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Unidade 4 OBJETIVO DESTA UNIDADE: Analisar questões fi losófi cas que fazem interfaces com as questões bioeticistas. BIOÉTICA: problemas e reflexões A questão do especismo nas ciências A questão do especismo é, em suma, a questão da disposição dos outros animais por parte dos humanos. Ela pode ser enfrentada sob diversos aspectos (lazer, vestuário, alimentação e experimentação científi ca são alguns desses). De fato, todas podem se encaixar na análise radical da questão sobre a autorização humana para tal. As práticas científi cas envolvendo experimentações com animais, portanto, também estão submetidas a essa lógica. Assim como toda uma gama de práticas ditas “culturais” que promovem o uso irrestrito ou até a espetacularização do sofrimento animal para mero divertimento humano. Curso de Bioética88 Experimentação animal é defi nida como toda e qualquer prática que utiliza animais para fi ns didáticos ou de pesquisa. Decorre de uma metodologia que considera como meio para se obter conhecimento científi co. Abrange a vivissecção, que é um procedimento cirúrgico, invasivo ou não, realizado em animal vivo. Ela ocorre com frequência no ensino didático e nas pesquisas de base realizadas nas faculdades de medicina, biologia, veterinária, zootecnia, educação física, odontologia, farmácia etc, (o mesmo ocorrendo) em indústrias de alimentos, de cosméticos e de outros produtos industrializados. Gonçalves (2006), mostra que também há registros de experiências com animais praticadas nos centros de pesquisa, nos laboratórios, nas salas de aula, nas fazendas industriais ou mesmo na clandestinidade. Para a ciência, uma passível forma de salvaguardar suas pesquisas. Para os defensores de animais, uma injustiça e imoralidade inaceitável. Mas em características e elementaridades mais específi cas, como se desenrola esse debate na atualidade? COMPLEMENTANDO Enfrentei a questão do especismo em três textos, que já foram ao público em momentos distintos. Primeiro, publiquei o texto Pink e cérebro em auschwitz-birkenau: Tópicos fi losófi cos sobre o vegetarianismo e o especismo à luz da bioética, no periódico Revista do Hospital Universitário/UFMA, (v.1, n.1/2), em 2003. Em seguida, orientei a monografi a de conclusão de graduação em Filosofi a de Arnaldo S, Menezes Filho, intitulada Ética e experimentação animal: exposição dos argumentos fi losófi cos para o uso de animais em experimentos científi cos, em 2010. Mais recentemente, publiquei o artigo Ética, Método e Experimentação Animal: a questão do especismo nas ciências experimentais, em parceria com Arnaldo de Souza Menezes Filho, publicado no periódico Cadernos de Pesquisa (v.18, n.3), em 2011. O texto que segue nessa unidade é um extrato desses textos. Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 89 No Brasil, o debate se manifesta em função de fatores culturais, históricos e sociais do momento, através de organizações brasileiras de proteção animal discutindo e buscando a regulamentação das formas de uso dos animais, especialmente na experimentação científi ca. Contudo, a questão do especismo passa pela nossa forma de lidarmos com as questões éticas, mas é, sobretudo, um debate com a nossa própria tradição religiosa e fi losófi ca. Argumentos a favor da experimentação com animais São vários os argumentos que tentam justifi car o direito de os humanos dispor dos animais não humanos para fi ns científi cos. Apontaremos alguns: • A pesquisa com animais não humanos benefi cia a ambos A posição que prevalece no meio científi co para a questão destacada refere-se ao critério “necessidade” de se utilizar os animais em fi ns experimentais. Os argumentos destacados nesse critério convergem para o seguinte enunciado: Existem vários benefícios obtidos a partir da utilização de animais e, esses benefícios, não se restringem à saúde humana, estendem-se à saúde dos próprios animais. Trajano e Silveira (2008, p.31) destacam que nem sempre esse argumento é sufi cientemente lembrado no debate fi losófi co acerca dos direitos dos animais: A experimentação animal resulta em benefícios em termos de diminuição do sofrimento a longo prazo, benefi ciando um incontável número de indivíduos, não apenas humanos como também outros animais, já que a medicina veterinária precisa e se benefi cia da experimentação (obviamente) animal. Esse argumento tem ampla aceitação perante o meio científi co, o meio político e, claro, perante a sociedade civil, pois está alicerçado no paradigma do benefício, que é compreendido como condição sufi ciente para tolerar os efeitos do sacrifício animal e, consequentemente, garantir a saúde de humanos e animais. Segundo Smith e Boyd (apud PAIXÃO, 2001, p.23) mesmo quando não há um avanço signifi cativo para Markus (2008, p.24), por exemplo, nos diz que a experimentação animal teve inegável importância para o desenvolvimento da biologia. Basta lembrar os princípios de anatomia lançados por William Harvey no século XVII e as conquistas fi siológicas proclamadas por Claude Bernard. Correspondem à “fatos inquestionáveis” para nossa compreensão sobre os aspectos orgânicos dos animais humanos e não humanos. Curso de Bioética90 a ciência, ainda assim, o uso dos animais para fi ns terapêuticos e práticos é justifi cado, pois qualquer avanço é considerado um bem em si mesmo. • a não utilização de animais não humanos põe em cheque o futuro da ciência Diante desses “fatos”, que a ciência julga como “inquestionáveis”, outro argumento, também de ampla aceitação, emerge dos enunciados anteriores: Se os avanços biomédicos estão estritamente relacionados à experimentação animal, a não utilização desses privaria humanos e animais dos atuais e futuros benefícios das pesquisas. Assim, a pesquisa que envolve animais apoia-se na esperança de um futuro em que doenças terminais, caso não estejam eliminadas, possam estar sob controle. Os argumentos que sustentam essa ideia reafi rmam a não existência de técnicas e alternativas de substituição dos animais nas pesquisas, visto que entre humanos e animais, prevalecem as similaridades biológicas. Lima (2008, p.26), por exemplo, relaciona as conquistas advindas dessas práticas ao aumento de 23,5 anos na expectativa de vida da população no século XX. Para o autor, os animais são utilizados como “mapas de territórios não explorados” ou simplesmente, modelos. Sem esses mapas, torna-se mais difícil chegar ao destino esperado. O entendimento acerca da origem de uma doença, nessa ótica, passa pelos “modelos experimentais” desenvolvidos nos animais de laboratório – em sua maioria, ratos e camundongos. Dessa compreensão, surgem hipóteses sobre os mecanismos de doenças que, uma vez confi rmadas, podem ser revertidas em benefício da sociedade na forma de novos medicamentos, tratamentos mais adequados de doenças, aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas, programas de vacinação etc. Sendo assim, estaria correto o que disse a Sociedade de Pesquisa Científi ca Sigmaxi em documento intitulado Sigmaxi Statement on the Use of Animals in Research (apud PAIXÃO 2001, p.24): “[...] a pesquisa bem conduzida em animais forneceu e continua fornecendo informações, ideias e aplicações que não podem ser obtidas de outra forma”. O discurso que prevalece, nessa ótica, torna-se algo inquestionável e infl exível. Além disso, o debate ético e científi co ainda não estabeleceu o que seria essa “pesquisa bem conduzida”, permanecendo ainda muitas dúvidas e práticas inspiradas no emotivismo. Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 91 • a não utilização de animais nãohumanos pode interferir em condutas éticas A AMA (American Medical Association) considera que a não utilização dos animais pelos humanos afetaria o caráter ético de nossas condutas. Pois, como diz o documento, “[...] a pesquisa animal detém a solução para a Aids, o câncer, doenças cardíacas, envelhecimento e defeitos congênitos” (AMA apud PAIXÃO, 2001, p.23). Não dá para abrir mão dos animais não humanos e fazer esses experimentos diretamente em humanos. Para nós humanos, trata-se de uma conduta eticamente inadequada fazer tais experimentos em humanos e não utilizar os animais em experimentações prévias. Isso implica em posicionamentos extremos e, como exemplo, aquele defendido por Marcuse e Pear (apud PAIXÃO, 2001, p.25): “[...] A investigação animal é obrigatória do ponto de vista ético”. Algo que Levai (2010, p.4) critica ao colocar que tal conduta funciona “[...] como instrumento de reiteração da ordem cultural vigente”, onde prevalece a chamada “[...] postura dominante, na qual o capitalismo, o cientifi cismo e o tecnicismo constituem o tripé ideológico que sustenta as bases do sistema social vigente” (idem, p.3). Apesar de não negligenciar os critérios éticos das pesquisas e evocar a necessidade de priorizar o bem-estar animal, Lima (2008, p.26), reconhece que “[...] no universo da ciência experimental, o uso de animais gerando um conhecimento é um dos elos da corrente formadora do saber científi co”. Desse modo, as práticas vivisseccionistas são geralmente compreendidas e disseminadas como “algo natural”, “necessário” ou como “fato consumado”. Além disso, tais práticas estão assentadas em dados que apregoam o avanço da ciência e as práticas alternativas passam a ser compreendidas e divulgadas na comunidade científi ca – e para os demais públicos, apenas como técnicas complementares. Argumentos contrários à experimentação com animais A posição de que a experimentação animal, enquanto método científi co, não é uma prática adequada aos fi ns humanos advém da ideia de que ela Curso de Bioética92 se baseia em preceitos antropocêntricos e seu uso poderá trazer, em vez de benefícios, malefícios à ambas espécies. Isso por que, segundo os anti-vivisseccionistas, o uso de um método errôneo nas pesquisas causará aos humanos danos fi siológicos, neurológicos, psicológicos, dentre outros. Para os animais, restaria o sacrifício de milhões de vidas em benefício de poucos. Segundo Paixão (2001, p.26), as críticas em nível científi co, direcionadas à tal prática, encontram-se divididas em duas categorias: A primeira evidencia que os animais são consideravelmente diferentes dos seres humanos. E, sendo assim, torna-se impossível extrapolar qualquer resultado entre as espécies. Trata-se, portanto, de uma “crítica absoluta” à experimentação animal. A segunda crítica, por sua vez, proclama que podem ser falhas determinadas características dos experimentos e dos procedimentos que o acompanham. Por exemplo, citamos a confi abilidade e a validade dessas práticas, de onde emerge a necessidade, segundo Levai (2010, p.2) “[...] de uma mudança na mentalidade dos mestres e dos pesquisadores, uma pequena revolução interior que lhe permita conciliar a ética à atividade didático-científi ca”. Desse modo, segundo o autor, deve-se romper o silêncio predominante no campo das ciências biomédicas, em busca de retirar determinados tabus e, claro, questionar a noção de justiça apenas ao restrito universo dos humanos. • Crítica absoluta: animais humanos e não humanos são radicalmente diferentes Essa postura diz que a utilização de animais não humanos é um procedimento inadequado, com resultados inúteis, que ocasionam graves equívocos e, pior, desestimulam a elaboração de outros métodos mais efi cazes. Nessa acepção, os animais não podem ser compreendidos como “modelos” para os humanos, como citou Lima (2008, p.26), devido o seguinte argumento, exposto por Paixão (2001, p.27): existe uma Por estarem distantes da almejada “similaridade biológica” defendida pelos cientistas, os anti- vivisseccionistas advogam que os animais são “modelos ruins” ou “modelos inexistentes”. Com base nessa assertiva, segundo Croce (apud PAIXÃO, 2001, p.27) temos o seguinte argumento: Nenhuma experimentação conduzida em uma espécie pode ser extrapolada para outra espécie. Caso seja feita a extrapolação, as pesquisas podem produzir diversos resultados enganosos. Isso ocorre, especialmente, devido as difi culdades de auferir consideravelmente os resultados da pesquisa com animais, pois essa se mostra limitada às condições e à natureza do próprio animal. Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 93 grande variação entre as espécies e, sendo assim, os animais respondem de forma diferente às drogas e às doenças. Um dos aspectos apontados nesse sentido é que a pesquisa realizada em animais é perigosa quando se trata de avaliar a segurança de drogas. Muitas das reações adversas que ocorrem nos pacientes não podem ser demonstradas nos experimentos. Parte disso deve-se ao fato de que os animais não são capazes de relatar vários sintomas, tais como náuseas, dores de cabeça, depressão, distúrbios psicológicos, dentre outros, que indicam o potencial de ameaça da droga. E mesmo quando esses efeitos colaterais são excluídos, o potencial de predição ainda é baixo, isto é, os testes em animais não podem predizer o que realmente acontecerá quando a droga for administrada ao ser humano. • Mito dos benefícios advindos da experimentação animal Outra abordagem que merece destaque e que é amplamente utilizada pelos opositores da experimentação animal, corresponde àquela citada por Singer (2002, p.79-81), quando enfatiza o exagero no papel atribuído aos estudos que utilizam animais. Para Singer (2002, p.79), “[...] os defensores da experimentação com animais gostam de nos informar que esse tipo de experiência fez aumentar imensamente nossa expectativa de vida [...] [todavia] essas alegações são completamente falsas”, pois aquilo que é veiculado enquanto discurso, geralmente em comerciais de fármacos, em propagandas médicas e na imprensa em geral, ilustram erros estatísticos ou mecanismos de controle das ideias de diversos setores da sociedade. Por isso, Singer (2002, p.80) retoma o posicionamento do médico especialista em medicina comunitária, Dr. David St. George (apud SINGER, 2002, p.80): Esse debate foi resolvido, e agora trata-se de um fato amplamente aceito que as intervenções médicas somente exerceram um efeito marginal sobre a mortalidade da população, e sobretudo num estágio muito tardio, depois de os índices de mortes já terem diminuídos acentuadamente. Você sabe por quais testes o medicamento que você toma passou? Quais animais foram utilizados para testar a água que você bebe, o shampoo que usa ou o seu protetor solar? Curso de Bioética94 Ademais, Singer (2002) também utiliza a opinião de outros dois especialistas, que estudaram as dez principais doenças infecciosas dos Estados Unidos. A queda drástica nos índices de mortalidade expressos naquele território entre 1900 e 1948 ocorreu, com base nos estudos desses autores, sem qualquer intervenção nova de medicamentos ou procedimentos, de onde pode-se supor que as melhorias de condições sanitárias e de alimentação seriam os fatores preponderantes na redução dos índices de mortalidade. Talvez nos índices de mortalidade, 3,5% da queda ocorrida possa ser explicada por meio da intervenção médica, no caso das principais doenças infecciosas. Na verdade, já que são precisamente essas doenças em cuja redução de índices de mortalidade a Medicinaalega ter sido bem mais sucedida, a taxa de 3,5 provavelmente representa, para o declínio da mortalidade por doenças infecciosas nos Estados Unidos, uma estimativa razoável do limite da contribuição total das medidas médicas (MCKINLAY; BEAGLEHOLE apud SINGER, 2002, p.80). Desse modo, Singer (2002, p.81) nos diz que é equivocado qualquer argumento que eleja os benefícios que a experimentação animal trouxe, ou que poderiam trazer, à melhoria e expectativa de vida da população. Quando essa contribuição existe, ocorre de forma irrelevante ou insufi ciente e o debate sobre as conquistas médicas advindas da experimentação animal torna-se algo impossível de se chegar à um consenso. Nas palavras de Singer (2002, p.81) isso signifi ca que [...] ainda que valiosas descobertas tenham sido feitas com o uso dos animais, não podemos afi rmar até que ponto a pesquisa médica teria sido bem sucedida se, desde o começo, tivesse sido obrigada a desenvolver métodos alternativos de investigação. Sendo assim, as conclusões retiradas de testes toxicológicos e de práticas que envolvem animais, na ótica de Paixão (2001, p.31), podem não possuir uma base confi ável para a saúde humana, uma vez que os resultados são insustentáveis e, sobretudo, manipulados comercialmente. Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 95 • Ocultamento de dados para fi ns comerciais Felipe (1999) diz que diversas pesquisas são mantidas por empresas que lucram com a venda de fármacos, por indústrias de aparelhos e o segmento da cosmética. Em função disso, muitos dados são maquiados ou negligenciados. Nesse cenário, em que as futuras gerações de profi ssionais são formadas, atesta Felipe (1999, p.4): [...] jovens estudantes recebem treinamento intensivo no domínio de técnicas aplicadas ao corpo de animais não humanos. Seu treinamento, no entanto, [...] não se digna a contemplar os interesses de nenhuma espécie sacrifi cada. São interesses humanos os que contam. Há solução para a questão ética da experimentação animal? Segundo Hossne (2008, p.38) a questão da ética em experimentação animal já possui “substrato concreto em recomendações” como aqueles advindos da Declaração Universal de Direitos Animais (UNESCO 1978), da Declaração do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) e de alguns projetos em tramitação no Congresso Nacional. Dentre tais recomendações, se destaca aquela de amplo conhecimento e aceitação no meio científi co: a adoção dos “3Rs”. • Replacement (substituição) O primeiro “R” refere-se à “replacement” (substituição). Deveria prevalecer na experimentação animal a substituição de vertebrados por seres não sencientes, como plantas e microrganismos. • Reduction (redução) O segundo “R” corresponde à “reducion” (redução) do número de animais utilizados em experimentos, pois a escolha de diferentes Curso de Bioética96 estratégias pode incidir na descoberta e no aperfeiçoamento dos campos biomédicos e estatísticos. • Refi nement (refi namento) O terceiro “R” refere-se a “refi nement” (refi namento) que indica que se deve buscar minimizar ao máximo o desconforto e sofrimento animal com uso de drogas anestésicas, caso seja necessário. A adoção dos “3Rs”, à primeira vista, parece ser uma alternativa importante para nortear as condutas éticas dos humanos perante os animais. Mas, como um dos nossos objetivos está em promover o debate fi losófi co a partir dos argumentos que circunscrevem o fenômeno, vale destacar as críticas direcionadas a tal prática. Em primeiro lugar, citamos o posicionamento de um defensor da experimentação animal. Na ótica de Goodwin (apud PAIXÃO, 2001, p.24) não é adequado o uso de recursos alternativos e a adoção dos “3Rs” signifi ca “[...] uma percepção de que nós concordamos que o uso de animais é moralmente errado, e que está se tentando afastar esse uso o mais rápido possível”. Adotar tal prática contradiz a premissa de que os modelos fornecidos pelos animais são modelos apropriados aos fi ns humanos. Além disso, esse argumento nos leva a crer que os animais estão fora do campo da moral dos seres humanos. De outra forma, os “3Rs” também são criticados pelos opositores da experimentação animal, pois é originário da convicção que existem métodos seguros e mais efi cientes para a experimentação animal. Assim, para Paixão (2001, p.29): [...] os ‘3Rs’ também são criticados, já que a ideia de se ’reduzir’ ou ‘refi nar’ mantém a utilização de animais, e até mesmo a ideia de ‘substituir’ é criticada porque supõe-se que experimentos animais ‘válidos’ possam ser substituídos por outros experimentos, igualmente válidos, logo ‘validando’, pelo menos cientifi camente, o atual sistema’. Esse tipo de abordagem, que traz à tona o uso dos animais para fi ns experimentais a partir de critérios científi cos, é mais recente do que o De acordo com Hossne (2008, p.38) um quarto “R” nem sempre é sufi cientemente lembrado. Trata-se da adoção do “R” de respeito como alicerce da pesquisa científi ca que envolva animais. Esse não deveria estar ausente, mesmo que as melhorias da condição dos animais de laboratório sejam apenas para a melhoria dos resultados das pesquisas. Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 97 questionamento sobre ações morais acerca do uso de animais. Desse modo, é evidente que a crítica ao método a partir de critérios científi cos objetiva indicar outros caminhos para impedir o sofrimento desses seres passíveis de sensibilidade. Levai (2010, p.4-5) exemplifi ca alguns dos mais conhecidos recursos alternativos, que em seu entendimento, poderiam “[...] inspirar uma metodologia científi ca verdadeiramente ética”: Sistemas biológicos ‘in vitro’ (cultura de células, de tecidos e de órgãos passíveis de utilização em genética, microbiologia, bioquímica, imunologia, farmacologia, radiação, toxicologia, produção de vacinas, pesquisas sobre vírus e sobre câncer); Cromatografi a e espectrometria de massa (técnica que permite a identifi cação de compostos químicos e sua possível atuação no organismo, de modo não- invasivo); Farmacologia e mecânica quânticas (avaliam o metabolismo das drogas no corpo); Estudos epidemiológicos (permitem desenvolver a medicina preventiva com base em dados comparativos e na própria observação do processo das doenças); Estudos clínicos (análise estatística da incidência de moléstias em populações diversas); Necrópsias e biópsias (métodos que permitem mostrar a ação das doenças no organismo humano); Simulações computadorizadas (sistemas virtuais que podem ser usados no ensino das ciências biomédicas, substituindo o animal); Modelos matemáticos (traduzem analiticamente os processos que ocorrem nos organismos vivos); Culturas de bactérias e protozoários (alternativas para testes cancerígenos e preparo de antibióticos); Uso da placenta e do cordão umbilical (para treinamento de técnica cirúrgica e testes toxicológicos); Membrana corialantoide (teste CAME, que utiliza a membrana dos ovos de galinha para avaliar a toxicidade de determinada substância); etc. É inegável também dizer que por trás do desenvolvimento desses “recursos alternativos” encontra-se uma importante crítica ao antropocentrismo, paradigma que ainda impera nas relações sociais e que enaltece o que Levai (2010, p.3) chama de “altar cientifi cista”, ao longo da história. Pois, como diz Lima (2009, p.1), “[...] Estamos todos habituados, infelizmente, ao jargão antropocêntrico que afi rma a superioridade humana sobre os outros membros da natureza”. E aqui cabe o questionamento que Felipe (1999, p.3) diz ser comum a todo profi ssional e cidadão: “[...] Incluir ou não seres não racionais Cursode Bioética98 no âmbito das considerações morais?” Existe uma razão para que isso ocorra, segundo diz a autora. Trata-se de ampliar cada vez mais o campo da moralidade. Caso não sejamos capazes de incluir os animais no âmbito da moralidade, corre-se o risco de diminuir nossa sensibilidade perante práticas bárbaras e cruéis até com seres de nossa própria espécie. A questão da morte digna Morrer, hoje em dia, se tornou muito complicado. Não morremos mais como antigamente: acompanhados de nossos entes queridos em nosso leito ou defendendo nossas honras nos campos de batalha. Era simples demais. Morríamos pela espada, pela peste, por uma doença letal ou pelo consumir dos anos. Hoje, como relata Ariès (2003), morrer não é mais um evento social, vivenciado no âmbito domiciliar e cercada por rituais e emoções públicas. Morrer tornou-se um evento privado e proibido de ser trazido publicamente à fala, principalmente nas ciências da saúde, que, ironicamente, são as ciências que na sua prática profi ssional mais se deparam com essa questão. Esses interditos acerca do morrer não nos afastam da questão, mas ao contrário, a exigem. E, seu enfrentamento passa pelo que se conhece genericamente como “morte digna” ou “morrer com dignidade”. Enfrentei a questão da morte digna, sozinho ou em parceria com outros autores, em vários textos, sob os mais diferentes aspectos: O primeiro deles foi a eutanásia, publicado em 2005, na Revista do Hospital Universitário. Depois, em 2006, a medicalização da morte, na Ciências Humanas em Revista. E, no mesmo