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coleção carreira jurídica Direito Administrativo Todos os direitos desta edição são reservados à R2 Cursos. Coleção Carreira JurídiCa 2ª edição Editora direiTo adminisTraTivo 4 sumário Capítulo 1 – Os Princípios Constitucionais da Administra- ção Pública ............................................................................... 11 1.1. Legalidade ............................................................................. 11 1.2. Impessoalidade ..................................................................... 11 1.3. Moralidade ............................................................................ 12 1.4. Publicidade ........................................................................... 14 1.5. Eficiência ............................................................................... 14 1.6. Princípio da continuidade do serviço público ................ 15 1.6.1. Generalidade .......................................................... 15 1.6.2. Modicidade dos preços e tarifas ......................... 15 1.6.3. Cortesia ................................................................... 16 1.6.4. Atualidade ou do avanço tecnológico .............. 16 Capítulo 2 – Os Princípios Constitucionais da Administra- ção Pública ............................................................................... 17 2.1. Razoabilidade e da proporcionalidade ............................. 17 2.2. Finalidade.............................................................................. 18 2.3. Motivação ............................................................................. 18 2.4. Supremacia do interesse público ...................................... 18 2.5. Princípio da indisponibilidade do interesse público ...... 19 2.6. Autotutela ............................................................................. 20 2.7. Especialidade ........................................................................ 20 2.8. Tutela ou controle ............................................................... 21 Sumário 5 Capítulo 3 – Poderes e Deveres Administrativos .................. 22 3.1. Poderes e deveres administrativos e breve comento sobre a Lei 8.429/92 ............................................................ 22 3.2. Poder vinculado e poder discricionário ........................... 24 3.3. Poder hierárquico ................................................................ 25 3.4. Poder disciplinar .................................................................. 25 3.5. Poder normativo ou regulamentar ................................... 26 Capítulo 4 – Poder de Polícia – Uso e Abuso de Poder ....... 27 4.1. Poder de polícia ................................................................... 27 4.2. Razão e fundamento do poder de polícia ........................ 29 4.3. Objeto e finalidade do poder de polícia ........................... 29 4.4. Extensão e limites do poder de polícia ............................ 29 4.5. O uso e abuso de poder ...................................................... 30 Capítulo 5 – Administração Direta e Indireta ....................... 32 5.1. Conceito: de administração direta e indireta .................. 32 5.2. Conceito: administração indireta ...................................... 34 5.3. Conceito: autarquias ........................................................... 35 5.4. Principais características das autarquias ......................... 37 5.5. Principais privilégios ........................................................... 41 5.6. Agências reguladoras, as quais também têm natureza autárquica em regime especial .......................................... 41 5.7. Poder regulador e competência regulamentar da agência reguladora .............................................................. 47 5.8. Atividade fiscalizatória e sancionatória que têm essas agências ................................................................................. 49 Direito Administrativo 6 5.9. Regime jurídico do pessoal contratado ............................ 50 5.10. Licitação para as agências reguladoras ......................... 50 5.11. Agências executivas ......................................................... 52 Capítulo 6 – Da Administração Pública ................................. 54 6.1. Fundações públicas ............................................................. 54 6.2. Fundações privadas ............................................................. 55 6.3. Conceito de empresas públicas .......................................... 56 6.4. Sociedades de economia mista .......................................... 57 6.5. Doze principais características das empresas públicas e das sociedades de economia mista ................................ 57 6.6. Falência da empresa pública e da sociedade de econo- mia mista............................................................................... 60 Capítulo 7 – Ato Administrativo ............................................. 61 7.1. Conceito................................................................................. 61 7.2. Requisitos do ato administrativo ...................................... 62 7.3. Mérito do ato administrativo ............................................. 64 7.4. Motivação dos atos administrativos................................. 64 7.5. Atributos do ato administrativo ........................................ 64 7.6. Classificação dos atos administrativos ............................ 66 Capítulo 8 – Dos Atos Administrativos .................................. 69 8.1. Perfeição, validade e eficácia dos atos administrativos 69 8.2. Espécies de atos administrativos ....................................... 71 8.3. Retirada do ato administrativo do mundo jurídico ....... 72 Sumário 7 Capítulo 9 – Responsabilidade Civil (Extracontratual) do Estado ........................................................................................ 75 9.1. Teoria da erresponsabilidade do Estado .......................... 75 9.2. Teorias subjetivas fundamentadas no pressuposto da culpa ...................................................................................... 76 9.3. Teorias objetivas .................................................................. 76 9.4. Pressupostos da responsabilidade objetiva ..................... 78 9.5. Causas excludentes e atenuantes da responsabilidade . 78 9.6. Responsabilidade por atos omissivos ............................... 78 9.7. Responsabilidade civil do Estado por atos legislativos . 80 9.8. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais 83 Capítulo 10 – Bens Públicos .................................................... 85 10.1. Conceito e classificação ...................................................... 85 10.2. Regime jurídico .................................................................... 87 10.3. Regime privado .................................................................... 90 10.4. Alienação .............................................................................. 91 10.5. Formação do patrimônio público ..................................... 97 Capítulo 11 – Dos Contratos Administrativos ...................... 98 11.1. Contrato ................................................................................. 98 11.2. Jurisprudência do STJ ......................................................... 100 11.3. Espécies de contratos administrativos ............................. 101 11.4. Competência para legislar .................................................. 101 11.5. Regime jurídico .................................................................... 101 11.6. Características do Contrato Administrativo ....................102 11.7. Cláusulas exorbitantes ........................................................ 104 Direito Administrativo 8 11.8. Cláusulas essenciais ou necessárias .................................. 107 11.9. Objeto do contrato administrativo ................................... 108 11.10. Partes contratantes da administração ............................ 108 11.11. Extinção do contrato administrativo ............................. 108 11.12. Prorrogação e renovação do contrato administrativo 109 11.13. Publicação do contrato administrativo ......................... 110 11.14. Alteração do contrato ....................................................... 112 Capítulo 12 – Dos Contratos Administrativos II ................... 115 12.1. Classificação dos contratos administrativos ................. 115 12.2. Cláusulas mutáveis e cláusulas imutáveis .................... 117 12.3. Formas de recomposição da equação econômico- -financeira .......................................................................... 118 12.4. Revisão de preços .............................................................. 119 12.5. Reajuste contratual ........................................................... 119 12.6. Redução dos encargos do concessionário ..................... 119 12.7. Fiscalização da execução do contrato ........................... 122 Capítulo 13 – Dos Contratos Administrativos III ................. 123 13.1. Execução do contrato ....................................................... 123 13.2. Princípio da obrigatoriedade do contrato ..................... 123 13.3. Forma, tempo e local para execução do contrato ....... 124 13.4. Contratação de terceiros ................................................... 