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Politicas de enfrentamento ao heterossexismo

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Políticas de enfrentamento ao heterossexismo: corpo e prazer
Organizador: Fernando Pocahy
Políticas de enfrentamento ao heterossexismo: corpo e prazer
Organizador: Fernando Pocahy
1ª edição
Porto Alegre, 2010
Políticas de enfrentamento ao heterossexismo: corpo e prazer
Organizador: Fernando Pocahy
Edição: nuances - grupo pela livre expressão sexual 
e nupsex - Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero (ufrgs)
Este livro não pode ser comercializado. Sua distribuição é gratuita.
Catalogação-na-Publicação
Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da BIBPSICO/UFRGS
Arte: Luis Gustavo Weiller
Editoração de capa: Perseu Pereira
Diagramação: BHZ Design
P779 Políticas de enfrentamento ao heterossexismo : corpo e
 prazer / organizador Fernando Pocahy. — Porto Alegre : NUANCES, 2010.
 176 p.
 Resultante do Seminário que guarda o título do livro, e que teve lugar entre 
 os dias 6, 7 e 8 de agosto de 2008 na Faculdade de Educação da Universidade 
 Federal do Rio Grande do Sul.
 ISBN 978-85-60658-03-9
 1. Homossexualidade. 2. Sexualidade. 3. Gênero. 4. Corpo. 
 5. Direitos humanos. I. Pocahy, Fernando. II. Seminário
 Políticas de Enfrentamento ao Heterossexismo (2008 : Porto Alegre, RS).
 
 CDD 306.76
Instituições parceiras
Igualdade – Associação de Travestis e Transexuais do RS
Liga Brasileira de Lésbicas – Região Sul
cesec – Centro de Estudos de Cidadania e Segurança (Univ. Cândido Mendes/RJ)
clam – Centro Latino-americano em sexualidade e direitos humanos (ims/uerj)
acadepol - Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul
esp - Escola de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul
geerge – Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero (ufrgs)
nupacs - Núcleo de Pesquisas em Antropologia do Corpo e da Saúde (ufrgs)
nupsex - Núcleo de Pesquisas em Sexualidade e Relações de Gênero (ufrgs)
Secretaria Especial dos Direitos Humanos
Agradecimentos
O nuances – grupo pela livre expressão sexual expressa agradecimento a 
todas as pessoas e instituições que se engajaram na realização do Seminá-
rio Políticas de enfrentamento ao heterossexismo: Corpo e Prazer e que 
fizeram deste evento um espaço de reencontro e novidade, cuja memória 
permanece viva nessa publicação.
Encorajados pelo apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 
através Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, 
Bissexuais, Travestis e Transexuais – lgbt, Programa Brasil sem Homofo-
bia, reunimos em Porto Alegre pessoas que, cada uma a seu tempo e mo-
mento, dialoga(ra)m e/ ou colabo(ra)ram com a atuação do grupo nuances 
e/ou que estão presentes no debate acadêmico e militante sobre sexualida-
de, gênero e direitos humanos.
A oportunidade de realizarmos o evento e esse livro com recursos públi-
cos reflete mais do que um momento político. Ela diz respeito aos esforços 
de muitas pessoas no processo de construção da democracia em nosso país. 
Gênero, sexualidade e raça/etnia são mais do que temas de sociedade, eles 
são dimensões políticas sem as quais não podemos pensar o Brasil.
Nosso especial agradecimento à sedh pelo financiamento deste proje-
to, bem como pela parceria; a Rodrigo Lopes pela curadoria da exposição 
“Lampião da Esquina” que teve lugar durante o evento; à Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul, em particular à Faculdade de Educação e ao 
geerge – Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero que não 
somente acolheram e ofereceram a estrutura para a realização do encontro, 
mas abriram possibilidades de diálogo com a comunidade acadêmica ao 
sediar o evento e ao hospedar a exposição comemorativa aos trinta anos 
Sumário
Apresentação • 11
Fernando Pocahy
Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil • 13
Júlio Assis Simões
Direitos Humanos, Direitos Sexuais e Homossexualidade • 35
Roger Raupp Rios
Políticas e Direitos Sexuais no Brasil Contemporâneo • 45
Sérgio Carrara
Pouco saber para muito poder: a patologização do gênero • 61
Berenice Bento
Plurais na singularidade – reflexões sobre travestilidades, desejo 
e reconhecimento • 75
Larissa Pelúcio
Impasses contemporâneos do protagonismo lésbico: 
para além da inversão da sigla • 85
Guilherme Silva de Almeida
Políticas para “lésbicas” e para “sapatões”: 
diversidade, diferenças e o enfrentamento ao heterossexismo • 103
Regina Facchini
Respostas do movimento glbt à homofobia 
e a agenda da segurança pública • 125
Silvia Ramos
Sexualidades minoritárias e educação: novas políticas? • 143
Guacira Lopes Louro
Educação, heterossexismo e homofobia • 151
Henrique Caetano Nardi
de surgimento do Jornal Lampião da Esquina; ao Setor de Apoio a Eventos 
da Faculdade de Educação, pelo apoio técnico e por todas as gentilezas; e 
muito particularmente ao Núcleo de Pesquisas em Sexualidade e Relações 
de Gênero - nupsex/ufrgs que colaborou com a edição deste livro.
Nossos agradecimento a todas as instituições parceiras e suas/seus re-
presentantes, sem as/os quais este evento não teria encontrado a repercus-
são e a notoriedade que se produziram: Igualdade – Associação de Traves-
tis e Transexuais do RS, Liga Brasileira de Lésbicas – Região Sul, geerge 
– Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero (ufrgs), nup-
sex – Núcleo de Pesquisas em Sexualidade e Relações de Gênero (ufrgs), 
nupacs – Núcleo de Pesquisas em Antropologia do Corpo e da Saúde 
(ufrgs), clam – Centro Latino-americano em sexualidade e direitos hu-
manos (ims/uerj), cesec – Centro de Estudos de Cidadania e Segurança 
(Universidade Cândido Mendes/RJ), Academia de Polícia Civil do Estado 
do Rio Grande do Sul e Escola de Saúde Pública do Estado do Rio Grande 
do Sul.
A todas as pessoas que estiveram presentes nessa jornada deixamos re-
gistrado neste livro imagens e vozes de um encontro animado pela ética e 
pala solidariedade, vigoroso em sua potência de idéias e em seu compro-
misso com a democracia e a dignidade humana. 
Muito obrigada/o! 
Ativistas do nuances
13Apresentação
Apresentação
O nuances tem o prazer de apresentar-lhes a publicação Políticas de En-
frentamento ao Heterossexismo, resultante do Seminário que guarda o tí-
tulo do livro, e que teve lugar entre os dias 6, 7 e 8 de agosto de 2008 na 
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 
O evento contou com a presença de ativistas, pesquisadoras/res, estudan-
tes e representantes da gestão pública, entre outras pessoas implicadas em 
pensar/viver modos de desafiar as formas culturais e políticas do heteros/
sexismo. 
Esta ação, entre tantas outras já realizadas pelo grupo nuances, reflete a 
trajetória de um grupo de ativistas que em seus 20 anos de existência sem-
pre buscou promover amplo e radical debate sobre as formas de produção 
de desigualdade social, denunciando e agindo diante dos processos de nor-
malização das possibilidades de experimentação do corpo e das formas de 
produção de prazer (particularmente a sexualidade).
