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Cultura, Saúde e Doença 2º EDIÇÃO.pdf

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Cultura, 
Saúde e Doença 
Segunda edição 
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CECIL G. HELMAN 
MB, ChB, Dip. Soe. Anthrop., MRCGP Lecturer, 
Department of Primary Health Care, University 
College and Middlesex Medical School; 
Research Fellow, Department of Anthropology, 
University College, London 
UFMG - Biblioteca Universitária 
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· Cultura,.
Saúde e Doença
Segunda edição
Tradução: 
Eliane Mussr 
Consultoria, Coordenação e Supervisão de Tradução: 
Ceres Víctora 
Mestre em Antropologia Social pela UFRGS. 
Doutoranda em Antropologia Médica 
pela Brunel University, Londres. 
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LIVRARIA ,L., �,INTERMINA.S LTOA.
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FONES: Jg1-0584
PORTO ALEGRE / 1994 Av F . 4-9049 €em frMt:roFf.A,rredo Bato AX. 217-7199 
8 DCl,/d.Jdo 
de na, l8J .81-j 
. Medicina ·UFMQ/ 
Obra originalmente publicada sob o título 
Culture, Health and lllness por Butterworth & Co. (publishers) Ltd, 1990. 
Capa: Joaquim da Fonseca 
Supervisão editorial: Letícia Bispo de Lima 
Composição e arte-final: 
PENA - Composição e Arte Ltda. 
Fone: 223-3044 
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H4 78c Helman, Ceei! G. 
Cultura, saúde e doença - Ceei! G. Helman; trad. 
Eliane Mussmich. 
2 ed. - Porto Alegre : Artes Médicas, 1994. 
1. Medicina - Antropologia. I. Título
CDU 611./619:572.5 
Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto CRB 10/1023 
Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à 
EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LTDA. 
Av. Jerônimo de Omellas, 670 - Fones: 330-3444 e 331-8244 
Fax (055) 330-2378 - 90040-340 Porto Alegre, RS, Brasil 
LOJA CENTRO 
Rua General Vitorino, 277 - Fone 225-8143 
90020-171 Porto Alegre, RS, Brasil 
IMPRESSO NO BRASIL 
PRINTED IN BRAZIL 
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Para Vetta e Zoe 
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PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 
Este livro teve sua primeira edição publicada em 1984 e desde então tem sido 
adotado como livro-texto em universidades e escolas de Medicina em vários países. 
Entretanto, os últimos cinco anos têm presenciado um aumento significativo nas 
pesquisas que abordam as questões culturais presentes na problemática da saúde 
e da doença, bem como o surgimento de artigos, revistas e livros a respeito do 
tema. Ao mesmo tempo, observa-se, tanto entre os cientistas sociais como entre 
muitos outros profissionais de saúde, um crescente interesse pela Antropologia 
médica. 
Ao preparar esta segunda edição, tentei manter a estrutura essencial e grande 
parte do conteúdo da primeira edição, mas também acrescentei, onde necessário, 
material que tomasse a abordagem do livro mais atual. Para tanto, agradeço as 
críticas construtivas de muitos revisores da primeira edição. Muitos deles aponta­
ram, com razão, a necessidade de um foco específico sobre as questões de gênero, 
reprodução e nascimento. Assim sendo, acrescentei um capítulo inteiro (Capítulo 
6) que aborda as teorias antropológicas sobre gênero, as "culturas de gênero" de
homens e mulheres em diferentes sociedades, a relação gênero-saúde e gênero­
cuidado à saúde, a relação entre gênero e sexualidade e a gradual "medicalização"
de vários aspectos do ciclo de vida feminino, incluindo a menstruação, a
menopausa e o nascimento de filhos. Na segunda parte do Capítulo 6, descrevi
algumas das "culturas de nascimento", tanto referentes à obstetrícia ocidental
moderna, quanto a muitas comunidades em países em desenvolvimento; o
crescimento da obstetrícia hospitalar, tecnológica, e a insatisfação de muitas
mulheres com este crescimento; conceitos de fertilidade e infertilidade em
diferentes comunidades; atitudes em relação ao aborto, à contracepção e ao
1/Y • ; 
infanticídio; as vantagens e desvantagens das atendentes tradicionais de parto 
(T ABs) ou das parteiras populares (que são responsáveis pelo nascimento de dois 
terços dos bebês do mundo), além das reações físicas e psicológicas de muitos 
homens ao nascimento de seus filhos. 
Outra falha, mencionada por alguns revisores, refere-se ao perigo do 
conceito de cultura ser compreendido, ou mesmo empregado, de forma impró­
pria. Portanto, no primeiro Capítulo, descrevi alguns destes usos impróprios 
(especialmente no que se refere ao uso de estereótipos e ao ato de "culpar a 
vítima"). Além disso, ao longo de todo o livro, chamei a atenção para o fato de 
que os aspectos culturais envolvidos na questão da saúde e da doença só podem 
ser compreendidos em um contexto específico - e isso normalmente inclui 
questões políticas.e econômicas que podem também contribufr para um precário 
estado de saúde de um indivíduo ou comunidade. No Capítulo 3, por exemplo, 
descrevi o papel da economia política dos alimentos (incluindo a superdependência 
de uma agricultura voltada para a geração de recursos financeiros - cash crops 
-) como um fator determinante para a má nutrição em algumas partes do mundo. 
No Capítulo 2 incluí novas pesquisas antropológicas sobre a relação do corpo 
individual com o "corpo social", imposto ao primeiro pela cultura no qual ele está 
inserido, e a relevância disto para a saúde e a doença. Descrevi, também, a 
moderna metáfora da mente como um "computador", e a noção mais tradicional 
sobre o poder poluidor do sangue menstrual. Acrescentei uma seção a respeito 
do freqüente uso de metáforas para doenças, especialmente para a Síndrome da 
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), e como estas metáforas e preconceitos podem 
impedir o diagnóstico, o tratamento e a prevenção racional de uma doença grave. 
No Capítulo 5 resumi algumas das críticas - de sociólogos da saúde e outros -
a respeito do sistema médico ocidental, e o seu papel no controle social e na 
reprodução de algumas desigualdades (de gênero, de classes e étnicas) da 
sociedade maior na qual ocorre. Para ilustrar a influência da cultura em todos os 
sistemas de saúde, sumarizei alguns trabalhos recentes sobre as diferenças culturais 
entre os sistemas médicos da Inglaterra, da França, da Alemanha, da Itália, da 
Espanha, dos Estados Unidos e do Canadá, ilustradas pelos diferentes diagnós­
ticos propostos e pelos tipos de tratamento prescritos em cada um destes países. 
Nos capítulos 5 e 6, descrevi as origens e a natureza da enfermagem como 
profissão (outra omissão da primeira edição), e o papel cultural e social que 
desempenham na assistência à saúde contemporânea. No Capítulo 8 discuti 
pesquisas recentes sobre o tabagismo e a relação do uso do tabaco com questões 
econômicas mais amplas. Além disso, incluí dados sobre o uso de drogas 
alucinógenas em contexto religioso em muitas partes do mundo. No Capítulo 10, 
que trata da psiquiatria transcultural, acrescentei mais material sobre transtornos 
psicossomáticos e transtornos culturalmente delimitados ( cu lture bou nd d isorders), 
bem como uma seção nova a respeito da crescente sobreposição da terapia de 
família, da psiquiatria e da Antropologia médica. Algumas das relações controver­
sas entre a dinâmica familiar e a cultura são também discutidas mais detalhadamente 
neste capítulo. No Capítulo 12 acrescentei dados recentes a respeito da relação 
• 1 
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dos fatores culturais envolvidos na disseminação da hepatite B e nas questões 
ecológicas. 
Nesta segunda edição, continuo com uma orientação voltada para a 
Antropologia médica aplicada. Ao longo do texto procuro ilustrar a sua relevância 
para a saúde e a doença, bem como para a execução da assistência à saúde. Foram
ainda incluídos novos exemplos, tais como o papel desempenhado pelos fatores 
culturais na aceitação, por parte das pessoas, da terapia de reidratação oral (ORT 
- oral rehidration therapy) para as doenças diarréicas.
Finalmente gostaria de agradecer as críticas dos revisores da primeira edição,
por seus proveitosos comentários, e agradecer também a ajuda de Sushrut Jadhav, 
Jenny Littlewood, Roland Littlewood, Anthony Williams, Ronald Frankenberg, 
Sue Deeley of Butterworth Scientific Ltd. 
Ceei! G. Helman 
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PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 
O objetivo deste livro é apresentar ao leitor algumas idéias básicas e pesquisas 
realizadas no campo de antropologia médica. Embora muito tenha sido escrito 
sobre o assunto, acredito na necessidade de um livro que trace as linhas gerais de 
sua relevância prática tanto para a assistência médica quanto para a Medicina 
preventiva. Por esta razão este livro é dirigido principalmente àqueles que atuam 
na área da saúde -médicos, enfermeiros, parteiras, agentes de saúde, assistentes 
sociais e nutricionistas - bem como àqueles envolvidos com a educação à saúde 
ou com a assistência médica a estrangeiros. Dirige-se, também, aos alunos de 
graduação nas diversas disciplinas citadas e aos estudantes de Antropologia e 
Sociologia. Espero que este trabalho seja especialmente relevante para aqueles 
profissionais de saúde cujos pacientes provêm de backgrounds sociais e culturais 
diferentes dos seus próprios. 
Cada capítulo do livro trata de um tópico específico - começando com o 
quadro teórico a partir do qual cada assunto será abordado, e incluindo diversos 
relatos de caso em diferentes pontos do texto. Estes relatos de caso foram 
selecionados para ilustrar as dimensões culturais da saúde e da doença e seus 
significados para a prática médica. Procurei usar exemplos esclarecedores de 
problemas como, por exemplo, os fracassos na comunicação médico-paciente, a 
insatisfação com a assistência médica, experiência pessoal do paciente com 
problemas de saúde, além dos recursos de cura que as pessoas buscam fora da 
profissão médica. As referências sobre o material publicado são fornecidas ao 
longo do texto, sendo que maiores detalhes sobre o mesmo podem ser encontra­
dos no final do livro. Para aqueles que desejam aprofundar-se em algum tópico, 
eu apresento, ao final de cada capítulo, alguns títulos-chave de livros e artigos 
publicados. No Anexo 1, incluí breves "Questionários clínicos" sobre cada assunto, 
úteis na introdução de um pequeno projeto de pesquisa em antropologia médica 
ou simplesmente na conscientização sobre os componentes culturais da saúde, da 
doença e da assistência à saúde. 
