à noite, protagonizado por John Travolta, do hedonismo e das liberdades individuais. Claro que teve tudo isso porque era um momento de afirmação das lutas que foram travadas a partir dos anos 60: as causas feministas, dos gays, dos negros e ambientais. Muitos queriam não apenas conquistar, mas viver essa liberdade. Mas foi o tempo de democracia (nos Estados e parte da Europa) e de ditaduras na América Latina, incluindo o Brasil, e países europeus, como Portugal, Espanha e Grécia. Crises não faltaram. Os Estados Unidos perderam a Guerra do Vietnã, o presidente norte-americano Richard Nixon renunciou com o famoso caso Pró-reitoria de EaD e CCDD 3 Watergate e, no Brasil, a censura, a falta de liberdade de expressão e a tortura de presos políticos deram o tom de como o cidadão deveria se comportar durante o período de ditadura militar. Mas, voltando à diversão e falando de notícia e informação, não podemos nos esquecer de que a televisão foi a grande vedete dos anos 70, com a sua imagem capaz de fixar os acontecimentos nas mentes e nos corações da então chamada “sociedade do espetáculo”, como definiu Debord. Contextualizando Mas vamos, agora, chegar mais perto do nosso foco de pesquisa: saber a partir de quais perspectivas a atividade jornalística foi analisada na conturbada e fantasiosa década de 70. Para Nelson Traquina, as novas preocupações dos pesquisadores se resumiam em compreender o jornalismo sob o ponto de vista das ideologias (Hall, 1977), apoiada nas formulações marxistas, da semiótica francesa de Barthes e da escola culturalista britânica (Hall et al, 1978) (2005, p. 161). Melhor trocar em miúdos. As teorias do jornalismo nos anos 70 estavam relacionadas, então, às questões ideológicas, marcadas profundamente pela Guerra Fria e utilização da mídia, tanto para confrontar o regime capitalista quanto para manter o status quo desse mesmo sistema. Então, estamos falando da Teoria da Ação Política, em que os jornalistas podem assumir um papel ativo ou a função de propagador ou reprodutor da ideologia capitalista, dependendo de que olhar a sua atividade é vista, seja da esquerda, seja da direita. Ou, então, como diz Traquina, de outra maneira as teorias do jornalismo também passaram a ter uma concepção não tanto determinista, centrada na ação política, a partir do alargamento das preocupações, com Tuchman, que já colocava na roda a observação do indivíduo, a organização (veículo onde o jornalista trabalha) e a comunidade profissional, nas chamadas Teorias Pró-reitoria de EaD e CCDD 4 Construcionistas. É importante lembrar que, nesse caso, as notícias eram tratadas como estórias, não ficcionais, fantasiosas, mas que construíam socialmente a realidade. E, assim, repassamos abaixo os nossos cinco temas da nossa quarta rota da nossa disciplina Teorias do Jornalismo, intitulada "Era da sociedade do espetáculo": 1. Teoria da Ação Política 2. Teoria dos Definidores Primários e da Espiral do Silêncio 3. Teorias Construcionistas 4. Teorias Construcionistas/Estruturalistas 5. Teorias Construcionistas/Interacionistas Antes de irmos para o nosso primeiro tema dessa rota, gostaria de levantar a seguinte questão: como se deu a atividade jornalística nos anos 70 no Brasil, num período marcado pela censura e falta de liberdade de expressão? Você sabia que nas redações dos jornais existia uma censura da Polícia Federal para dizer o que poderia ou não ser publicado? Se não pudesse convencer pela ideologia, valia a força para empastelar edições e proibi-las e aquartelar jornalistas "mais afoitos" na Lei de Segurança Nacional. Mas olha que também não faltou espaço para os meios de comunicação condescendentes com o regime autoritário do governo. Vamos aprender um pouco sobre a censura nos meios de comunicação no Brasil. Pesquise sobre o tema no especial do jornal Folha de S.Paulo sobre o processo de redemocratização: http://www1.folha.uol.com.br/especial/2015/30- anos-de-redemocratizacao/. Pró-reitoria de EaD e CCDD 5 Tema 1: Teoria da Ação Política Vamos iniciar a aula sobre essa teoria abordando um tema que lhe é muito caro: a ideologia. Para entender melhor, vamos a Althusser, marxista de carteirinha, que analisou as estruturas de dominação do Estado, que tanto poderia se utilizar dos chamados aparelhos ideológicos quanto dos