O projeto deste evento foi realizado através de Convênio com a Secre-
taria Especial dos Direitos Humanos e articulado a diversas parcerias ins-
titucionais em âmbito local e nacional. Este seminário se constituiu como 
uma estratégia de ampliação e fortalecimento de alianças no campo acadê-
mico, militante e de gestão pública. E no instante em que nos dispusemos 
a refletir e agir diante da imposição dos binarismos, das classificações e 
dos sistemas de oposição que determinam os lugares que uns e outros/as 
podem ocupar em nossa sociedade, a partir das representações de gênero 
e da sexualidade (em interseccionalidade com outros marcadores sociais), 
acionamos coletivamente (especialmente no debate entre Universidade e 
Movimento Social) uma crítica às epistemologiasnormativas que cercam o 
mundo e que dão garantias às diversas formas de exclusão.
15Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
Ao propormos a veiculação do conceito de heterossexismo, amplamente 
citado e tensionado no evento e presente nos artigos que seguem, não tive-
mos a intenção de esvaziar a força política que construímos no movimento 
lgbt através da palavra homofobia (e de suas particularidades l/g/b/t-
fobia). No entanto, o que arriscamos nessa revisão e ampliação do conceito, 
foi uma forma de evidenciar ainda mais um tipo de violência e de hierar-
quização das relações sociais que se produz nos domínios da sexualidade 
- amalgamada a representações fixas e hierarquizadas de gênero. 
O heteros/sexismo não diz respeito somente a lésbicas, travestis, tran-
sexuais, gueis ou bissexuais. Esta forma de discriminação diz respeito ao 
modelo de sociedade que vivemos. Ela opera muitas vezes de forma sutil na 
maioria das vezes, mas por outras em gritante manifestação, trabalhando a 
conferir inteligibilidade social a partir da suposta naturalidade e evidente 
status da heterossexualidade. Esta forma compulsória atribui sentidos às 
formas de viver a sexualidade e o gênero, sendo construída e reiterada “na-
turalmente” por discursos científicos, culturais e/ou religiosos fundamen-
talistas; discursos estes que criam e favorecem condições para a banalização 
da violência que se materializa em desqualificações, negligências, descaso, 
insultos, constrangimentos, agressões físicas, tortura e através de assédios 
de toda ordem. Não faltam violações de direitos e, terrivelmente, a violên-
cia letal nestes jogos de subordinação e de controle da vida. De uma forma 
mais ampla, um dos efeitos diretos desse tipo de norma e consequente dis-
criminação é o enfraquecimento da democracia. 
Resultado de um ardente e vigoroso debate, trazemos aqui nesta publicação 
algumas provocações a que pensemos na multiplicidade das formas com as 
quais nós podemos arriscar alguma virada nestes jogos de assujeitamento-
objetificação que envolvem sexualidade e gênero. E nós podemos começar este 
debate revisitando a história presente em nossas próprias lutas e os desafios 
sobre o reconhecimento social que desejamos, perguntando-nos como ele se 
produz e como é negociado em termos de política de identidade. 
Tenhamos um bom (re)encontro e boas inquetações nesta leitura.
Fernando Pocahy
nuances/ ppgedu-ufrgs(geerge/nupsex)
Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
Júlio Assis Simões1
Escrever sobre a história do movimento lgbt no Brasil é tarefa prazerosa e 
relevante, mas ao mesmo tempo temerária. Trata-se de cobrir um período 
relativamente curto, mas também intenso, em que os primeiros grupos de 
militância homossexual, auto-sustentados e de organização despojada, sur-
gidos no final dos anos 1970, deram lugar ao cenário atual de redes nacionais 
de entidades ativistas lgbt e seus variados vínculos com o Estado e com o 
movimento internacional. Hoje, o Brasil aparece como o país que mais re-
aliza Paradas do Orgulho lgbt, e o movimento lgbt parece ter-se tornado 
responsável pelas maiores manifestações públicas de massa no País. 
Devo dizer que minha participação direta nessa história foi bem mo-
desta, como membro do grupo Somos, no remoto ano de 1979; e minha 
maior contribuição ao movimento talvez tenha sido coletar um punhado 
de assinaturas de meus professores na Faculdade de Filosofia, Letras e Ci-
ências Humanas da usp, onde eu era aluno do curso de Ciências Sociais, 
para um abaixo-assinado em defesa dos editores do jornal Lampião, que 
então sofriam um processo na Justiça por ofensa à moral e aos bons cos-
tumes. É verdade que assisti a dezenas de longas reuniões de grupo, e para 
isso até estava calejado, tendo em vista as outras tantas dezenas de assem-
bléias estudantis que já tinha frequentado naquele agitado final de década 
de 1970. Mas, depois desse breve período de militância, apenas acompanhei 
de longe os esforços de vários dos amigos que fiz no movimento, alguns já 
não mais presentes entre nós, que prosseguiram em várias outras frentes 
1 Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Professor do Departamento de 
Antropologia da usp.
16 Júlio Assis Simões 17Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
de batalha, no combate à pandemia do hiv-Aids e nas tentativas de recriar 
espaços de sociabilidade e discussão sobre homossexualidade e diversida-
de sexual. Depois ainda, acompanhei o trabalho militante e investigativo 
de pessoas mais jovens, alguns quase alunos que viraram grandes amigos, 
como Regina Facchini, que se tornou uma pesquisadora de referência no 
campo e com quem fui estimulado a escrever recentemente um pequeno 
livro sobre esse assunto2. Foi essa experiência e a rememoração por ela pro-
porcionada que me deu alento para aceitar esta incumbência, atendendo ao 
convite dos caros e caras ativistas do grupo Nuances. 
Não é possível contar a história inteira no espaço que disponho. Só po-
derei apresentar contornos dessa trajetória, passando em grandes pincela-
das por suas fases, e chamar a atenção para as mudanças sociais e políticas 
mais amplas que moldaram as formas de organização e atuação do movi-
mento. Como todo mundo que fala sobre esse assunto deixa transparecer 
suas próprias experiências e preferências, vou acabar dando mais espaço 
à primeira fase do movimento, porque me sinto mais à vontade para falar 
dela, por tê-la vivido mais de perto. Ainda assim, gostaria também de in-
cluir, mais ao final, algumas reflexões em torno do processo contemporâ-
neo de constituição do cidadão lgbt como sujeito de direitos e dos desafios 
que têm sido postos ao movimento atual.
Vou adotar aqui a convenção, seguida por vários estudiosos3, de que 
o desabrochar de um movimento homossexual no Brasil se deu no final 
da década de 1970, com o surgimento de grupos voltados explicitamente 
à militância política, formados por pessoas que se identificavam como ho-
mossexuais (usando diferentes termos para tanto) e buscavam promover e 
2 Julio Assis Simões e Regina Facchini, Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao lgbt. São 
Paulo: Edtora Fundação Perseu Abramo, no prelo.
3 A literatura disponível converge ao considerar o final dos anos 1970 como marco do surgimento de 
“movimento homossexual” no Brasil. Ver, entre outros: Peter Fry, Da hierarquia à igualdade: a cons-
trução histórica da homossexualidade no Brasil. In: Para inglês ver: identidade e política na cultura 
brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, pp. 87-115; João Silvério Trevisan, Devassos no paraíso. 3ª. ed. Rio 
de Janeiro, Record, 2000; Edward MacRae. A construção da igualdade: identidade sexual e política no 
Brasil da “Abertura”. Campinas, Ed. da Unicamp, 1990; Cristina Câmara, Cidadania e orientação sexual: 
a trajetória do grupo Triângulo Rosa. Rio de Janeiro, Ed. Academia avançada, 2002; Cláudio Roberto da 
Silva, Reinventando o sonho: história oral de vida política e homossexualidade no Brasil Contemporâneo. 
Dissertação de Mestrado. São Paulo, usp, 1998; James Green, Além do carnaval: a homossexualidade 
masculina no Brasil do século XX. São Paulo, Ed. da Unesp, 2000; James Green, “Mais amor e mais te-
são”: a construção de um movimento brasileiro de gays, lésbicas e travestis. cadernos pagu, 15, 2000, pp. 
