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362081-NIVEIS_DE_COERÊNCIA

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Língua Portuguesa
Coerência: conceito e níveis
Leia o texto de Oswald de Andrade: 
INFÂNCIA 
O camisolão
O jarro
O passarinho
O oceano
A visita na casa que a gente sentava no sofá 		
	ADOLESCÊNCIA
Aquele amor
Nem me fale
 
MATURIDADE
Sr. e Sra. Amadeu	
O Participam a V. Exa. 
O feliz nascimento
De sua filha
Gilberta 
O que chama a atenção nesse texto é que não há elementos coesivos a retomar o que foi dito antes ou a encadear os segmentos. Apesar disso, é possível atribuir um significado unitário a ele? Sem dúvida. Ao lê-lo, logo percebemos que um dos sentidos possíveis é que se trata de flashes de cada uma das três grandes fases da vida: a infância, a adolescência e a maturidade. A primeira é caracterizada pela descoberta do mundo (o oceano), por brincadeiras e travessuras (o jarro, que certamente o menino quebrara; o passarinho, que caçara) e por lembranças que deixaram marcas (a visita a casas em que recebiam numa sala destinada a esse fim; o camisolão, que se usava para dormir); a segunda é marcada pelo início das experiências amorosas, por amores perdidos, de que se lembra com carinho; a terceira é assinalada pela formalidade e pelas responsabilidades, indicadas pela participação oficial do nascimento da filha. Se a primeira parte é uma sucessão de palavras, se a segunda é uma frase em que falta um nexo sintático e se a terceira é uma participação de nascimento da filha, por que se entende o texto? Porque ele é coerente. 
Frequentemente ouvimos dizer: seu texto não está coerente; isso não é um texto, é o samba do crioulo doido; suas ideias são confusas, sem coerência. Nunca sabemos bem o que é coerência. Que é afinal esse requisito indispensável à existência de um texto? Coerência é a relação que se estabelece entre as partes do texto, criando uma unidade de sentido. 
No poema de Oswald de Andrade acima transcrito, que é que estabelece essa unidade? Os títulos Infância, Adolescência e Maturidade. A partir deles, vemos que o que o poeta faz é apresentar flashes que caracterizam cada uma das três grandes fases da vida.
A coesão auxilia no estabelecimento da coerência, mas não é algo necessário pra que ela se dê. Temos, como vimos, conjuntos linguísticos que são texto porque são coerentes, embora não tenham coesão. 
Esta diz respeito ao encadeamento linear das unidades linguísticas presentes no texto, enquanto aquela concerne às relações de sentido. Assim, quando se fala em coerência, pensa-se na não-contradição de sentidos entre passagens do texto, na existência de uma continuidade semântica. Ela é um fator de interpretabilidade do texto, pois é ela que possibilita a atribuição de um sentido unitário ao texto. Está relacionada, portanto, a sua organização subjacente. Num texto, uma ideia ajuda a compreender outra, para criar um sentido global. Cada uma das partes do texto deve estar relacionada a essa unidade semântica. A incoerência seria, pois, a violação das articulações de conteúdo de cada um dos níveis de organização do texto. Temos, por conseguinte, diferentes níveis de coerência:
1. Coerência narrativa é a que ocorre quando se respeitam as implicações lógicas existentes entre as partes da narrativa. Assim, por exemplo, para que uma personagem realize uma ação, é preciso que ela tenha capacidade, ou seja, saiba e possa fazê-la. Isso quer dizer que a realização de uma ação implica, pressupõe um poder e um saber. Na narrativa, o que é posterior depende do que é anterior: Constitui, portanto, incoerência narrativa relatar uma ação realizada por um sujeito que não tem condições de executá-la. Vejamos como exemplo o trecho de um texto de uma produção textual de vestibular:
Lá dentro havia uma fumaça espessa que não deixava que víssemos ninguém.
 Meu colega foi à cozinha, deixando-me sozinho. Fiquei encostado na parede da sala, observando as pessoas que lá estavam. Na festa, havia pessoas de todos os tipos: ruivas, brancas, pretas, amarelas, altas, baixas etc. 
Observação:
Nesse caso, há uma incoerência, pois a personagem não podia ver e viu.
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2. Coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações explícitas colocadas no texto e as conclusões que se tira deles; ou seja, as consequências que se fazem decorrer desses pressupostos. 
Se alguém fizer o seguinte raciocínio: Todo cão come carne. Ora, o cão é uma constelação. Logo, uma constelação come carne, haverá incoerência, pois a conclusão não é adequada às afirmações feitas anteriormente, dado que nelas se tomou o termo cão em dois sentidos diferentes ("animal da espécie dos canídeos" e "grupo aparente de estrelas que apresenta o aspecto de um cão e, por isso, recebe esse nome") e a conclusão faz de conta que se trata do mesmo sentido. 
Há também inadequação quando um segmento do texto não tem nenhuma relação com o que vem anteriormente: 
O senhor é contra ou a favor da legalização do jogo no Brasil? 
−O Brasil tem muitos problemas sociais cujas soluções são emergentes. Nosso empenho é dar melhores condições de vida ao povo brasileiro.
Neste texto de Marcelo Paiva, publicado na Folha de S. Paulo, de 28 de junho de 1993, o articulista nota duas contradições do prefeito Paulo Maluf numa entrevista concedida a Jô Soares: a primeira diz respeito a uma contradição entre os enunciados da entrevista; a segunda, a uma inadequação entre o discurso e a realidade:
Paulo Maluf, em campanha para a Presidência, no Jô da última quarta-feira: “O Lula não tem experiência. Antes de se candidatar à presidência, deveria começar como prefeito de São Bernardo”.
Ele se contradiz, logo em seguida, ao comentar sua obstinação pelo posto máximo em que pode chegar um “homem público”: 
“Lincoln perdeu sua eleição para prefeito, deputado, governador, mas não só ganhou para a presidência, como fez um trabalho memorável”. 
"Então Lula segue os caminhos de Lincoln?", deveria ter perguntado Jô.
Segunda contradição:
 