Cecil G. Helman 
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INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA 
Tive o privilégio de visitar o Brasil várias vezes, a partir de 1989, através de 
um programa de intercâmbio do Conselho Britânico, para palestrar sobre Atenção 
Primária à Saúde e Antropologia Médica, em Porto Alegre - RS, e trocar idéias 
com meus colegas brasileiros. Nestas viagens tive a oportunidade de visitar muitos 
hospitais, clínicas e postos de saúde em diferentes partes da cidade e em favelas 
locais, encontrar-se com médicos generalistas, internistas, psiquiatras, 
epidemiologistas, enfermeiros, educadores e agentes de saúde, bem como muitos 
antropólogos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Meu interesse 
particular nestas visitas tem sido o de estudar a participação comunitária em 
atenção primária à saúde, programas de educação à saúde, seleção e treinamento 
de agentes de saúde nas favelas, e o papel de curandeiros não-médicos (Umbanda, 
por exemplo) no aconselhamento psicológico e de saúde para membros da 
comunidade. 
Entre muitos dos colegas brasileiros encontrei um interesse crescente na 
relevância da Antropologia médica para o estudo da saúde, da doença e da 
assistência à saúde. Muitos deles sentiram que os pressupostos, os resultados de 
pesquisas e os métodos da Antropologia médica são particularmente adequados 
para o estudo de questões relacionadas à saúde em uma sociedade complexa e 
heterogênea como a do Brasil moderno - com sua enorme diversidade 
econômica, social, cultural, religiosa, étnica e regional. Portanto, estou muito 
satisfeito e honrado pelo fato de que Cultura, saúde e doença tenha agora ·uma 
edição brasileira. 
Os antropólogos médicos têm sempre enfatizado a importância de compre­
ender a vida cotidiana. as necessidades e as visões de mundo das pessoas que vivem 
em diferentes comunidades, de diferentes backgrounds culturais e sociais, além 
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de estudar como todos estes fatores relacionam-se com a saúde e a doença. Na 
Europa, na América do Norte e em todos os outros lugares, a sua preocupação 
fundamental tem sido a de melhorar a saúde e a assistência à saúde da população. 
Em particular, como fazer com que o sistema de assistência à saúde seja mais 
eficiente, socialmente responsável, culturalmente apropriado, efetivo em termos 
de custo e adequado às necessidades das comunidades a que serve. Nos países em 
desenvolvimento esta abordagem tem sido orientada, freqüentemente, no sentido 
de ir ao encontro das necessidades de grupos marginais, desavantajados, como 
os pobres urbanos, os camponeses, grupos indígenas, emigrantes e refugiados. 
Mais recentemente, entretanto, tem havido uma ênfase crescente no estudo do 
próprio sistema de saúde, sua "cultura" e organização social, com o objetivo de 
compreender as limitações da Biomedicina, e como ela pode ser aperfeiçoada. Por 
exemplo, muitos têm criticado os seus altos custos, sua superespecialização, sua 
dependência da alta tecnologia e a ênfase em curas a curto prazo ao invés de 
estratégias preventivas de longo prazo. 
Muitas das questões levantadas por antropólogos médicos europeus e norte­
americanos em suas pesquisas podem ser relevantes para o Brasil, bem como para 
outros países latino-americano. Por exemplo: Qual o papel da privação social, 
material e econômica e do subdesenvolvimento na etiologia e tratamento das 
doenças? Que papel desempenham os fatores culturais e religiosos neste 
processo? Por que alguns grupos sociais apresentam índices mais altos de 
alcoolismo, abuso de drogas ou doenças cardíacas do que outros? Por que algumas 
condições são consideradas como "doença" em um grupo, mas como uma 
evidência de "bruxaria", "mau-olhado", ou "punição divina" em outros? Por que 
um comportamento é considerado "mau" (bad) em uma comunidade ou classe 
social e "louco" (mad) em outra. Por que algumas pessoas modificam sua dieta 
quando estão doentes, menstruadas, grávidas, amamentando ao peito, de uma 
forma que possa ser perigosa para a sua saúde? Qual o papel do gênero na causa 
e apresentação da doença? Qual o padrão de comportamento sexual que pode 
aumentar ou reduzir a disseminação da AIDS, da hepatite B e de outras infecções 
venéreas? Como a subcultura dos drogadictos, das prostitutas, ou de outros 
grupos, é relevante para a transmissão destas doenças - e o que pode ser feito 
para melhorar esta situação? Na comunidade, que formas de assistência à saúde 
existem fora do sistema médico formal - e quais são suas vantagens e 
desvantagens? Quais as características das formas nativas de cura (como aquelas 
das comunidades da Índia), ou de grupos religiosos populares (como a Umbanda, 
o Candomblé e o Espiritismo)? Por que algumas pessoas preferem consultar
curandeiros tradicionais (como chaseiras ou benzedeiras) para algumas condições,
e médicos para outras? Por que os tratamentos tradicionais (como chás, ervas e
cura espiritual) são tão amplamente utilizados na comunidade, mesmo quando as
pessoas podem pagar por um tratamento médico? Por que algumas pessoas
rejeitam certas formas de tratamento médico (como a terapia de reidratação oral)
ou estratégias preventivas (como o uso de contracepção), mas aceitam outras?
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Algumas das respostas para estas tantas questões -cada uma delas relevante 
para a execução da assistência à saúde moderna, podem ser encontradas nos 
relatos de casos deste livro, os quais foram retirados de muitas partes do mundo. 
Outras podem ser respondidas por outras pesquisas, a serem desenvolvidas por 
outros antropólogos médicos, tanto no Brasil como em outros países. 
Ao apresentar esta tradução do livro, gostaria de ressaltar a hospitalidade e 
ajuda dos meus amigos e colegas brasileiros, que me apresentaram ao seu país 
maravilhoso, sua cultura e seu sistema médico, especialmente Carlos e Dóris 
Grossman, Airton Stein, Magda Costa, Fernando Lokshin, Ronald Pagnoncelli de 
Souza, Cláudio Eizirik, Bruce Duncan, Maria Inez Schmidt, Ernesto de Freitas 
Xavier, Ondina Fachel Leal, Ruben Oliven e Ceres Víctora. 
Como a maior parte deste livro não diz respeito especificamente ao Brasil, 
são apresentados a seguir alguns títulos-chave brasileiros, tanto de livros como de 
artigos, que espero possam ser úteis aos leitores que não estejam familiarizados 
com o campo da antropologia cultural e com a antropologia médica. Agradeço a 
Ceres Víctora por sua ajuda na organização desta lista. 
Espero que este livro seja útil não apenas para profissionais da saúde, mas 
também para antropólogos, sociólogos e outros cientistas sociais que· estejam 
trabalhando no Brasil. 
Ceei! G. Helman 
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LEITURA RECOMENDADA 
Antropologia cultural: textos gerais 
DA MATIA, Roberto. Relativizando. Rio de Janeiro: Rocco, 1990. 
LAPLANTlNE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1991. 
LARAIA, Roque. Cultura, um conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar Editor, 1986. 
MELA Til, Júlio Cezar. A Antropologia no Brasil: um Roteiro. ln: Boletim 
Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, n. 12, p. 23-29, 1984. 
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo? São Paulo: Brasiliense, 1984. 
Antropologia médica no Brasil 
ALVES DE SOUZA, Guaraci, A. Deixar vir os filhos: a produção de proles 
numerosas. ln: Cadernos CRH, Salvador n. 13, p. 5-38, jul-dez, 1990. 
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: 
Graal, 1989. 
DUARTE, Luiz Fernando. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. 
Rio de Janeiro: Jorge Zahar/CNPq, 1986. 
KNAUTH, Daniela. Os caminhos da cura: sistema de representações e práticas 
sociais sobre doença e cura em uma vila de classes populares. Porto Alegre: 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1991. (Dissertação de Mestrado.) 
LOYOLA, Maria Andrea. Médicos e curandeiros: conflito social e saúde. São 
Paulo: Difel, 1984. 
MONTERO, Paula. Da doença à desordem: a magia na umbanda. Rio de 
Janeiro: Graal, 1985. 
RODRIGUES, José Carlos. O tabu do corpo. Rio de Janeiro: Achiame, 1979. 
VNElROS DE CASTRO, Eduardo. A fabricação do corpo na sociedade xinguana. 
ln: Boletim do Museu Nacional. Rio de Janeiro, n. 32, p. 40-49, maio/1979. 
WOORTMANN, Klas, A família das mulheres. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro/ 
CNPq, 1987. 
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SUMÁRIO 
P f, • ' d d. -re ac10 a segun a e 1çao ................................. . 
P f, . ' • . d. -re ac10 a pnme1ra e 1çao ................................. . 
Introdução à edição brasileira ............................ . 
Capítulo 1 Introdução: a abrangência da Antropologia 
'd· tne 1ca ........................................................... .
Capítulo 2 Definições culturais de anatomia e fisiologia ...... . 
Capítulo 3 Dieta alimentar e nutrição ................................ . 
Capítulo 4 Tratamento e cura: as alternativas de assistência à 
7 
11 
13 
21 
30 
48 
saúde .............................................................. 70 
Capítulo 5 Relação médico-paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 
Capítulo 6 Gênero e reprodução ........................................ 137 
------------------------�-------------, 
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Capítulo 7 Dor é cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 
-� Capítulo 8 Cultura e farmacologia....................................... 176 
Capítulo 9 Ritual e manejo dos infortúnios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196 
Capítulo 1 Ü A psiquiatria transcultural através das culturas ....
Capítulo 11 Aspectos culturais do estresse ........................... .