125 13.5. Defeitos na execução da prestação ................................ 125 13.6. Subcontratação .................................................................. 127 13.7. Recebimento do objeto ..................................................... 127 Sumário 9 Capítulo 14 – Agentes Públicos............................................... 129 14.1. Noções gerais ........................................................................ 129 14.1.2. Classificação ............................................................ 129 14.2. Cargo, emprego e função ................................................... 131 14.3. Regime jurídico constitucional dos agentes públicos ... 132 14.3.1. Acumulação de cargos ......................................... 133 14.4. Reversão: ............................................................................... 138 14.5. Previdência complementar: ............................................... 138 14.6. Estabilidade: ......................................................................... 139 14.7. Provimento: .......................................................................... 140 14.8. Vacância, demissão e exoneração .................................... 141 14.9. Direitos e deveres do servidor ........................................... 142 14.10. Responsabilidade do servidor .......................................... 142 Capítulo 15 – Serviços Públicos .............................................. 145 15.1. Noções gerais ........................................................................ 145 15.2. Princípios .............................................................................. 145 15.3. Classificação ......................................................................... 146 15.4. Quanto à forma de atendimento das necessidades gerais 147 15.5. Forma de prestação dos serviços públicos ...................... 148 Capítulo 16 – Procedimento e Processo Administrativo ..... 149 16.1. Noções gerais ........................................................................ 149 16.2. Princípios do processo administrativo ............................. 150 16.3. Classificação do processo administrativo ........................ 151 Direito Administrativo 10 16.4. Processo administrativo e a lei 9784/99 (com as alte- rações da lei nº 12.008, de 2009) ...................................... 152 16.5. Processo administrativo disciplinar .................................. 153 Capítulo 17 – Intervenção do Estado na Propriedade Pri- vada ........................................................................................... 155 17.1. Noções gerais ........................................................................ 155 17.2. Espécies de intervenção do Estado na propriedade ..... 156 Capítulo 18 – Improbidade Administrativa: Aspectos Ge- rais e Processuais .................................................................... 168 Capítulo 19 – Licitações ............................................................ 184 19.1. Noções fundamentais .......................................................... 184 19.2. Competência para legislar em matéria de licitação ..... 187 19.3. Finalidade da licitação ..................................................... 188 19.4. Princípios norteadores da licitação ................................ 189 19.5. Pressupostos da licitação ................................................. 190 19.6. Modalidades de licitação .................................................. 193 19.7. Tipos de licitação ............................................................... 201 19.8. Fases da licitação ............................................................... 204 19.9. Revogação, invalidação e desistência da licitação ...... 208 19.10. Recursos administrativos ................................................. 212 19.11. Recursos judiciais .............................................................. 213 BiBliografia ............................................................................... 214 11 capíTulo 1 Os Princípios Constitucionais da Administração Pública 1.1. lEgalidadE O princípio da legalidade é um princípio importante e essen- cial para a plena vigência do Estado de direito. Por ele e em razão dele, toda a atividade administrativa, in- clusive, a discricionária, fica balizada pelos ditames legais. Embora, evidentemente, todos – administração pública e particulares – se submetam ao princípio da legalidade, sua força vinculativa é ainda mais estrita no âmbito da atuação. Daí o porquê de se afirmar na doutrina que, enquanto aos particulares é licito fazer tudo o que a lei não proíbe, à administra- ção pública só é dado agir nos limites que a lei autoriza; portanto, necessário o comando legal: determinativo para os atos vinculados e permissivos para os atos discricionários. 1.2. impEssoalidadE O princípio da impessoalidade postula que a gestão da coisa pública se faça no exclusivo interesse da cidadania e não por pre- ferências ou animosidades pessoais. A razão do agir administrativo haverá sempre de ser um motivo de interesse público relevante, não se tolerando privilégios a serem reconhecidos a simpatizantes, amigos ou correligionários ou perseguições de índole pessoal ou política. O princípio da impessoalidade não veda que a administração pública faça discriminações. A vedação incide sobre a possibilida- de de descrimens fundados em razões pessoais. Direito Administrativo 12 Assim, para a contratação de pessoal, à administração públi- ca deve ser constituído concurso público, para atender ao princípio da igualdade e da impessoalidade. Em 2009, na ADI 3978, rel. Ellen Gracie (j. 21.10.2009, DJ. 11.12.2009), foi discutida a questão do ingresso de servidor pú- blico que deve ser por meio de concurso público, como vislumbra a Constituição. Foi objeto da ADI o artigo 21 da Lei 14.083/2007 do Estado de Santa Catarina que permitia que os substitutos de serventias extrajudiciais, que exerciam atividade notarial e dere- gistro, nomeados até 21 de novembro de 1994 fossem elevados à condição de titular sem aprovação em concurso. Conforme emen- ta, o STF “tem entendido que atos normativos concernentes ao provimento de cargos mediante a elevação de substitutos à titula- ridade dos cartórios, sem a devida aprovação em concurso público, afrontam a Constituição do Brasil”. A Súmula 685 do STF também trata deste assunto. Na ADI 4.125 (rel. Cármen Lúcia, j. 10.06.2010, DJ 15.02.2011), o STF estipulou prazo de um ano para realização de concursos públicos para provimento de cargos que seriam ocu- pados por pessoas indicadas em comissão, ou seja, sem concur- so, no Estado de Tocantins. Na ocasião, a Corte julgou que a Lei 1.950/2008 afrontava os princípios da moralidade e proporciona- lidade, ao permitir a criação de milhares de cargos em comissão. Dessa forma, também a ADI 4261, rel. Ricardo Lewandowski, j. 02.08.2010, DJ. 20.08.2010, em que se verificou que é inconsti- tucional uma norma estadual que autorizava ao ocupante de car- go em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo, que deve ser ocupado por Procurador concursado. 1.3. moralidadE O princípio da moralidade administrativa está expresso no caput do artigo 37 do Constituição Federal e relaciona-se com o Capítulo 1 13 dever de probidade do administrador público. A Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa – com as alterações da lei nº 12.120, de 2009) foi editada para combater os atos que descum- prem esse dever. A improbidade administrativa é uma espécie qua- lificada do gênero imoralidade. Trata-se de desonestidade admi- nistrativa, que exige comprovação do dolo para sua comprovação. Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, a noção de moral administrativa não está relacionada às convicções íntimas do agente público, mas à noção de conduta adequada e de ética no grupo social. O fato de a Constituição Federal tê-la inserido como princípio expresso permite afirmar que se trata de requisito de va- lidade do ato administrativo. Assim sendo, um ato que afronta a moral administrativa não está sujeito a uma análise de oportuni- dade e conveniência, mas a uma análise de legitimidade. Logo, se houver afronta à moral administrativa, o ato será declarado nulo e não revogado. Insta ressaltar ainda que trata-se de controle de legalidade que pode ser realizado pela administração pública e pelo Poder Judiciário. Do administrador público, exige-se mais do que o cumpri- mento da lei. Exige-se comportamento exemplar que não fira a moralidade administrativa, no sentido da boa administração. O STF, em agosto de 2008, editou a súmula vinculante nº 13, estipulando que cargos em comissão não poderão ser preenchidos por parentes do administrador até 3º grau (salvo exceções: cargos de natureza política). Caso contrário, haveria afronta aos princípios constitucionais, principalmente, ao da moralidade. O art. 37, inciso V, da Constituição Federal estabelece que os cargos em comissão de chefia, direção e assessoramento deverão ser preenchidos, preferencialmente, por servidores de carreira, na forma e na intensidade previstas em lei. Esta determinação de- monstra, mais uma vez, que os cargos em comissão não são de livre nomeação, devendo seguir os ditames constitucionais. Direito Administrativo 14 1.4. puBliCidadE Hely Lopes Meirelles afirma que a administração é pública e públicos devem ser seus atos. Se a administração pública não administra para si, mas para os cidadãos, detentores primeiros da soberania popular, a ela se impõe que torne público todos os seus atos dando conta das razões de seu agir. Todavia, a Constituição Federal impõe alguns limites à pu- blicidade, admitindo que, em certas circunstâncias, as informações permaneçam em sigilo. É o que dispõe o artigo 37, § 3º, II, da Constituição Federal, ao referir-se que lei disciplinará o acesso dos usuários a registros administrativos e informações sobre atos do governo, observado o disposto no artigo 5º, X e XXXIII, da Constituição Federal. 