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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMIÁRIDO – UFERSA FACULDADE DE DIREITO André Luiz Leite de Oliveira RELATÓRIO CASO ESCHER E OUTROS VS. BRASIL Direitos Humanos Mossoró-RN 2016 RELATÓRIO: CASO ESCHER vs. BRASIL Os fatos tratados no caso em tela tiveram início em 05 maio de 1999, na cidade de Loanda/PR, quando a Juíza de Direito Elizabeth Khater deferiu o pleito do então Major da Polícia Militar do Estado do Paraná, Waldir Copetti Neves, - autorizado pelo então Secretário de Segurança Pública do Paraná -, permitindo a implantação de escuta telefônica de cooperativas de trabalhadores ligadas ao MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem- Terra, durante 49 dias. A escuta foi instalada na sede da COANA - Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. “em virtude das fortes evidências de estar sendo utilizada pela liderança do MST para práticas delituosas”. A solicitação mencionava supostos indícios de desvios por parte da diretoria da COANA de recursos financeiros concedidos através do Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) e do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA) aos trabalhadores do assentamento “Pontal do Tigre”, no município de Querência do Norte/PR. Referia-se, ainda, ao assassinato de Eduardo Aghinoni, cuja autoria estava sendo investigada e suspeitava-se que, dentre os motivos do crime, estivesse o desvio desses recursos. Assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA prolatou a sentença do caso Escher e outros vs Brasil, na qual condena o País pelo uso de interceptações telefônicas ilegais contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao MST no Paraná. O Estado Brasileiro sustentou que não existiu violação, porque o processo em que foram determinadas as interceptações não teria apresentado nulidades. A eventual falha no procedimento não teria causado prejuízo à honra e à dignidade das pessoas. A responsabilidade dos agentes envolvidos fora examinada na jurisdição interna, não sendo admissível a revisão desses procedimentos na instância internacional. A Corte Interamericana entendeu que os fatos do caso se produziram num contexto de conflito social relacionado à reforma agrária em vários estados brasileiros, dentre eles o do Paraná, o que motivou o Estado a implementar uma série de medidas e políticas públicas para enfrentar o problema. O Estado brasileiro foi considerado culpado pela instalação dos grampos, pela divulgação ilegal das gravações e pela impunidade dos responsáveis. A denúncia à OEA foi feita em dezembro de 2000 pelo MST, pela Justiça Global, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pela Terra de Direitos e pela Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP). No julgamento do caso, os magistrados entenderam caracterizada a violação legal em decorrência dos alvos da interceptação telefônica não estavam sendo submetidos a procedimento investigativo formal, não competindo à Polícia Militar do Paraná fazer investigação criminal contra civil, mas sim a Polícia Civil Judiciária; a interceptação telefônica durou 49 dias, sem comprovação de prorrogação judicialmente autorizada ao final da primeira quinzena; a decisão judicial autorizadora da medida extrema não estava devidamente fundamentada, nos termos do artigo 93 da CF/88; o Ministério Público não tomou ciência da interceptação; o sigilo sobre o conteúdo das comunicações interceptadas, que estavam sob custódia do Estado, foi violado. A CIDH incluiu expressamente no âmbito de proteção do direito fundamental a não sofrer ingerências arbitrárias ou abusivas na vida privada por parte do Estado ou de particulares (artigo 11 da CADH), bem como a inviolabilidade das comunicações telefônicas. A sentença reafirma que a intangibilidade das conversas telefônicas não caracteriza direito fundamental absoluto, podendo ele sofrer restrições desde que estas não tenham caráter abusivo ou arbitrário. Quanto ao primeiro aspecto, a Corte entende que a medida restritiva deve ter seus pressupostos, circunstâncias autorizadoras e procedimento probatório definidos, de forma clara e detalhada, na lei, em sentido formal e material. Mais adiante, a CIDH reafirma que a decisão judicial autorizadora deve estar fundamentada de maneira substancial, através de argumentação racional que considere as alegações das partes processuais e os elementos informativos carreados aos autos, além de demonstrar a ponderação de todos os requisitos legais da medida. Outrossim, a Corte entendeu ser dever do Estado assegurar o sigilo sobre o teor de comunicações telefônicas interceptadas durante investigação criminal. Com base no exposto, é possível concluir que a sentença prolatada pela CIDH no caso Escher e outros vs. Brasil representa importante precedente jurisprudencial no sentido de reafirmar a importância, âmbito de proteção e densa estrutura normativa do direito fundamental à inviolabilidade de comunicações telefônicas. Nada obstante, no sistema de administração da Justiça criminal brasileira infelizmente ainda persiste cultura autoritária, portanto refratária aos valores democráticos previstos no Pacto de São José da Costa Rica e da jurisprudência da CIDH, inclusive a força normativa do direito fundamental à inviolabilidade de comunicações telefônicas. Dessa forma, malgrado se trate de meio de busca de prova de uso excepcional, cuja finalidade é permitir a descoberta e localização de provas materiais, o que se vê na prática é sua vulgarização como instrumento investigativo primário, mesmo havendo outras formas possíveis de apuração dos fatos. O que é pior: não são raras no País as interceptações telefônicas autorizadas com base somente em notícia-crime anônima ou sem a imprescindível instauração formal de procedimento investigativo previsto em lei ou até mesmo nos autos de procedimentos administrativos ou processos judiciais de natureza extrapenal. Tampouco são incomuns decisões judiciais autorizadoras da medida em apreço ou sua prorrogação que possuem fundamentação aparente, sequer ponderando casuisticamente os requisitos constitucionais e legais da medida extrema, dentre os quais avulta a importância da proporcionalidade. Finalmente, aparenta prevalecer no âmbito Estado a concepção de que o direito ao sigilo de comunicações telefônicas supostamente seria subterfúgio para acobertar atos criminosos. Ocorre que tal direito deve ser utilizado como instrumento de proteção da cidadania contra ilegalidades “legitimadas”, por agentes no exercício do poder de polícia.
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