Capítulo 12 Os fatores culturais em epidemiologia ................ .
An 1 t. ,. li. exo : ques 1onanos c n1cos ......................... .
Referências bibliográficas ............. -.................... . 
I, d. . .n ice rem1ss1vo ........................... ; ................... . 
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247 
263 
280 
290 
309 
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CAPÍTULO 1 
INTRODUÇÃO: 
A ABRANGÊNCIA DA 
ANTROPOLOGIA MÉDICA 
A Antropologia médica trata de como as pessoas, nas diferentes culturas e 
grupos sociais, explicam as causas das doenças, os tipos de tratamento em que 
acreditam e a quem recorrem se ficam doentes. Também é o estudo de como essas 
crenças e práticas estão relacionadas com as mudanças biológicas e psicológicas no 
organismo humano, tanto na saúde quanto na doença. 
Para colocar este assunto numa perspectiva, é necessário conhecer um pouco 
sobre a disciplina de Antropologia propriamente dita, da qual a Antropologia 
médica vem a ser um desdobramento comparativamente novo. A Antropologia -
que vem do grego e significa "o estudo do homem" - é definida como "a mais 
científica das ciências humanas e a mais humana das ciências"(l). Seu objetivo é 
nada menos do que o estudo holístico da humanidade - suas origens, desenvol­
vimento, organizações sociais e políticas, religiões, línguas, artes e artefatos. 
A Antropologia, como campo de estudo, possui diversos ramos. A Antropo­
logia física - também conhecida como "biologia humana" - é o estudo da 
evolução da espécie humana, e está preocupada em explicar as causas da 
diversidade atual das populações humanas. Na investigação da pré-história huma­
na, utiliza técnicas da Arqueologia, da Paleontologia, da Genética e da serologia, 
bem como o estudo do comportamento e ecologia dos primatas. A cultura 
material estuda a arte e o artesanato da humanidade através dos tempos. Inclui o 
estudo das artes, instrumentos musicais, armas, vestuário, ferramentas e implementes 
agrícolas de diferentes populações. Estuda ainda os demais aspectos da tecnologia 
utilizados pelos seres humanos para controlar, dar forma, explorar e melhorar seu 
Cultura, Saúde e Doença / 21 
/ 
meio ambiente social e cultural. A Antropologia social e a Antropologia cultural 
tratam do estudo comparativo das sociedades humanas atuais e seus sistemas 
culturais, embora haja diferenças na ênfase dada nas duas abordagens. 
No Reino Unido, a abordagem da Antropologia social é dominante e enfatiza 
as dimensões sociais da vida humana. O ser humano é um animal social, organizado 
em grupos que se regulam e se perpetuam. É a experiência do homem e da mulher 
como membros de uma sociedade que determina sua visão de mundo. Nesta 
perspectiva, a cultura é vista como uma das formas que os humanos organizam e 
legitimam a sociedade, fornecendo a base para sua organização social, política e 
econômica. Nos Estados Unidos, a Antropologia cultural dá maior ênfase aos 
sistemas de símbolos, idéias e significados que constituem uma cultura, da qual a 
organização social seria apenas uma expressão. Na prática, as diferenças de ênfase 
da Antropologia social e da cultural fornecem perspectivas valiosas e complemen­
tares para dois temas centrais - as várias maneiras com que os grupos humanos 
se organizam e a sua visão do mundo que habitam. Em outras palavras,
ao estudar 
um grupo de seres humanos, é necessário estudar tanto as feições da sua sociedade 
como da sua cultura. 
Keesing(2) define a sociedade como "uma população caracterizada por uma 
separação relativa das populações vizinhas e por uma cultura distinta". Os limites 
entre as sociedades são, por vezes, vagos, mas, geralmente, cada uma possui 
identidades territorial e política próprias. Ao estudar qualquer sociedade, os 
antropólogos investigam as formas com que seus membros se organizam em 
diferentes grupos, hierarquias e funções. Essa organização revela-se através da 
ideologia dominante e da religião; dos sistemas político e econômico; dos tipos de 
laços - que o parentesco ou a vizinhança cria entre pessoas; da divisão do trabalho 
entre pessoas diferentes, com backgrounds e gêneros diferentes. As regras que 
sustentam a organização de uma sociedade e as formas como são simbolizados e 
transmitidos fazem parte da cultura daquela sociedade. 
O conceito de "cultura" 
Mas afinal, o que vem a ser cultura - um termo que será muitas vezes 
empregado no curso deste livro? Os antropólogos têm apresentado várias defini­
ções; a mais famosa, talvez seja a de E. B. Tylor's(3), em 1871: "Um complexo 
formado por conhecimento, crenças, artes, moral, leis, costumes e toda e qualquer 
capacidade ou hábito adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade." 
Keesing(4), em sua definição, enfatiza o aspecto ideativo da cultura. Segundo ele, 
as culturas compreendem "sistemas de idéias compartilhadas; sistemas de concei­
tos, regras e significados que modelam e são expressas nas formas como os 
humanos vivem." 
22 / Cecil G. Helman
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A partir destas definições, podemos observar que cultura é um conjunto de 
princípios (explícitos e implícitos) herdados pelos indivíduos enquanto membros de 
uma sociedade em particular. Tais princípios mostram a eles a forma de ver o 
mundo, de vivenciá-lo emociona /mente, e de comportar-se dentro dele em relação 
a outras pessoas, a deuses ou a forças sobrenaturais, e ao meio ambiente natural. 
Ele também lhes fornece a forma de transmitir estes princípios para a geração 
seguinte - através do uso de símbolos, linguagem, ritual e artes. De certa forma, 
a cultura pode ser considerada como uma "lente" herdada, através da qual os 
indivíduos percebem e compreendem o mundo que habitam, aprendendo viver 
dentro dele. Crescer dentro de qualquer sociedade é uma forma de 
"endoculturação"*, processo através do qual o indivíduo adquire gradualmente a 
"lente" cultural daquela sociedade. Sem essa percepção compartilhada do mundo, 
a coesão ou a continuidade de qualquer grupo humano seria impossível. 
Um dos aspectos da "lente cultural" é a divisão do mundo e das pessoas que 
o habitam em diferentes categorias, cada uma com denominação própria.
Por exemplo, todas as culturas dividem seus membros em diferentes categorias 
sociais, a saber: homens ou mulheres, crianças ou adultos, jovens ou velhos, 
parentes ou estranhos, classe alta ou classe baixa, capazes ou incapazes, normais 
ou anormais, loucos ou maus, sadios ou doentes. E todas as culturas possuem 
formas elaboradas tanto para transferir um indivíduo de uma categoria social para 
outra (como da categoria de "doente" para a de "sadio"} quanto para confiná-lo 
-por vezes contra a vontade do mesmo -à categoria na qual foi enquadrado (no
caso dos velhos, loucos ou deficientes, por exemplo)(S).
Os antropólogos, tais como Leach, observaram que, na prática, todas as 
sociedades possuem mais de uma cultura dentro de seus limites. A maioria das 
sociedades possui, por exemplo, alguma forma de estratificação social em classes, 
castas ou posições sociais. Cada estrato caracteriza-se por atributos culturais 
distintivos próprios, incluindo formas de linguagem, comportamentos, modos de 
vestir, padrões alimentares e habitacionais e assim por diante. Ricos e pobres, 
poderosos e fracos - cada um tem a sua própria perspectiva cultural herdada. De 
certa forma, homens e mulheres podem ter sua própria cultura característica dentro 
da mesma sociedade. Deles espera-se que se ajustem a diferentes normas e 
expectativas. Além dos estratos sociais, podemos observar que, atualmente, a 
maior parte das sociedades complexas contemporâneas -como o Reino Unido 
e os Estados Unidos - compõe-se também por minorias étnicas e religiosas, 
turistas, estudantes estrangeiros, refugiados políticos, imigrantes recentes e traba­
lhadores migrantes -cada um com cultura própria. Muitos deles sofrerão algum 
grau de aculturação, e incorporarão alguns atributos culturais da sociedade 
dominante. Podemos observar ainda outra subdivisão da cultura dentro de uma 
sociedade complexa nas várias subculturas profissionais existentes-tais como os 
grupos de médicos, enfermeiros, militares e profissionais da lei. Em cada caso, 
formam um grupo à parte, com seus próprios conceitos, regras e organização 
• Neologismo criado pelo autor e explicado por ele a seguir. (N.T.)
Cultura, Saúde e Doença / 23 
social. Embora cada subcultura seja desenvolvida a partir de uma cultura maior, e 
compartilhe muitos de seus conceitos e valores, esta tarnbém possui feições 
características e únicas. Os estudantes das profissões citadas também sofrem uma 
espécie de endoculturação ao adquirir gradualmente a cultura da carreira escolhida. 
Nesse processo, adquirem uma perspectiva na vida diferente daquela de quem está 
fora desse contexto profissional. No caso da profissão médica, sua subcultura reflete 
muitas das divisões sociais e preconceitos da sociedade maior (ver capítulos 4 e 6), 
o que pode interferir tanto na atenção à saúde como na comunicação médico­
paciente - como ilustrarei mais adiante neste livro.
Portanto, o background cultural exerce importante influência em muitos 
aspectos da vida das pessoas, incluindo suas crenças, comportamentos, percep­
ções, emoções, línguas, religiões, estrutura familiar, alimentação, vestuário, imagem 
corporal, conceitos de espaço e tempo, além das·atitudes em relação à doença, dor 
e outras formas de infortúnio. Tais aspectos certamente terão implicações impor­
tantes nas questões de saúde e na atenção à saúde. Contudo, a cultura na qual um 
indivíduo nasceu ou vive não é, por certo, a única influência dessa natureza sofrida 
por ele. É apenas uma dentre várias influências, as quais incluem fatores 
individuais (como idade, gênero, altura, aparência, personalidade, inteligência e 
experiência), os fatores educacionais (formais ou informais, incluindo educação em 
uma subcultura religiosa, profissional ou étnica) e os fatores socioeconômicos 
(como classe social, status econômico e redes de apoio social). 