271-295; Regina Facchini, Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas 
nos anos 90. Rio de Janeiro, Garamond, 2005; Gláucia Elaine Silva de Almeida. Da invisibilidade à vul-
nerabilidade: percursos do “corpo lésbico” na cena brasileira face à possibilidade de infecção por dst e Aids. 
Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, ims/uerj, 2005; Carlos Figari, @s outr@s cariocas. Belo Horizonte, 
Ed. da ufmg; Rio de Janeiro, iuperj. 2007.
difundir novas formas de representação da homossexualidade,contrapos-
tas às conotações de sem-vergonhice, pecado, degeneração e doença. Con-
siderando tais características – de aglutinar pessoas dispostas a declarar sua 
homossexualidade em público e que se apresentavam como parte de uma 
minoria oprimida em busca de alianças políticas para reverter essa situação 
de preconceito e discriminação –, podemos dizer que o movimento políti-
co em defesa da homossexualidade no Brasil completou 30 anos. O marco 
consagrado nessa historiografia particular é a formação do grupo Somos, 
em São Paulo, em 1978, à mesma época em que era lançado o Lampião, jor-
nal em formato tablóide que se voltava para um enfoque acentuadamente 
social e político da homossexualidade.
Isso posto, devemos ter em conta que a história das associações de pes-
soas que têm a homossexualidade como um aspecto compartilhado em 
suas vivências é, contudo, muito mais antiga e diversificada no Brasil. Nem 
sempre essas associações assumiram caráter político e, muitas vezes, nem 
mesmo tiveram a homossexualidade como foco aglutinador, embora te-
nham sido veículos importantes para sua expressão social – como é o caso, 
por exemplo, dos fãs-clubes de famosas cantoras da música popular, desde 
a era do rádio até hoje. 
Não há espaço aqui de retroceder tanto no tempo, e dar a essa “movi-
mentação homossexual” do passado o lugar devido. Cabe lembrar, de todo 
modo, que a década de 1970, que se inicia no Brasil sob o jugo da ditadura 
escancarada e que corresponde aos nossos “anos de chumbo” – o período 
mais violento de perseguições, torturas e assassinatos cometidos pelos ór-
gãos da repressão política e por seus braços paralelos que faziam cair seu 
peso sobre os costumes – foi também, paradoxalmente, um tempo de gran-
de efervescência artística e de contestação cultural no País, culminando no 
amplo movimento político de oposição à ditadura, no seio do qual, justa-
mente, irá brotar o então chamado movimento homossexual. Trata-se de 
um momento marcado pela contracultura, pelo desbunde e sua concomi-
tante conversão em formas de consumo de massa; pelo reaparecimento do 
movimento estudantil e sindical; por uma intensa atividade de grupos de 
esquerda (ainda que na clandestinidade); e pelo surgimento e visibilidade 
das versões modernas do movimento feminista e do movimento negro. Foi 
também um tempo em que espaços públicos de sociabilidade homossexual 
começaram a se tornar mais visíveis e ruidosos, especialmente nas grandes 
cidades. Tempo de “explosão discursiva” sobre as homossexualidades, para 
além dos tradicionais jornais caseiros, alcançando a grande imprensa e o 
18 Júlio Assis Simões 19Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
mercado editorial. Tempo em que as homossexualidades saíram do armário 
não só para ir ao bar e à festa, mas também à assembléia e à reunião de pauta.
Libertários e despojados
O jornal Lampião e o grupo Somos, de São Paulo, são reconhecidos hoje 
como expressões modelares da primeira onda de ativismo homossexual no 
Brasil. Formados praticamente ao mesmo tempo, tiveram ambos uma exis-
tência curta. Lampião4 durou de abril de 1978 a junho de 1981, publicando 
37 edições mensais em pouco mais de três anos de existência. O Somos du-
rou um pouco mais, cerca de cinco anos de 1978 a 1983. Mas talvez o grande 
período para ambos tenha sido o ano e meio, que vai de fevereiro de 1979 
a junho de 1980.
Essas datas marcam o auge da atuação do grupo Somos. Em fevereiro 
de 1979 deu-se o seu aparecimento público numa semana de debates sobre 
“movimentos de emancipação de grupos discriminados” promovida pelos 
estudantes do Centro Acadêmico do curso de Ciências Sociais da Univer-
sidade de São Paulo, quando o grupo foi batizado como “Somos” – nome 
que, além de suas propriedades palindrômicas, evocava o jornal publica-
do pela extinta Frente de Libertação Homossexual da Argentina. Na outra 
ponta, em junho de 1980, acontecia a principal ação pública dos militantes 
homossexuais da época: um ato público realizado em frente ao Teatro Mu-
nicipal de São Paulo, que reuniu o já então fragmentado Somos e represen-
tantes dos movimentos feminista e negro, em protesto contra a repressão 
policial, capitaneada pelo delegado Richetti, que atingia os principais pon-
tos de prostituição e de freqüência homossexual do centro da cidade. Cerca 
de mil manifestantes seguiram em passeata pelas ruas do centro de São 
Paulo, naquela que pode ser considerada a primeira manifestação de rua 
do movimento homossexual no Brasil, e na qual se celebrizaram palavras 
de ordem inusitadas, como “somos todas putas”, “amor, tesão, abaixo a re-
pressão!”; “agora, já, queremos é fechar” e “Ricchetti é louca, ela dorme de 
touca!” 5. Um pouco antes, uma parte do Somos participara do ato público 
de comemoração do 1º de Maio, no Estádio da Vila Euclides, em São Ber-
4 O nome completo do jornal era Lampião da Esquina, sendo o complemento “da Esquina” acrescen-
tado por questões de registro comercial, já que existia então uma editora com o nome “Lampião”. Os 
exemplares, porém, estampavam a palavra “Lampião” em letras garrafais, e foi por esse nome que o 
jornal ficou conhecido. Por isso, me refiro a ele aqui apenas dessa forma abreviada.
5 João Silvério Trevisan, A guerra santa do Dr. Richetti. Lampião, n. 26, julho de 1980.
nardo do Campo, no abc paulista, desfilando debaixo de surpreendentes 
aplausos dos operários presentes – episódio esse que foi o estopim para a 
cisão do grupo. 
Esse ano e meio é também talvez o melhor momento do Lampião, ape-
sar do inquérito que fustigou seus editores. O jornal aumentava sua tira-
gem, melhorava sua distribuição para além de Rio e São Paulo e desenvol-
via com o Somos um relação de colaboração bastante estreita, ainda que 
também tumultuada. O número 10 do jornal (março de 1979) deu grande 
cobertura aos debates sobre os “movimentos de emancipação”, em que o 
Somos se assumiu para o mundo. Um texto relatando a experiência de um 
ano de existência do Somos foi publicado com destaque nas duas primei-
ras páginas da edição de número 12 (maio de 1979), na qual a reportagem 
principal, “Amor entre mulheres”, trazia entrevistas, textos e depoimentos 
produzidos em grande parte por lésbicas ativistas do Somos. Na edição de 
número 16 (setembro 1979), a reportagem de capa, “Homossexuais se orga-
nizam”, trazia uma entrevista com integrantes do Somos e textos em que o 
grupo expunha suas metas, organização e métodos. 
Em contrapartida, integrantes do Somos colaboravam na comerciali-
zação do Lampião nos espaços de frequência homossexual de São Paulo, e 
também distribuindo cópias das edições que continham matérias sobre o 
grupo, marcadas por um carimbo de cortesia com o número de sua caixa 
postal. O grupo também formou uma Comissão de Defesa do Lampião, 
colhendo assinaturas a um manifesto em apoio ao jornal em razão do in-
quérito contra o seu Conselho Editorial. 