repressores. Trocando em miúdos, os aparelhos ideológicos seriam representados pela dominação da Igreja, da mídia, do direito e das instituições políticas e educacionais, por meio dos seus sistemas de valores, para que os indivídios fossem convencidos a se portarem conforme os seus interesses, ou seja, os interesses de uma elite política, religiosa ou do próprio Estado. Um exemplo: quando Cabral descobriu o Brasil, ele aqui não se instalou de imediato, por não encontrar o que procurava: o ouro. Mas, para manter o objeto de conquista, fincou uma cruz na chamada Terra Santa e anos depois realizou uma missa para impingir nos dominados os ideais da ideologia cristã. De outra forma, com a ocupação do território brasileiro, ao longo dos séculos, foi usada a violência para exterminar e cooptar os índios rebeldes e, assim, explorar as riquezas propiciadas pela colônia. Essa mesma forma de dominação ocorreu ainda durante o regime militar no Brasil, na década de 70, para reprimir aqueles que eram contra o governo, por meio de diferentes métodos de tortura. Depois de entendermos como a questão ideológica e repressiva funcionava, vamos pensar que a Teoria da Ação Política, que também é chamada de Instrumentalista, compreende que a notícia estaria a serviço dos interesses políticos, tanto da esquerda quanto da direita, ou seja, para o bem ou para o mal. E aqui estamos falando da mídia e do que ela professa para manter ou não o funcionamento do sistema. Ou pensando um pouquinho mais longe: para os adeptos da esquerda, o noticiário tem como objetivo manter o status quo Pró-reitoria de EaD e CCDD 6 do sistema capitalista, e para o pessoal da direita a função seria justamente o contrário: questionar esse mesmo sistema. Na verdade, essa teoria está diretamenteligada ao contexto da Guerra Fria, em que o mundo estava dividido em capitalistas e socialistas. Assim, o paradigma de que o jornalismo é um reflexo da realidade cai por terra, para dar lugar aos estudos de parcialidade em oposição à objetividade. Ou seja, a notícia veiculada no jornal, rádio e televisão não é meramente o que aconteceu de fato. Como principais teóricos da Teoria da Ação Política, podemos citar Noam Chomsky e Edward Herman, como representantes da esquerda, e Efron, Kristol, Lichter e Rothman, como pensadores da direita. Os primeiros tendem a afirmar que os jornalistas reforçam a visão do mundo capitalista, sendo que a imprensa está subordinada aos interesses da elite política e econômica dos Estados Unidos. Já os segundos reforçam a tese de que os jornalistas da esquerda distorcem os fatos, a partir de uma visão anticapitalista. Para Chomsky e Herman, os jornalistas são instrumentos da manutenção do sistema hegemônico de poder e de dominação, reféns que estão das fontes governamentais e econômicas e participantes de uma estrutura de mídia concentrada e ideologicamente anticomunista. "Os donos de jornal dizem aos seus diretores que assuntos querem em pauta e estes mobilizam os seus repórteres" (Pena, 2008, p. 149). Os dois autores consideram as reportagens campanhas de publicidade maciça, pois priorizam interesses específicos e servem para mobilizar a opinião pública em uma determinada direção. Assim, os jornalistas são reduzidos à função de executantes a serviço do capitalismo ou coniventes com as elites. Segundo Traquina, na versão da direita, defendida nos estudos de Kristol (1975) e Efron (1971), o argumento é que os “media norte-americanos, particularmente as grandes cadeias de televisão, fazem parte de uma ‘nova classe’ de burocratas e intelectuais que tem interesse em expandir a atividade Pró-reitoria de EaD e CCDD 7 reguladora do Estado às custas das empresas privadas. Essa 'nova classe' utiliza os media na propagação das suas opiniões anticapitalista". Na versão da direita, podem ser observados três aspectos: os jornalistas detêm o controle pessoal sobre o produto jornalístico; eles estão dispostos a injetar as suas preferências políticas no conteúdo noticioso; e, enquanto indivíduos, têm valores políticos coerentes e, a longo prazo, estáveis. Uma pesquisa sobre os profissionais norte-americanos, inclusive, demonstrou que a categoria tem valores mais à esquerda do que a média da população. Traquina, no entanto, observa que os teóricos da ação política