ano, propus um método de investigação tanatológico, chamado Silogismo da Morte, publicado naquele mesmo periódico; A morte como questão social, foi publicado em 2007, na Barbaroi; Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 99 Em 2008, defendi uma tese de doutorado sobre o assunto que depois foi premiada pela CAPES e virou livro, sob o título Direitos Sociais dos Moribundos, publicado pela EDUFMA; A formação que os profi ssionais de saúde recebem para lidar com a morte, em 2010, na Cadernos de Pesquisa; e na Investigación y Educación em Enfermaría, em 2011; Os rituais de luto no universo virtual, na cadernos de Pesquisa, em 2011. O que vai ser apresentado aqui é mais um convite para a discussão sobre o tema. A medicalização do morrer A questão da “morte digna” está localizada dentro do paradigma da medicalização da vida (CLOTET, 2003, p.27-48), uma vez que com essa medicalização, as concepções de morte e morrer mudaram. Dentre as formas de medicalização da vida associadas à morte e ao morrer estão a descoberta dos antibióticos e a criação das UTIs. O sucesso intervencionista das UTIs é tão forte sobre o imaginário das pessoas que algumas chegam a pensar que a morte nos ambientes de UTIs é opcional (SOUZA; ZAKABI, 2005, p.93-94). Ou seja, que alguém possa ser hibernado para sempre ou até que se descubra uma cura. Isso criou no ambiente das ciências da saúde uma ilusão de amortalidade. É essa ilusão que ajuda as pessoas, em muitos casos, a enfrentar o sofrimento em torno do morrer. Pois, muitas vezes a família sabe que não irá salvar a vida do doente, mas quer viver essa ilusão. O profi ssional de saúde, também, ou vivencia ou ajuda a alimentar nos usuários essa mesma ilusão (LUNA, 2005, p.18-19; DA SILVA, 2005, p.364-365). Como esse imaginário perpassa todas as classes e profi ssões, dá- nos a entender que atualmente existe uma conspiração contra o morrer. As pessoas são até capazes de aceitar a morte, mas difi cilmente aceitam o morrer. Elas são até capazes de fazer planos Amortalidade diz respeito às formas de suspensão da morte ou ao que ela representa. Por exemplo, a criogenia é entendida como uma forma de amortalidade porque suspende o processo de decomposição – que é associado à morte. Muitos tratamentos estéticos e plásticos são formas de amortalidade (de ocultamento dos sinais da morte em nossos corpos). Perceba que a amortalidade não tira a mortalidade, a esconde ou prolonga o máximo de vida possível (longevidade). Curso de Bioética100 para a sua morte, ou sobre a sua forma, o dia ou o que virá depois, mas pouquíssimas fazem planos para morrer. As religiões ocidentais, as ciências da saúde e a nossa cultura em geral compreendem a morte como fi nitude, como um fi m da vida, uma passagem ou uma punição. Com isso elas não preparam as pessoas para o morrer. Mesmo as pessoas religiosas, cujas crenças atribuem à morte um papel importante como um ritual de passagem, normalmente são temerárias quanto a esse momento. Note bem, elas normalmente veem a morte como um momento, o que signifi ca que desprezam o morrer. E, as fronteiras do morrer se confundem com as fronteiras do viver, como nos lembra Montaigne (1972). Desse modo, o bem viver e o bem morrer são duas faces da mesma realidade. O que mais temos observado na realidade é que domina entre os profi ssionais da saúde uma obstinação terapêutica e um afastamento acadêmico com a questão da morte e do morrer. • Obstinação terapêutica Obstinação terapêutica no que diz respeito a uma “inexorável tecnologização dos cuidados médicos” (LUNA, 2005, p.18), ou mais precisamente, uma futile medical therapy, conhecida também como distanásia. Essa obstinação terapêutica, que se revela em casos como o da americana Terry Schiavo, deve-se, de acordo com Luna (2005), mais às concepções fi losófi cas (sic) e religiosas do que às decisões éticas, legais e econômicas. No entanto, a insistência pelo tratamento intensivo deveria ser limitada “[...] às condições que permitam uma sobrevida qualifi cada e digna” (LUNA, 2005, p.18), e não como uma prática de distanásia, gerando dispêndios públicos e comprometendo a qualidade de vida e morte dos usuários do sistema público de saúde. Distanásia é o prolongamento do processo de morte por meios artifi ciais, geralmente aumentando o sofrimento de todos os envolvidos, na tentativa de evitar, a todo custo que a morte aconteça. Sua ideologia é pautada fortemente no desejo de amortalidade. Distanásia é ainda conhecida, além dos sinônimos aqui apresentados, como encarniçamento terapêutico. Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 101 • Afastamento acadêmico Afastamento acadêmico no que diz respeito à ausência de preparação acadêmica dos profi ssionais da área da saúde para lidar com a questão da morte e do morrer, justamente os que mais se deparam cotidianamente com essa questão (DA SILVA, 2005, p.364-365). Os poucos conteúdos que abordam essa questão são insufi cientes [...] eles apenas falam de questões éticas ou causa mortis da população, mas ao se compreender a morte como um fenômeno ao qual se está exposto diariamente (presenciando, ou tentando lutar contra) e com o qual deveria saber lidar, não há referências (DA SILVA, 2005, p.364). Essa pouca ou nenhuma preparação acadêmica para lidar com a questão da morte e do morrer é evidenciada pela ausência da disciplina tanatologia ou outra que faça o papel dos cursos da área da saúde. Assim, resta ao profi ssional o sentimento de que a morte representa um inefável e um insondável mistério contra o qual as suas forças são insufi cientes. O que ocasiona na obstinação terapêutica, afastando outras possibilidades mais humanizadas. A discussão chega à Filosofi a e já dividiu a Ética aplicada à saúde em utilitaristas e consequencialistas. O primeiro grupo, mais ligado às ideias de Bentham (1979), subjuga o tratamento ao conceito de dor e prazer; o segundo grupo, mais ligado às ideias de Singer (2002), associa a questão da vida e da morte não ao tratamento, mas à experimentação, o quelevou a denunciar a distanásia, e a defender a eutanásia e o suicídio assistido. Eutanásia é um termo que já passou por inúmeras modifi cações, desde o de boa morte a sinônimo de homicídio. A defi nição mais em voga é a de que eutanásia é a ação ou omissão por parte do médico com intenção de, por compaixão, provocar a morte do paciente em sofrimento e a pedido desse. Alguns autores costumam falar em eutanásia voluntária (a pedido do paciente) e eutanásia involuntária (realizada por compaixão do Curso de Bioética102 profi ssional, mas sem ciência do paciente – geralmente o paciente não está em condições de decisão). Falam também em eutanásia ativa (aquela produzida por uma ação concreta) e eutanásia passiva (aquela decorrente de uma omissão de cuidados ou de tratamentos, bem como da retirada de suporte, para deixar o paciente, intencionalmente, morrer). No entanto, essas defi nições sofreram revisões e não é mais comum falar em eutanásia passiva nem involuntária, pois, a legalização e politização da prática, defi ne que é próprio da eutanásia ela ser uma solicitação voluntária (não pode ser representada), devidamente analisada e sob a oferta de opções de cuidados. A eutanásia passiva passaria a ser considerada negligência e a eutanásia involuntária, homicídio. Note também que eutanásia passa a ser um protocolo clínico realizado por um profi ssional habilitado e designado para essa tarefa. Suicídio assistido é a assistência clínica ao moribundo que deseja e ainda tem condições de tirar a própria vida, geralmente pela administração de fármacos que conduzam ao óbito sem causar dor e sofrimento. Nesses casos, o profi ssional auxilia o moribundo em diversos aspectos, mas não tenta demovê-lo de sua ação ou impedir que o fármaco ingerido faça o seu efeito letal. Esses debates produziram inúmeras questões, das quais algumas já vieram à tona no Brasil. A mais recente foi a tentativa de criar normas para a internação dos usuários nas UTIs. Ventilada pelo então Ministro da Saúde Humberto Costa (em abril de 2005), a ideia terminou engavetada, após manifestações contrárias. Essa proposta pretendia oferecer critérios para o acesso ao tratamento intensivo, o que deixaria de fora, por exemplo, uma pessoa com morte cerebral, caso outra precisasse do leito. Isto é, o Ministério da Saúde trabalhava com o objetivo de criar normas para dar acesso aos leitos de UTI só para usuários graves com chances reais de recuperação. Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 103 Nem os setores médicos, nem os setores políticos aceitaram essa iniciativa, ao menos na forma como fora ventilada. No entanto, a discussão não foi encerrada, como o próprio Ministro declarou à Folha de São Paulo: “Queremos fazer a discussão de forma correta, situá-la em nível técnico e impedir que haja má compreensão ou insegurança pela população” (SCOLESE 2005, p.1). A reação contrária tem duas bases. • Reação médica da AMIB A reação médica argumenta que a proposta retira o poder de decisão do médico sobre quem precisa ou não ir à UTI, e que o real problema é a falta de leitos não a sua seleção. Para a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), a proposta de discutir a Cultura da UTI é importante, uma vez que ela existe. Mas, o governo não pode discutir a seleção dos leitos sem antes sanar a carência de leitos atual, que também existe. Justamente devido à falta de leitos, e da pressão familiar, o médico acaba escolhendo aquele usuário em situação mais grave, que não é necessariamente o que mais se benefi ciará da UTI. No entanto, devido a essa escolha, o usuário em estado menos grave, que poderia tirar melhor proveito do tratamento, acaba retardando a sua entrada, o que pode agravar o seu quadro e transformar o problema num círculo vicioso. • Reação política do Congresso Por sua vez, a reação política do Congresso argumenta que haveria discriminação na seleção dos leitos, o que poderia prejudicar os usuários menos favorecidos economicamente, afi nal, as UTIs públicas são usadas pela rede privada, e não o contrário. Curso de Bioética104 Aqui nós temos uma questão crucial. A discussão da otimização dos leitos é uma discussão meramente técnico-científi ca ou é uma questão de infra-estrutura? Um dos problemas, enquanto não se resolve esse impasse, é que se continua a praticar a distanásia e a gerar uma cultura excludente do doente terminal. As próprias câmaras de Bioética dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) já discutem a elaboração de uma medida que salvaguarde o médico em condutas adotadas com o doente terminal, como a eutanásia, por exemplo. Esses profi ssionais admitem que é preciso a criação de um protocolo de orientação médica, de forma a impedir que o critério balizador das decisões sobre quem fi ca e quem sai da UTI continue sendo o econômico ou a pressão da família do doente. A qualidade de vida terminal O tema da qualidade de vida terminal está ligado à forma de assistência que é dispensada aos moribundos. Uma das alternativas para o tratamento do doente terminal longe da UTI, do ponto de vista da ética, é o cuidado paliativo. Esse cuidado pode ser realizado em casa, hospices ou em enfermarias dentro de hospitais nas quais os usuários recebem oxigênio, soro e remédios para evitar e controlar a dor. Não são feitos procedimentos intrusivos e eles podem contar com uma equipe de profi ssionais da saúde para apoio (SOUZA; ZAKABI, 2005 p.97-98). Exemplos de instituições onde já há o cuidado paliativo: Hospital do Servidor Público Estadual, do Estado de São Paulo e o Instituto Nacional de Câncer, no Estado do Rio de Janeiro, ambos são da rede pública, mas há outros na rede privada. No entanto, devido àquela ilusão de amortalidade e à autoprojeção que as famílias têm, normalmente se recorre ao tratamento intrusivo e condenam a possibilidade de sequer pensar no contrário. Associem a essa crença a ideia de que a benevolência é um princípio de ação superior, mesmo que isso signifi que passar por cima da autonomia e da não-malefi cência. Desse modo, a prática é que familiares pressionem os médicos para que eles façam de tudo o que for possível para manter o doente vivo, desenvolvendo a prática da distanásia e acarretando muito sofrimento a todos os envolvidos. Moribundo é uma referência ao termo clássico “doente terminal”, que é aplicado àquela pessoa com alguma doença incurável ou com quadro clínico irrecuperável com estimativa de vida de três a seis meses (SOUZA; ZAKABI, 2005, p.94). Em 2008 discuti a questão da nomenclatura moribundo para substituir doente terminal, paciente terminal etc, nos seguintes termos: “Apesar dos protestos, utilizarei o termo moribundo, mais comum na sociologia e antropologia, para signifi car aquilo que nas Ars moriendi é descrito como morituri, que signifi ca tanto o morrente, no sentido daquele que está condenado à morte – por doença grave ou por sentença judicial real ou eclesiástica, bem como jacente, no sentido daquele que está em seu leito de morte. Prefi ro assim às formas médicas contemporâneas de interdição linguística da morte, que propõem termos tais como paciente terminal, paciente fora de possibilidade terapêutica de cura ou paciente em processo terminal, cujo conteúdo proposicional está associado à terminalidade da vida ou à impossibilidade de cura e não têm como foco a individualidade da morte, da pessoa que está a morrer.” (GURGEL, 2008, p.16). Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 105 Quando se trata de moribundo, o que ele ganha com esses dias extras? Não seria mais ético acrescentar vida aos dias que ainda restamdo que dias, de qualquer jeito, à vida? Qual a relação custo benefício? O principio de não-malefi cência nos obriga a ponderar essa relação. Saber se o adiamento do fi m da vida é mais benefi cente, à custa de tanto sofrimento físico e psicológico. Na minha opinião não vale a pena, nem do ponto de vista social nem do ponto individual submeter um doente terminal ao tratamento intrusivo. Eu não sou um moribundo e alguém pode alegar que eu mudaria de opinião se estivesse no lugar de um. Pois bem, é verdade que alguns moribundos não aceitam o cuidado paliativo e não se preparam para o morrer, mesmo após a consciência do diagnóstico. Alguns até acreditam que uma morte dolorosa seja uma forma de expiação. No entanto, mesmo convivendo com a crença de que um milagre possa reverter o seu diagnóstico, quando perguntados sobre seu estado terminal a maioria se recusa a morrer na UTI. A revista Veja (9/11/05) trouxe a seguinte informação: Pesquisas feitas no Brasil e nos Estados Unidos mostram que, já na fase de aceitação da doença e da proximidade da morte, acima de 70% dos pacientes terminais fazem aos médicos e à família dois pedidos. Primeiro, não querem sofrer. Segundo, querem morrer em casa (CORREA, 2005, p.100). Essa já não é mais a minha opinião, é a opinião da maioria das pessoas submetidas à distanásia às quais agora dei voz. Entre uma coisa e outra, elas preferem a boa morte, na qual prevalece o princípio de não- malefi cência. Se isso for verdade, a quem a família quer agradar quando pratica a distanásia? A quem o profi ssional de saúde quer servir quando faz o mesmo? A quem a justiça quer defender quando retira o seu direito civil de escolher como quer morrer? Perdeu-se o foco no bem-estar do usuário. O único bem-estar que faz parte do jogo é o bem-estar próprio? O da família, que posa de boazinha, mas não quer esse incômodo em casa? O do profi ssional de saúde que posa de competente e ético, mas Curso de Bioética106 não quer dispensar os cuidados paliativos, preferindo uma prática imoral e frustrante para o usuário? A do juiz, que posa de justo, quando na verdade está aquém do rábula? A questão está em aberto. Considerações sobre o conteúdo da unidade Até que ponto podemos dispor dos animais? Quem tem o poder de decisão desse uso? O que signifi ca discutir essas questões? Esses questionamentos são decorrentes de um modo fi losófi co de tratar o tema “experimentação animal”: o da discussão sobre especismo e anti- especismo. Observamos que não se deve perder de vista que esse uso específi co ocorre como segmentação de uma discussão acerca dos diferentes usos dos animais pelo