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Artigos, Pareceres, Memoriais e Petições
O Princípio Democrático – Uma visão crítica
Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Advogado, doutor em direito administrativo, Professor licenciado do Unicentro Newton Paiva - MG,
Professor de direito administrativo na graduação e Coordenador da Pós-Graduação do Curso de
Direito da UNIVAG – MT
O tratamento do tema democracia deve levar ao fundamento do princípio que possibilita a participação popular
na escolha da vontade comum, das decisões fundamentais e do destino de um grupo social politicamente
organizado.
Os aspectos históricos contemporâneos e de futuro da democracia serão abordados para permitir uma
compreensão mais detalhada do tema e seus reflexos na vida de cada um. Também poderão ser apontados
caminhos de reflexão para a abordagem da participação popular no destino e nas decisões políticas mais
importantes de todas as sociedades atuais.
As grandes transformações pelas quais passa a humanidade atual levam a um tratamento crítico da própria
organização política de grupos humanos pela via da chamada "democracia de maioria". A dúvida está em saber
se os fundamentos democráticos estão sendo observados para o bem comum, ou estão permitindo, inclusive, a
dominação política e econômica de povos inteiros.
Deve-se questionar, ainda, se a expressão "democracia" e seu significado decorrente tão utilizados em discursos
de toda a espécie no século XX não foi utilizada simplesmente para eliminar as pessoas simpatizantes ao
socialismo soviético ou que não concordavam com a crescente dominação mundial hegemônica estadunidense.
Neste ponto em particular, deve-se questionar, já no início do século XXI, os massacres humanos realizados pelo
poderio bélico estadunidense em países como Afeganistão e, mais recentemente, Iraque.
O questionamento de se a simples possibilidade do povo escolher os seus governantes representaria o melhor
caminho para a nação ou a perpetuação no poder de uma elite oligárquica que nega aos cidadãos, por meio de
suas ações e omissões, o acesso às mais básicas necessidades deve também ser realizado.
Pergunta-se, afinal, a respeito das pessoas que exercem o seu direito de sufrágio, se estariam elas exercendo a
mais básica cidadania ou simplesmente votando nos candidatos que pelas mais diferentes maneiras lhe
prometeram ou possibilitaram ganhos fáceis e rápidos.
Todos os questionamentos realizados devem ser levados em efeito para chegar-se a um entendimento crítico a
respeito do princípio democrático que permita vislumbrar-se caminhos mais adequados à vida humana. Deverão
estas indagações permitir uma abordagem que possa levar em conta a natureza humana e social apta a levar em
conta todos os pontos capazes de propiciar uma vida melhor para todos.
A vida em sociedade pressupõe organização. O ser humano não tem em sua natureza o viver isolado. A vida
social é uma necessidade que decorre do próprio instinto de sobrevivência. Em razão disto, os seres humanos,
assim como os outros seres vivos, reúnem-se em grupos. Os grupos humanos são chamados de sociedades.
Estas, por sua vez, são compostas e organizadas por meio de normas e regras que condicionam os
comportamentos individuais de todos os seus componentes.
As normas podem ser consideradas preceitos ou regras de proceder que vão tolher, que vão limitar e condicionar
o comportamento dos indivíduos de cada grupo social. As regras também podem ser entendidas como modelos
de conduta ou de proceder. Elas também garantirão frutos positivos aos que cumprirem seus preceitos.
Revista Jurídica Virtual - Brasília, vol. 5, n. 53, out. 2003
O estabelecimento de normas significa restringir a liberdade de cada indivíduo dentro da vida social. Além de
serem estabelecidas as normas, também haverá a fiscalização e o cumprimento coercitivo, forçado de todas
elas. É o estabelecimento dos limites que possibilitam a vida em harmonia de um grupo de pessoas. É o
estabelecimento do poder.
O princípio democrático é aquele que requer a participação de todos os componentes de um dado grupo social
para a escolha da vontade da maioria. Quando se fala em todos os componentes, quer-se dizer todos os
componentes que reúnam condições legais de exercício do direito de sufrágio, ou seja, todos os indivíduos que
capazes de votar. No Brasil são eles os maiores de 16 anos que podem, os maiores de 18 que devem votar e,
por último, os também maiores de 70 anos também podem optar por continuar a exercer o direito do voto,
mesmo não sendo mais obrigados a faze-lo.
Já em outros países, os seus cidadãos são eleitores mas não são obrigados a votar nas eleições periódicas. Isto
acaba por legitimar ou não os candidatos eleitos, de acordo com o número das pessoas que efetivamente
votaram.
