Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O Moleiro Menocchio Domenico Scandella, conhecido como Menocchio, viveu na região italiana do Friuli, onde ocupava o ofício principal de moleiro. Diferente da maior parte da população pobre de seu tempo, sabia ler e escrever. Jamais saberíamos de sua existência se o moleiro não tivesse sido alvo da inquisição em dois processos, que, ao serem analisados pela história, nos contam diversos detalhes de sua vida pessoal e em comunidade, permitindo o resgate de uma pequena parcela do que era a vida do homem comum de sua época. O pensamento de Menocchio não é só fruto de seu tempo. É também fruto das intensas transformações de sua época. Duas delas são especialmente importantes para entende -lo: a reforma e a invenção da imprensa. A imprensa promoveu a expansão dos livros e, por consequência, da leitura. A media em que ler e conhecer deixavam de ser privilégios das classes abastadas, pessoas simples como o moleiro, que dominavam a leitura, podi am ter acesso ao livros. Entretanto, a leitura que ele fazia era extremamente particular. Cada livro era lido e interpretado de uma maneira própria, e o moleiro comparava o que lia, ao que vivia. As leituras foram fundamentais para formar suas opiniões e t ambém para leva -lo até a inquisição. Por saber ler e escrever, Menocchio tinha um certo prestigio em sua comunidade. Ainda assim, suas opiniões sobre alguns aspectos da Igreja católica, em uma época de atuação do tribunal inquisitorial, lhe valeram uma den uncia vinda de sua própria comunidade, como era comum. O moleiro criticava o sacramento do batismo, acreditava que o amor ao próximo era mais importante que o amor a Deus e não acreditava na morte de Cristo pela remissão dos pecados. Além disso, tinha sua própria visão sobre a criação do universo que ia de encontro aos dogmas católicos. Se Menocchio não vivesse em tempos de contra reforma, talvez suas ideias não causassem maior alvoroço do que uma critica de pessoas próximas. Mas a Igreja católica enfrentava a disseminação das reformas protestantes e as heresias se espalhavam por toda a Europa. No primeiro processo, Menocchio foi condenado a prisão, onde permaneceu alguns anos. Após renegar suas ideias, foi libertado, mas logo voltou a defende- las. No segundo processo, não escapou da morte pelas mãos da inquisição. O importante neste caso é percebermos como as macro e micro transformações afetam o homem comum. Aquele sobre o qual nada sabíamos. Do processo inquisitorial podemos inferir qual sua situação econômica, como viviam seus filhos, quem eram seus amigos, como se comportava sua comunidade, de que o acusavam e como se defendia, que livros lera e como estes influenciaram no seu modo de pensar e formaram sua mentalidade. Na trajetória do moleiro, podemos perceber as rupturas e continuidades das quais falamos em outras aulas. A religiosidade medieval coexistindo com o renascimento cientifico, as relações entre o campo e a cidade, a importância dos diversos renascimentos e os movimentos reformistas. Menocchio é apenas um caso, mas ilustra a mentalidade de sua época. Vejamos agora outra forma de cultura popular na qual podemos verificar a mentalidade do homem moderno: o teatro. Nesse caso, vamos falar de um dos maiores dramaturgos da história: William Shakespeare. Temos acesso a obra de Shakespeare, hoje em dia, nas mais variadas maneiras: livros, montagens teatrais, filmes. Suas histórias percorreram séculos sem nunca perder o vigor e seus temas continuam incrivelmente atuais. Mas não estamos falando apenas daqueles temas que dizem respeito aos sentimentos universais da personalidade humana: ódio, inveja, ciúme, traição, amor. É claro que há muito desse aspecto em Shakespeare, mas o que veremos agora é um outro lado de sua obra, o aspecto politico que, por sua vez, é tão atual quanto o aspecto sensível. Shakespeare viveu a maior parte de sua vida durante o reinado de Elizabeth I, a rainha virgem. Este foi o período do absolutismo e da consolidação da igreja anglicana na Inglaterra. O teatro era feito, sobretudo, para as classes populares que tinham nessa forma de arte sua mais cotidiana forma de diversão. Na Idade Média, as encenações eram basicamente focadas em temas religiosos. Representava-se a vida dos santos, o martírio de Cristo, mas também havia as peças de amor e os contos de cavalaria. O teatro shakespeariano é um reflexo da transição do homem medieval para o moderno pois, enquanto assimila algumas características desse teatro medieval, incorpora outras como a critica e a ironia, além da observação do mundo que o cerca. Longe de ter uma linguagem rebuscada, o autor escrevia em inglês informal, o mesmo que era falado pela população. Dessa forma, criava-se uma identificação entre o povo e os personagens.
Compartilhar