O abaixo-assinado em defesa do Lampião e a participação formal do 
Somos no ato público de comemoração ao Dia de Zumbi, promovido em 
novembro de 1979 pelo Movimento Negro Unificado foram, aliás, as pri-
meiras tomadas de posição política que o grupo fazia em público. Essa re-
duzida presença pública não se explica apenas pelas restrições impostas 
pelo regime militar à liberdade de expressão. O Somos era um movimento 
muito voltado mais para dentro do que para fora, construído a partir de 
subgrupos de identificação e reconhecimento, segundo um estilo confes-
sional inspirado no feminismo, em que eram importantes os relatos e tro-
cas de experiências pessoais entre seus membros. Foi principalmente essa 
experiência que fez com que o grupo adquirisse grande importância para 
muitos participantes, que nele encontraram uma fonte crucial de relações 
de afeto, amizade e apoio emocional, muitas das quais perduraram por largo 
tempo, ao longo da vida de seus ex-integrantes.20 Júlio Assis Simões 21Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
Lampião e Somos se assemelhavam nas novidades que representavam. 
Lampião era bem diferente de tudo o que lhe havia precedido em termos de 
imprensa homossexual no País até então – a começar pelo fato de que reu-
nia em seu Conselho Editorial um conjunto de jornalistas, escritores e inte-
lectuais de considerável peso na vida cultural brasileira, que emprestavam 
uma inédita legitimidade à empreitada. Os integrantes do Somos tampouco 
correspondiam aos estereótipos então vigentes sobre homossexuais. Havia 
alguns intelectuais e profissionais liberais, ao lado de um número crescente 
de jovens, muitos dos quais universitários. Trejeitos acentuados ou roupas 
espalhafatosas não eram a tônica. Na apresentação pessoal, indumentária, 
postura corporal, gestos e tom de voz, a maioria das moças e rapazes do So-
mos não se distinguia do padrão vigente entre sua geração; e, nas reuniões 
do grupo, a conduta geral não era nada muito diferente do que se via numa 
assembléia estudantil.
Lampião se propunha a “sair do gueto” e ser um veículo pluralista aberto 
a diferentes pontos de vista sobre diferentes questões minoritárias. Isso foi 
posto em prática com a publicação de matérias sobre movimento feminista, 
movimento negro, transexualidade, sadomasoquismo, populações indíge-
nas, prisioneiros, ecologia e até mesmo uso de maconha, embora o jornal 
não tenha sido bem sucedido para atrair mulheres para o seu Conselho 
Editorial. Lampião também se preocupava com as condições dos que se 
dedicavam à prostituição masculina e feminina, tendo realizado matérias e 
entrevistas com travestis, garotas e garotos de programa. 
Por outro lado, o enfoque informativo, opinativo e politizado de todas 
essas questões se fazia predominantemente por meio da incorporação da 
linguagem popular do meio homossexual, com farto uso de palavras como 
“bicha”, “boneca”, “viado” e equivalentes. O uso dessas palavras considera-
das pejorativas causava mal-estar entre vários editores e leitores do jornal 
enquanto outros, como Aguinaldo Silva, defendiam-no como estratégia 
para esvaziar seu potencial ofensivo.
De modo semelhante, no Somos, muitos defendiam que as palavras 
“bicha” e “lésbica” deviam ser usadas, como uma espécie de senha de per-
tencimento, a fim de “esvaziar” seu conteúdo pejorativo. O grupo, que era 
predominantemente masculino e não contava com travestis ou transexuais 
em seus membros, propunha que as assimetrias entre homens e mulheres 
deveriam ser combatidas, bem como a polarização ativo/ passivo e os este-
reótipos efeminado/ masculinizada, ainda que admitindo que isso poderia 
ser importante no plano das fantasia eróticas. Por outro lado, o uso do lin-
guajar do gueto homossexual masculino no tratamento cotidiano não dei-
xava de causar tensões entre os ativistas, sobretudo, mas não exclusivamen-
te, com as mulheres, e era fonte de longos debates em torno do “machismo” 
das “bichas”. No Lampião esse tipo de discussão repercutia em textos assi-
nados, entre outros, por João Antonio Mascarenhas, que não via com agra-
do a atenção que o jornal concedia aos travestis (na época, a palavra sempre 
era dita no masculino); e criticava travestis e homossexuais afeminados em 
geral por representarem uma caricatura da “mulher objeto sexual, a mulher 
cidadã de segunda classe, a mulher idealizada pelos machistas”.
Na verdade, havia desacordos e divergências entre editores e colabora-
dores do Lampião a respeito de quase tudo. Uma querela em torno dos ter-
mos que seriam apropriados para se referir à homossexualidade marcou os 
primeiros números do jornal. Havia quem fosse contrário ao uso de “gay” 
por considerá-lo imperialista e alheio à realidade brasileira. Para se ter uma 
idéia, na entrevista com Winston Leyland (um ativista americano cuja visita 
ao Brasil, em 1977, acabou funcionando como catalisador para o surgimen-
to do Lampião) feita por João Silvério Trevisan e James Green, publicada 
no número 2 (junho/julho de 1978), o termo gay, que era abundantemente 
empregado pelo entrevistado, foi traduzido como “entendido”. Outros de-
fendiam que a palavra fosse grafada na forma aportuguesada “guei”.
No Somos as divergências também eram muitas, e tendiam a ser con-
tornadas por meio de processos de tomada de decisão; no Somos tinham 
por norma o consenso. Uma motivação forte em boa parte de seus inte-
grantes era evitar a cristalização de lideranças e incentivar um estilo de 
ação autogestionário. As coordenações das reuniões gerais, assim como dos 
subgrupos de identificação e atuação deveriam ser rotativas. Na prática, 
isso implicava reuniões longas, com uma profusão de debates e dificul-
dades operacionais de toda sorte que, paradoxalmente, contribuíam para 
concentrar as posições de direção em um pequeno conjunto de pessoas 
com interesse e disponibilidade, que se distinguiam pelo carisma pessoal 
e pela habilidade retórica. Com a expansão e diversificação do grupo e o 
decorrente acirramento de divergências, a exigência de consenso passou a 
ser também um trunfo manipulado por quem se opunha a determinadas 
propostas ou buscava evitar mudanças de orientação para o grupo. Nessas 
ocasiões, acusações de “machista”, “fascista” e “autoritário”, termos usados 
de forma intercambiável e indiscriminada, costumavam ser recursos pode-
rosos para conter e calar um oponente, sob a justificativa, um tanto irônica, 
de que o autoritarismo devia ser combatido em todas as suas manifesta-
22 Júlio Assis Simões 23Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
ções. Também se dizia, com humor, que as decisões no Somos não eram 
realmente tomadas por “consenso”, e sim por “cansaço”.6 
Um dos raros consensos entre os participantes do Somos era o prin-
cípio de que o grupo deveria ser exclusivamente formado por homosse-
xuais. Estabelecida uma relação de oposição entre hetero e homossexuais, 
que envolveria uma situação de opressão dos segundos pelos primeiros, 
considerava-se que os homossexuais, como oprimidos, somente poderiam 
encontrar a si mesmos, aceitar-se e recuperar sua autonomia estando entre 
iguais. O suposto, certamente muito discutível, era o de que um ambiente 
formado por homossexuais seria mais igualitário, assim como as relações 
homossexuais, por se darem entre “iguais”, seriam menos assimétricas que 
as heterossexuais. 