As eleições populares devem representar a vontade da nação, ou seja, do povo de um país. Em função disto, o
ser eleitor significa ter a própria nacionalidade daquele país. Os direitos políticos de votar e ser votado encontram
restrições, inclusive, para os naturalizados que não podem ser eleitos para determinados postos políticos –
normalmente os principais.
Um outro problema que se apresenta atualmente é, dentro da União Européia, por exemplo, cidadãos originários
de Estados como o de Portugal, votarem em regiões francesas ou alemãs nas quais fixaram residência ou
trabalho. O que acontece é que os próprios Estados nacionais estão perdendo poder para as grandes
corporações multinacionais e sendo forçados a reunirem-se em grandes blocos econômicos como a União
Européia, Mercosul ou outros.
A questão do princípio democrático remonta aos componentes do Estado – povo, território e governo soberano
que cumpre as leis que ele mesmo criou – para exigir a participação deste mesmo povo para formar o seu
próprio governo e participar ou apenas opinar da administração dos rumos do governo da nação.
A observação da história da humanidade leva à conclusão que o estabelecimento da democracia como regime
político foi uma conquista lenta, paulatina e ainda incompleta.
Remonta o princípio democrático à Grécia Antiga, em cujas "Cidades Estado" seus cidadãos se reuniam nas
praças públicas para deliberarem e decidirem a respeito dos destinos da mesma. Note-se que nem todos os
seus habitantes eram cidadãos – que podiam votar.
Com o passar do tempo, surgiram as sociedades politicamente organizadas, os Estados como pensados por
Platão. Nelas o poder social ou o governo restava nas mãos de uma só pessoa – a monarquia – de um grupo de
pessoas – a aristocracia – ou nas mãos de todo o povo – a democracia. Muitas delas sofreram os efeitos do
"circulo eterno" que o pensador imaginava capaz de fazer com que as formas de governo e os governos
propriamente ditos fossem cada um pior do que o seu antecessor. As aristocracias tornaram-se oligarquias, as
monarquias tiranias, as politéias democracias. Já a timocracia era a forma de governo que fazia a transição
entre as constituições ideais e as formas ruins. (1)
É sabido que Platão punha-se contrário à democracia como forma de governo em função de ser a mesma o
governo do povo, o governo de muitos. Para o filósofo grego somente os mais bem preparados, os que
contassem com mais tempo de estudo estavam aptos a governar. O povo era importante apenas como classe de
artífices, artesãos e agricultores responsáveis pela própria manutenção da cidade. Não teria preparação
suficiente para governar.
O que na Grécia era conhecido por democracia pode ser apelidado de república em Roma. Ou seja, a
participação dos cidadãos na vida pública aconteceu em Roma com o seu período republicano.
Para Robert Dahal, autor estadunidense, a democracia grega era o mesmo que a república romana. (2)
Revista Jurídica Virtual - Brasília, vol. 5, n. 53, out. 2003
Com o decorrer da história, no entanto, o princípio democrático de participação popular no poder político foi
tomando consistência nas lutas travadas em diferentes regiõese países do mundo e ganhou aceitação como o
mais apropriado e que melhor corresponde aos anseios das coletividades.
Infelizmente, porém, práticas diversas tornaram as oligarquias no poder irremovíveis em diferentes países.
Nestes grupos restritos, o poder político é mantido com o auxílio de práticas eleitorais duvidosas, domínio
político e grandes somas de capital provenientes dos mais diferentes setores econômicos. Uma vez instalados no
poder, tais grupos contam com tudo o que lhes permite nele se manter.
Outro ponto a ser abordado é o da dominação política e econômica que certas potências mundiais
pretensamente democráticas em relação aos países pobres ou em desenvolvimento.
Após sofrerem um bárbaro ataque terrorista na cidade de Nova York, os Estados Unidos da América se auto-
proclamaram defensores da humanidade na luta contra o terrorismo. Com o pretexto de destruir organizações
terroristas, governos despóticos e instalar o regime democrático nas regiões do Afeganistão e Iraque, os EUA
atacaram militarmente os países em questão, com um saldo desconhecido mas não desprezível de mortos. Por
traz de tudo o que foi feito está a necessidade de controlar traficantes de ópio, ter domínio sobre uma região em
que vão ser instalados oleodutos norte-americanos para o transporte de petróleo e, finalmente, controlar as
reservas de petróleo iraquianas.