têm uma visão determinista sobre os jornalistas, "considerando-os como colabores da utilização instrumentalista da imprensa ou submissos ao capital" (Pena, p. 149). Para ele, a autonomia dos jornalistas nas redações é relativa; há um distanciamento do proprietário e dos diretores. Em resumo, se para os teóricos da esquerda eles seriam meros cumpridores das ordens patronais, para os de direita teriam controle pessoal sobre a produção da notícia e estariam dispostos a influenciar o noticiário com a defesa de suas ideias. Trazendo tudo isso para a realidade brasileira, como poderíamos pensar hoje o jornalismo? Será que essa teoria poderia explicar o que ideologicamente estaria por trás nos noticiários da mídia? Ou seja, até que ponto os jornalistas teriam autonomia para defender os interesses de um sistema neoliberal ou estatizante? O que se pode afirmar é que os interesses da elite econômica e política ainda prevalecem no sentido de se defender, utilizando todos os instrumentos de dominação ideológica. Enfim, o conteúdo das notícias é imposto pelas empresas e condicionado pela estrutura macroeconômica, sendo que os megaconglomerados de comunicação concentram hoje dois terços das informações que circulam no planeta. Em suma, há uma ligação estreita entre a classe capitalista, as elites dirigentes e os produtores midiáticos. Pró-reitoria de EaD e CCDD 8 Tema 2: Teoria dos Definidores Primários e da Espiral do Silêncio Só para recordar: quando estudamos as teorias do jornalismo, buscamos responder àquela pertinente questão apresentada por Nelson Traquina: por que as notícias são como são? E como já vimos até agora, não são poucos os fatores que interferem na sua produção – em maior ou menor intensidade. Mas há teorias que não precisam elencar uma série de fatores para dar a devida explicação. É o caso da Teoria dos Definidores Primários e da Espiral do Silêncio. A Teoria dos Definidores Primários não acredita que o jornalista tem o poder, utilizando de sua ideologia (como acontece na Teoria da Ação Política), de manipular a notícia, sendo contrário ou não a um determinado sistema. Isso porque os profissionais estariam sob o poder e a influência exercidos pelas fontes privilegiadas que têm um peso fundamental na construção dessa mesma notícia que será veiculada nos meios de comunicação. Trocando em miúdos, como diz Felipe Pena, "as possíveis distorções do noticiário não seriam fruto de uma simples conspiração dos profissionais de imprensa com os dirigentes da classe hegemônica, mas, na verdade, uma subordinação às opiniões das fontes que têm posições institucionalizadas, também chamadas de definidores primários" (Pena, p. 154). Ou seja, segundo o autor, aqueles que têm cargos institucionais, como governadores, prefeitos, delegados de polícia e presidentes de empresas, tendem a definir o direcionamento das notícias, pois são os primeiros a serem procurados pelos jornalistas, já que funcionam como definidores primários. E, nesse caso, os jornalistas os elegem como as suas principais fontes por vários motivos: confiabilidade nas informações, hierarquia da autoridade e produtividade. Pró-reitoria de EaD e CCDD 9 Quanto à credibilidade, segundo Nelson Traquina, fontes confiáveis têm mais chances de serem novamente acessadas. Mas sempre há o risco de dependência e vantagem estratégica dos setores legitimados, não só do Estado, mas da vida cultural, esportiva e financeira. Um exemplo: as informações sobre violência nas grandes cidades, para os jornalistas, teriam maior confiabilidade se forem repassadas pelo secretário de Segurança Pública. Mas e se as estatísticas forem deturpadas para revelar uma queda no número de crimes em determinado estado? Isso não é uma prática incomum no Brasil. Os profissionais da imprensa, conforme a Teoria dos Definidores Primários, também preferem as fontes oficiais (hieraquia da autoridade) em detrimento das secundárias. Segundo Luiz Costa Pereira Júnior, no livro A apuração da notícia, "o jornalista pode utilizar a fonte mais pelo que ela é do que pelo que sabe". Vejamos o caso Watergate, que culminou com a renúncia do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, na década de 70, após o escândalo das escutas telefônicas na sede do Partido Democrata. Os repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, do jornal Washington Post, poderiam simplesmente dar-se por satisfeitos com as informações divulgadas pela Casa Branca, como a maioria da imprensa norte-americana na época. Mas foram por outro caminho, inclusive, coletando informações em off para produzir uma das mais importantes reportagens investigativas do século XX. Mas isso não é a regra e, sim, a exceção, pois a tendência seria reforçar o pensamento da classe dominante. No que se refere à produtividade, as fontes institucionais também são mais procuradas porque disponibilizam um farto material para os jornalistas produzirem as suas reportagens, com um custo menor e maior rapidez. Assim, estamos entrando no campo das rotinas produtivas, pois as pressões do deadline, de acordocom Felipe Pena, também privilegiam os definidores primários. Imagine: se o jornal está na hora do fechamento e o repórter necessita Pró-reitoria de EaD e CCDD 10 de uma informação para fechar uma matéria, a tendência é ele procurar uma fonte oficial do que correr atrás de quem não teria a tal da legitimidade institucional. No fundo, como diz Pena, a preferência pela opinião dos poderosos funciona como uma defesa para o profissional. "Ao colher um depoimento que legitima a informação, ele se esconde atrás da palavra do outro. Se o ministro disser que a violência caiu, o repórter já está protegido, não precisa procurar a confirmação. No máximo, entrevista alguém da oposição que defenda uma interpretação contrária." (p. 154). Agora, vamos ser realistas! Em qualquer cobertura que se faça, os fornecedores de informações (pessoas e instituições) defendem os seus interesses acima de tudo. Como dissemos lá atrás, não existe discurso neutro, e o acesso à mídia não deixa de ser uma forma de poder. Só para reforçar, conforme Traquina, as notícias tendem a ser aliadas das instituições legitimadas. Por isso, Luís Costa Pereira Júnior defende que é preciso tomar cuidado com o jornalismo declaratório e não se satisfazer com declarações de celebridades, políticos e empresários, pouco sustentadas em fatos. Ou seja, o repórter, antes de mais nada, tem de fazer uma avaliação isenta sobre o real valor que as informações, durante a cobertura de um fato ou evento, têm para o público. Agora, voltando ao fato de os jornalistas terem a tendência a acreditar nas fontes oficiais, Pena afirma que os defensores dessa teoria tentam relativizá-la. "Para Stuart Hall, os jornalistas têm uma lógica específica (cultura profissional) e podem entrar em conflito com os definidores primários [...]. As reportagens investigativas, por exemplo, podem desafiar fontes poderosas." (p. 155) O autor diz ainda que não há como ser tão determinista e, muito menos, limitar essa teoria ao paradigma instrumentalista de servir a uma classe. Para Pró-reitoria de EaD e CCDD 11 Hall, esses seriam aspectos secundários, já que os defensores dessa teoria destacam que a mídia, no fundo, reproduz a ideologia dominante. Sobre a Teoria da Espiral do Silêncio, afirma Pena, o que está em jogo também é a reprodução do status quo, o que pode ser explicado pela própria relação entre a mídia e a opinião pública. Ou seja, "essa teoria defende que os indivíduos buscam a integração social dentro dos parâmetros da maioria para evitar o isolamento" (p. 155). Parece coisa de adolescente, mas é isso mesmo. Todos querem acreditar numa tendência, numa versão em relação aos fatos para não se sentirem isolados. Tema 3: Teorias Construcionistas As Teorias Construcionistas, como já dissemos, surgiram nos anos 70 e representaram um grande avanço nos estudos jornalísticos, por meio de inovações metodológicas que compreenderam a produção da notícia de uma forma mais complexa e nem tanto determinista. Ou seja, discordaram das teses instrumentalistas sobre o fato de que as atitudes políticas dos jornalistas são fatores determinantes no processo de produção noticiosa e, mais ainda, das teses da Teoria do Espelho. Na verdade, os construcionistas defendem que as notícias não são mero reflexo da realidade conforme apregoa a Teoria do Espelho, pois ajudam na construção da própria realidade. Ou seja, o que é reportado pelo jornalista não é exatamente o que ocorreu, uma vez que existem vários fatores que incidem na construção do que é levado para o