homem. Afi nal, práticas culturais da humanidade exemplifi cam a presença dos diversos usos de animais pelos humanos, usos que vão desde a adoração e alimentação, até o desdém, sacrifício e entretenimento. Ou seja, torna-se difícil romper com a lógica antropocêntrica que impera as relações sociais. Esse antropocentrismo, segundo Lima (2009, p.1), apesar de não ser louvável, é até compreensível, devido estarmos “imersos em nossa própria humanidade”, que condiciona nossa existência à nossa “auto- reverência” e estende à tudo aquilo que não é “humanamente nosso” um olhar distorcido de superioridade. Assim, podemos inferir que trazer à tona essas questões, em pleno século XXI, signifi ca reconhecer que existe um jogo de poderes entre visões, na qual cada grupo expõe argumentos que visam legitimar ou abolir, respectivamente, o uso dos animais pelos humanos. Enquanto os defensores da experimentação argumentam que abolir esse uso privaria os humanos dos benefícios da ciência, os anti- vivisseccionistas, em sua grande maioria, apregoam que tal prática além de se constituir em um método equivocado, trata-se de uma violação dos direitos animais. Nessa ótica os animais são compreendidos como seres dotados de sensibilidade e passíveis de sofrimentos, o que é Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 107 uma pré-condição para possuírem interesses para serem defendidos. Por outro lado, fi ca a questão: o benefício de uns é legítimo perante o sacrifício de outros tantos? Cada grupo busca legitimar seus argumentos com critérios científi cos, louvando ou criticando o método em questão. Algo que exige de nós uma postura que nos leva a questionar desde os fundamentos dessas práticas até o modo de se conceber o problema entre aqueles que estão sob determinado paradigma científi co. Leva-nos a questionar também como as ideias são traduzidas em discursos sociais que visam a reprodução de um dado sistema social vigente, em nome de uma “verdade” científi ca. Observa-se que o debate sobre o uso dos animais em nossa atualidade ainda é uma realidade em construção, pois assim como existe o reconhecimento dos chamados benefícios que a prática traz aos humanos, não sabemos ao certo o quanto essa é um realidade distorcida e promovida perante o não desenvolvimento de recursos alternativos, confi gurando-se, portanto, como práticas desrespeitosas para com os animais. E, sendo uma realidade em construção, demanda uma postura que priorize uma abordagem multidisciplinar, onde possam ser contemplados os aspectos, biológicos, sociais, jurídicos, discursivos e fi losófi cos da questão, a fi m de que novos estudos sejam trazidos a tona para subsidiar as políticas públicas sobre o uso dos animais não humanos em fi ns científi cos. Além disso, que as dúvidas lançadas sobre essa prática específi ca, lance questionamentos mais amplos acerca dos diferentes usos (e abusos) que os animais sofrem em nome de práticas ditas culturais ou tradicionais, sob a luz da ética. No outro tópico, enfrentamos a questão da qualidade de vida terminal, ou seja, de como é bom morrer, desde que já tenha-se decidido que há algo de bom em morrer. Evocamos Montaigne (1972) que já tinha demonstrado não ser fácil lidar com a experiência da morte, uma vez que “[...] as pessoas se apavoram simplesmente com lhe ouvir o nome: morte!” (MONTAIGNE, 1972, p.49). Daí a postura do homem vulgar que toma como remédio o não pensar na morte. E, se for pensar, será quando “os condenou o médico” (MONTAIGNE, 1972, p.49), cuja maior obra sobre o assunto é, na maioria das vezes, o testamento. Daí que, desde os romanos, as palavras morte e morrer foram sempre tratadas pelo emprego de Curso de Bioética108 perífrases, como parou de viver, viveu, se foi, faleceu etc. Logo, o temor à morte está inversamente proporcional à vida virtuosa. Aquele que leva uma vida virtuosa não tem porque temer ou prezar a morte (MONTAIGNE, 1972, p.49). No entanto, a maioria esmagadora das pessoas não pensa a morte de forma racional. Poucas pessoas costumam pensar no que querem ser quando morrerem. Isso porque simplesmente não pensam no que são enquanto vivem. E, não dá para pensar na forma como morrer somente quando o dia fatídico se aproximar. Isso por duas razões: primeira, não sabemos qual é esse dia; segunda, na maioria dos casos, quando esse dia está próximo, não estamos em condições de escolher como queremos morrer. Por isso, planejar o morrer é, antes de tudo, planejar o viver: o como realizar os sonhos, o falar abertamente sobre os desejos e temores relacionados à morte, positivar ideias e vontades. Mesmo que a questão da qualidade de vida dos doentes terminais tenha mobilizado sociedades médicas no Brasil e no exterior, faltam estudos mais aprofundados sobre a questão da morte e do morrer associada ao uso ético e político das UTIs. Há mesmo, nas pesquisas e debates sobre a questão tanatológica, uma perspectiva de mudança com relação ao tratamento que se deve dedicar aosmoribundos. Essas mudanças passam pelo deslocamento da ênfase do manter a vida a qualquer custo para um alívio da dor, do controle dos sintomas e dos cuidados emocionais do paciente. Essa ênfase não pode ser deslocada dentro do atual modelo das UTIs, ou poderá ser, com muito esforço e resistência. Em geral, as UTIs praticam a distanásia e não a boa morte. É bastante comum encontrarmos quem veja as UTIs como o último estágio, o lugar onde se morre, o que, em certa parte, é verdade. Mas essa verdade se dá justamente porque ela não discute mais os seus critérios de seleção de leitos e porque lhe falta uma alternativa. A alternativa de uma boa morte pode signifi car trocar o tratamento intensivo pelo cuidado paliativo. Ou seja, trocar mais alguns dias ou semanas de convivência nas UTIs com estranhos e máquinas, por momentos mais breves, porém mais calorosos e recompensadores com os entes queridos em casa. Qual seria a escolha de quem tivesse essa alternativa? Normalmente as pessoas não pensam nesse tipo de alternativa, mas a realidade das UTIs brasileiras exige que ela seja pensada. E, não se trata apenas de uma questão seletiva, é mesmo Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 109 um modelo de sociedade que está em jogo, de uma sociedade que não exclui a pessoa nos seus últimos momentos, fazendo dele um ato solitário, frio e tenebroso. Se há uma qualidade de vida, igualmente há uma qualidade de morte, que se realiza justamente na forma de morrer. E, se já temos tantas políticas voltadas para o nascer, para o viver, por que não as temos igualmente para o morrer? RESUMO Nessa unidade examinamos duas questões, ambas polêmicas e que permanecem em aberto, como forma ilustrativa das questões em Bioética: a questão da disposição dos animais não-humanos por parte dos humanos e a questão da disposição da forma de morte. O primeiro é o tema fi losófi co do especismo, o segundo, o da qualidade de vida terminal. O especismo defende que o homem pode dispor dos animais, até porque sempre tem feito isso, principalmente quando isso trouxer benefícios para ambas as espécies, senão, para a espécie humana. Em termos de experimentação animal, o especismo tenta se justifi car assegurando que: a) a pesquisa com animais não humanos benefi cia a ambos; b) a não utilização de animais não humanos põe em cheque o futuro da ciência; e, c) a não utilização de animais não humanos pode interferir em condutas éticas. Os não-especistas e anti-especistas tentam se justifi car assegurando que: a) os animais humanos e não humanos são radicalmente diferentes, não é possível usar os experimentos realizados em um para benefício dos outros; b) é um mito acreditar nos benefícios advindos da experimentação animal; c) o que existe é um ocultamento de dados em pesquisas com animais para fi ns comerciais. Curso de Bioética110 Há solução para esse confl ito? Algumas declarações propõem formas éticas de tratar os animais, como aquela baseada nos 3Rs: Replacement (substituição); Reduction (redução); e Refi nement (refi namento), seguido de Respect (Respeito) – na ótica de Hossne (2008). No entanto, o que essa alternativa faz é apenas declarar que há erros éticos no trato com os animais e que o discurso permanece em aberto. No tocante à questão da qualidade de vida terminal viu-se que, com a medicalização do morrer, a morte se tornou algo muito mais complicado e se envolveu em uma teia de relações éticas e tecnológicas que a cada dia se torna mais complexa. A morte nas UTIs, que pode ser uma aspiração, pode ser também um local de muito sofrimento e prolongamento artifi cial do processo de morrer, graças a um desejo e ilusão de amortalidade. Essa prática faz nos deparar com novas formas de morte a cada dia, tais como distanásia, eutanásia, suicídio assistido etc. Bem como com novas formas de assistência, como a dos cuidados paliativos. Em que sentido a AMA diz que não utilização de animais não humanos pode interferir na conduta ética das pesquisas científi cas? Pesquisas científi cas na área médica podem abrir mão da experimentação animal, segundo Peter Singer? Por qual razão? Há solução ética para a questão da experimentação animal? Quais são os posicionamentos? O que é a medicalização do morrer? E qual a base fi losófi ca dessa ideologia? 