Ademais, o conceito de cultura é, por vezes, malcompreendido ou mal­
empregado por aqueles que o utilizam. Por exemplo, as culturas nunca são 
homogêneas e, portanto, devemos evitar sempre generalizações no que se refere 
a explicações sobre crenças ou comportamentos das pessoas. Não podemos fazer 
generalizações sobre os membros de qualquer grupo humano sem considerarmos 
que as diferenças entre eles podem ser tão marcantes quanto aquelas existentes 
entre membros de diferentes grupos culturais. Afirmações do tipo "Os membros do 
grupo X não fazem Y" - como, por exemplo, fumar, beber ou comer carne -
podem ser verdadeiras para alguns ou até para a maioria, mas não necessariamente 
para todos. Devemos, portanto, saber distinguir entre as regras culturais que ditam 
como um indivíduo deve pensar e agir, e como as pessoas de fato se comportam 
na vida real. As generalizações são perigosas também por levarem geralmente ao 
desenvolvimento de estereótipos e, por conseguinte, a interpretações errôneas,. 
preconceitos e discriminações. Uma outra razão para não generalizar é que as 
culturas 1nunca são estáticas, mas influenciadas, em geral, por grupos culturais 
vizinhos, e na maior parte do mundo estão
em constante processo de adaptação 
e mudança. O que é verdade para um grupo social num ano pode não o ser no ano 
seguinte. 
Um ponto importante na compreensão do papel da cultura reside no fato de 
que esta deve sempre ser vista em seu contexto particular. Esse contexto compõe­
se de elementos históricos, econômicos, sociais, políticos e geográficos. Isso 
significa que a cultura de qualquer grupo de pessoas em qualquer período no tempo 
é sempre influenciada por muitos outros fatores. Portanto, é impossível isolar 
24 / Ceei/ G. Helman
crenças culturais e comportamentos "puros" do contexto social e econômico em 
que ocorrem. Por exemplo, as pessoas podem agir de determinada forma (comer 
certos tipos de comida, morar em uma casa com muitas pessoas, ou não consultar 
um médico quando ficam doentes) sem qu� isto seja uma norma de suas culturas, 
mas simplesmente porque são muito pobres e não têm condições de proceder 
diferentemente. Elas podem apresentar altos níveis de ansiedade nos seus dia-a-dia 
não porque sua cultura os deixe ansiosos, mas por sofrerem discriminações ou 
perseguições de outras pessoas. Desta forma, para compreender a saúde e a 
doença, é importante evitar "culpar a vítima" -isto é, ver seu mau estado de saúde 
como decorrente exclusivamente da cultura em que vive ao invés de considerar 
também sua situação econômica e social. Os fatores econômicos, particularmente, 
constituem causas importantes de doenças, uma vez que a pobreza e o desemprego 
podem resultar em precária nutrição, habitações superlotadas, vestuário inadequa­
do, estresse psicológico e abuso do álcool. A distribuição desigual de riquezas e 
recursos - entre países e dentro de um mesmo país -podem causar situações 
deste tipo. Um exemplo disso é o Black Report(7) de 1982, cujos dados 
demonstraram como a saúde, no Reino Unido, estava claramente relacionada com 
a renda. Os indivíduos pertencentes a classes sociais mais pobres tinham mais 
doenças e apresentaram uma taxa de mortalidade muito mais elevada do que seus 
conterrâneos de classes mais abastadas. Também nos países em desenvolvimento 
- seja qual for a cultura local - as más condições de saúde geralmente estão
vinculadas com baixa renda o que, por sua vez, influencia o tipo de alimentação,
de água, de saneamento e de moradia que a população pode pagar (8). Uma cultura,
portanto, nunca pode ser analisada num vácuo, mas sim como um componente de
um complexo de influências que se refere àquilo em que as pessoas acreditam e ao
modo como vivem.
Um último uso indevido do conceito de cultura, especialmente no caso de 
atenção à saúde, ocorre quando sua influência é supervalorizada na interpretação 
da maneira como as pessoas apresentam seus sintomas aos profissionais da saúde. 
Sintomas ou comportamentos podem ser atribuídos à cultura da pessoa, quando, 
na verdade, são causados por um transtorno mental ou físico subjacente. 
Métodos de pesquisa em Antropologia 
No estudo das sociedades e das culturas em diferentes partes do mundo, os 
antropólogos têm utilizado duas abordagens principais: a etnográfica e a campa-
rativa. A abordagem etnográfica envolve o estudo de pequenas sociedades ou de 
grupos relativamente pequenos de pessoas para compreender como seus membros 
vêem o mundo e organizam seu cotidiano. O objetivo é descobrir - tanto quanto 
for possível-a "perspectiva do agente social", ou seja, observar como é o mundo 
a partir da perspectiva de um membro daquela sociedade. Para tanto, os 
antropólogos geralmente desenvolvem pesquisas de campo, utilizando a técnica da 
"observação participante". Essa técnica consiste em viver com um grupo de pessoas 
Cultura, Saúde e Doença / 25 
,/ 
e observá-lo, aprendendo a ver o mundo através de seus olhos mas mantendo, 
simultaneamente, a perspectiva objetiva do cientista social. Este trabalho envolve, 
muitas vezes, estudos quantitativos tais como a contagem da população, a medição 
da renda e da alimentação, além da relação dos habitantes dos diversos grupos 
familiares. Então, a etnografia passa para um segundo estágio: a abordagem 
comparativa, que busca distinguir as principais feições de cada sociedade e cultura 
e compará-las com outras sociedades e culturas, a fim de extrair conclusões a 
respeito da natureza universal do homem e seus agrupamentos sociais. 
Em seus primeiros anos, a Antropologia ocupava-se principalmente com o 
estudo de pequenas sociedades tribais localizadas dentro dos impérios coloniais ou 
nos seus limites. A Antropologia contemporânea, contudo, ocupa-se igualmente 
de fazer etnografias nas sociedades complexas ocidentais. A "tribo" de um 
antropólogo contemporâneo pode, perfeitamente, ser uma seita de Nova .Iorque, 
um subúrbio em Londres, um grupo de médicos de Los Angeles, ou pacientes de 
uma clínica em Melbourne. Em todos os casos, são utilizadas tanto a abordagem 
etnográfica quanto a comparativa - bem como algumas técnicas de entrevista e 
medição da Sociologia e da Psicologia. 
A Antropologia médica 
Embora seja um ramo da Antropologia social e cultural, a Antropologia médica 
também possui raízes profundas na Medicina e em outras ciências naturais, por 
ocupar-se de uma ampla gama de fenômenos biológicos, especialmente no que se 
refere à saúde e à doença. Enquanto tema, situa-se-por vezes desconfortavelmente 
-na sobreposição entre as ciências naturais e sociais, extraindo seu entendimento
das duas disciplinas. Segundo a definição de Foster e Anderson ( 1 O), a Antropologia
médica é uma disciplina biocultural que trata dos aspectos biológicos e socioculturais
do comportamento humano e, em particular, das formas com que tais aspectos
interagem e têm interagido no curso da história humana, influenciando a saúde e
a doença.
Os antropólogos, ao estudar o extremo sociocultural desse espectro, ressalta­
ram que, em todas as sociedades humanas, as crenças e práticas relacionadas a 
problemas de saúde são características fundamentais de uma cultura. Geralmente 
estão ligadas a crenças sobre a origem de uma ampla gama de infortúnios 
(acidentes, conflitos interpessoais, acidentes naturais, colheitas fracassadas, roubos 
ou perdas), dos quais a doença é apenas mais um exemplo. Em algumas sociedades, 
todos os tipos de infortúnios são atribuídos a forças sobrenaturais, à ação maléfica 
de um "bruxo" ou "feiticeiro", ou tidos como recompensa divina. Os valores e 
costumes associados a doenças fazem parte do complexo cultural, não podendo ser 
estudados de forma isolada. Não podemos compreender as reações das pessoas à 
doença, morte ou outros infortúnios sem compreender o tipo de cultura em que 
foram educadas ou assimilaram por convivência- isto é, a "lente" através da qual 
elas percebem e interpretam o mundo. Além do estudo da cultura, é necessário 
26 / Ceei/ G. Helman
também examinar a organização social de saúde e doença daquela cultura (o 
"sistema de assistência à saúde"). Isso inclui as formas com que as pessoas são 
reconhecidas como "doentes", o modo como apresentam a doença aos outros, os 
atributos daqueles a quem a doença é apresentada, e as formas com que a doença 
é tratada. Um grupo de "curandeiros" de diferentes tipos pode ser encontrado em 
todas as sociedades. Os antropólogos estão particularmente interessados nas 
características deste grupo social particular- sua seleção, treinamento, conceitos, 
valores e organização interna. Além disso, estudam o modo como esses indivíduos 
estão enquadrados no sistema social como um todo - que categoria ocupam na 
hierarquia social, seu poder político e econômico, e como dividem o trabalho entre 
si e com os outros membros da sociedade. Em alguns grupos humanos, os 
curandeiros desempenham outras funções além da de curar. Podem, por exemplo, 
atuar como "integradores" da sociedade, responsáveis por reafirmar regularmente 
os valores da mesma (ver Capítulo 9); ou como agentes de controle
social, 
colaborando para rotular e punir socialmente o comportamento desviante (ver 
Capítulo 10). Seu foco pode não ser apenas o indivíduo doente, mas a família, 
comunidade, vilarejo ou tribo "doente" do mesmo. Por conseguinte, no estudo das 
percepções e reações dos indivíduos às doenças e dos tipos de tratamento a que 
recorrem, é importante conhecer algo sobre os atributos sociais e culturais da 
sociedade em que vivem. Esta é uma das tarefas principais da Antropologia médica. 