1.5. EfiCiênCia O princípio da eficiência foi introduzido na Constituição Fe- deral pela E.C. nº 19/98 e guarda estrita relação com a própria razão da existência do serviço público. Como já foi dito, a administração pública não administra para si, para fazer concretizar seus próprios interesses, senão aque- les interesses qualificados legalmente, o bem comum e a principio- logia Constitucional. A eficiência está diretamente relacionada à cidadania. A ad- ministração age para a consecução das finalidades legais, devendo, nesse atuar ser absolutamente eficiente por respeito à delegação que lhes foi outorgada pelos cidadãos. A administração tem o compromisso do bem atuar, da efi- ciência, mesmo porque não lida com interesses particulares, mas com interesses públicos e coletivos. Capítulo 1 15 1.6. prinCípio da ContinuidadE do sErviço púBliCo Trata-se de princípio implícito decorrente do regime de di- reito público a que os serviços públicos estão sujeitos. A expressão “serviço público” estende-se a todas as atividades administrativas executadas sob regime jurídico de direito público. Tendo em vista o interesse coletivo, não podem ser interrompidos, nem suspensos. Essa circunstância autoriza a administração pública a inter- vir na empresa concessionária, na hipótese de falhas na execução dos serviços, intervenção esta que poderá ser momentânea ou de- finitiva, com a encampação dos serviços. Também pelo princípio não se admite a invocação em face da administração pública da cláusula da “exceptio non adimpleti con- tractus”, ou seja, a exceção do contrato não cumprido, quando uma das partes do contrato deixa de realizar sua obrigação, nasce o di- reito da outra de também ficar inadimplente com a sua. O particular delegatário somente poderá rescindir o contrato mediante sentença judicial transitada em julgado (art. 39, § único da Lei 8.987/1995). 1.6.1. generalidade Este princípio determina que a prestação do serviço público seja indistinta a todos que dele necessitem e cumpridos os requisi- tos legais. Não admite a ocorrência de discriminação na prestação do serviço para todos aqueles que satisfaçam as condições de sua obtenção e na cobrança das tarifas. Portanto, quanto mais pessoas alcançar o serviço público, mais eficiente ele se tornará. 1.6.2. modicidade dos preços e tarifas Os serviços públicos que não são financiados diretamente pelo erário, mas custeados pelos usuários por tarifa ou preço público, devem pautar-se pela modicidade ou razoabilidade de seus preços. Direito Administrativo 16 Decorre do princípio da generalidade, pois sem a modici- dade não será possível o amplo acesso ao serviço, ou seja, não se pode falar que um serviço seja eficiente se o cidadão comum assalariado não puder pagar, nesse caso, não existirá eficiência em se tratando de Serviço Público. 1.6.3. Cortesia Princípio pelo qual o cidadão não só tem direito ao serviço público contínuo, eficiente e módico, como também o direito de ser tratado com cortesia por seus prestadores, sejam eles agentes públicos ou particulares que os prestam indiretamente. Não se pode esquecer de que a cidadania é, em última análi- se, a única razão de existência dos serviços públicos, dos servidores públicos e do próprio Estado. 1.6.4. atualidade ou do avanço tecnológico É dever da administração pública estar atenta e adequar a prestação dos serviços públicos às sensíveis alterações científicas e tecnológicas. É princípio que se liga ou deriva do princípio da eficiência. 17 capíTulo 2 Os Princípios Constitucionais da Administração Pública 2.1. raZoaBilidadE E da proporCionalidadE Ambos são considerados princípios da proibição do exces- so e não estão expressosna Constituição Federal. No âmbito do Direito Administrativo, é mais usual enquadrar o princípio da ra- zoabilidade como gênero e o princípio da proporcionalidade como espécie. Têm relevante aplicação no que diz respeito ao controle dos atos discricionários. O princípio da razoabilidade requer que a administração pú- blica atue dentro da razão do homem médio voltada para a rea- lidade. Costuma ser analisado sob o prisma da adequação e da necessidade do ato ou da atuação da administração pública. O que se veda são ações dezarrazoadas ou despropositadas frente à gama de situações postas à consideração do administrador público. Já a proporcionalidade é um princípio mais específico e se relaciona à medida proporcional entre o meio usado e o fim que se deseja atingir. Tem grande relevância no que tange ao controle dos atos sancionatórios. Atos cuja consecução venha ultrapassar a real necessidade para o alcance do objetivo previsto na lei não podem ser admitidos. Não há que se falar em controle de mérito administrativo. A inobservância da razoabilidade ou da proporcionalidade configura ato ilegítimo e enseja anulação (controle de legalidade), jamais re- vogação (controle de mérito). Direito Administrativo 18 2.2. finalidadE A finalidade da administração pública sempre será o inte- resse público. O princípio da finalidade relaciona-se com o caráter instru- mental da administração pública. A administração não age para a consecução de quaisquer objetivos e valores. Seu agir é sempre qualificado pelo interesse público consagrado na lei. Dessa circunstância resulta que, ao administrador público, não basta o cumprimento formal da lei. É preciso demonstrar, ain- da, que agiu para atingir o fim abrigado na lei. 2.3. motivação Este princípio é absolutamente essencial no Estado de Direi- to e sua razão se fundamenta na soberania popular. A administração pública não se administra, senão para os cidadãos, titulares primeiros do poder político. Daí o porquê de a administração ter o dever de motivar a edição de seus atos, dando assim, ciência aos titulares da soberania política, das razões pelas quais agiu ou deixou de agir. Importante ressaltar, outrossim, que é pela explicitação dos motivos de fato e de direito que levou a edição de determinado ato administrativo é que é possível o exercício de seu controle jurisdicional. 2.4. suprEmaCia do intErEssE púBliCo Este princípio decorre dos interesses públicos terem supre- macia sobre os direitos individuais, primeiramente. Trata-se de Capítulo 2 19 princípio implícito. Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo1, fundamenta a existência das prerrogativas da administra- ção pública, dos quais decorre a chamada verticalidade nas relações administração-particular. O interesse público sempre prevalecerá sobre o interesse privado. Já no final do século XIX, começaram a surgir as primeiras reações contra uma visão meramente individualista do fenômeno jurídico, como decorrência das profundas transformações ocorri- das nas ordens econômica, social e política, provocadas pelos re- sultados funestos de um individualismo exacerbado. O Direito passa a ser visto, então, não apenas como um ins- trumento de preservação dos direitos do indivíduo, mas também como meio do bem-estar coletivo. 2.5. prinCípio da indisponiBilidadE do intErEssE púBliCo O princípio da indisponibilidade do interesse público é o co- rolário da supremacia desse interesse sobre os meramente indivi- duais. Trata-se de princípio implícito. A administração pública não possui apenas poderes especiais, sofre determinadas restrições que não se estendem aos particulares. Isso se deve ao fato de que não é a administração pública a titular do interesse público, mas sim o povo. Significa dizer que os interesses da coletividade não se en- contram à disposição de quem quer que seja, ainda que do admi- nistrador público. 1 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Admi- nistrativo descomplicado. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Método, 2011. Direito Administrativo 20 A Administração Pública não tem, portanto, disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda e realização. 2.6. autotutEla Traz a súmula 473 do Supremo Tribunal Federal que: SÚMULA 473 “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados dos vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” A autotutela é o controle que a administração exerce sobre seus próprios atos, com a obrigação de anular os atos viciados e ilegais e revogar os inconvenientes e inoportunos, independente- mente de recurso ao Poder Judiciário. 2.7. EspECialidadE Para a compreensão deste princípio, é necessário saber que do princípio da legalidade e da indisponibilidade do interesse pú- blico decorre, dentre outros, o da especialidade, oriundo da ideia de descentralização administrativa. Quando o Estado cria pessoas jurídicas públicas adminis- trativas (autarquias, associações públicas, fundações públicas, em- presas públicas e sociedades de economia mista), como forma de descentralizar a prestação de serviços públicos, objetiva a especia- lização da função. A lei que cria a entidade estabelece, de forma Capítulo 2 21 vinculada, as finalidades que lhe incumbe atender, de tal maneira que não cabe aos administradores afastarem-se dos objetivos defi- nidos por lei, ou seja, não têm liberdade por força da indisponibi- lidade do interesse público. 