leitor ou telespectador. Isso porque, somente para recordar, a Teoria do Espelho entende o jornalista como um mediador desinteressado, que faz um relato equilibrado e honesto a partir das suas observações, ou seja, não apresenta as suas opiniões pessoais, e busca a verdade a partir da objetividade, separando os fatos das opiniões. E acredite se quiser: até hoje, os jornalistas e veículos defendem essa Pró-reitoria de EaD e CCDD 12 teoria, pois acreditam que as notícias refletem a realidade quando dizem que estão sendo imparciais. Vamos a um exemplo: na cobertura de uma acidente automobilístico, temos informações sobre os nomes das vítimas, o número da placa da moto, a cidade que ocorreu o acidente e a cor do veículo fornecidos pelo guarda de trânsito (que conseguiu a carteira de identidade dos ocupantes) ou pela observação do repórter. No mais, as outras informações nem sempre correspondem totalmente à realidade, pois a partir daí teremos mais de algumas versões dos fatos e elas podem diferir, nem que seja em alguns pontos, dependendo dos informantes. Ao rejeitar a tese da Teoria do Espelho, a perspectiva teórica do Newsmaking considera o trabalho jornalístico como construção social da realidade. São três os argumentos das Teorias Construcionistas: • A linguagem neutra é impossível; • As notícias não “refletem” a realidade; • Os veículos noticiosos estruturam as suas representações dos acontecimentos com base em fatores organizativos do trabalho jornalístico. Mas, segundo os seus teóricos, o paradigma das notícias como construção não significa que elas sejam ficcionais: segundo Gaye Tuchman, citada por Traquina, “dizer que uma notícia é uma estória não é de modo algum rebaixar a notícia nem acusá-la de ser fictícia. Melhor, alerta-nos para o fato de a notícia, como todos os documentos públicos, ser uma realidade construída, possuidora de sua própria validade interna”. Stuart Hall (1984) diz, por exemplo, que os acontecimentos podem ser construídos de maneiras diferentes e que isso, de forma alguma, mina a legitimidade profissional do jornalista. Pró-reitoria de EaD e CCDD 13 Para os construcionistas, é importante também entender as notícias em sua dimensão cultural: As notícias são produzidas por pessoas que operam, inconscientemente, num sistema cultural, um depósito de significados culturais armazenados e de padrões de discursos. As notícias como uma forma de cultura incorporam suposições acerca do que importa, do que faz sentido, em que tempo e em que lugar vivemos. (Michael Schudson apud Traquina) A abordagem etnometodológica (herdada da antropologia) foi fundamental para o surgimento desse novo paradigma. E não faltaram, nesse sentido, pesquisas nas próprias redações para se entender as rotinas dos jornalistas. Elas revelaram aspectos peculiares da cultura jornalística enquanto comunidade profissional e como isso se reveste num elemento crucial na produção da notícia. Com isso, os pesquisadores passaram a ir aos locais de produção para observar os membros da comunidade jornalística e "entrar na pele" das pessoas observadas para compreender as suas atitudes, de maneira antropológica. E, segundo Traquina, foram muitas as contribuições: 1. A abordagem etnometodológica permitiu ver na produção das notícias todo o networking informal entre os jornalistas e a conexão cultural por serem membros de uma comunidade profissional; 2. Permitiu reconhecer a importância das rotinas e das práticas na produção jornalística; 3. Serviu como um corretivo às Teorias Instrumentalistas que contribuíram para a crescente onda de crítica dos medias em voga até hoje. Indo um pouco mais longe, podemos dizer que existem duas Teorias Construcionistas que encaram a produção da notícia como construção social da realidade: a Teoria Estruturalista e a Interacionista. Elas são complementares, mas acabam se divergindo em alguns pontos, embora reforcem que os meios de comunicação contribuem para reproduzir a ideologia dominante. Pró-reitoriade EaD e CCDD 14 De acordo com Traquina, para ambas, no entanto, “as notícias são resultado de processos complexos de interação social entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação; os jornalistas e a sociedade; e os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua organização”. Agora, vamos