No extremo biológico do espectro, a Antropologia médica utiliza as técnicas 
e descobertas da medicina e seus diversos campos: a microbiologia, a bioquímica, 
a genética, a parasitologia, a patologia, a nutrição e a epidemiologia. Em muitos 
casos é possível estabelecer relações entre as mudanças biológicas verificadas 
através dessas técnicas e os fatores sociais e culturais de uma dada sociedade. Por 
exemplo, uma doença hereditária transmitida por um gen recessivo pode ocorrer 
com maior freqüência numa determinada população por sua preferência cultural 
pela endogamia, ou seja, por seus indivíduos casarem apenas com membros da 
família ou parentes locais. Para detectar esse problema, são necessárias várias 
perspectivas: a Medicina clínica (para identificar a manifestação clínica da doença), 
a patologia {para confirmar a existência da doença ao nível celular ou bioquímico), 
a genética {para identificar e prever a base hereditária da doença e sua ligação com 
um gen recessivo), a epidemiologia {para demonstrar sua alta incidência numa 
determinada população pelo "agrupamento" de gens recessivos decorrentes dos 
costumes matrimoniais) e a Antropologia social ou cultural (para expl!car os­
padrões de casamento daquela sociedade, e identificar quem pode casar com quem 
dentro da mesma). A Antropologia médica procura resolver esse tipo de problema 
clínico, utilizando não só descobertas antropológicas, mas também aquelas das 
ciências biológicas - por ser, em outras palavras, uma "disciplina biocultural." 
A Antropologia médica aplicada 
Dentro da Antropologia médica, alguns pesquisadores concentram seus 
estudos nos aspectos teóricos da disciplina; outros - particularmente aqueles 
Cultura, Saúde e Doença/ 27 
) 
envolvidos com a prática médica, programas de educação da saúde ou assistência 
médica a estrangeiros - focalizam mais seus aspectos aplicados da assistência 
médica e da Medicina preventiva. 
, O interesse no campo da Antropologia médica aplicada cresceu constante­
mente nos últimos anos. Os antropólogos médicos têm desenvolvido uma variedade 
de projetos multidisciplinares em muitas partes 'do mundo, com o intuito de 
melhorar a saúde e a atenção 
1 
à saúde. Além de trabalhar em países em 
desenvolvimento, eles têm atuado também em cidades e subúrbios da Europa e da 
América do Norte. Alguns antropólogos têm ampliado o enfoque em seus trabalhos 
a fim de incluir mais amplamente as macroinfluências sobre a saúde, tais como as 
desigualdades políticas e econômicas existentes não só entre as sociedades atuais, 
como também dentro das mesmas. 
Um exemplo desse problema é a alta incidência dos diversos tipos de diarréia 
nos países em desenvolvimento, o que, segundo a OMS (11), significa um 
importante problema de saúde mundial. Essas doenças encontram-se geralmente 
associadas à pobreza, e aos problemas de má nutrição e infecção resultantes, além 
de causar a morte de 5 a 7 milhões de pessoas por ano. Não cabe à ciência médica 
dar uma solução a longo prazo para esse problema. Isso envolve grandes mudanças 
estruturais - econômicas, políticas e sociais - dentro de cada país e em suas 
relações com o resto do mundo. (8) 
Em termos de tratamento, a terapia de reidratação oral (ORT) é um meio 
seguro e barato de prevenir e tratar a perigosa desidratação associada a essas 
doenças em crianças e bebês. Contudo, em muitas partes do mundo, as mães 
relutam em usar esse recurso de tratamento relativamente simples. Pesquisas 
antropológicas indicaram que isso se deve, em parte, pelas crenças nativas sobre 
as causas e os perigos da diarréia e como deve ser tratada (12). 
Relato de caso: A terapia de reidratação oral no Paquistão 
Um estudo recente realizado por Mull e Mull (13) na zona rural do Paquistão 
indicou um amplo desconhecimento e rejeição à terapia de reidratação oral (TRO) 
por parte das mães, apesar de o Ministério da Saúde daquele país promover o seu 
uso ao nível nacional desde 1983. Postos de saúde do governo distribuem pacotes 
de soro reidratante (ORS = oral rehydration solution) gratuitamente, e a indústria 
farmacêutica do Paquistão produz mais de 18 milhões de pacotes de soro 
reidratante anualmente. Os pesquisadores observaram que muitas mães desconhe­
ciam a maneira de usar o soro; algumas delas viam a diarréia - muito comum 
naquela área - como parte "natural" e esperada do processo de dentição e 
crescimento, e não como uma doença. Outras julgavam ser perigoso interromper 
a diarréia, pois o "calor" nela contido poderia espalhar-se para o cérebro, 
provocando febre. Outras, ainda, explicavam a diarréia nos bebês como decorrên­
cia de determinadas doenças populares (ver Capítulo 5) tais como nazar (mau-olhado), 
28 / Cecil G. Helman
---------, 
jinns (espíritos maJ�ficos) e sutt (moleira funda ou "caída", tida como causadora de 
dificuldades de· sucção em bebês). Nestes casos deveria ser tratada com remédios 
tradicionais ou por curandeiros tradicionais, sem o recurso do soro. Algumas mães 
não associavam a moleira funda com desidratação grave e tentavam "levantá-la" 
aplicando substâncias pegajosas, no topo da cabeça do bebê, ou empurravam o 
palato para cima com o dedo. 
Muitas mães viam a diarréia como uma doença "quente" (ver Capítulo 3) que 
requeria um tratamento do tipo "frio", como uma.mudança. µa alimentação da mãe 
ou alimentar o · bebê com determinadas ervas para recolocar· o bebê doente na 
temperatura normal. Elas tam��m classificavam como "qµentes" a maior parte dos 
medicamentos ocidentais·, tais como os antibióticos e até as vitaminas e, portanto, 
inadequados para um bebê com diarréia. Um pequeno grupo rejeitou o soro de 
reidratação oral que contém sal por acreditarem que sal era "ruim para diarréia". 
Este e outros estudos demonstram que os programas de assistência à saúde 
devem sempre ser planejados não apenas com referência aos aspectos médicos, 
mas levando em consideração as crenças de uma comunidade sobre suas doenças 
e como elas devem ser tratadas, bem como o contexto político e econômico em que 
ocorrem. (8) 
Este livro é derivado do crescente campo da Antropologia médica aplicada, 
brevemente descrita neste capítulo. Seu objetivo é demonstrar a importância clínica 
dos fatores culturais e sociais em se tratando de saúde e doença, e no planejamento 
de todos os tipos de assistência à saúde. 
Leitura recomendada 
Antropologia médica 
Foster, G. M. e Anderson, B. G. (1978) Medical Anthropology. New York: Wiley Kleinman, A. (1980) 
Patients and Healers in the Context of Culture. Berkeley: University of Califomia Press. 
Landy, D. (ed.) (1977) Culture, Disease, and Healing. NewYork: Macmillan. 
Antropologia social e cultural 
Keesing, R. M. (1981) Cultural Anthropology. New York: Holt, Rinehart and Winston. 
Leach, E. (1982) Social Anthropology. Glasgow: Fontana. Técnicas de pesquisa em antropologia. 
Peito, P. J. e Peito, G. H. (1978) Anthropological Research: the Structure of lnquiry. Cambridge 
University Press. 
Cultura, Saúde e Doença / 29 
L 
CAPÍTUL02 
DEFINIÇÕES CULTURAIS DE 
ANATOMIA E FISIOLOGIA 
Para os membros de todas as sociedades, o corpo humano é mais do que um 
simples organismo físico oscilando entre a saúde e a doença. É também o foco de 
um conjunto de crenças sobre seu significado social e psicológico, sua estrutura e 
funcionamento. A expressão "imagem do corpo"
é usada para descrever todas as 
formas com que um indivíduo conceitua e experiencia o próprio corpo, consciente 
ou inconscientemente. Na definição de Fisher (1), a expressão engloba "suas 
atitudes coletivas, seus sentimentos e fantasias sobre o seu corpo", e também "a 
maneira pela qual a pessoa aprendeu a organizar e integrar suas experiências 
corporais." A cultura do grupo em que crescemos nos ensina como perceber e 
interpretar as muitas mudanças que podem ocorrer em nossos corpos ao longo do 
tempo, assim como nos corpos das outras pessoas. Aprendemos a distinguir um 
corpo "jovem" de um "idoso", um corpo "doente" de um corpo "saudável"; a definir 
"uma febre" ou "uma dor", uma sensação de "inabilidade" ou_ de "ansiedade". 
Aprendemos também a considerar algumas partes do corpo como "públicas" e 
outras, "privadas"; e a entender algumas funções corporais como aceitáveis 
socialmente e outras, moralmente impuras. 
A imagem corporal, portanto, vai sendo adquirida pelo individuo como parte 
do seu crescimento numa família ou sociedade particular - embora haja, é claro, 
variações individuais no que se refere à imagem do corpo dentro de uma sociedade. 
De modo geral, os conceitos de imagem do corpo podem ser divididos em três 
grupos principais: 
1. Crenças sobre o tamanho e forma ideais do corpo, incluindo o vestuário e
o embelezamento do seu exterior.
30 / Cecil G. Helman
2. Crenças sobre a estrutura interna do corpo.
3. Crenças sobre suas funções.
Os três grupos são influenciados pelo background social e cultural e podem
produzir efeitos importantes sobre a saúde do indivíduo. 
Forma, tamanho, vestuário e a parte extema do corpo 
Em toda sociedade, o corpo humano tem uma realidade social e uma física, 
isto é, a forma e o tamanho do corpo de uma pessoa, assim como seus adornos, 
comunicam informações sobre a posição que ela ocupa na sociedade. Essas 
informações incluem gênero, status social, profissão e adesão a determinados 
grupos religiosos ou seculares. Incluídos nesta forma de comunicação encontram­
se os gestos e posturas corporais, os quais freqüentemente diferem entre as culturas 
e entre diferentes grupos dentro de uma mesma cultura. As linguagens corporais 
de, por exemplo, médicos, pastores religiosos, policiais e vendedores são muito 
diferentes umas das ou�ras, transmitindo tipos diferentes de mensagens a outras 
pessoas. A vestimenta também é particularmente importante para indicar posição 
social e ocupação: no mundo ocidental, os casacos de pele e as jóias são usados 
como demonstração de riqueza, em contraste com as roupas malcosidas dos 
pobres. Da mesma forma, o jaleco branco do médico ocidental ou o quepe 
engomado do enfermeiro, além de seu aspecto prático - a limpeza e a prevenção 
de infecções - também têm uma função �ocial, indicando sua filiação a um grupo 
profissional poderoso e prestigiado, com seus direitos e privilégios específicos (ver 
Capítulo 9) ... uma ·mudança· na posição social é geralmente seguida por uma 
mudança na vestimenta: o vestido e o xale pretos adotados pelas viúvas num vilarejo 
grego são indicadores públicos de sua transição da condição de mulher casada para 
a de viúva solitária. Os formandos de uma universidade ocidental vestem um 
uniforme composto pela toga e pelo quepe acadêmicos. Portanto, muitos aspectos 
dos adornos do corpo, especialmente a vestimenta, têm tanto uma função social 
(transmitir informações sobre a posição atual de um indivíduo na sociedade), como 
a função prática mais óbvia de proteger o corpo do meio ambiente. 