“O brasileiro tem que cobrar as promessas de campanha de seus candidatos”.
 Maluf prometera, na campanha para prefeito, não se candidatar à presidência, mais que isso, acusou o seu oponente, Eduardo Suplicy, de carreirista e de candidato potencial a outros cargos. 
3. Coerência figurativa diz respeito à combinatória de figuras para manifestar um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si. Sabemos que as figuras se encadeiam num percurso, para manifestar um determinado tema e, para isso, têm que ser compatíveis umas com as outras, senão o leitor não percebe o tema que se deseja veicular. Por outro lado, há figuras que são claramente incompatíveis entre si. 
Num dos vestibulares da Fuvest, um aluno, ao narrar uma festa, disse que ela constava de um chá, servido numa biblioteca, onde havia estantes de mogno, livros encadernados em couro, tapetes persas, quadros de pintores famosos; que os homens estavam de terno e gravata e as mulheres de tailleur, blusa de seda e colar de pérolas; que o chá foi servido por um mordomo uniformizado; que o serviço de chá era de prata e de porcelana de Sevres e que, ao fundo, tocava uma música do Agnaldo Timóteo. 
Qualquer pessoa pertencente a nossa cultura percebe que a figura música do Agnaldo Timóteo não é compatível com as demais figuras, que formam um percurso que manifesta o tema do requinte. Ela encadear-se-ia bem com figuras como sanduíche de pernil, festa no fundo do quintal, cerveja gelando no tanque, etc.
Na frase: Os peixes durante a gravidez ficam agressivos, há uma incompatibilidade flagrante entre as figuras peixe e gravidez, pois sabemos que peixes não engravidam.
4. Coerência temporal é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista da localização no tempo. 
O períodoMaria pôs o arroz no fogo, depois o escolheu é incoerente, pois subverte a sucessividade dos eventos do processo de preparo do arroz: primeiro, escolher; depois, pôr no fogo. 
No trecho: Quando o professor entrou, ele já havia posto a barata na bolsa da colega e estava sentado tranquilamente em seu lugar. O mestre pegou-o em flagrante, quando estava pondo a barata na bolsa da colega, há incoerência por haver incompatibilidade em relação ao tempo, na medida em que o mesmo evento (por a barata na bolsa da colega) é considerado, ao mesmo tempo, anterior (tinha posto) e comitante (estava pondo) ao momento da entrada do professor.
5. Coerência espacial diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto de vista da localização no espaço. Seria incoerente dizer Embaixo do único lustre, colocado bem no meio do teto, um grupo de pessoas conversava animadamente. Quando ela entrou, todos pararam de falar e olharam para ela. Ela não se importou e foi também postar-se embaixo do lustre num dos cantos do salão, pois, se o único lustre era no meio do salão, não poderia ser num dos cantos.
6. Coerência no nível de linguagem usado é a compatibilidade, do ponto de vista da variante linguística escolhida, no nível do léxico e das estruturas sintáticas utilizados no texto. 
Assim, é incoerente colocar expressões chulas ou da linguagem informal num texto caracterizado pela norma culta formal. Tanto sabemos que isso não é permitido que, quando vamos violar a coerência no nível de linguagem, fazemos uma ressalva, dizendo com perdão da palavra, se me permitem o uso da palavra, etc. Veja no exemplo abaixo esse tipo de incoerência:
Magnífico Reitor da Universidade de São Paulo
Tendo tomado conhecimento pelos periódicos da capital paulista de que o Prefeito da Cidade Universitária, onde está situada a Universidade que Vossa Magnificência, com alto descortino, dirige, resolveu interditar o acesso da população ao campus nos finais de semana, ouso vir à presença de Vossa Magnificência para manifestar-lhe meu repúdio ao fato de uma instituição pública querer subtrair da população de uma cidade desumana um espaço de lazer. Francamente meu irmão, achei a maior sujeira da parte da USP, sacanagem, nada a ver.
Alguém poderia perguntar qual é a instância que determina o que é ou não coerente, já que parece óbvio que, quando se cometem contradições como localizar um objeto em tal lugar do espaço e mais adiante localizá-lo noutro, a incoerência é indiscutível, mas que, em outros casos, como, por exemplo, dizer que a figura música do Agnaldo Timóteo não se combina com outras figuras do percurso que manifesta o tema do requinte, mas se encadeia com as que mostram o tema da breguice, pode-se pensar que o analista é que está sendo preconceituoso.
A questão da coerência está relacionada aos dois conceitos de verdade com que se trabalha. O primeiro é a adequação do que foi dito à realidade, o segundo é a pressuposição entre os enunciados do texto, pois um enunciado não pode contradizer o outro: por exemplo, se alguém diz que os seres humanos devem ser tratados com respeito, não podendo sofrer nenhum castigo físico e que, portanto, os pais devem bater nos filhos, violou a lógica dos enunciados, dado que uma criança é um ser humano e, por conseguinte, a primeira ideia não permitiria a conclusão de que os pais devem bater nos filhos.
Este texto é uma adaptação feita a partir de FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 2008.
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