às diferenças e semelhanças entre as duas Teorias Construcionistas. Elas reconhecem a importância dos constrangimentos organizacionais (como a intervenção direta do proprietário ou do sistema econômico na produção jornalística), mas, ao contrário, defendem que o jornalista, como um "neófito", integra-se por osmose não só no veículo de comunicação como numa comunidade profissional (p. 173). Além disso, destacam a importância cultural jornalística, principalmente, a estrutura dos valores-notícias dos jornalistas, a ideologia dos membros da comunidade e as rotinas e os procedimentos que usam para realizarem o seu trabalho. Na verdade, não consideram os jornalistas membros passivos, rejeitando a Teoria Instrumentalista, mas ativos na construção da realidade, embora acabem por reforçar a ideologia do sistema dominante. Tema 4: Teorias Construcionistas/Estruturalistas Uma pergunta que se faz quanto se estuda as Teorias Construcionistas é se realmente os jornalistas, enquanto comunidade e "tribo", teriam alguma autonomia para determinar o que é notícia e como esta deve ser construída. De acordo com Hall et all, em se tratando da Teoria Estruturalista, há uma "autonomia relativa" em relação ao controle econômico, o que é bem diferente do que pensam os que defendem as teses instrumentalistas. Na verdade, esses autores consideram que os meios de comunicação atuam como um verdadeiro aparelho ideológico de Estado, citando o marxista Pró-reitoria de EaD e CCDD 15 Althusser. Eles defendem que as notícias são um produto social, resultante de vários fatores: da organização burocrática dos meios, da estrutura dos valores- notícias, da ideologia profissional dos jornalistas e da perspectiva que valoriza a configuração culturalista. No primeiro caso, afirmam que a organização da força de trabalho em áreas noticiosas (as editorias, por exemplo) e a estrutura dos jornais vão afetar o que será selecionado para se tornar notícia. Quanto à estrutura de valores-notícias e ideologia profissional, explicam: Basta dizer que os valores-notícias fornecem critérios nas práticas de rotina do jornalismo que permitem aos jornalistas, diretores e agentes noticiosos decidirem rotineiramente e regularmente sobre quais as ”estórias” que são noticiáveis e quais não são, quais as “estórias” que merecem destaque e quais que são relativamente insignificantes, quais as que são para publicar e quais as que são para eliminar. Por fim, no momento da construção da própria notícia, é preciso dar-lhe um caráter social e contextualizá-la para efeito de identificação e compreensão por parte do público. Ou seja, os jornalistas também oferecem poderosas interpretações de como compreender os acontecimentos. Na verdade, a escola culturalista britânica, da qual Stuart Hall fez parte, vê as notícias como produto da indústria cultural, que contribui para a hegemonia ideológica do sistema. E, para justificar esse papel, os téoricos apontam a relação entre os meios de comunicação e os chamados definidores primários, que já estudamos lá atrás. Nelson Traquina, citando Hall et al, diz que as pressões práticas e as exigências profissionais de imparcialidade e objetividade combinam-se para produzir um exagerado acesso sistematicamente estruturado aos media por parte dos que detêm posições institucionalizadas privilegiadas (p. 178). Ele diz, então, que os meios de comunicação não se limitam a criar notícias nem a transmitir a ideologia da "classe dominante" num figurino Pró-reitoria de EaD e CCDD 16 conspiratório, como aponta a Teoria Instrumentalista. Afirma que os media não são frequentemente os primary definers de acontecimentos, mas a sua relação estrutural com o poder tem o efeito de os fazerem representar não um papel crucial, mas secundário, ao reproduzir as definições daqueles que têm acesso privilegiado, como que de direito, como fontes acreditadas. "Nessa perspectiva, no momento de produção jornalística, os media colocam-se numa posição de subordinação estruturada aos primary definers" (p. 179). Mas, se as Teorias Estruturalista e Interacionista se assemelham no que diz respeito à construção da notícia, qual a divergência que existe então entre elas? A diferença, como já podemos perceber, está na relação entre as fontes (definidores primários) e os jornalistas. Para