Essa exclusividade homossexual costumava ter um efeito positivo nos 
subgrupos de identificação e reconhecimento, contribuindo para que os 
recém-chegados se sentissem menos constrangidos e lidassem melhor com 
seus próprios sentimentos de culpa e autodepreciação. Essa experiência ad-
quiriu grande importância para muitos participantes, que encontraram no 
grupo uma fonte crucial de relações de afeto, amizade e apoio emocional, 
que não raro perduraram fora dele. Era bastante disseminado o sentimento 
de ter encontrado a própria turma, de se considerar “casado com o grupo”. 
Também eram questionadas a monogamia e a possessividade nos relacio-
namentos estáveis.
Nem Lampião nem Somos tinham opinião fechada quanto às origens 
da homossexualidade (referida, na época, como “homossexualismo”). Dis-
cussões desse tipo costumavam ser desqualificadas como perda de tempo, 
já que predominava a visão de que tudo o que fora produzido pela ciência e 
pela academia a esse respeito seria apenas uma expressão mais asséptica do 
mesmo preconceito que contaminava toda a sociedade. Uma atitude geral 
era considerar que a homossexualidade de cada um era algo que dizia res-
peito somente aos próprios interessados, e que ninguém – família, escola, 
Igreja ou Estado – tinha o direito de se intrometer nisso.
O princípio de que era preciso reconhecer, aceitar e assumir a própria 
homossexualidade, dominante nos subgrupos de identificação, reforçava 
a visão de algo que de alguma maneira era parte essencialda pessoa, uma 
6 Baseio-me aqui em minhas próprias memórias desse período, como freqüentador das reuniões gerais 
do Somos, e de parte das reuniões de seu Grupo de Atuação, de maio a dezembro de 1979. O leitor pode 
confrontar as avaliações opostas sobre essa dinâmica organizativa, apresentadas respectivamente por 
Edward MacRae (A construção da igualdade, cap. 5), da qual me aproximo, e por João Silvério Trevisan 
(Devassos no paraíso, 3ª. ed. parte 5, cap.2).
marca inescapável e certamente “incurável”, sobre a qual não se podia ter 
outro tipo de controle que não fosse o seu reconhecimento. Mas, se no So-
mos, como observou MacRae, se costumava “partir do princípio de que a 
humanidade estaria dividida entre heterossexuais e homossexuais (e tal-
vez alguns bissexuais)”, havia também no grupo certa resistência a crista-
lizar identidades, tendência essa que foi ganhando força ao longo do tem-
po. Afinal, como também ressaltava MacRae, o Somos era um “inusitado 
e dinâmico espaço para discussões de sexualidade” que arregimentava um 
conjunto consideravelmente heterogêneo de pessoas onde divergências e 
conflitos eram freqüentes, assim como as trocas de opiniões e influências. 
Nesse espaço atuavam vários que adotavam uma noção mais fluida e situ-
acional da identidade sexual, e lembravam que a população homossexual 
não era homogênea, nem do ponto de vista da sua sexualidade, nem de sua 
vivência mais ampla.
Pode-se compreender, assim, que o grupo tivesse concepções divergen-
tes em relação a uma série de temas: a natureza da homossexualidade, o 
significado da bissexualidade, a conduta das travestis, das “bichas pintosas” 
e das lésbicas masculinizadas. Se, de um lado, o “bissexualismo” era deplo-
rado como identidade ou subterfúgio para não assumir a homossexuali-
dade, em outros momentos a prática bissexual era elevada ao patamar da 
subversão suprema de todas as regras. Se travestis,“pintosas”, “fanchas” e 
“sapatões” eram desvalorizadas como foco de interesse erótico e criticadas 
por reproduzirem padrões de dominação macho/fêmea, eram também pre-
zadas por sua ousadia e autenticidade. 
Lampião e Somos tendiam a conceber os homossexuais como uma mi-
noria oprimida e, portanto, com o interesse comum de reivindicar o direito 
“a uma existência não mistificada, limpa, confiante, de cabeça levantada”, 
para usar os termos de um artigo de Darcy Penteado curiosamente inti-
tulado “Homossexualismo, que coisa é esta?” – pergunta à qual se evitava 
oferecer uma resposta definitiva. Uma posição em favor de uma estratégia 
efetiva de obtenção de direitos homossexuais, no entanto, não era consen-
sual nem entre os editores e colaboradores do jornal, nem entre os mem-
bros do grupo. 
A incerta situação política da “abertura”, atravessada por ações localiza-
das de repressão policial e terror paramilitar, continha as expectativas em 
relação aos avanços liberalizantes, o que talvez ajude a compreender por 
que iniciativas mas pragmáticas em favor de direitos civis pareciam distan-
tes nos horizontes da época. É certo que Lampião, o Somos e os emergentes 
24 Júlio Assis Simões 25Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
grupos se esforçaram por construir uma pauta de reivindicações que vi-
savam combater discriminações sofridas pelos homossexuais na vida civil 
em geral. Essa pauta seria desenhada por ocasião dos encontros de grupos 
organizados que ocorreram em 1980. 
Mas havia também uma divergência mais profunda, que se traduzia 
numa grande desconfiança não só quanto aos rumos da institucionaliza-
ção, mas em relação ao significado da própria atuação política nos mol-
des institucionais que voltavam a ser divisados no horizonte. Os debates 
da época estimulavam o questionamento das posições políticas focadas 
na centralidade da luta de classes, reivindicando legitimidade a lutas mais 
específicas. Por conta disso, a emergente política de identidade posta em 
prática pelos movimentos de feministas, negros e homossexuais gerava 
uma tensão junto a certos militantes da esquerda, vários dos quais esta-
vam aliados às tendências progressistas da Igreja Católica. Para estes, tais 
esforços minoritários pulverizavam o privilégio que deveria caber à “luta 
maior” em prol de mudanças sociais e econômicas mais amplas em dire-
ção ao socialismo. A esquerda brasileira dos anos 1970 talvez não fosse tão 
moralista e defensora da família quanto tinha sido nos anos 1950 e 1960; 
no entanto, boa parte dela ainda via a homossexualidade como uma grave 
deformação moral. Tanto no Lampião como no Somos havia vários que 
tentavam reconstituir vínculos entre as duas posições. Na virada dos anos 
1980, no entanto, as divergências se acentuaram a ponto de constituir uma 
polarização extremada, deteriorando as relações entre o Lampião e os gru-
pos emergentes, como também dentro do próprios grupos, notadamente o 
Somos, que sofreu seguidas cisões e foi aos poucos deixando a cena. Uni-
dades auto-sustentadas e carentes de recursos, nem Lampião nem Somos 
se mostraram aptos a enfrentar os desafios trazidos pelos novos tempos de 
liberalização, redemocratização e crise econômica. Um dos fragmentos do 
Somos, o galf (Grupo de Ação Lésbica Feminista) seria um dos poucos 
grupos formados nessa primeira onda movimentalista a sobreviver pela dé-
cada de 1980 e chegar aos anos 1990 sob um novo formato de organização 
não-governamental, que passaria então a ser o modelo para as mais varia-
das formas de movimentos sociais, e cuja adoção foi grandemente incenti-
vada em meio ao processo de constrição das respostas sociais à pandemia 
hiv-aids – outro terrível desafio daqueles novos tempos de 1980.
 
 
 
A luta diante da Aids
O saudoso antropólogo e poeta Nestor Perlongher7 ressaltou, no calor da 
hora, que a Aids surpreendeu o universo do ativismo homossexual brasilei-
ro numa situação paradoxal. Enquanto grande parte dos grupos organiza-
dos existentes se desestruturavam, crescia a expansão publicitária do “espe-
táculo gay”, fazendo aumentar inclusive a visibilidade das travestis, não só 
nas ruas das cidades, mas também na grande mídia, para além do carnaval. 