As mudanças artificiais na forma, tamanho e parte externa do corpo - muito 
difundidas por todo o mundo -também podem ter uma função social. Isto também 
se aplica às formas mais extremas de mutilação corporal, que serão mencionadas 
a seguir. Inerentes à maioria destas encontram-se as noções culturalmente definidas 
de beleza e de tamanho e forma ideais do corpo. Polhemus (2) listou algumas das 
formas mais extremas de alteração corporal praticadas historicamente e, nos 
tempos atuais, entre os povos não-industrializados. Dentre elas estão: a deforma­
ção artificial do crânio na primeira infância em algumas regiões do Peru; desgastes 
e entalhes na arcada dentária praticadas no México pré-colombiano e no Equador; 
escarificações no peito e membros do corpo na Nova Guiné em regiões da África 
Cultura, Saúde e Doença / 31 
,-;==============================================��======���
) 
Central; a atadura dos pés das mulheres na China Imperial; o engorde artificial de 
meninas em algumas regiões da África Ocidental; a tatuagem do corpo no Taiti e 
entre alguns índios america�os; a inserção de grandes ornamentos nos lábios e 
lóbulos das orelhas no Brasil, Africa Oriental e Melanésia; e o uso de brincos no nariz 
e nas orelhas do povo do Timbuktu, Mali. Os riscos à saúde de tais mutilações 
corporais são óbvios, mas podem também trazer benefícios à população. Enquanto 
a circuncisão na mulher, ainda praticada em algumas regiões da África, é perigosa 
por oferecer riscos de infecção, formação de tecido cicatricial e dificuldade em 
partos futuros (3), a circuncisão precoce no homem é tida como fator de prevenção 
do câncer cervical nas mulheres (4). Além disso, como foi observado entre os Mende 
de Siérra Leone, a prática da escarificação ritual numa comunidade pode fazê-los 
aceitar a "escarificação 'ritual" da vacinação mais entusiasticamente do que em 
grupos que não possuem esta prática (C. P. MacConnack, 1982, comunicação 
pessoal). Tanto a escarificação quanto a tatuagem (que oferecem riscos de infecção 
local e de hepatite) são raramente vistas no Ocidente atualmente, exceto entre os 
marinheiros e operários. 
Nas sociedades industrializadas ocidentais, as mulher�s, em particular, prati­
cam diversas formas de automutilação ou alteração corporal para se adequarem aos 
padrões de "beleza" definidos culturalmente. As mais comuns são o uso de 
aparelhos ortodônticos para corrigir os dentes da frente; a cirurgia plástica de nariz, 
orelhas e queixo; a perfuração das orelhas; os exercícios de musculação; as próteses 
de seio; a cirurgia plástica de rosto; os implantes de cabelo para a calvície; e o uso 
de prótese dentária, cílios e unhas postiços, além das várias formas de dieta 
utilizadas pelas mulheres para reduzir o peso a dimensões "atraentes". Há hipóteses 
de que a anorexia nervosa seja uma forma patológica extrema de insatisfação com 
a imagem corporal, numa sociedade que valoriza e recompensa a esbelteza 
feminina (5), e portanto só pode ser compreendida dentro do contexto de certos 
valores culturais (6). Ademais, Orbach (7) sugeriu que a anorexia possa representar 
uma "greve de fome" simbólica por parte de algumas mulheres contra sua posição 
oprimida na sociedade ocidental. Por outro lado, em algumas regiões da África 
Ocidental, os ricos freqüentemente enviaram suas filhas para "clínicas de engorde" 
onde eram alimentadas à base de gorduras e faziam o mínimo de exercício físico 
para ficarem "rechonchudas" e pálidas, uma forma culturalmente definida que 
indica riqueza e fertilidade. (8) Entretanto, a cultura ocidental vê a" obesidade" como 
um problema de saúde, sendo também portador de um importante estigma social. 
Ritenbaugh (9) ressalta que as descrições médicas das causas da obesidade -
superalimentação e pouco exercício físico - são, em geral, apenas uma versão 
moderna da tradicional reprovação moral à gula e à preguiça, como também à falta 
de autocontrole. 
A adequação aos padrões culturais não se dá apenas através da alteração das 
formas do corpo, mas também através do uso de determinadas roupas - como os 
espartilhos femininos e outras roupas íntimas apertadas - e de sapatos de 
plataforma ou salto alto, que podem produzir efeitos negativos sobre a saúde. Os 
cosméticos e os desodorantes, que podem causar alergias de.pele ou dermatites de
32 / Cecil G. Helman
contato, também fazem parte do modelo de comunicação ocidental, na qual o odor 
do corpo é considerado ofensivo - diferente do que pode ocorrer em outras 
culturas. 
Enquanto o corpo é protegido pelas roupas e pela camada de pele, algumas 
áreas de sua superfície são consideradas mais vulneráveis do que outras. Em meu 
estudo (10) sobre as crenças dos ingleses acerca de "calafrios", "gripes" e "febres", 
por exemplo, a imagem leiga do corpo inclui determinadas áreas da pele - o topo 
da cabeça, a parte de trás do pescoço e os pés - como mais vulneráveis do que 
_outras à penetração do frio, da umidade ou de correntes de ar do ambiente. 
Segundo esse modelo, uma pessoa pode "pegar uma gripe" se "sair na chuva sem 
um chapéu (ou após cortar o cabelo)", ou "pisar numa poça d'água ou no chão frio". 
Ao mesmo tempo, as febres são tidas como o resultado da penetração de "germes", 
"insetos" ou "vírus" através de outras "aberturas" na superfície do corpo - orifíçios, 
tais como o ânus, a uretra, a garganta, as narinas e as orelhas. 
Portanto, como ilustram os dados acima, cada ser humano possui, em certo 
sentido, dois corpos: um corpo individual (físico e psicológico), adquirido no 
nascimento, e também um corpo social necessário ao primeiro para viver em 
determinada sociedade. 
O corpo social é uma parte importante da imagem do corpo, pois fornece a 
cada pessoa uma base para perceber e interpretar suas próprias experiências físicas 
e psicológicas. (11) É também o meio através do qual a fisiologia do indivíduo é 
influenciada e controlada pelos princípios que regem a sociedade em que vive. A 
grande sociedade maior - ou o "corpo político" - exerce um controle poderoso 
sobre todos os aspectos do corpo individual: sua forma, tamanho, vestimenta, dieta 
alimentar e postura; seu comportamento com relação à doença e à saúde além de 
suas atividades reprodutoras, profissionais e de lazer. (12) 
A estrutura interna do corpo 
Para a maioria das pessoas, a estrutura interna do corpo é uma questão a ser 
especulada. Sem o auxílio das dissecações anatômicas, de gráficos do esqueleto e 
das estruturas orgânicas e das radiografias, as idéias a respeito da composição do 
organismo baseiam-se em conhecimentos transmitidos por folclore, livros e 
revistas, experiências pessoais e teorizações. A imagem do "interior do corpo" é 
importante porque influencia a percepção e a apresentação das queixas das 
pessoas, bem como suas respostas ao tratamento médico. Por exemplo, uma 
londrina de 20 anos de idade teve, com base na sua história, um diagnóstico de 
"heartburn "*, tendo-lhe sido prescrito um preparado antiácido. Uma semana 
depois, com o mesmo sintoma, admitiu para mim que não havia tomado o 
antiácido. Quando lhe perguntei por que não havia seguido a orientação de seu 
* Expressão que se refere à azia. Foi mantida em inglês para dar sentido ao relato. Sua tradução
literal é queimadura no coração. (N. T.)
Cultura, Saúde e Doença / 33 
primeiro médico, ela respondeu: "É claro que eu não tomaria aquele remédio. 
Como ele poderia saber que eu estava com "heartburn" se nem ao menos escutou 
meu coração?" 
Muitos estudos têm sido desenvolvidos sobre as concepções leigas a respeito 
do que existe no interior do corpo. Boyle (13) estudou 234 pacientes utilizando 
questionários de múltipla escolha para investigar seu conhecimento acerca da 
estrutura e funcionamento do organismo. Esses dados foram comparados a uma 
amostra de 35 médicos. Boyle encontrou grandes discrepâncias entre os dois 
grupos de respostas, particularmente no que se referia à localização dos órgãos 
internos. Por exemplo, para 14,9% dos pacientes, o coração ocupava quase toda 
a cavidade torácica; para 58,8% o estômago ocupa o abdômen inteiro, da cintura 
à virilha 48, 7% localizaram os rins na altura da virilha; e 45,5% julgaram que o 
fígado estivesse na parte baixa do abdômen, logo acima da pélvis. Em outro estudo 
de 81 homens e mulheres hospitalizados aguardando uma cirurgia abdominal de 
grande porte, Pearson e Dudley (14) encontraram apenas 28% de acertos em 729 
respostas acerca da localização de órgãos, 14% foram apenas vagas respostas e 
58% estavam incorretas; 15% identificaram o estômago com a cavidade abdomi­
nal; 14% indicaram dois fígados, um em cada lado do corpo, e 18% disseram que 
a vesícula biliar estava associada à urina, ou localizada na área pélvica baixa, ou 
ambos. Estas percepções do organismo obviamente influenciam os pacientes na 
interpretação e apresentação de determinados sintomas corporais. Um desconfor­
to vago em qualquer lugar na região peitoral, por exemplo, pode ser interpretado 
como "problema de coração" quer o médico confirme isto ou não. Um paciente 
com queixa de "dor no estômago" pode estar se referindo, na realidade, a qualquer 
ponto da cavidade abdominal. 