2.8. tutEla ou ControlE O princípio de tutela ou de controle foi instituído exata- mente para assegurar que as entidades da administração indireta observe o princípio anterior, ou seja, o da especialidade. A tutela ou controle vem para fiscalizar as entidades para que não haja desvio das funções estabelecidas em lei, como deter- mina a Constituição Federal, tudo isso coexistindo com a autono- mia administrativa que as entidades da administração indireta têm, ou seja, a autonomia é a regra, o controle é a exceção. 22 capíTulo 3 Poderes e Deveres Administrativos 3.1. podErEs E dEvErEs administrativos E BrEvE ComEnto soBrE a lEi 8.429/92 A administração pública está diretamente relacionada à es- truturação do Estado, ou seja, aos entes políticos, órgãos, cargos, funções e agentes públicos. Estes últimos devem sempre priorizar o interesse público ao exercerem suas atividades. É a inspiração de uma sociedade e, para isso, o Estado conferirá poderes a esses agentes para o desempenho de suas funções. podEr-dEvEr dE agir: O poder tem para o agente públi- co o significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está sempre na obri- gação de exercitá-lo. Esse poder é insuscetível de renúncia pelo seu titular. Se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade. dEvEr dE EfiCiênCia: é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e ren- dimento funcional. A eficiência funcional deve ser considerada em sentido amplo, abrangendo não só a produtividade daquele que exerce o cargo ou a função, como também a perfeição do traba- lho e sua adequação técnica aos fins visados pela administração pública. Para tanto, procede-se à avaliação dos resultados e ao aperfeiçoamento do pessoal através de seleção e treinamento. As- sim, a verificação de eficiência atinge os aspectos quantitativo e qualitativo do serviço. dEvEr dE proBidadE: está constitucionalmente integra- do na conduta do administrador público como elementonecessá- Capítulo 3 23 rio à legitimidade de seus atos. Assim, o ato administrativo prati- cado com lesão aos bens e interesses públicos também fica sujeito à invalidação pela própria administração ou pelo Poder Judiciário, por vício de improbidade, que é uma ilegitimidade como as demais que nulificam a conduta do administrador público. Neste caso, é importante destacar a Lei 8.429/92 (com as alterações da lei nº 12.120, de 2009), que combate os atos de im- probidade administrativa. Com base nisso, cumpre diferenciar os conceitos de probi- dade e moralidade. Insta ressaltar que muitos consideram moralidade e probida- de como sinônimos. Luiz Alberto Ferracini com maestria adverte: “entende-se por ato de improbidade má qualidade, imoralidade, malícia. Juridicamente, lega-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter.” Há, por outro lado, aqueles que distinguem os dois concei- tos, afirmando, no entanto, que probidade seria espécie de morali- dade. É o que ensina Marcelo Figueiredo: “Entendemos que a probidade é espécie do gênero mo- ralidade administrativa a que alude o art. 37, caput e seu § 4º da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa, verdadeiro norte à administração em todas as suas manifestações. Se correta estiver a análise, podemos associar, como o faz a moderna doutrina do direito administrativo, os atos atenta- tórios à probidade como também atentatórios à moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os con- ceitos são idênticos. Ao contrário, a probidade é peculiar e específico aspecto da moralidade administrativa.” Contudo, prevalece o entendimento de que a probidade é gênero e a moralidade espécie. Conclui-se, deste modo, que o princípio da moralidade pos- sui definição jurídica diversa de probidade administrativa. Tanto a Direito Administrativo 24 Constituição Federal, quanto a legislação infraconstitucional perti- nente à matéria, levam a essa orientação. Com isso, concluímos que todo ato de imoralidade é ato de improbidade, porém, nem todo ato de improbidade é ato de imo- ralidade. dEvEr dE prEstar Contas: é decorrência natural da ad- ministração como encargo de gestão de bens e interesses alheios; no caso do administrador público, a gestão se refere aos bens e in- teresses da coletividade e assume o caráter de munus publico, isto é, de um encargo para com a comunidade. Daí o dever indecliná- vel de todo administrador público de prestar contas de sua gestão administrativa e, nesse sentido, é a orientação de nossos tribunais (STF, RF, 99/969; TJSP, RT, 237/253). Cumpre destacar que prestar contas não é somente sobre a utilização de verbas públicas, mas também de serviços realizados. 3.2. podEr vinCulado E podEr disCriCionário O poder vinculado pode, singelamente, ser conceituado como aquele conferido pela Lei à administração pública para a prática de atos administrativos, determinando, todavia, previamente e objeti- vamente, os requisitos necessários à sua formalização. Daí o porquê de chamá-los de “poder vinculado” a “ato ad- ministrativo vinculado”, pois na sua edição não concorre a ad- ministração pública com vontade subjetiva, senão em razão da ocorrência de certos e objetivos requisitos. O poder discricionário, por sua vez, em contraposição ao poder vinculado, é aquele deferido à administração pública para a prática de atos administrativos, com certo grau de liberdade de escolha de sua conveniência e oportunidade. Capítulo 3 25 Haveria nessa esfera de poder maior grau de liberdade na escolha do conteúdo do ato e de sua conveniência ou oportuni- dade. 3.3. podEr HiErárquiCo O poder hierárquico é aquele concedido pela Lei à admi- nistração pública para que possa organizar a sua estrutura ad- ministrativo-funcional, tendo em vista a consecução das diversas competências que lhe são atribuídas. Como consequência, à administração pública são concedi- das certas prerrogativas, decorrentes da relação hierárquico-fun- cional entre seus diversos órgãos e agentes, tais como, os poderes de delegação e avocação de atribuições (desde que permitidas por lei); fiscalização; revisão provocada ou “ex officio” das atividades ou decisões dos órgãos administrativos subordinados. 3.4. podEr disCiplinar O poder disciplinar, por sua vez, ainda que estabeleça certa vinculação com o poder hierárquico ou dele decorra, com ele não se confunde. Este se expressa por meio da prerrogativa de organi- zação, coordenação e controle dos diversos órgãos administrativos e de suas atuações, enquanto aquele tem como objetivo a verifi- cação do cumprimento ou descumprimento dos deveres funcionais dos servidores públicos. O poder disciplinar se expressa através da faculdade-dever deferida à administração pública de punir a violação dos deveres funcionais por parte dos diversos agentes públicos. Direito Administrativo 26 3.5. podEr normativo ou rEgulamEntar O poder normativo ou regulamentar se expressa como com- petência atribuída aos chefes do Poder Executivo para explicitar os conteúdos da lei visando sua execução. Ao chefe do poder executivo, portanto, se atribui competên- cia para explicitação dos conteúdos das normas legais de modo a permitir sua aplicação, ou seja, sua operacionalidade. Cuida-se de ato exclusivo e privativo e, portanto, indele- gável, a ele conferido para edição de atos normativos, decretos e regulamentos, de caráter complementar à lei e sempre dela depen- dente, visando sua fiel execução. Por isso, os regulamentos e decretos jamais podem ser expe- didos contra os conteúdos da lei ou além deles, criando exigências ou restrições não previstas; isso quer dizer que o exercício do poder regulamentar não poder ir além e nem ficar aquém da lei. 27 capíTulo 4 Poder de Polícia – Uso e Abuso de Poder 4.1. podEr dE políCia origem e evolução do vocábulo A palavra polícia vem do latim politia, pois muito abrangen- te era o seu conteúdo no Direito antigo, e do grego politeo ou po- liteia, originariamente trazendo o sentido de organização política, de sistema de governo e do próprio governo, estando ligada, com o termo política, ao vocábulo polis, ou ainda politeia, no sentido de designar todas as atividades da cidade – estado. No entanto, sem manter qualquer relação com o sentido atual. A evolução do poder de polícia acompanhou o desenvolvi- mento das cidades e a multiplicação das atividades humanas, a ex- pansão dos direitos individuais e as exigências do interesse social. E assim tem-se o que é hoje o poder de polícia no Brasil. O poder de polícia tem uma fundamentação infraconstitu- cional no Código Tributário Nacional que em seu artigo 78, caput, traz a seguinte redação: “Considera-se poder de polícia a atividade da Admi- nistração Pública que, limitando ou disciplinando direito, in- teresse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização de Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais.” Trata-se, portanto, do condicionamento da liberdade e dos direitos individuais ao interesse coletivo. Vale dizer, é a atividade Direito Administrativo 28 correspondente às intervenções da administração pública sobre a li- berdade, direitos e propriedades privadas de modo a conformá-las ou evitar que sejam exercidas em contraposição aos interesses sociais. Atributos do poder de polícia são: a autoexecutoriedade, discricionariedade e coercibilidade. autoexecutoriedade Na autoexecutoriedade, a prestação pode ser compulsoria- mente exigidasem que necessite a administração