A transexual Roberta Close, vedete do verão carioca de 1984, o ano da cam-
panha das diretas-já, vivia o auge de sua consagração como modelo de be-
leza feminina brasileira. Depois de estrelar o videoclipe da canção “Close”, 
sucesso do compositor popular Erasmo Carlos, seria a principal atração da 
edição de maio da revista masculina Playboy. Em agudo contraste, no verão 
de 1985, quando a morte do teatrólogo Luiz Roberto Galizia abalou o meio 
intelectual e artístico paulistano, a doença já estava instaurada como rea-
lidade inexorável. Na segunda metade dos anos 1980 verificou-se uma es-
calada de matérias sensacionalistas na imprensa, que ecoavam declarações 
abertamente preconceituosas de várias autoridades médicas e de políticos 
ligados a grupos religiosos, assim como aumentava a repercussão a crimes 
violentos contra gays e travestis8.
Perlongher, vítima da Aids, que viria a falecer em 1992, retratou o peso 
da chegada da doença e de seu impacto sobre as propostas de liberação 
sexual, como um anúncio do “desaparecimento da homossexualidade”9. 
Houve, decerto, um deslocamento importante. A epidemia deu ensejo a 
uma inusitada aproximação entre os ativistas homossexuais e as autori-
dades médicas. Cabe ressaltar a importante participação de pessoas que 
passaram pelo Somos e pelos outros grupos de São Paulo no processo 
que fez surgir a primeira ong-Aids brasileira, o Grupo de Apoio e Pre-
venção à Aids – gapa/SP, em 1985, bem como a resposta governamental 
configurada no programa estadual de São Paulo, o primeiro criado no País. 
Sob a direção do médico Paulo Teixeira (que tivera alguma proximidade 
com o Somos nos seus primórdios), esse programa tornou-se um referen-
cial importante de orientação não discriminatória e dedefesa dos direitos 
dos afetados. Do mesmo modo, antigos militantes de grupos cariocas tive-
7 Nestor Perlongher, O que é Aids. São Paulo, Brasiliense, 1987.
8 Para um retrato vívido desse período em São Paulo, ver Roldão Arruda, Dias e ira: uma história verí-
dica de assassinatos autorizados. São Paulo, Globo, 2001.
9 Nestor Perlongher, O desaparecimento da homossexualidade. In: Herbert Daniel et alii. SaúdeLoucu-
ra 3. São Paulo, Hucitec, 1993.
26 Júlio Assis Simões 27Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
ram papel importante na formação da Associação Brasileira Interdiscipli-
nar e Aids e do Grupo Pela vidda (Valorização, Integração e Dignidade 
do Doente de Aids), este formado majoritariamente por soropositivos. Em 
outros estados da federação foram sendo organizados programas similares, 
que contavam também com a importante presença de ativistas e ex-ativistas 
de grupos organizados.
A contribuição dos recursos vindos dos projetos relacionados ao com-
bate ao hiv/Aids foi muito significativa para a expansão e diversificação 
do movimento homossexual brasileiro. Esses movimentos já se notam nos 
anos 1980, que assistiram à intensificação de um ativismo muito menos 
refratária à ação no campo institucional, mais voltado a estabelecer organi-
zações de caráter mais formal e mais focado em assegurar o direito à dife-
rença. Formaram-se poucos grupos, mas mais coesos, reunidos cada qual 
em torno de uma liderança reconhecida, carismática, bem articulada e, não 
menos importante, dotada dos recursos simbólicos e materiais efetivamen-
te capazes de fazer avançar metas e objetivos mais claramente definidos e 
circunscritos.
João Antônio Mascarenhas, articulador inicial do grupo de intelectu-
ais que formou o Lampião e fundador do extinto grupo Triângulo Rosa, 
que durou de 1985 a 198810; e Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, 
formado em 1980 e ativo até o presente, tornaram-se personagens funda-
mentais dessa segunda onda de ativismo homossexual, paralelamente aos 
vários militantes ativos no período anterior que passaram a se dedicar prio-
ritariamente à luta contra a Aids. 
As propostas encaminhadas pelo ggb e pelo Triângulo Rosa, na déca-
da de 1980, já haviam sido delineadas nos primeiro encontro de militantes 
organizados, mas ambos os grupos destacaram-se exatamente por levá-las 
adiante, a partir do entendimento comum que a “causa homossexual vinha 
em primeiro lugar”. O ggb foi o primeiro grupo a pôr em prática, em 1981, 
a campanha pela retirada da homossexualidade do código de classificação 
de doenças do inamps, assumindo a sua coordenação e encaminhamento 
concreto. A mudança foi sancionada pelo Conselho Federal de Medicina 
em 1985. Foi uma campanha marcante por ter mirado uma das raras ins-
tâncias em que se discriminava oficialmente a homossexualidade no Bra-
sil e, dessa forma, ter questionado a associação entre homossexualidade 
e doença que voltava com força devido à Aids. O ggb e o Triângulo Rosa 
10 Sobre o Triângulo Rosa, ver Cristina Câmara, Cidadania e orientação sexual, op. cit.
encabeçaram outra importante campanha na década, junto à Assembléia 
Constituinte, pela inclusão da proibição de discriminação por “opção se-
xual”, posteriormente renomeada de “orientação sexual”, na Constituição. 
Por ocasião dessa campanha, temas inéditos, referentes à homossexualida-
de, foram debatidos no Congresso Nacional, e João Antonio Mascarenhas 
falou aos parlamentares na condição de ativista gay.
Nessa mudança de orientações políticas, é significativa a introdução do 
conceito de “orientação sexual”, que passa a ocupar definitivamente o lugar 
de “opção” no discurso da militância. Durante o processo de elaboração e da 
defesa da inclusão da não-discriminação da homossexualidade na Consti-
tuição, os militantes envolvidos, consultando acadêmicos e profissionais de 
várias áreas, chegaram a um consenso pela utilização da expressão “orien-
tação sexual”. A partir dessa utilização, a polêmica entre homossexualidade 
como “opção” ou como “essência” deixa de estar tão presente no cotidiano 
dos grupos. “Orientação sexual” virou uma solução de consenso que permi-
tia conferir concretude e legitimidade à experiência da homossexualidade, 
sem necessariamente entrar em questão sobre suas causas mais profundas, 
ainda que tenda muitas vezes a reanimar a ênfase em explicações a partir de 
uma “essência”, inata ou revelada em tenra idade.
De outra parte, com a atuação mais pragmática por parte dos grupos ou 
associações em favor dos direitos civis, a ambigüidade entre a legitimidade 
da homossexualidade e a valorização de sua face “marginal” tendeu a se 
desfazer. Em seu lugar, verificou-se uma tendência de depurar a homosse-
xualidade de seus aspectos “marginais” de modo a dotá-la de uma imagem 
pública respeitável, o que excluía uma parte significativa das vivências a ela 
relacionadas. Isso se revelou, por exemplo, no célebre discurso proferido 
por João Antonio Mascarenhas no plenário da Assembléia Nacional Cons-
tituinte, em 1987, no qual seu autor criticava o preconceito da mídia por 
não fazer a distinção entre o “homossexual” e o “travesti”, em termos que 
repetiam a posição que expressara, anos atrás, no Lampião.