No entanto, as concepções sobre o que jaz no interior do corpo não são 
estáticas. Podem variar de acordo com determinados estados físicos e psicológicos, 
e parecem variar com a idade. Um estudo de Tait e Ascher (15) examinou tais 
concepções em 107 pacientes psiquiátricos hospitalizados, 10;, candidatos à 
admissão na Marinha, 55 militares hospitalizados em alas cirúrgicas ou clínicas e 
22 alunos de sexta série em Nova Iorque. Vários desenhos dos psicóticos 
"demonstraram arranjos desordenados, confusão, idéias vagas e distorções marcantes 
e bizarras das formas, tamanhos relativos e posição das partes do corpo". As 
crianças omitiram os órgãos sexuais em seus desenhos, destacando o sistema 
músculo-esquelético. Nos pacientes cirúrgicos e clínicos, a tendência foi dar maior 
importância ao órgão ou sistema envolvido em suas doenças (pelas quais eles 
estavam hospitalizados): o pulmão, os rins, ou o sistema músculo-esquelético. Um 
paciente com "neurodermatite" desenhou a superfície epitelial do corpo e esboçou 
as costelas de forma vaga como única referência ao interior do corpo. 
As doenças também podem envolver a reificação de um órgão ou parte do 
corpo doentes - considerá-los como uma "coisa", parcialmente estranha ao 
organismo e, portanto, sob seu controle parcial. Desta forma, as experiências 
orgânicas desagradáveis ou angustiantes podem ser negadas ou separadas do tipo 
34 / Ceei/ G. Helman
l 
de imagem do corpo atualmente idealizada no mundo contemporâneo-um corpo 
saudável, alegre, independente e com perfeito controle de suas faculdades. (16) 
Num estudo sobre transtornos psicossomáticos (17), por exemplo, os pacientes 
culpavam determinada parte do corpo que julgassem "fraca" ou "de pouca 
confiança" por seus sintomas constrangedores - tais como vômitos ou diarréia 
inesperados - a qual se encontrava apenas parcialmente sob seu controle. Assim, 
culpavam, por exemplo, um ''cólon irritado", um "estômago nervoso" ou um "peito 
f ,, raco . 
O efeito da imagem do corpo no diagnóstico clínico também é observado na 
apresentação de sinais ou sintomas não-orgânicos, ou seja, psicogênicos. Waddell 
et ai. estudaram a distribuição de sinais físicos para os quais não foram encontradas 
causas orgânicas em 350 pacientes ingleses e norte-americanos com dor lombar. 
A distribuição desses sinais (tais comodormência, fraqueza e tremor) não correspondia 
à distribuição neuroanatômica conhecida, e sim a divisões leigas do corpo em 
regiões, como joelho, virilha e cintura. Em outra estudo, realizado por Walters (19), 
a "dor histérica" ou a "dor localizada psicogênica" ocorriam em distribuições que 
correspondiam às imagens do corpo dos pacientes, em particular às suas crenças 
sobre as partes do corpo e determinados "nervos" que as sustentam, diferente da 
enervação anatômica real. Exemplos disso são as distribuições "em luva" ou "em 
meia" da dor histérica, da dormência ou da paralisia. 
Relato de caso: A imagem do corpo 
Kleinman et ai. descrevem um caso que ilustra a importância
clínica das crenças 
dos pacientes sobre seus corpos e como estas afetam seu comportamento, além 
da reação dos clínicos às mesmas. Uma mulher de 60 anos de idade, branca, foi 
admitida na ala clínica do Massachusetts General Hospital apresentando edema 
pulmonar secundário à doença ateroesclerótica cardiovascular e deficiência cardí­
aca congestiva crônica. À medida que ia recuperando-se, ela começou a comportar-se 
de forma esquisita: induzia o vômito e urinava na cama com freqüência. Um 
psiquiatra foi chamado para opinar sobre o caso. Descobriu, através de questionário 
minucioso, que do ponto de vista da mulher, aquele comportamento fazia sentido. 
Os médicos haviam lhe dito que ela tinha "água nos pulmões". Esposa e filha de 
encanadores, julgava que o tórax estava ligado à boca e à uretra através de "canos". 
Por isso, urinava e vomitava com freqüência para remover o máximo da água de 
seus pulmões. Explicou o fato de urinar muito pela ingestão de "pílulas diuréticas" 
que, segundo havia sido informada, eliminaria a água do tórax ao fazê-la urinar. 
Após receber esclarecimentos sobre o real funcionamento dos "encanamentos" do 
organismo humano (com o auxílio de diagramas), o comportamento estranho 
cessou imediatamente. 
Cultura, Saúde e Doença / 35 
----- -- --- -
O funcionamento do corpo 
Embora as crenças acerca da estrutura do corpo sejam clinicamente importan­
tes, aquelas relacionadas ao seu funcionamento são, provavelmente, mais 
· significativas no efeito que produzem sobre o comportamento das pessoas. As
crenças sobre as funções orgânicas referem-se, geralmente, a um ou mais aspectos
inter-relacionados do corpo:
1. Seu funcionamento interno.
2. As influências externas ao funcionamento como, por exemplo, a alimen­
tação e o meio ambiente. 
3. A natureza e a disposição dos subprodutos do funcionamento do corpo, tais
como fezes, urina e sangue menstrual. 
Selecionei algumas das várias teorias leigas estudadas sobre a fisiologia para 
um exame mais minucioso. 
Equilíbrio e desequilíbrio 
Segundo essas teorias, o funcionamento sadio do organismo depende do 
equilíbrio harmonioso entre dois ou mais elementos ou forças no corpo. De uma 
forma ou de outra, tal equilíbrio depende de forças externas, como alimentação, 
meio ambiente ou agentes sobrenaturais, e também_ de forças internas - fraqueza 
herdada ou estado de espírito. A mais difundida dentre estas teorias é a humoral
originária da Índia e China antigas, mas elaborada para a Medicina por Hipócrates, 
nascido a 460 a.C. Na teoria hipocrática, o corpo é composto de quatro líquidos 
ou humores: o sangue, a fleuma, a bile amarela e a bile preta. A saúde seria o 
resultado do equilíbrio ideal entre os quatro humores, sendo a doença, o excesso 
ou a deficiência de algum deles. A alimentação e o meio ambiente, assim como as 
estações do ano, poderiam afetar esse equilíbrio. O tratamento para o desequilíbrio/ 
doença consistia em recuperar a proporção ideal dos humores, suprindo as 
deficiências (através de dietas ou remédios especiais, etc.) ou eliminando os 
excessos (com sangramentos, purgantes, vômitos ou jejum). A esta teoria acrescen­
tava-se outra, a dos tipos de personalidade, baseada na predominância de um 
desses humores. Os quatro tipos eram: o sangüíneo (sangue em excesso), o 
fleumático (fleuma em excesso), o colérico (bile amá.rela em excesso) e o melancó­
lico (bile preta em excesso). A medicina hipocrática foi recuperada e mais tarde 
elaborada por Galena (130-200 d.C.), médico grego que viveu em Roma. Nos 
séculos seguintes, o trabalho de Galena foi gradualmente difundido nos mundos 
romano e islâmico. No século IX, sob a Dinastia Abbasid de Bagdá, grande parte 
de seu trabalho foi traduzida para o árabe. Durante a ocupação moura na Península 
Ibérica, os médicos portugueses e espanhóis se apoderaram de grande parte do 
conhecimento da Medicina humoral. Seus descendentes levaram esse conhecimen-
36 / Ceei/ G. Helman
to às Américas do Sul e Central e às Filipinas (embora alguns antropólogos tenham 
encontrado indícios de crenças humorais nativas na América Latina que precediam 
a conquista européia). (21) Hoje, a medicina humoral que se mantém na base das 
crenças leigas sobre saúde e doença em grande parte da América Latina, é 
proeminente no mundo islâmico, e um dos componentes da tradição médica 
Ayurvédica na Índia. 
Na Medicina popular latino-americana, a teoria humoral - freqüentemente 
denominada de "teoria das doenças quentes e frias" - postula que a saúde pode 
ser mantida (ou perdida) simplesmente pelo efeito do calor ou do frio no corpo. (22) 
Segundo Logan (23), o "frio" e o "quente" aqui não correspondem à temperatura 
real, mas a um poder simbólico contido na maior parte das substâncias, dentre elas 
o alimento, as ervas e os remédios. Ademais, todos os estados mentais, doenças,
forças naturais e sobrenaturais são agrupados num sistema binário dentre das
categorias quente ou frio. Par-a manter a saúde, é preciso manter o equilíbrio entre
os dois poderes opostos que determinam a "temperatura" interna do corpo,
evitando principalmente a exposição prolongada a qualquer uma destas qualidades.
Em caso de doença, a saúde é reparada através do restabelecimento do equilíbrio
da temperatura interna através da exposição ou ingestão de itens de uma qualidade
oposta a que se acredita seja responsável pela doença. Determinadas doenças são
. consideradas quentes, resultantes da superexposição ao sol ou fogo, ou da ingestão 
de alimentos ou bebidas quentes. Tanto a gravidez quanto a menstruação são 
consideradas como estados quentes e, como outras condições quentes, são tratados 
com ingestão de alimentos ou remédios frios, ou com lavagens com esponja e água 
fria. Estas crenças podem produzir perigosos efeitos na saúde da mulher. Por 
exemplo, as mulheres menstruadas ou em período pós-parto em algumas regiões 
da América Latina evitam determinadas frutas e verduras por classificá-las como 
"frias" e, portanto, capazes de coagular o sangue menstrual "quente". Em mulheres 
que já têm uma alimentação pobre em vitaminas, o ato de evitar tais frutas e verduras 
pode eliminar ainda mais as vitaminas de sua dieta. Segundo um estudo americano, 
algumas porto-riquenhas em pós-parto acreditavam que os lóquios seriam "coagu­
lados" pela ingestão de determinados alimentos, sendo absorvidos pelo organismo, 
provocando, assim; nervosismo ou até insanidade mental. Como medida preven­
tiva, bebem tônicos à base de substâncias quentes, tais como o chocolate, o alho 
e a canela. 