a Teoria Estruturalista, explica Traquina, as fontes oficiais atuam como um bloco unido e uniforme, sendo que a relação entre os profissionais e os definidores primários é unidirecional, ou seja, são estes últimos que comandam a ação, não havendo margem para manobras ou negociações. Mas será então que os jornalistas seriam verdadeiras "vaquinhas de presépio"? É isso mesmo, não desafiam os definidores primários, por exemplo, com furos e reportagens investigativas. Puro determinismo, não é? Você acha, por exemplo, que o prefeito ou os vereadores de um determinado município podem interferir no que vai ser publicado nos veículos de comunicação? Ou será que uma marca famosa de roupa pode calar a imprensa diante da denúncia de que estaria envolvida na exploração de mão de obra escrava para fabricar os seus produtos? É claro que isso é possível, embora não seja uma regra geral, pois existem veículos que podem ser considerados mais democráticos e que não coadunam com essa prática, embora mantenham a sua linha editorial. Pró-reitoria de EaD e CCDD 17 Mas você não precisará de muita imaginação para saber quando o prefeito banca literalmente o jornal de um determinado município, que irá publicar o que realmente lhe interessa, elogiando tudo que é feito pela sua administração, omitindo fatos ou criticando o que diz respeito aos seus adversários. Não é nada incomum no Brasil, como se sabe, os políticos serem os próprios donos dos meios de comunicação. A Teoria Interacionacista, por sua vez, não pensa assim. Mas isso vamos ver no próximo tema. Tema 5: Teorias Construcionistas/Interacionistas Muitas coisas ocorrem no nosso dia a dia, mas nem tudo se transforma em notícia. Para que isso aconteça, deve haver um processo de seleção que leve em conta os chamados critérios de noticiabilidade. Mas, se a Teoria Estruturalista prevê uma relação determinista entre jornalistas e fontes, a Teoria Interacionista prevê maior autonomia do campo jornalístico, com a autoridade e a legitimidade de "exercer um monopólio dos acontecimentos e das problemáticas". Aqui, estamos falando de independência e competência dos profissionais dessa área. Além disso, a produção da notícia é vista como um processo interativo em que diversos "agentes sociais exercem papel ativo num processo de negociação constante". Nesse caso, entram em cena não apenas os detentores do poder econômico, conforme a Teoria Estruturalista, mas também o capital sociocultural e os seus diferentes argumentos. Traquina, citando Gaye Tuchman, afirma que as fontes são o que são por estarem ligadas às atividades políticas, econômicas e socioculturais, por isso, a rede noticiosa articula-se com as questões de noticiabilidade e que, para avaliar a fiabilidade das fontes, é preciso entender algumas questões, como a autoridade, produtividade e credibilidade, como já vimos anteriormente. Pró-reitoria de EaD e CCDD 18 Na realidade, segundoos interacionistas, os jornalistas estão submetidos às regras do fator tempo, pois o pessoal da redação precisa cumprir as horas de fechamento do material jornalístico. Nesse sentido, as empresas precisam elaborar estratégias para cumprir os prazos, porque os acontecimentos podem ser imprevisíveis e ocorrer em qualquer lugar. Por isso, segundo Gaye Tuchman (1973; 1978), citada por Traquina, é preciso "ordenar o tempo e o espaço". Ordem no espaço: as empresas criam uma rede noticiosa, decidindo cobrir determinados espaços, desprezando outros, e formando os chamados "sentinelas" para detectar os valores-notícias, além da espacialização dos temas. O que podemos dizer é que os veículos de comunicação (rádio, televisão e jornais) estão localizados nos grandes centros, onde se concentra o poder econômico e político. E quanto menor é a estrutura do veículo, menos condições ele tem de fazer as coberturas, principalmente nas cidades do interior, deixando de contar inclusive com filiais e correspondentes. E não é raro, por exemplo, o veículo se interessar principalmente por notícias policiais nas ditas "regiões periféricas". Ordem no tempo: de acordo com Tuchman, o que se espera é que os valores-notícias se concentrem durante as horas normais de trabalho e só se justifica uma cobertura fora delas se o acontecimento for muito importante. Nesse sentido, os orgãos