 
Expansão e segmentação
Foi por meio da ampliação das conexões com os programas estatais de 
combate ao hiv-aids e às doenças sexualmente transmissíveis, especial-
mente a partir dos anos 1990, que se forjaram as condições para expandir 
e segmentar o movimento. Foi também por meio dessas conexões que pas-
28 Júlio Assis Simões 29Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
sou a preponderar quase definitivamente o modelo das ongs, levando à 
contenção do número de membros efetivos; à criação de estruturas formais 
de organização interna; à elaboração de projetos de trabalho em busca de 
financiamentos; à formulação clara de objetivos e objetos de intervenção 
ou de reivindicação de direitos; à preocupação com prestação de contas 
e resultados; à preocupação em ter quadros preparados para estabelecer 
relações com a mídia, parlamentares, técnicos de agências governamentais 
e associações internacionais – enfim, a tudo aquilo que consome grande 
parte da rotina dos atuais grupos e associações do movimento.11 Além das 
diversas iniciativas de fortalecimento das associações de gays, como o Pro-
jeto Somos, que homenageia o famoso grupo pioneiro, os investimentos 
dos programas de dst e Aids abriram espaço à incorporação paulatina de 
travestis e transexuais, bem como estimularam decisivamente a organiza-
ção autônoma das lésbicas.
Em 1993 e 1994 haviam sido realizados dois encontros de “Travestis e 
Liberados” relacionados inicialmente com as atividades desenvolvidas pela 
da Associação de Travestis e Liberados – Astral, do Rio de Janeiro. Com o 
surgimento de novas associações de travestis, esses congressos passaram a 
ocorrer em outras cidades do país, passando a ser denominados “Encontros 
de Travestis e Transexuais que Atuam na Luta e Prevenção à Aids”, manten-
do a sigla entlaids. Já foram realizadas 14 edições do entlaids, nas quais 
representantes de travestis e transexuais têm reivindicado mudanças nas 
ações de segurança pública e acesso à educação e ao mercado de trabalho, 
além de debaterem questões relacionadas aos serviços de saúde. Organiza-
ções de travestis estiveram representadas pela primeira vez no movimento 
por ocasião do vii Encontro Nacional de Gays e Lésbicas de 1995, realizado 
em Curitiba. A partir daí, o termo “travestis” foi incorporado ao nome dos 
futuros encontros nacionais.
Desde 1992, vinha ocorrendo um aumento da participação de gru-
pos exclusivamente lésbicos nos encontros nacionais do movimento. 
O vi Encontro, realizado nesse ano no Rio de Janeiro, teve a presença 
de dois grupos lésbicos. O vii Encontro, em Cajamar (SP) passou a in-
cluir o termo lésbicas no seu nome,tendo contado com a participação de 
quatro grupos lésbicos, todos também de São Paulo. Em 29 de agosto de 
1996, foi realizado no Rio de Janeiro o primeiro Seminário Nacional de 
Lésbicas (senale), a partir de iniciativa do Coletivo de Lésbicas do Rio 
(colerj). Desde então, foram realizadas seis edições do senale. A data 
11 Para uma análise do movimento nos anos 1990, ver Regina Facchini, Sopa de letrinhas?, op. cit.
do primeiro senale foi consagrada como “Dia Nacional da Visibilidade 
Lésbica”.
A articulação com a Coordenadoria Nacional de dst e Aids foi fun-
damental também para a ampliação da visibilidade e da organização das 
lésbicas. O primeiro senale resultou da aproximação de lideranças lésbi-
cas – até então dispersas, em sua maioria, em grupos mistos (formados por 
gays e lésbicas ou por feministas e lésbicas) – da Coordenadoria Nacional, 
com vistas a obter maior visibilidade política a partir do reconhecimento 
da vulnerabilidade lésbica frente a dst e Aids. A demanda por saúde sexual 
contribuiu de forma decisiva para produzir uma identidade lésbica eman-
cipada da identidade homossexual, abrindo caminho para a emergência e 
fortalecimento de lideranças em âmbito nacional, o surgimento de novos 
grupos e a progressiva autonomização do movimento de lésbicas, em torno 
do eixo formado por saúde, visibilidade e organização.12
O ano de 1995 foi marcado por dois eventos significativos: o viii Encon-
tro de Gays e Lésbicas, em Curitiba, quando se deu a fundação da abglt e a 
realização da 17ª Conferência Internacional da ilga (International Lesbian 
and Gay Association), no Rio de Janeiro. O viii Encontro foi o primeiro a 
ser financiado com recursos do Ministério da Saúde, e que reservava uma 
parte específica para a discussão de questões ligadas ao hiv/Aids, regis-
trando um recorde de número de grupos, com presença de 84 entidades, 
entre elas 34 grupos gays ou mistos, três grupos exclusivamente lésbicos e 
três grupos de travestis. 
A Conferência da ilga realizada no Rio (a 17ª. de sua história) contou 
com cerca de 1.200 participantes. A lista de recursos obtidos por esse evento 
é ilustrativa da dimensão atingida pelas conexões do movimento. Segundo 
os registros no Guia Oficial da Conferência, houve apoio do Ministério da 
Saúde, por meio do Programa Nacional de dst e Aids; da Secretaria Esta-
dual de Saúde do RJ, por meio da Divisão de Controle de dst e Aids; dos 
sindicatos dos Bancários e Previdenciários, ambos do RJ, e dos trabalha-
dores na Universidade Federal do Rio de Janeiro; do Centro de Filosofia e 
Ciências Humanas da ufrj; de duas ongs internacionais ligadas à temática 
dos direitos humanos; de quatro empresas privadas e de quatro associações 
brasileiras: a abia e o Grupo Pela vidda (ongs-Aids sediadas no Rio); o 
ggb e o grupo Dignidade. 
Mais recentemente, outro passo na direção do fortalecimento das co-
12 Sobre o movimento de lésbicas, ver Gláucia Almeida, Da invisibilidade à vulnerabilidade, op. cit.
30 Júlio Assis Simões 31Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
nexões com o Estado foi dado com o lançamento do Programa Brasil Sem 
Homofobia, em 2004. A partir de 2005, algumas iniciativas do Programa 
começaram a ser postas em prática, com os editais para apresentação de 
projetos voltados ao combate e à prevenção da homofobia, incluindo a 
oferta de aconselhamento psicológico e assessoria jurídica; e à qualificação 
de profissionais de educação nas temáticas de orientação sexual e identida-
de de gênero. 
Por fim, mas não menos importante, realizou-se em 2008 uma Confe-
rência Nacional glbt inédita, convocada pelo governo federal, com o tema 
“Direitos humanos e políticas públicas: o caminho para garantir a cida-
dania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais”. A organização 
dessa Conferência foi precedida de reuniões regionais e estaduais, como 
tem sido o procedimento em relação a outros movimentos articulados em 
torno de segmentos sociais ou temas específicos. A Conferência foi, desse 
modo, um momento importante por marcar uma situação em que o mo-
vimento tomou decisões levando em conta a um conjunto mais amplo de 
pessoas identificadas como lgbt, para além dos ativistas. Fica a expecta-
tiva que isso possa ajudar a reverter uma tendência de concentração das 
informações, debates e discussões apenas nos foros virtuais e presenciais 
freqüentados pelos ativistas. É significativo observar, a esse respeito, que, 
enquanto os encontros nacionais realizados pelo movimento realizados na 
segunda metade dos anos 1990, dispõem de registros minuciosos e acessí-
veis, são bastante escassas as informações disponíveis sobre os congressos 
da década de 2000.
Conquistas e desafios do presente
Em sua trajetória, o movimento político lgbt no Brasil amealhou algumas 
vitórias significativas e se debateu com resistências poderosas. Gostaria de con-
cluir com um breve balanço de antigos e novos desafios que lhe fazem frente.
O movimento lgbt tem investido grande esforço na promulgação de 
leis e na criação de políticas públicas governamentais. As leis estaduais e 
municipais contra discriminação hoje existentes no Brasil apresentam raios 
de alcance diferente, especificando penalidades contra discriminação no 
mercado de trabalho, em contratos de aluguel ou relativas a demonstrações 
públicas de afeto. Cabe destacar, nesse quadro, a formulação abrangente da 
lei aprovada no Rio Grande do Sul, que “dispõe sobre a promoção e o reco-
nhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, identidade 
e preferência sexual”, no âmbito do “respeito à igual dignidade da pessoa 
humana de todos os seus cidadãos”. 
