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362761-COERÊNCIA_INTERNA_E_EXTERNA

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COERÊNCIA TEXTUAL
Um texto é coerente quando é possível interpretá-lo. Estudar a coerência de um texto é, pois, estudar as condições de sua interpretabilidade, ligadas diretamente ao texto, como o conhecimento e o uso adequado dos recursos lexicais e gramaticais da língua. Se alguém ouvisse ou lesse coisas como a) “Quem tem uma foto importada de 1000 cc, que custa 20.000, não vai expô-la ao trânsito de uma cidade como Mossoró.” e b) “Holyfield venceu a luta, apesar de ser o mais forte dos lutadores”, não hesitaria em classificá-las como incoerentes. 
No primeiro caso, houve o uso inadequado de uma palavra, de um léxico. Basta trocar a palavra “foto” pela palavra “moto” que o texto fica coerente. No segundo caso, houve uma falha gramatical. A conjunção apesar de não está adequada para unir as duas ideias expostas no texto. Se a substituirmos pela conjunção “pois”, haverá sentido.
Mas a coerência de um texto depende também de outros fatores, como os elementos contextualizadores que são data, local, assinatura, elementos gráficos etc. “ancoram” um texto em uma situação comunicativa determinada. Imagine o seguinte texto contextualizado de duas maneiras diferentes:
 b) Rio de Janeiro, 1995.
Hoje, eu, o rei, convido todos a comparecer em massa, para assistir ao massacre de Israel. 
 
 Pelé. 
 Jerusalém, 1970
Hoje, eu, o rei, convido todos a comparecer em massa, para assistir ao massacre de Israel. 
 