pública recorrer ao poder judiciário. Como exemplos, pode-se citar a demolição de um prédio que ameaça ruir, apreensão de mercadorias, o fechamento de esta- belecimentos que desrespeitem o zoneamento. Coercibilidade ou imperatividade É o atributo pelo qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente deles quererem ou não o ato. Disto se conclui que os atos administrativos têm força impositiva própria, isto é, a coercibilidade é a imposição coativa das medidas adotadas pela administração pública, que constituem também atributo do poder de polícia. discricionariedade Trata-se de uma prerrogativa conferida pela lei ao admi- nistrador que, diante do caso concreto e nos termos e limites da lei, decidirá, segundo critérios de oportunidade e conveniência, a conduta mais adequada à satisfação do interesse público. Se houver extrapolação dos limites estipulados pela lei, resta- rá configurada a arbitrariedade, ou seja, conduta ilegal ou ilegítima. Vide súmula 473 do STF. polícia administrativa e polícia judiciária Embora as duas sejam atividades do Estado, a polícia admi- nistrativa objetiva impedir ações antissociais, ou seja, tem o escopo Capítulo 4 29 de evitar que particulares adotem condutas contrárias ao interes- se público. Enseja a ideia de fiscalização. Tem caráter preventivo. Porém, também pode ter caráter repressivo. Por sua vez, a polícia judiciária visa apurar a materialidade das infrações penais e punir os infratores da lei penal. Tem caráter repressivo, ocorrendo após a infração penal. 4.2. raZão E fundamEnto do podEr dE políCia A razão do poder de polícia é o interesse social, e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades; supremacia esta que encontramos na Constituição. 4.3. oBJEto E finalidadE do podEr dE políCia O objeto do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a segurança nacional, exigindo, por isso mesmo, re- gulamentação, controle e contenção pelo poder público. A finalidade do poder de polícia é a proteção ao interesse público no seu sentido mais amplo. Nesse interesse superior da co- munidade, entram não só os valores materiais, como também mo- rais e espirituais do povo, expressos nas tradições, nas instituições e nas aspirações nacionais, bem como na ordem jurídica vigente. 4.4. EXtEnsão E limitEs do podEr dE políCia A extensão do poder de polícia é hoje muito ampla, abran- gendo desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação Direito Administrativo 30 da saúde pública, a segurança das construções e dos transportes, a manutenção da ordem pública em geral, até a segurança nacional em particular. Os limites do poder de polícia administrativa são demar- cados pelo interesse social em conciliação com os direitos funda- mentais dos indivíduos assegurados na Constituição da República (art. 5º). 4.5. o uso E aBuso dE podEr O uso do poder é a prerrogativa da autoridade, mas o poder há que ser usado normalmente, sem abuso. Usar normalmente do poder é empregá-lo segundo as normas legais, a moral da insti- tuição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público; o poder é confiado ao administrador público para ser usado em be- nefício da coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem-estar social exigir. O abuso de poder ocorre quando a autoridade, embora com- petente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas; o abuso de poder é sempre uma ilegalidade invalidadora do ato que contém; o abuso de poder pode tanto revestir a forma comissiva como a omissiva, porque ambas são capazes de afrontar a lei e causar lesão ao direi- to individual do administrado. Excesso de poder: ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e há exor- bitação no uso de suas faculdades administrativas; o excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo; essa conduta abusiva é caracterizada pelo descumprimento frontal da lei. desvio de finalidade: verifica-se quando a autoridade, em- bora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo Capítulo 4 31 interesse público; é assim a violação ideológica da lei, ou por ou- tras palavras, a violação moral da lei. omissão da administração: pode representar aprovação ou rejeição da pretensão do administrado, dependerá do que dispuser a norma pertinente; o silêncio não é ato administrativo; é conduta omissiva da administração que, quando ofende direito individual ou coletivo dos administrados ou de seus servidores, sujeita-se à correção judicial e à reparação decorrente de sua inércia. Assim sendo, a inércia da administração configura abuso de poder, que enseja correção judicial e indenização ao prejudicado. 32 capíTulo 5 Administração Direta e Indireta 5.1. ConCEito: dE administração dirEta E indirEta O Estado, ficção jurídica criada pelo homem, cresceu muito e foi necessária a criação de uma administração pública para gerir esse grande condomínio criado pelo homem. Ocorre que a admi- nistração também cresceu e ficou complexa, e aí a solução encon- trada foi dividir esta administração pública em direta e indireta. A administração pública, em sentido amplo, pode ser consi- derada como o conjunto de órgãos e entidades que tem o escopo de atingir ou atender as necessidades coletivas. Ou ainda, a administração pública é encarregada da ativida- de concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob o regime jurí- dico de direito público, para a consecução dos interesses coletivos. A administração direta é composta por todos os órgãos que integram as pessoas jurídicas políticas de direito público in- terno: União, Estados-Membros, Distrito Federal e Município, as quais a Constituição Federal conferiu o exercício da atividade ad- ministrativa. A administração direta corresponde à atuação direta pelo próprio Estado, por suas pessoas jurídicas: União, Estados-Mem- bros, Distrito Federal e Municípios, todos dotados de autonomia política, administrativa e financeira, sendo a primeira, ainda, do- tada de soberania. Concluindo, pode-se conceituar a administração direta como o conjunto de órgãos que se estruturam na chefia do Poder Executivo e de seus órgãos auxiliares diretos, como os Ministérios, Secretarias de Estado e Departamentos. Capítulo 5 33 No âmbito federal, a administração direta se organiza em torno da Presidência da República e dos Ministérios, órgãos a quem cabe exercer e auxiliar, respectivamente, o poder executivo (art. 76 da C.F. e art. 4º, I, do Dec.-Lei 200/67). A Administração Direta da União regula-se pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, altera- da pelas Leis 10.869, de 2004; 11.204, de 2005; 11.518, de 2007; 11.754, de 2008; 11.958, de 2009; 12.375, de 2010; 12.314/2010; e pela Medida Provisória nº 527, de 2011. Nos estados-membros, a administração direta se estrutura em torno do governo do estado, auxiliado por seus Secretários de Estado. Como o estado-membro é ente participante do pacto federa- tivo, tem ele autonomia para sua organização administrativa (art. 25 da C.F.). Nos municípios, a Administração Direta se concentra no prefeito, auxiliados por secretários ou chefes de departamentos. Também os municípios gozam de autonomia para organizar sua estrutura administrativa (art. 29 da C.F.), em geral, disciplina- das pelas Leis Orgânicas. Finalmente, consigne-se a posição singular do Distrito Fe- deral, que é partícipe do pacto federativo e cuja chefia do poder executivo é exercidopor um governador auxiliado por secretários distritais. Também goza de autonomia administrativa que deve ser re- gida por sua Lei Orgânica. A posição singular do Distrito Federal é que sendo, em ver- dade, uma cidade na qual se situa a capital federal, se vincula constitucionalmente com as competências dos municípios e dos Estados-Membros (art. 32, § 1º, da C.F.). Finalmente, é bom frisar que à administração direta com- pete a prestação dos serviços públicos que são indelegáveis, quer aos particulares, quer a outros entes estatais, como a segurança Direito Administrativo 34 pública, a manutenção da ordem, a defesa do território nacional, dentre outros. Poderá prestar também os demais serviços, embora possa optar por fazê-lo mediante outorga ou delegação (concessão, permissão ou autorização). Também é bom destacar que os órgãos da administração direta são despersonalizados juridicamente, isso quer dizer, por exemplo, que não se move ação contra um órgão, mas sim contra o ente federativo ao qual ele pertence. 5.2. ConCEito: administração indirEta Por decisão do próprio Estado, a lei optará pela execução indireta da atividade administrativa, transferindo-as às pessoas jurídicas de direito público ou privado, que comporão a chamada administração indireta do Estado. A administração indireta é integrada por pessoas jurídicas de direito público ou privado, criadas ou instituídas a partir de leis específicas: Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Socieda- des de Economia Mista, segundo se vê no artigo 4º, II, do Decreto- -Lei 200/67 e, mais recente, as associações públicas criadas pela Lei 11.107, de 2005 que instituiu os consórcios públicos. Convém ressaltar que cada um desses entes possui persona- lidade jurídica própria que não se confunde com a pessoa jurídi- ca que a criou. São, portanto, titulares de direitos e obrigações e atuam em nome próprio, diferentemente dos órgãos públicos cita- dos anteriormente. Não há, por outro lado, entre a entidade matriz e aquelas integrantes da Administração Indireta relação hierárquica e subor- dinação. Todavia, são maneiras de descentralização administrativa, de prestação de serviço público ou de intervenção no domínio eco- Capítulo 5 35 nômico, sujeitos ao controle administrativo, também denominado de tutela, além, evidentemente, ao controle externo exercido pelo poder legislativo com auxílio do Tribunal de Contas e ao controle jurisdicional. Finalmente, é de bom alvitre destacar que somente uma lei específica poderá criar autarquia ou autorizar a constituição de sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações. Como lei específica deve se entender aquela que se origina de projeto que tenha por finalidade criar a entidade ou autorizar sua instituição, embora possa admitir que isso também se dê por meio de uma lei que faça reestruturação da administração pública. Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo2, as princi- pais características comuns às entidades da administração indireta, existentes em todas as esferas da federação possuem personalidade jurídica própria; têm autonomia administrativa e financeira; pos- suem relação de vinculação e não de subordinação com a adminis- tração direta (controle finalístico). 5.3. ConCEito: autarquias As autarquias são pessoas jurídicas de direito público, cria- das por lei pelo Estado para a persecução de finalidades públi- cas, submetendo-se, portanto, integralmente, ao regime jurídico de direito público. A ela converge a execução de atividades antes desenvolvidas pelo ente estatal que a criou. Constitui uma forma de descentralização administrativa, uma vez que um serviço típico lhe é transferido pelo Estado, titular 2 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Admi- nistrativo descomplicado. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Método, 2011. Direito Administrativo 36 último desse serviço e que o desempenharia diretamente, caso não o houvesse descentralizado. Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua autarquia como: “... a pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle admi- nistrativo exercido nos limites da lei.” Concluindo, pode-se conceituar a autarquia como o longa manus do Estado, pessoas jurídicas de direito público criadas para prestar um serviço típico do Estado, que dele é destacado e a ela é atribuído. No direito positivo brasileiro, o perfil estrutural das autar- quias é delineado pelo inciso I, do artigo 5º do Decreto-Lei 200/67, que traz a seguinte redação: Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: DECRETO-LEI INC. I, art. 5º “I – Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita pró- prios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.” Da leitura desse inciso, reforça-se a ideia de que a autarquia é um serviço público autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprias, para realizar atividades tí- picas do Estado. O fundamento último de sua criação reside na especializa- ção do serviço que lhe é atribuído, o que, em tese, implicaria me- lhor racionalidade e eficiência. É também importante recordar que sendo as autarquias pes- soas jurídicas de direito público, submetem-se integralmente ao Capítulo 5 37 regime jurídico de direito público, estando vinculado aos princípios constitucionais da administração pública, explícitos e implícitos e, ainda, às disposições do artigo 37 e incisos da Constituição Federal. Exemplos de autarquias: INSS (Instituto Nacional do Seguro Nacional), INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Banco Central do Brasil (entidade que fiscaliza as ins- tituições financeiras), CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Em São Paulo, é possível citar o Hospital das Clínicas e o IPESP (Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo). Insta ressaltar que as denominadas “autarquias territoriais” nada mais são que territórios. Atualmente, não há nenhum territó- rio; contudo, a Constituição Federal prevê a possibilidade. Os cons- tituintes aproximaram a figura do território da autarquia, para dar- -lhe regime público, qualificando-o como “autárquica”. A despeito disto, não se trata de autarquia, mas de um “quase” ente político. 5.4. prinCipais CaraCtErístiCas das autarquias 1) Execução de serviços próprios do Estado, com as mesmas restrições e privilégios da administração direta. O que di- versifica a autarquia do Estado são os métodos operacio- nais de seus serviços, mais especializados e flexíveis que o da administração centralizada. Como consequência da execução de serviços públicos, seus dirigentes e servido- res praticam, ordinariamente, atos administrativos e se sujeitam a mandado de segurança. 2) Atuação em nome próprio, sendo criada por lei especí- fica (art. 37, XIX da CF), e sua organização se faz por decreto, regulamento ou estatuto. Em face do princípio do paralelismo das formas, sua extinção também exigirá lei específica. Direito Administrativo 38 3) Patrimônio formado com a transferência de bens móveis e imóveis da entidade matriz, que se incorporarão ao pa- trimônio da nova pessoa jurídica. 4) Bens que se submetem ao regime de direito público, sendo, portanto, inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis. 5) Receitas e Orçamento próprios. Suas receitas não se con- fundem com as da administração direta e são geridas pela própria autarquia, isso redunda na chamada autonomia financeira. 6) Exigência de licitação nas contratações ou alienações. Salvo hipóteses de contratação direta expressamenteprevistas na Lei n. 8.666/93 e na lei de regência local. A mesma norma que disciplina as licitações da pessoa política será aplicável às contratações realizadas pela au- tarquia: a lei nacional (Lei n. 8.666/93), entretanto, sem prejuízo da lei local (estadual, municipal)3. Seus contra- tos são considerados, ordinariamente, contratos adminis- trativos. 7) Controle ou Tutela: A autarquia se submete ao controle administrativo do ente político que a tenha criado. Esse controle decorre da vinculação da autarquia com a admi- nistração direta e deve estar disciplinado em lei. O con- trole, todavia, não se confunde com a hierarquia. Daí o porquê do controle não poder interferir diretamente na vida da autarquia. 8) Seus servidores são titulares de cargos públicos ou em- pregos públicos, após se submeterem a concurso público. O regime jurídico dos servidores públicos das autarquias 3 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. (coleção sinopses) Capítulo 5 39 seria, em princípio, o estatutário, uma vez que a autar- quia se submete a um regime jurídico de direito público. Nos termos da redação originária do caput do art. 39 da Constituição Federal, exigia-se que os entes federa- dos estabelecessem regime jurídico único para os servi- dores de sua administração direta, das suas autarquias e das suas fundações públicas. Todavia, após a edição da Emenda Constitucional 19/98, o regime jurídico úni- co deixou de ser obrigatório. Passou a ser possível que uma mesma pessoa política admitisse, para os quadros funcionais de sua administração direta, autarquias e fun- dações públicas, agentes estatutários e agentes regidos pela CLT simultaneamente. Ocorre que, em 2007, o STF declarou inconstitucional a alteração produzida pela EC 19/98. Assim sendo, a partir de agosto de 2007, voltou a vigorar a redação original do caput do art. 39 da Cons- tituição Federal, que exige a adoção de um só regime jurídico por parte de cada ente da Federação aplicável a todos os servidores integrantes de sua administração direta, autarquias e fundações públicas4. De toda forma, para o desempenho das atividades próprias do Estado, como por exemplo, o exercício do poder de polícia, os servidores da autarquia terão, necessariamente, regime jurídico estatutário, vale dizer, disciplinado e dependente de cargos públicos criados por lei. As lides que envol- vam servidores autárquicos (regime estatutário) são de competência da Justiça Comum (no foro da pessoa polí- tica) ou da Justiça do Trabalho, se envolverem a relação de emprego (para os celetistas). Insta ressaltar que, da 4 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Admi- nistrativo descomplicado. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Método, 2011. Direito Administrativo 40 relação estatutária, não pode decorrer litígio de compe- tência da Justiça do Trabalho (STF, ADI n. 3.395). Esta determinação é aplicada inclusive para o caso de dissídio coletivo de greve. Afasta-se a competência da Justiça do Trabalho e ordena-se a aplicação subsidiária da Lei n. 7.701/88 à Justiça comum, assim tem entendido o STF (Rcl. 6.568/SP; AI 585.862/SP ambos de 2008)5. 9) Os atos que praticam seus dirigentes são ordinariamen- te atos administrativos e seus contratos submetem-se ao regime jurídico administrativo, embora possam praticar atos e firmar contratos também regidos pelo direito pri- vado. Os atos praticados por seus dirigentes admitem questionamento por meio de mandado de segurança e ação popular. Insta mencionar que, se explorarem ativi- dade econômica, devem se submeter ao mesmo regime das empresas privadas ou assemelhadas ao regime das empresas públicas. Contudo, as autarquias não devem explorar atividade econômica, mas sim as atividades próprias da pessoa política que as tenha criado6. Segundo Celso Spitzcovsky7, a responsabilidade pelas obri- gações contraídas pela autarquias a elas pertence, admitindo-se, no máximo, que o Estado seja chamado em caráter subsidiário. Importante salientar ainda que, em relação às autarquias recém- -criadas, o ordenamento jurídico as denomina de “agências regu- ladoras”. Não se submetem ao regime falimentar. 