A Medicina humoral é também um componente do sistema médico pluralista 
do Marrocos, conforme decreto por Greenwood (25), mas com maior ênfase neste 
caso em dois dos humores: o sangue e o fleuma. Como na América Latina, esta 
teoria leiga da saúde e da doença relaciona o funcionamento interno do corpo a 
influências externas, tais como a alimentação e o meio ambiente. Além dos 
alimentos frios e quentes, há também os fatores ambientais, cujo desequilíbrio pode 
também causar doenças frias ou quentes, tratadas com alimentos de qualid�de 
oposta. Os alimentos são normalmente usados como tratamento, pois sua maioria 
é considerada quente, e a maioria das doenças, fria. Sangue em excesso é 
éaracterística de doenças quen.tes, e fleuma em excesso é característica de doenças 
Cultura, Saúde e Doença/ 37 
frias. A maioria das doenças quentes é causada por superexposição ao sol, calor, 
correntes de ar quentes ou alimentação excessiva no verão. O "calor", então, entra 
no sangue, "subindo para a cabeça" e causando calores, febre e outros sintomas. 
O tratamento, segundo o modelo humoral marroquino, consiste na remoção do 
"excesso" de sangue quente através do esfriamento da .superfície do corpo, da 
alimentação com comidas frias ou do uso de sanguessugas e ventosas no pescoço 
para eliminar um pouco de sangue. 
No
antigo sistemaAyurvédico indiano, há, da mesma forma, idéias altamente 
complexas sobre a fisiologia do corpo que relacionam a saúde com equilíbrio. 
Conforme descrito por Obeyesekere (26), há cinco bhütas ou elementos básicos 
no universo: o éter, o ar, a água, a terra e o fogo. Estes são os componentes básicos 
da vida, e compõem também os três dõsas ou humores (ar, bile e fleuma) e os sete 
dhãtus ou componentes do corpo. Todo alimento que contém os cinco elementos 
é "cozido" pelos fogos internos no corpo e convertido em dejeto corporal e numa 
porção refinada que é sucessivamente transformada nos sete componentes básicos 
do corpo: suco alimentar, sangue, carne, gordura, ossos, medula e sêmen. Os cinco 
elementos também formam os três humores do corpo: o elemento ar torna-se gás 
ou flatulência, o fogo transforma-se em bile e a água, em fleuma. O funcionamento 
harmonioso do corpo resulta de equilíbrio perfeito desses três humores; e a doença 
resulta do excesso ou da deficiência de um deles ou mais. Assim como na América 
Latina existem alimentos "resfriadores" e "produtores de calor", utilizados para 
reduzir o excesso de um humor, os alimentos quentes podem causar o excesso de 
bile, que deve ser tratado por uma dieta à base de alimentos "frios" e outras 
medicações. A Ayurveda inclui também uma teoria do temperamento e sua relação 
com a doença. Por exemplo, um paciente cujo temperamento é resultante do 
excesso de bile é considerado particularmente vulnerável a doenças causadas por 
um excesso deste humor, e portanto deveria evitar alimentos produtores de calor 
que podem aumentar ainda mais a quantidade de bile no corpo. 
Assim como Ayurveda, a Medicina chinesa tradicional também via a saúde 
como um equilíbrio harmonioso, nesse caso entre dois princípios cósmicos 
contrastantes: o yin descrito como escuro, úmido, aquoso e feminino; e o yangque 
é quente, seco, fogoso e masculino. Os órgãos do corpo eram predominantemente 
yin (o coração, os pulmões, o baço, os rins e o fígado) ou yang (os intestinos, o 
estômago e a vesícula biliar). As doenças eram o resultado de um desequilíbrio, 
geralmente de um excesso de um dos dois princípios dentro de um órgão, 
eliminados então por acupuntura ou "moxibustion ". 
O princípio humoral desapareceu quase que totalmente do Reino Unido e de 
outras sociedades européias. Contudo, o conceito de recuperação da saúde pela 
contraposição de um elemento no corpo por outro, ainda persiste. Nas crenças 
leigas inglesas sobre gripes e resfriados que são entendidos como sendo causados 
pela penetração do frio e umidade do ambiente no corpo, um tratamento comum 
era a contraposição do frio pelo calor. Calor era administrado sob a forma de 
bebidas ou alimentos quentes (o que auxilia na produção do calor próprio do corpo) 
38 / Ceei! G. Helman
e repouso numa cama quente. O aforismo• resume esse pensamento. Vários 
"tônicos" ind}-.lstrializados eram utilizados para a prevenção de gripes e resfriados, 
tais como o Oleo de Fígado de Bacalhau e o Extrato de Malte - para gerar calor 
dentro do organismo. Como disse certa vez um paciente idoso, se você saísse à rua 
após ter tomado um tônico, "·sentir-se-ia quente por dentro", pois o tônico era uma 
proteção interna contra o frio excessivo. (10) 
A Medicina humoral desapareceu, também, é claro, da Medicina científica 
contemporânea. Entretanto, a Fisiologia moderna inclui numerosos exemplos de 
doenças causadas por deficiência ou excesso de determinadas substâncias no 
corpo, tais como hormônios, enzimas, eletrólitos, vitaminas, elementos traços e 
hemácias. Tais desequilíbrios podem ser corrigidos pela reposição da substância 
deficiente ou neutralização de seu excesso. O princípio da reação negativa em curva 
da endocrinologia, no qual a elevação de um hormônio na circulação sangüínea 
resulta no declínio de outro, pode também ser interpretado como uma noção de 
doença baseada no princípio do equilíbrio/desequilíbrio, embora inclua simultane­
amente noções de deficiência/ excesso. 
O modelo do corpo como uma "tubulação" 
Muitos conceitos contemporâneos sobre a estrutura e o funcionamento do 
corpo, pelo menos do mundo ocidental, são originários, em parte, das áreas da 
ciência e da tecnologia. A familiaridade com sistemas domésticos de drenagem, 
eletricidade e com máquinas e motores de combustão interna fornecem aos 
modelos termos com os quais as pessoas conceituam e explicam a estrutura e o 
funcionamento do corpo. Um exemplo comum disso é o modelo que pode ser 
chamado de "tubulação". Segundo ele, o organismo é formado por uma série de 
cavidades ou câmaras fundas, ligadas entre si - e com os orifícios do organismo 
- por diversos canos ou tubos. As cavidades mais importantes são, em geral, o
"peito" e o "estômago", que preenchem quase totalmente os espaços torácico e
abdominal, respectivamente.
Este tipo de subdivisão do organismo em grandes espaços, com um único 
nome, foi demonstrado no estudo de Boyle (13) mencionado acima, onde 58,8% 
das pessoas da amostra julgavam que o estômago ocupasse toda a cavidade · 
abdominal. O vocabulário leigo usado para descrever sintomas também reflete tal 
concepção, por exemplo: "Tenho uma gripe no peito" ou "Meu peito está cheio 
de ar". Os canos conectores das cavidades e destas com os orifícios do corpo 
humano são os "intestinos", a "traquéia", e os "vasos sanguíneos". A crença central 
em que se baseia esse modelo é a de que a saúde é mantida pelo fluxo ininterrupto 
de diversas substâncias - sangue, ar, alimentos, fezes, urina e sangue menstrual 
- entre as cavidades ou entre uma cavidade e o exterior do corpo através de um
dos orifícios. A doença, portanto, seria o resultado do ·"bloqueio" de um tubo ou
cano interno.
• "Alimente a gripe e mate a febre de fome". (N.T.)
Cultura, Saúde e Doença / 39 
As implicações clínicas do modelo descrito foram demonstradas no relato de 
caso citada anteriormente de Kleinman et ai. (20) Outro exemplo, no Reino Unido, 
é a noção difundida popularmente acerca dos perigos da constipação, ou seja, do 
bloqueio intestinal. Segundo esta noção, as fezes retidas são espalhadas pela 
circulação sangüínea, contaminando a mesma com "impurezas" e "toxinas" que, 
por sua vez, afetam a saúde em geral e o aspecto da pele. A automedicação com 
laxativos ainda é muito usada {28) para conseguir um "bom escoamento" e, assim, 
preservar a saúde e cultivar um bom aspecto físico. A idéia do "bom escoamento" 
também se aplica para o sangue menstrual e pós-parto, que serão descritos com 
maiores detalhes mais adiante. 
O modelo de tubulação não abrange necessariamente todos os aspectos da 
fisiologia e anatomia do corpo, mas se refere principalmente às funções respirató­
ria, cardiovascular, gastrintestinal e geniturinária. Não é um sistema coerente e 
internamente consistente, mas uma série de metáforas usadas para explicar o 
funcionamento do corpo. É comum que sistemas fisiológicos diferentes sejam 
agrupados em um só se estão localizados numa área comum (por exemplo, "o 
peito"); um paciente com catarro nasal e tosse, por exemplo, descreveu sua 
automedicação assim: "Gargarejei com salmoura para soltar o catarro e engoli um 
pouco para afrouxar a tosse." (1 O) 
Este modelo também pode ser usado para manifestar estados emocionais, 
particularmente as idéias leigas de estresse e "pressão", através de imagens 
oriundas da Era do Vapor - "J blew my top", "minha cabeça explodiu", "J need 
to let off steam ", "preciso reduzir a pressão", "J almost burst a boi/er", "eu quase 
estourei"*. 
O organismo visto como uma máquina 
A concepção leiga que vê o corpo como um motor de combustão interna ou 
uma máquina à bateria tornou-se cada vez mais comum na sociedade ocidental. 
Essas analogias são encontradas de forma crescente por médicos e enfermeiros, 
que as reforçam com explicações do tipo: "Seu coração não está bombeando

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