 Imperador Tito 
 
No caso a, teríamos o relato de fato relacionado à história do povo judeu. No b, um prognóstico sobre um jogo de futebol, envolvendo duas seleções. 
Mas a coerência de um texto depende também do nosso conhecimento de mundo. Alguém que não conheça a história de Roma, da ocupação da Judeia pelos romanos e a sua destruição pelo imperador Tito, terá mais dificuldades para entender a primeira contextualização.
Se alguém nos disser que, quando assistia a um casamento, a luz se apagou justamente no momento em que a noiva ia saindo da igreja, todos nós saberemos, sem que esteja dito no texto, que a noiva caminhava pelo corredor central da igreja, vindo do altar, em direção à porta principal, e que estava acompanhada do noivo que, nesse momento, já era seu marido. Tudo isso porque, como ocidentais e brasileiros, temos, em nosso repertório, o esquema sobre como se processa um casamento em uma igreja católica. Se disséssemos a mesma coisa a um indiano, por exemplo, ele teria dificuldade em perceber a coerência do texto, por falta de repertório.
Pode haver coerência sem coesão?
Há textos que se organizam por justaposição ou com elipses e, mesmo assim, podem ser considerados textos por seus leitores/ouvintes, pois constituem uma unidade de sentido.
Como exemplo de que pode haver coerência sem coesão, veja o texto seguinte:
CIRCUITO FECHADO
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa abotoaduras, calças, meias, sapatos, gravata, paletó. [...] Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis. [...] Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, [...]
Apesar de aparentemente desconexos, os fragmentos transcritos anteriormente têm sentido: eles falam da rotina de um homem de negócios. A sequência das palavras ou frases justapostas retrata um mundo moderno que bem conhecemos. Assim, apesar da estranheza que provoca em uma primeira leitura, o texto é coerente, ou seja, faz sentido.
Podemos dizer que um texto deve possuir coerência em três aspectos:
a) do texto em si, ou seja, uma coerência interna;
b) do texto com a realidade, ou seja, uma coerência externa;
c) do texto com as características do gênero textual.
a) Coerência Interna
Pesquisando sobre a coerência dos textos, um estudioso francês chamado Michel Charolles conseguiu descobrir quatro princípios fundamentais responsáveis pela coerência textual. Chamou-os de meta-regras da coerência. São as seguintes: Meta-regra da repetição; Meta-regra de progressão; Meta-regra da não-contradição; Meta-regra de relação.
Vejamos cada uma delas. 
1. Meta-regra da repetição, nada mais é do que aquilo que chamamos de coesão textual. O fato de, em uma frase, recuperarmos termos de frases anteriores, por meio de pronomes, elipses, elementos lexicais ou substitutivos constitui um processo de repetição ou recorrência. 
2. Meta-regra de progressão nos diz que um texto deve sempre apresentar informações novas à medida que vai sendo escrito. Vejamos o texto a seguir:
Essa criança não come nada. Fica apenas brincando com os talheres, ou seja: pega a colher, o garfo e não olha para o prato de comida. Ela não se alimenta. Brinca apenas. Diverte-se com uma colher e um cargo e o prato fica na mesa. O ato de brincar substitui o ato de alimentar-se.
Esse texto, embora apresente elementos recorrentes (coesão), não apresenta progressão. É um texto circular, sem informatividade alguma.
3. Meta-regra da não-contradição nos diz que cada pedaço de texto deve “fazer sentido” com o que se disse antes. É 
preciso, pois, muita atenção, já que uma palavra mal escolhida, um conectivo mal	utilizado, uma falha de pontuação podem comprometer a coerência de um trecho do texto ou até de todo o texto. A	ambiguidade e as falhas na construção	 das frases e dos pensamentos	 são alguns aspectos da contradição
Vejamos o texto a seguir: 
Para as tropas aliadas, o dia 4 de junho foi um dia terrível. Os homens da 4ª Divisão de Infantaria ficaram o dia inteiro no mar. Os navios-transporte e as embarcações de desembarque faziam círculos ao largo da ilha de Wight. As ondas arrebentavam sobre os lados, caía uma chuva forte. Os homens estavam prontos para o combate, mas sem destino nenhum. Depois dessa exaustiva caminhada, todos estavam cansados. Nesse dia 3 de junho, ninguém queria jogar dados ou pôquer, ou ler um livro ou ouvir outra instrução. O desânimo tomava conta de todos.
 (AMBROSE, O dia D – 6 de julho de 1944: A batalha culminante da Segunda Grande Guerra, p. 221. – adaptado -)
A informação de que os soldados estavam exaustos depois de uma caminhada contradiz o que está pressuposto na parte inicial do texto. Afinal, eles estavam embarcados em navios-transporte e embarcações de desembarque e pressupõe-se que, nessas condições, soldados não façam caminhadas. A informação de que no dia 3 de junho ninguém queria jogar dados ou pôquer etc. contradiz o que está explicitado no início: o dia era 4 de junho. O texto em questão tem coesão, progressão, mas é contraditório e, por isso, incoerente. 
4. Meta-regra de relação estabelece que o conteúdo do texto deve estar adequado a um estado de coisas no mundo real ou em mundos possíveis. Vejamos o seguinte texto:
O município de São José do Rio Preto abrange uma região imensa que é composta por vários Estados limítrofes que ocupam uma área respeitável [...] Conta ainda com uma superpopulação, com uma maioria de pessoas cultas e uma juventude com grandes recursos educacionais, cursando as várias escolas e faculdades.
Isto posto, nossa cidade sente falta urgente de uma Capela Crematória. Para os leigos é preciso esclarecer que, para um corpo ser exumado através de forno crematório, há necessidade que ele registre esta vontade em duas testemunhas. Somente o interessado poderá usar esta forma de suprir seu desejo, caso contrário, a exumação seria da forma natural, ou seja: o sepultamento.
 (Diário da Região,S.J. do Rio Preto,15 abr. 1998)
Esse texto contraria de várias maneiras a meta-regra de relação, pois seu conteúdo não está de acordo com o mundo real. Afinal, São José do Rio Pretonão se limita com vários Estados, não tem superpopulação, um corpo (uma pessoa morta) não pode mais registrar vontade alguma, e, se pudesse, não seria em duas testemunhas, mas diante de duas testemunhas. Há também o emprego inadequado do léxico. Afinal, exumar não é o mesmo que cremar ou sepultar. Outro princípio da coerência interna é a continuidade.
Continuidade
Este aspecto	da coerência interna diz respeito não só à estrutura formal do texto, mas também, e principalmente, ao projeto a que o autor se propôs ao escrevê-lo. Isto é, o tema, em seus vários aspectos (ou subtemas) é desenvolvido de modo claro, sem retrocessos, desvios ou intercalações inesperadas; existe, portanto, uma lógica argumentativa que conduz o leitor para uma conclusão do conjunto. As ideias trabalhadas são todas amarradas, encaminhadas para um desfecho.
b) Coerência Externa
Entende-se por coerência externa a compatibilidade ou não-contradição entre os dados, fatos e conceito apresentados em	 um texto e aqueles tidos como	 verdadeiros dentro do quadro de referências em que esse texto se inscreve. Os exemplos mais comuns de falhas de coerência externa aparecem em	argumentos com dados numéricos: Oitenta por cento da população do Brasil é composta de jovens. Cerca de 40% dos brasileiros são analfabetos. Outro caso frequente é o	das generalizações e estereótipos (clichês):
* Os políticos são todos corruptos. 
* As pessoas roubam porque têm fome.
* Os alunos da escola pública não entram na Universidade.
Percebe-se, pelos exemplos acima, que o autor de um texto deve estar, em primeiro	lugar, bem informado sobre o tema que está tratando e, também, apto a refletir profundamente sobre ele, a fim de criticá-lo, relacionando seus diferentes aspectos, estabelecendo hipóteses, analisando	causas	e consequências. Enfim, deve deixar patentes seu grau de informatividade, sua capacidade reflexiva e crítica e sua habilidade de organização e coerência textuais.
Muitas vezes,	entretanto, o emissor de um texto pode	 “forçar”	uma incoerência com objetivos	dos mais variados. A propaganda, por	 exemplo, lança mão, frequentemente, da incoerência externa (às vezes, no texto escrito; outras, nas ilustrações; e ainda, na relação texto-ilustração). 
c) Características do gênero textual
A coerência de um texto também depende do conhecimento que o produtor tem sobre as características típicas do gênero textual que ele está produzindo. Cada gênero textual, além de cumprir funções diferentes nas diversas situações comunicativas das quais os interlocutores participam, apresenta estrutura, ação procedimental, suporte, conteúdo e linguagem típicos a cada um. Por isso não contamos piada em velório, não cantamos o hino do nosso time de futebol numa cerimônia de formatura, nem realizamos um sermão religioso em uma baile de carnaval; como também não fazemos uma declaração de amor por meio do gênero atestado médico, nem devemos empregar ao produzir um artigo científico a linguagem abreviada (internetês) característico das conversas virtuais (chats).
Então, ao produzir um texto, o produtor que não considerar as diversas características de cada gênero textual pode cometer incoerência.

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