4 Unidade 4 | Bioética: problemas e re� exões 111 Qual a diferença entre aprender a morrer e se preparar para a morte, segundo Montaigne? Qual a diferença entre eutanásia, distanásia, mistanásia e ortotanásia? O que são cuidados paliativos? Eles são uma alternativa a quê? ARIÈS, P. História da morte no ocidente: da idade média aos nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (Col. Os Pensadores). COHEN, C. Do Animals Have Rights? In: _______. 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E, por termos várias, podemos escolher qualquer uma, desde que saibamos fundamentar a nossa escolha. Vou apresentar aqui uma opção para direcionar sua escolha: pense Bioética como uma nova forma de controle social. Afi nal, que Bioética é, fundamentalmente, uma forma de controle social sobre as práticas científi cas, ou o estudo desse controle, já é uma hipótese corrente, cujo argumento mais importante é o de que ela captura o sentimento geral desenvolvido desde épocas anteriores acerca do temor das possibilidades científi cas e suas consequências. Vejamos. Há muito o limite das práticas científi cas vem sendo tema dos mais diferentes discursos. Em alguns deles, essa prática deveria ser permitida somente a iniciados: homens e mulheres que foram amplamente treinados nos princípios de respeito à pessoa humana. Em outros, deveria ser escrava da vigilância constante de sacerdotes ou de instituições morais. Ou ainda, não deveria reconhecer limites ou fi car apenas à mercê da consciência e responsabilidade daqueles que a praticam. Assim, essa investigação deve também trazer à fala o que tem sido Bioética antes mesmo da sua formulação verbal, quando há algo que faz o papel de, mas não se nomeia como tal. Essa tarefa já encontra, de antemão, um caminho que antecede a questão e se prolonga como inacabado, percorrido por aqueles que operam com o termo protobioética, como o faz Pellegrino (1999). Pois, Curso de Bioética116 o que se pretende dizer com um conceito pode ser anterior à criação do termo que o expressa. Nessa direção, existem séries inacabadas de acontecimentos históricos que concorrem para a formação de um repertório de críticas, princípios, fundamentos, normas e até mesmo leis que antecedem e se prolongam durante a fundição do termo. Essas séries, que podem até ser enumeradas como eventos singulares, estão conectadas entre si por um mesmo sentimento geral que se manterá presente durante a elaboração do termo e a ele dará sentido conceitual. Com base nisso, postula-se que a elaboração conceitual é um momento de apreensão e síntese desse sentimento presente na geração para a qual o termo se torna usual. Dizer, portanto, que há algo que faz o papel de, mas não se nomeia como tal, é o mesmo que atribuir aos fenômenos antecedentes a germinação, mesmo marcada por inúmeras contradições, do que se prosseguiu. • Bioética e o sentimento geral de controle social sobre as práticas científi cas Como se sabe, não é recente a crítica das fi losofi as, das religiões, dos sistemas jurídicos e dos livres-pensadores sobre as práticas científi cas. Ao contrário, é lugar-comum na história do pensamento euro-americano cristão a preocupação com as possibilidades e os limites das práticas científi cas, especialmente as experimentais, o que tem resultado nas mais diferentes e ambíguas posturas. Por um lado, nota-se a presença de uma postura permissiva ao extremo que identifi ca o progresso das ciências com o sucesso da humanidade, como a postura de Comte (2006). Por outro lado, nota-se também a postura, de uma grande maioria, que desconsidera a estreiteza da relação entre progresso científi co e progresso humano. Dentre os que desconsideram a equação progresso científi co igual a progresso humano, gostaria de apresentar dois tipos-ideais: Rousseau e a Santa Inquisição. Os dois partem do mesmo princípio: a livre-prática científi ca não é sinônima de crescimento moral. No entanto, há algumas diferenças a considerar. Considerações Finais 117 • Bioética e o controle social das pesquisas pela inquisição Os inquisidores, principalmente os inquisidores modernos, não condenavam a prática científi ca porque pura e simplesmente lhe fossem contra. Ao contrário, eles atribuíam aos seus métodos de investigação caráter científi co. Suas queixas não eram contra a ciência em si, mas contra o modo operacional de alguns cientistas que, segundo os inquisidores, conduziam-na para longe de Deus. E, ao afastar-se de Deus, afastava também o homem do plano salvífi co, aproximando-o do Diabo, já que não havia alternativa neutra. Daí as opções: ou a prática científi ca deve se submeter ao controle social eclesiástico ou ser proibida. • Bioética e o controle social das pesquisa pelo romantismo Rousseau (1989), como representante do romantismo, de todo, não é indiferente ao espírito da Santa Inquisição. Ele também não é contrário à ciência por essa ser ciência. Afi nal, algumas de suas teses foram apresentadas como monografi as científi cas, das quais uma delas ganhou premiação literário-científica da Academia de Dijon. No entanto, ele não é contra o modo de se fazer ciência porque esse afasta o homem de Deus. Ou, pelo menos, não diretamente. Digamos que ele fala desse afastamento de forma velada quando postula que a prática científi ca de sua época afastava o homem comum dos mandamentos divinos, como guias de crescimento moral-espiritual. Sua razão explícita é a de que essa prática tem afastado o homem de si mesmo, indo de encontro à sua natureza, à sua liberdade e grandeza de espírito, cuja solução é uma espécie de controle social moral sobre as práticas científi cas. Curso de Bioética118 • Bioética e o controle social sobre o que pode e o que se deve fazer em ciência Em ambos os casos, Inquisição e Rousseau, trata-se da proposta de se exercer controle social sobre as práticas científi cas, cujo dilema está pautado, como já apresentei na análise que fi z do Frankenstein de Shelley (Gurgel, 2004), pela disputa entre o que é possível e o que se deve fazer. Não se trata mais de uma simples equação metodológica ou técnica para saber se determinada teoria ou método funciona ou não. É mais que isso, como já falamos anteriormente, é saber quais as prováveis implicações presentes e futuras para os envolvidos no processo, tanto para os indivíduos, quanto para a espécie e o planeta. Isso não desconhece a importância das práticas científi cas para o desenvolvimento social, apenas argumenta que tais práticas precisam responder à sociedade. Algumas dessas argumentações são bastante severas, mas a maioria é bastante aberta ao diálogo. Assim, a discussão levantada por Stevenson (1996) ou Shelley (2001) são mais do que modelos literários, são desejos sociais diante de um pesadelo coletivo. • Bioética e o controle social sobre a ciência desencantada Some-se a isso, o fato de que as ciências se apresentavam como desencantadas, conforme denunciou Weber (1993), as questões metafísicas estavam relegadas ao âmbito da mediocridade, como