A história brasileira recente, sem falar de outros países latino-americanos, é um rico campo de dados no tocante
ao que os Estados Unidos da América fizeram para evitar que, por exemplo, nós corrêssemos o risco de nos
aproximarmos da União Soviética e do socialismo. Recentemente foram liberados pelo governo norte-americano
relativos à chamada "operação condor", na qual eram desenvolvidos esforços comuns entre as ditaduras
militares sul-americanas na caça aos militantes de esquerda contrários a estes regimes militares fortemente
apoiados pelos EUA. Também podemos descobrir o imperialismo das antigas potências em nossa história
recente, sendo um exemplo a Inglaterra.
A própria monarquia portuguesa aqui instalada que nos deu o Império brasileiro foi avessa às idéias do
constitucionalismo consagrado com as revoluções burguesas dos EUA e França. Tanto é assim que pressionado
para criar a nossa Constituição, o Imperador não manteve o Poder Constituinte democrático e outorgou a Carta
de 1824.
A partir da República, nascida de um golpe militar, foi finalmente promulgada a nossa primeira constituição em
1891. Nela era assegurado o direito ao voto. Reformada em 1926 com preocupações no tocante aos excessivos
gastos públicos, a Carta de 1891 não conseguiu evitar que as oligarquias rurais dominassem o poder político até
outubro de 1930.
O princípio democrático já sofria então com práticas eleitoreiras que mascaravam a representatividade popular.
Depois da tomada do poder por Getúlio Vargas, então, a democracia brasileira sofreu outro revés, haja vista a
ditadura getulista que se prolongou até 1945, ultrapassando, inclusive, a vigência de duas Constituições (1934 e
1937).
A Constituição de 1934 era avançada nos direitos sociais e sofreu influência, dentre outras, das Constituições do
México de 1917 e de Weimar, na Alemanha de 1919. Já a Carta Magna de 1937 representou uma reafirmação do
poder central e simples instrumento a favor da ditadura getulista.
Após longo período ditatorial, a democracia foi restabelecida com a promulgação da Constituição de 1946 – por
sinal uma das mais bem elaboradas e avançadas no tocante a conquistas democráticas e sociais. Só é
lamentável que a mesma não tenha podido ser aplicada inteiramente no Brasil por razões de diferentes
espécies. Podemos exemplificar com a sua não regulamentação integral ou a sua substituição pela Constituição
outorgada em 1967 pelo governo dos militares.
Em 1964, como se sabe, a democracia foi mais uma vez solapada e, principalmente no fim da década de
sessenta, novamente sofríamos o revés de um governo ditatorial. A Constituição de 1967 fora outorgada com a
participação de um Congresso Nacional totalmente submisso ao Executivo – onde apenas aprovou o texto
Revista Jurídica Virtual - Brasília, vol. 5, n. 53, out. 2003
imposto pelo governo, assim como a Emenda 1 de 1969 e o ato institucional nº 5, de lamentável memória do
povo brasileiro.
O mais grave é que a ditadura militar, agindo em nome do princípio democrático e recebendo as imposições
estadunidenses, perseguiu, torturou e eliminou muitos cidadãos nacionais que sonhavam com a implantação do
socialismo no Brasil, ou simplesmente com um país mais justo. As seqüelas nas pessoas torturadas naquela
época lamentável ainda persistem e durarão muitas gerações para serem eliminadas de nossa memória. O pior é
que tudo foi feito em nome da democracia.
À medida que os anos se passaram, nota-se que a população de grande parte dos países conhecidos tem pouco
ou quase nenhum acesso a informações, à educação e ao desenvolvimento humano e científico para que
possam escolher melhor os seus governantes. À medida que as pessoas lêem menos, piores governantes são
eleitos; à medida que os candidatos escolhidos o são por meios de convencimento nada recomendáveis, mais
ameaçadas estarão a democracia e as respectivas sociedades.
No início de mais um século e de mais um milênio, vencida a guerra-fria entre capitalistas e socialistas, a
pergunta que se faz é a seguinte:
Será que alcançamos a tão sonhada harmonia social, política e econômica que só a democracia poderia fazer os
países conquistarem?
Infelizmente, apesar de quase todos os países existentes hoje se auto proclamarem democráticos, ainda
estamos muito longe de uma verdadeira democracia na qual as vontades do povo prevaleçam sobre tudo.
Cuiabá, maio de 2003.
______________________________________________________________
(1) COSTA, Nelson Nery. Curso de Ciências Políticas. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 34.
(2) DAHAL, Robert. Democracia, Brasília: UNB, 2002.
 
Revista Jurídica Virtual - Brasília, vol. 5, n. 53, out. 2003

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