5 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. (coleção sinopses) 6 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. (coleção sinopses) 7 SPITZCOVSKY, Celso. Direito Administrativo. 3 ed. São Paulo: Editora Método, 2008. Capítulo 5 41 5.5. prinCipais privilégios Possuem privilégios iguais aos da entidade ou pessoa política a que se vinculam. São eles: 1) Imunidade Tributária – art. 150, § 2º, da C. F. Imunidade quanto aos impostos desde que incidentes sobre bens, rendas e serviços vinculados à sua finalidade essencial ou dela decorrentes. 2) Prescrição quinquenal. As ações em face das autarquias e seus débitos prescrevem em cinco anos (Decreto nº 20.910/32). 3) Privilégios processuais da Fazenda Pública fixados pelo CPC, em seu art. 188 (prazos, duplo grau de Jurisdição, cobrança de créditos por execução fiscal, e sujeição de seus débitos ao regime de precatórios). 5.6. agênCias rEguladoras, as quais tamBém têm naturEZa autárquiCa Em rEgimE EspECial As agências reguladoras têm natureza jurídica de autarquia de regime especial e são encarregadas do poder normativo nas concessões e permissões de serviço público, exercendo o poder que é conferido inicialmente ao poder público. As agências reguladoras têm inspiração no direito america- no no qual se identificam como qualquer autoridade pública. Lá, têm competência para editar normas jurídicas, como também atos administrativos, se o Estado, por meio do poder le- gislativo, lhes der essa competência. No direito norte-americano, as agências reguladoras só po- dem ser criadas pelo Poder Legislativo que lhes entregará fatias do poder que entenda lhes deva ser entregue. Direito Administrativo 42 A competência do Poder Executivo sobre as agências é apenas política, no sentido de que poderá coordenar as diferentes ações públicas com a política desenvolvida pelo governo. O motivo principal da criação dessas agências no direito norte-americano estava ligada à alta especialização dos diversos campos de atuação do Poder Executivo e ao entendimento de que, se houvesse possibilidade de agentes especializados, melhor seria a prestação dos serviços ou a fiscalização. No direito brasileiro, a fonte constitucional das ditas “agên- cias reguladoras”, seria o art. 21, XI e o art. 177, § 2º, III, da C.F. Essas agências, em razão da reforma do Estado ter transfe- rido para o setor privado a execução de serviços públicos, assumi- ram o papel de regulamentar, controlar e fiscalizar esses serviços, nos interesses dos usuários e da sociedade. A elas compete, portan- to, assumir nas concessões o mesmo papel que era desempenhado pela administração direta. As agências reguladoras têm natureza jurídica de autarquia sob regime especial, sendo entendido esse regime especial como o conjunto de privilégios específicos que a lei outorga à entidade para o desempenho de seus fins. Na hipótese das agências reguladoras criadas no âmbito da administração federal – Agência Nacional de Energia Elétri- ca (ANEEL); Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL); Agência Nacional de Petróleo (A.N.P.), Agência Nacional de Saúde Suplementar, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Agência Nacional de Águas, dentre outras, esses privilégios carac- terizam-se basicamente, por: 1) Estabilidade de seus dirigentes (mandato fixo) – arts. 5º, 6º e 9º da Lei nº 9.986/2000 – após nomeação pelo Pre- sidente da República e aprovação pelo Senado Federal; 2) Autonomia financeira (renda própria e liberdade de suaaplicação); Capítulo 5 43 3) Poder normativo (regulamentação das matérias de sua competência). Não existe, até o momento, uma lei específica que discipline todas essas agências. Em verdade, vêm sendo elas criadas por leis esparsas, com as Leis 9.427/96, 9.472/97 e 9.478/97, que instituí- ram a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL e a Agência Nacional de Petróleo – ANP. De todas elas, como salientado, apenas, a ANATEL (art. 21 XI) e a ANP (art. 177, §2 º, II) possuem fundamento constitucional. O regime especial a que são submetidas essas agências fun- damenta-se, precipuamente, na maior autonomia que lhes é confe- rida em face da administração direta, que se traduz na estabilidade de seus dirigentes e, sobretudo, no caráter final de suas decisões no âmbito da administração pública, uma vez que essas não podem ser revistas por outros órgãos ou entes administrativos. Sustenta-se que ditas agências reguladoras gozariam de certa independência, até mesmo em relação aos poderes do Estado. Em relação ao poder legislativo, porque disporiam de poder normativo; em relação ao poder executivo, porque suas decisões não poderiam ser por ele revistas; e em relação ao poder judiciário, porque dis- poriam da chamada doutrinariamente quase jurisdição, uma vez que resolvem os litígios no âmbito das concessões, permissões ou autorizações e entre eles e os usuários do serviço público. Essa pretendida independência de que gozariam as agências reguladoras inspiradas no modelo norte-americano, como adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro em estudo específico, há de se com- patibilizar com o regime constitucional brasileiro. Todavia, questiona-se o poder normativo deferido a essas agências, uma vez que no nosso ordenamento não se permite que obrigações, proibições ou constrangimentos ao administrado se fa- çam por outro meio senão pela lei, como traz o princípio da lega- lidade previsto no art. 5º, II, da C.F. Direito Administrativo 44 Daí por que Celso Antônio Bandeira de Mello alega que: “O verdadeiro problema com as agências reguladoras é o de se saber o que e até onde podem regular algo sem es- tar, com isto, invadindo a competência legislativa. Em linha de princípio, a resposta não é difícil. Dado o princípio constitucional da legalidade, e con- seqüente vedação a que atos inferiores inovem inicialmente na ordem jurídica, resulta claro que as determinações nor- mativas advindas de tais entidades hão de se cifrar a aspec- tos estritamente técnicos, que estes, sim, podem, na forma da lei, provir de providências subalternas, ao tratar dos re- gulamentos. Afora isto, nos casos em que suas disposições se voltem para concessionários ou permissionários de serviço público, é claro que podem, igualmente, expedir as normas e determinações da alçada do poder concedente. De toda sorte, é claro que ditas providências, em am- bas as hipóteses, sobre deverem estar amparadas em funda- mento legal, jamais poderão contravir o que esteja estabe- lecido em alguma lei ou por qualquer maneira distorcer-lhe o sentido, maiormente para agravar a posição jurídica dos destinatários da regra ou de terceiros; assim como não po- derão também ferir princípios jurídicos acolhidos em nosso sistema, sendo aceitáveis apenas quando indispensáveis, na extensão e intensidade requeridas para o atendimento do bem jurídico que legitimamente possam curar e ser obse- quiosas à razoabilidade. Desgraçadamente, pode-se prever que ditas “agên- cias” certamente exorbitarão de seus poderes. Fundadas na titulação que lhes foi atribuída, irão supor-se – e assim o farão, naturalmente, todos os desavisados – investidas dos mesmos poderes que as “agências” norte-americanas pos- suem, o que seria descabido em face do Direito Brasileiro, cuja estrutura e índole são radicalmente diversas do Direito norte-americano.” Capítulo 5 45 E também é importante chamar os ensinamentos de Lúcia Valle Figueiredo que com maestria escreveu: “O nosso ordenamento jurídico não permite que obri- gações, proibições, constrangimentos aos demais adminis- trados, façam-se por outro meio que não a lei (art. 5º, inciso II), obrigando-nos, destarte, a grande esforço de intelecção para o deslinde de quais sejam os limites do órgão regulador. De outra parte, permite o texto constitucional delega- ções do Legislativo ao Executivo, nos termos do art. 68 da Constituição da República. Porém, há todo um regime jurí- dico a ser observado, que, certamente, não é a hipótese das agências reguladoras.” “E mesmo para as que têm fundamento constitucio- nal, a competência reguladora tem que se limitar aos cha- mados regulamentos administrativos ou de organização, só podendo dizer respeito às relações entre os particulares que estão em situação de sujeição especial ao Estado. No caso da ANATEL e da ANP as matérias que podem ser por elas reguladas são exclusivamente as que dizem respeito aos res- pectivos contratos de concessão, observados os parâmetros e princípios estabelecidos em lei.” E ela conclui dizendo: “Concordamos inteiramente com a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que alega que: No Direito brasi- leiro as obrigações somente se criam por lei e o poder re- gulamentar do Presidente da República limita-se a fixar os parâmetros e os standards para a execução da lei, atribuição específica do Executivo. É certo, todavia, que se deve tentar entender os textos das emendas constitucionais, precisamente as que se referem expressamente a órgãos reguladores, como sendo a eles co- metidas as funções de traçar os parâmetros dos contratos de concessão, sempre submissos à lei. Direito Administrativo 46 Não pode, todavia, a lei lhes dar papel normatiza- dor em sentido estrito, o que, aliás, vem acontecendo com as agências americanas. Note-se que após uma bem maior liberdade outorgada pelo Legislativo às ditas agências (no Direito Americano) houve a percepção de que esse fato po- der-se-ia constituir em invasão