governamentais, ou seja, as fontes, de uma forma geral, já trabalham com essa perspectiva de anunciar notícias antes do fechamento dos jornais. Mas há casos que saem dessa rotina, como a ocorrência de um acidente com muitas vítimas em que os meios precisam deslocar equipes de cobertura. Na verdade, os jornais trabalham com planejamento, e os acontecimentos têm prioridade sobre as problemáticas. Ou seja, a prioridade é para o que é factual. Pró-reitoria de EaD e CCDD 19 No fundo, como diz os teóricos interacionistas (Tuchman, Schudson, Gans, Molotch e Lester, entre outros), a rotinização do trabalho leva à dependência das fontes oficiais, ou seja, na produção das notícias há o predomínio delas. Como já dito, os jornalistas no momento do fechamento das edições tendem sempre a procurar as fontes institucionalizadas às secundárias, por exemplo. Segundo Tuchman, a noticiabilidade como produto de múltiplas negociações legitima o status quo, e o que fica fora disso são as atos de violência e a marginalidade. Mas, conforme ressalta Nelson Traquina, se as fontes oficiais têm vantagens, não há uma relação determinista entre os definidores primários e os jornalistas como na Teoria Estruturalista. Trata-se, segundo ele, de uma ação estratégia dos "promotores" para passar os seus enquadramentos, levando-se em conta o capital econômico, o institucional e o sociocultural, na forma de saber e credibilidade. Os interacionistas, nesse caso, reconhecem o papel do jornalismo como fonte conservadora, mas também como poder de contestar os valores dominantes e o status quo, funcionando algumas vezes como o contrapoder. Além da organização dos meios de comunicação, das rotinas do trabalho e das relações jornalistas-fontes, também é importante ressaltar a importância da comunidade jornalística na produção da notícia. Os jornalistas são vistos, pelos interacionistas, como uma tribo que troca experiências, ideologias, saberes, truques e anedotas. Assim, eles podem influenciar não só sobre o que pensar, mas também como pensar. Trocando Ideias Como você pôde perceber, cada uma das teorias do jornalismo destaca algum aspecto a ser analisado na produção das notícias, embora as Construcionistas apresentem um conjunto maior de fatores nesse processo de Pró-reitoria de EaD e CCDD 20 compreensão. Além do mais, a maioria delas tende a revelar que, de alguma forma, os meios de comunicação reproduzem a ideologia do poder dominante. Mas uma questão ainda não está posta e merece reflexão: como pensar a produção das notícias e, por consequência, as teorias do jornalismo a partir do surgimento da internet? Como entender a atividade perante as mídias sociais, os sites e os blogs? Síntese O que ainda ficou mais evidente nessa última aula é que as teorias do jornalismo não podem ser analisadas fora do seu contexto social. E as Teorias Construcionistas, principalmente a Estruturalista, valorizam bastante essa ideia ao revelar que a ideologia do setor dominante tem um peso fundamental na seleção e produção das notícias. Nesse sentido, estamos falando dos definidores primários (as chamadas fontes privilegiadas) que acabam impingindo à sociedade os seus valores e crenças. Isso também é o que afirmam os teóricos interacionistas, com a ressalva de que há uma margem de negociação maior para com a sociedade e, por isso, uma maior autonomia dos jornalistas. Ou seja, na medida em que é possível não focar apenas nas fontes oficiais, mas também naquelas que estão, diria, “à margem do que é estabelecido”, como os movimentos sociais. No fundo, as Teorias Construcionistas não consideram nessa relação uma atitude tão determinista quanto a da Teoria da Ação Política, que coloca o jornalista como aquele que tem o poder de colocar em xeque ou manter o status quo social, mas de como a ideologia dos meios, das fontes e dos profissionais – e como estes se interagem – interferem na produção da notícia. Pró-reitoria de EaD e CCDD 21 Referências PENA, F. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005. PEREIRA JÚNIOR, L. C. A apuração da notícia: métodos de investigação. Petrópolis: Vozes, 2006. TRAQUINA, N. Teorias do jornalismo: porque as notícias são com são. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2005.
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