propusera o Círculo de Viena, a moral solapada em seus fundamentos, conforme as críticas de Nietzsche (2006), e a possibilidade de que tudo isso fosse real conforme o testemunho de acontecimentos envolvendo cobaias humanas e não humanas, para termos uma dimensão desse pesadelo. Por isso, quando Fritz Jahr propusera, em 1927, o termo alemão Bio Ethik, estava correspondendo a esse sentimento geral presente na sua época e nas gerações circundantes, principalmente nos espíritos mais religiosos. Disse ele: Considerações Finais 119 Objetivamente a Bioética não é, de modo algum, uma descoberta do presente. Como um exemplo interessante do passado, podemos lembrar a fi gura de São Francisco de Assis (1182-1226) com seu grande amor também pelos animais, que em sua acolhedora simpatia para com todos os seres vivos foi um precursor da exaltação de Rousseau de toda a natureza séculos depois (JAHR, 1927, p.1). Sua intenção, ao forjar esse termo, é a de propor uma abordagem diferenciada do fazer científi co, conforme aparece no subtítulo do artigo: um panorama sobre as relações éticas do ser humano com os animais e as plantas. Nessa ótica, de clara inspiração kantiana, Bioética seria fundamentada em uma necessidade emergente de obrigações éticas não apenas com o homem, mas com todos os seres vivos, como aparece no Imperativo Bioético: “Respeita cada ser vivo em princípio como uma fi nalidade em si e trata-o como tal na medida do possível” (JAHR, 1927, p.3). Mas, era, sobretudo, a necessidade de impor limites às pesquisas que vinham sendo desenvolvidas, principalmente no âmbito da Psicologia, com os animais: A partir da Biopsicologia é necessário apenas um passo até a Bioética, isto é, até a aceitação de obrigações morais não apenas perante os homens, mas perante todos os seres vivos (id ibid, p.2). Potter (1970) também procura se manter no horizonte da ideia de que as ciências precisam de controle social, ao que ele chamou de uma nova sabedoria, cuja tarefa é manter-se preocupada com as prioridades profi ssionais e ambientais para uma sobrevivência aceitável. O mesmo se repete em 1971, quando ele fala que Bioética deve estabelecer “(...) um sistema de prioridades médicas e ambientais para a sobrevivência aceitável” (POTTER, 1971, p.2). • Bioética e o controle social sobre os fatos biológicos A tese de Potter nessa obra, reforçada em 1988, é a de que é impossível separar os valores éticos dos fatos biológicos, sendo que o segundo deve se submeter ao primeiro. Assim, Potter (1971) propõe um ponto de encontro entre as ciências experimentais e as ciências humanas, do qual surge a necessidade de uma ética da vida. Essa ética nos ajudaria Curso de Bioética120 a enfrentar, principalmente, três graves problemas, agora em âmbito global (POTTER, 1988): a) a questão demográfi ca, b) a tecnologia do DNA recombinante, e c) o advento da bomba biológica. Ou, como ele escreveu, permitiria um “[...] entendimento realista do conhecimento biológico e seus limites, a fi m de fazer recomendações no campo das políticas públicas” (POTTER, 1970, p.127-131). Em uma palavra, nos permitiria manter controle social sobre as prioridades (fi nanciamento), as práticas (metodologias) e a aplicação (uso social) das ciências. • Bioética e o controle social sobre os benefícios das ciências O mesmo conteúdo proposicional de que Bioética é uma forma de controle social sobre as práticas científi cas será reapresentado em quase todas as compilações. Nas duas versões da Enciclopédia de Bioética, organizadas por Reich (1978), o termo aparece como o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências examinada à luz de valores e princípios morais. O mesmo sentimento está presente na Declaração de Gijón, (art. 15), que delimita como tarefa da Bioética proteger o ser humano pela harmonização entre ciência e direitos humanos. Por harmonizar, essa Declaração entende submeter os usos das produções científi cas às Declarações e Convenções mundiais de Bioética e de Direitos Humanos: Uma importante tarefa da Bioética, que constitui uma atividade pluridisciplinar, é harmonizar o uso das ciências biomédicas e suas tecnologias com os direitos humanos, em relação com os valores e princípios éticos proclamados nas Declarações e Convenção antes mencionadas, enquanto que constituem um importante primeiro passo para a proteção do ser humano (DECLARAÇÃO DE GIJÓN, art.15). Considerações Finais 121 Não é por acaso que em muitos países despontaram comitês de ética e Bioética disponíveis para o exercício desse controle sob a égide da defesa dos princípios democráticos. No Brasil, a criação desses comitês está ligada justamente a um órgão de controle social, o Conselho Nacional de Saúde, e se apresenta como movimento social em prol da democratização e universalização do acesso aos benefícios produzidos pelas pesquisas científi cas. • Bioética e o controle social sobre a ruptura entre Filosofi a e Ciência Jonas (1990) defende que a necessidade dessa harmonia é porque houve uma ruptura entre Filosofi a e Ciência, dado que Bioética deve procurar, na verdade, o controle que estava perdido, de modo que a refl exão fi losófi ca sobre a ética passe urgentemente a fazer parte da mentalidade do homem tecnológico. Sem tal refl exão esse homem poderá muito bem não só desorganizar a vida deste planeta, como também mudar radicalmente os fundamentos da vida, de criar e destruir a si mesmo, fazendo com que todos os avanços políticos, toda a tradição democrática, toda a luta por justiça e isonomia entre os povos e as pessoas estaria prontamente decidida como uma hipótese falida. • Bioética e o controle socialsobre o terror Essa vontade de demonstrar a necessidade de controle sobre as práticas científi cas, faz com que Jonas (1990) e muitos outros, graças à essa pedagogia do medo, transformem Bioética em mais um produto da Sociedade do espetáculo, em algo que vale a pena ser consumido. O slogan mercadológico é: consuma Bioética ou o mundo será destruído. Isso é tão forte que às vezes me pergunto: não seria o combate ao terror o sentido oculto de Bioética? Fico tentado a pensar assim, no entanto, percebo que mesmo autores como Ramsey e Farley (1970), que não concordam com essa visão catastrófi ca da realidade, são adeptos assumidos da noção de controle sobre as práticas científi cas. Curso de Bioética122 Minha conclusão não poderia ser outra. Não é o combate ao terror que faz de Bioética ser o que é. Diria até que esse é o seu sentido aparente, o que é de mais evidente. O sentido oculto vem de mais longe, vem da disputa pelo poder, pois, onde há poder, há tentativa de controle. Graças a isso, os discursos que se apresentam como bioeticistas estão pautados pelas contradições inerentes à nossa época. Contradições que envolvem tanto a defesa incondicional do papel do sujeito individual como centro das decisões morais – tal como o percebemos no modelo de Bioética euro-americano – quanto o daqueles que centram o sujeito coletivo e o lugar social dos que tomam as decisões – como acontece com uma facção de Bioética latino-americana. O fato é que, diante de tantas disparidades e disputas conceituais, torne-se mais prudente falar de Bioética como um movimento que compreende diversas facções e modos de apresentação, dentre os quais, a que apresento aqui é apenas uma delas, como uma provocação para debate. COMTE, A. Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo: Editora Escala, 2006. DECLARAÇÃO BIOÉTICA DE GIJON. I Congrésso Mundial de Bioética. Gijón (México), 2000. Disponível em: <http://www.ghente.org/bioetica/ giron.htm>. Acesso em 21 jun. 2012. GURGEL, W.B.. Considerações sobre Frankesntein à luz da Bioética. Ciências Humanas em Revista. São Luís: EdUFMA, v.2, n.1, p. 9-22, 2004. JAHR, F. Bio Ethik. Eine Umschau über die ethichen Beziehung des Meschen zu Tier und Pfl anze. Kosmos, Sturttgart, n.24, p. 2., 1927. JONAS, H. Il Principio Responsabilità. Un’etica per la civiltà tecnológica. Turim: Einaudi Editore, 1990. PELLEGRINO, E. The Origins and Evolution of Bioethics: Some Personal Refl ections. 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