das competências do Poder Legislativo.” Conclui-se, desta forma, que a competência normativa fica restrita aos termos de suas leis instituidoras e aos preceitos dos decretos regulamentadores expedidos pelo executivo. E se outro não for o parâmetro, o poder normativo será evi- dentemente inconstitucional. Por outro lado, pretender falar-se da independência dessas agências em face do Poder Judiciário é ignorar o princípio da ina- fastabilidade da jurisdição, consagrado no art. 5º, XXXV, da Cons- tituição Federal, que traz a seguinte redação: CONSTITUIÇÃO ART. 5º, XXXV “XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Nesse sentido, adverte a já citada Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Independência em relação ao Poder Judiciário pra- ticamente não existe; a agência pode dirimir conflitos em última instância administrativa, mas isso não impede e não pode ter o condão de impedir o controle de suas decisões pelo Poder Judiciário, tendo em vista a norma do art. 5º, XXXV, da Constituição, em cujos termos “a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Esse dispo- sitivo significa a adoção, no direito brasileiro, do sistema de unidade de jurisdição, ao contrário de outros países que Capítulo 5 47 seguiram o direito francês e adotaram o sistema da dualida- de de jurisdição, que admite, ao lado da jurisdição comum, a jurisdição administrativa, com competência para dirimir conflitos de interesses envolvendo a Administração Pública, com força de coisa julgada. Essa possibilidade não existe no direito brasileiro. Qualquer tipo de ato praticado pelas agên- cias reguladoras, desde que cause lesão ou ameaça de lesão, pode ser apreciado pelo Poder Judiciário.” Não há como negar, todavia,que possuem relativa inde- pendência em relação ao poder executivo, mas, assim mesmo, nos limites estabelecidos em lei. Se de um lado, como autarquias estão sujeitas a controle ou tutela, de outro, o regime especial lhes ga- rante mais autonomia, traduzida na impossibilidade de revisão ad- ministrativa de suas decisões e na estabilidade de seus dirigentes. 5.7. podEr rEgulador E CompEtênCia rEgulamEntar da agênCia rEguladora A competência para regular as relações de serviço entre prestadores e cessionários não se confunde com o poder regula- mentar atribuído exclusivamente ao Presidente da República (art. 84, IV, da C.F.). No direito brasileiro, como se viu, as obrigações só podem ser criadas por lei, e o poder regulamentar do Presidente da Repú- blica limita-se a fixar parâmetros e os “standards” para o cumpri- mento da Lei. Assim, às agências reguladoras caberia traçar parâmetros dos contratos de concessão, sempre submissos à lei. Em suma, a elas compete exercer as funções que o poder concedente exerce nos controles de concessão ou permissão ou Direito Administrativo 48 atos de autorização, regular os serviços, traçar os parâmetros dos contratos, aplicar sanções, intervir nas empresas concessionárias, encampar o serviço público, decidir o valor da tarifa, seu reajuste e revisão e, finalmente, em face do princípio da eficiência, zelar pela boa prestação do serviço público, inclusive, instituindo ouvidorias para que o usuário tenha canais institucionais em que possa mani- festar seu desagrado, denúncias e reclamações. Não pode, todavia, a lei lhes dar papel normatizador, como ocorre com as agências norte-americanas, nem poder regulamen- tar, porque essa competência é privativa do chefe do poder exe- cutivo. Costuma-se argumentar, no caso das agências com previsão constitucional – ANP e ANATEL –, que seu poder regulador foi deferido pelo constituinte e não pelo legislador ordinário. Mas essa circunstância implica reconhecer, em face do ordenamento consti- tucional brasileiro, que poderiam elas editar normas com força de lei ou exercer poder regulamentar que é competência do chefe do poder executivo? Evidentemente que não, porque essa interpretação se afas- taria dos fundamentais princípios da administração pública, o da legalidade e o pilar do estado de direito que é a separação de po- deres. Nesse sentido, mais uma vez, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, nos alerta que: “Como nunca existiram no Brasil entes com a deno- minação de órgão regulador ou agência reguladora, tem-se que entender que a expressão foi utilizada no sentido em que é usualmente empregada no direito estrangeiro, mais especi- ficamente no direito norte-americano. Não se pode entender que esses órgãos exerçam função legislativa propriamente dita, com possibilidade de inovar na ordem jurídica, pois isso contraria o princípio da separação dos poderes e a norma Capítulo 5 49 inserida entre os direitos fundamentais, no art. 5º, II, da Constituição, segundo a qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ao falar em órgão regulador, está a Constituição reconhecendo ao mesmo a possibilidade de regulamentar a lei a partir de conceitos genéricos, princípios, standards, tal como as agên- cias reguladoras norte-americanas.” Essa possibilidade de regulamentar a lei não se confunde com o poder regulamentar do chefe do poder executivo. Deve-se entender como a possibilidade de explicitação dos parâmetros téc- nicos dos contratos de concessão ou permissão. Ou ainda sintetizando o que citamos anteriormente da Pro- fessora Di Pietro: “E mesmo para as que têm fundamento constitucional, a competência regulamentadora tem que se limitar aos cha- mados regulamentos administrativos ou de organização, só podendo dizer respeito às relações entre os particulares que estão em situação de sujeição especial ao Estado. No caso da ANATEL e da ANP as matérias que podem ser por elas reguladas são exclusivamente as que dizem respeito aos res- pectivos contratos de concessão, observados os parâmetros e princípios estabelecidos em lei.” De todo modo, não se pode concluir que essa discricionarie- dade técnica deferida às agências reguladoras estejam, de algum modo, imunes ao controle jurisdicional. Esse sempre haverá, em face do princípio da inafastabilidade da jurisdição. 5.8. atividadE fisCaliZatória E sanCionatória quE têm Essas agênCias Cabem às agências reguladoras, respeitando o devido processo legal (Lei 9.784/99 – com as alterações dadas pela Lei Direito Administrativo 50 nº 12.008 de 2009), fiscalizar e punir administrativamente as em- presas que prestam serviços dados em concessão. 5.9. rEgimE JurídiCo do pEssoal Contratado Os servidores, em regra, são admitidos por concurso público (salvo acesso a cargos em comissão ou temporários) e se submetem ao regime estatutário (na Administração Federal – Lei n. 8.112/90). Ressalta-se que, inicialmente, o regime aplicável seria o da CLT (Lei n. 9.986/2000 – redação original). Essa disposição, como sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello é inconstitucional, uma vez que não pode haver ali, dada a natureza jurídica de autarquia, regime trabalhista puro, sem derro- gação pelos princípios de Direito Público. Tanto assim que o dispo- sitivo citado veio a ser suspenso na ADIn. 2.310-1 DF, pelo Ministro Marco Aurélio, que sustentou que a natureza da atividade desempe- nhada pelas agências demandava o regime de cargo público. Conquanto se possa admitir que a administração indireta contrate pelo regime celetista, essa possibilidade há de ser aferida em cotejo com os comandos constitucionais e não é opção discri- cionária do legislador infraconstitucional. Ainda que em regime especial, a agência tem natureza ju- rídica de autarquia, é pessoa jurídica de direito público e exerce função administrativa. 5.10. liCitação para as agênCias rEguladoras Como já citado, em verdade, as ditas agências reguladoras têm natureza jurídica de autarquias, logo, se submetem integral- mente a um regime jurídico de Direito Público. Capítulo 5 51 Em consequência, na aquisição de mercadorias, bens e ser- viços, não podem se furtar ao regime licitatório estabelecido na lei própria (Lei 8.666/93 – com as alterações da lei nº 12.349, de 2010). Não são poucas, todavia, as manobras pretendidas por ad- ministradores públicos inescrupulosos de modo a se furtarem ao princípio moralizador da contratação com a administração pública. Ilustra-se, a título de exemplo, a lei que criou a Agência Nacional de Petróleo, segundo a qual, para aquisição de bens e serviços, a Petrobrás licitará nos termos definidos por decreto do Presidente da República (art. 67 da Lei). Como é evidente, o processo licitatório se regula por lei, por- que assim o diz o artigo 37, XXI, da Constituição Federal. Disso decorre, como a mais elementar das verdades que não pode ele ser regrado por ato administrativo, ainda que o diga a lei que, nesse aspecto, padece de evidente inconstitucionalidade. Daí o porquê de Celso Antônio Bandeira de Mello concluir em definição que: “Sabendo-se, como se sabe, que a legislação de licita- ção é instrumento prestante para coibir favoritismos e cor- rupção nas licitações, em benefício de uma escolha respeito- sa da isonomia e preordenada a obter o melhor negócio para o contratante governamental, entregar a disciplina delas ao próprio Poder Executivo ou às entidades que as vão realizar, como previsto tanto na lei da ANATEL quanto na da ANP, é praticamente escancarar as portas para que sejam reguladas em termos propiciatórios de tudo aquilo a que se quer obstar e é, em suma, contravir a própria razão do art. 37, XXI, da Constituição Federal, o qual, desenganadamente, pressupõe lei, e não
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