Outras demandas legais importantes do movimento receberam grande 
visibilidade, mas esbarraram em obstáculos poderosos. O caso exemplar é 
o do projeto de Lei no. 1.151/95, de autoria de Marta Suplicy, então deputada 
federal por São Paulo, sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, 
apresentado na Câmara dos Deputados em outubro de 1995, na seqüên-
cia da fundação da abglt e da realização da Conferência Internacional da 
ilga, no Rio de Janeiro. Como se sabe, o projeto propunha a união civil 
como um direito de cidadania fundamentado nas liberdades civis assegura-
das pela Constituição. Embora fizesse menção a “vínculos afetivos”, a con-
cepção de “união civil” era cuidadosamente distanciada do matrimônio ou 
das uniões estáveis. O foco do projeto estava na compensação de injustiças 
relacionadas a histórias de construção de patrimônio em comum entre par-
ceiros do mesmo sexo. Mesmo com todos esses cuidados, porém, o projeto 
já sofreu alterações na formulação original ao ser submetido à Comissão 
Especial instaurada para sua análise, substituindo “união” por “parceria”, 
eliminando-se as referências aos “vínculos afetivos” e adicionando o veto a 
qualquer implicação relativa a adoção, tutela ou guarda de crianças e ado-
lescentes, ainda que fossem filhos dos contratantes. O substitutivo acabou 
não sendo levado à votação, pois seus apoiadores concluíram que não ha-
veria apoio suficiente para que fosse aprovado.13
Outra frente de combate do movimento lgbt tem sido a criminalização 
de condutas repressivas e violentas contra lgbt. Está em debate no legis-
lativo um projeto que visa definir “crimes resultantes de discriminação ou 
preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”, nos 
moldes da Lei nº 7.716, que estabelece os crimes resultantes de preconceito 
de raça ou de cor. A resistência ao projeto, expressada sobretudo por au-
toridades religiosas cristãs em aliança com psicólogos e médicos ligados a 
grupos religiosos evangélicos, tem se concentrado nas alegações de cerce-
amento da liberdade de expressão (especialmente a liberdade de expressão 
religiosa) e em reiterados esforços de patologização e criminalização da ho-
mossexualidade, por meio de sua associaçãoà pedofilia. 
Em face das consideráveis barreiras e dificuldades enfrentadas no âm-
bito do legislativo e do executivo, o Judiciário tem-se mostrado um campo 
13 Para uma análise dos debates em torno desse projeto, ver Luiz Mello, Novas famílias: conjugalidade 
homossexual no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro, Garamond, 2005.
32 Júlio Assis Simões 33Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
mais favorável à promoção de diretos lgbt. Marcos importantes foram al-
cançados no reconhecimento legal de vínculos afetivos homossexuais, para 
efeitos de herança e direitos previdenciários, assim como na punição de 
casos de homofobia. Em contrapartida, persistem dificuldades sempre que 
as questões se encaminham para o terreno do direito de família.
As reivindicações pelo direito à sexualidade não-procriativa, que mar-
caram boa parte da trajetória do movimento homossexual, convivem hoje 
com lutas pelo direito à adoção, guarda e cuidado de filhos. No que se refere 
à adoção, no Brasil, a homossexualidade não é um impeditivo, em princí-
pio. Entretanto, a “conjugação homem/homossexual” muitas vezes é vis-
ta como incapaz de assegurar os cuidados básicos da criança, por conta 
dos estereótipos de instabilidade emocional e promiscuidade sexual cola-
dos à homossexualidade masculina. Nesse caso, os requerentes costumam 
ser mais bem avaliados desde que demonstrem capacidade de “maternar”, 
tida como uma virtude “feminina” por excelência14. A noção de maternida-
de lésbica, por sua vez, pode ser vista como inerentemente conflitiva, por 
amalgamar os estereótipos excludentes da cuidadora zelosa e assexuada e 
da mulher sexualizada, tida como passional e violenta.15 A visibilidade al-
cançada na mídia por autorizações da guarda de crianças a casais de gays e 
lésbicas ainda não redundou numa política definida a esse respeito, embora 
tenham sido abertos precedentes importantes.
A transexualidade, por sua vez, é um terreno onde os discursos médicos 
ainda são predominantes e normativos. O acesso a cirurgias de “redesigna-
ção sexual”, uma reivindicação do movimento lgbt, está condicionado aos 
critérios estabelecidos pelas resoluções do Conselho Federal de Medicina 
em 1997, alteradas em 2002, que definem o “paciente transexual” de for-
ma patologizante, como “portador de desvio psicológico permanente de 
identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação 
e ou auto-extermínio”. Para se submeter à cirurgia, além do diagnóstico 
exclusivo de “transexualismo”, é preciso ser maior de 21 anos e submeter-se 
a acompanhamento psicológico ou psiquiátrico por pelo menos dois anos16. 
A mudança no registro civil envolve outras dificuldades. Em princípio, so-
14 Cf. Ana Paula Uziel, Homossexualidade e adoção. Rio de Janeiro, Garamond, 2007.
15 Cf. Érica Renata de Souza, Necessidade de filhos: maternidade, família e (homo)sexualidade. Tese de 
Doutorado. Unicamp, 2005.
16 Em agosto de 2007, o Ministério da Saúde anunciou a inclusão das cirurgias de redesignação sexual 
entre os serviços prestados pelo sus, por determinação da Justiça Federal da 4ª. Região (Sul). Entretan-
to, o Supremo Tribunal Federal cancelou o procedimento previsto em dezembro de 2007, alegando falta 
de planejamento e estrutura.
mente é permitida uma vez, completado o procedimento cirúrgico. Entre-
tanto, cirurgias realizadas fora de programas considerados habilitados têm 
sido excluídas das solicitações de autorização legal para mudança de nome. 
Nega-se, assim, um direito fundamental de identidade.
Essas frentes de luta retratam não apenas a variedade de questões e 
demandas no universo lgbt, como também a importância de perseverar 
na busca de reconhecimento para assegurar direitos e garantias civis fun-
damentais.17 Cabe lembrar que essa não é a única tendência seguida pelo 
movimento, que também se pauta por vezes na reivindicação por direitos 
especiais, tal como expressa a polêmica proposta em favor de um “estatuto 
lgbt” aprovada na recente Conferência Nacional. 
Vou considerar, por fim, algumas questões internas ao próprio movi-
mento. Grande parte dos progressos obtidos pelo movimento lgbt deveu-
se ao seu processo recente de institucionalização. É certo que não se trata 
de uma institucionalização equiparável à que desfrutam organizações não-
governamentais em outros campos de atuação social e política, tais como 
meio ambiente, crianças e adolescentes, mulheres ou prevenção a dst e 
Aids. É como se houvesse uma escala hierárquica de legitimidade e aceita-
ção social de temas e sujeitos de direitos, a qual pesa desfavoravelmente em 
relação aos lgbt. Ainda assim, a trajetória do movimento lgbt mostra de 
forma eloqüente a interpenetração e a porosidade entre Estado e Sociedade 
Civil no Brasil. Nesse campo de relações há vantagens, mas também riscos. 
Abrem-se novos canais para pressões vindas “de baixo” que, entretanto, po-
dem também favorecer o desenvolvimento de novas redes de clientela e 
amortecer o seu potencial crítico. O acesso a recursos tem potencializado 
enormemente a capacidade de ação política das associações de base e sua 
articulação produtiva em diferentes planos, mas a disputa por eles também 
esgarça solidariedades e repõe hierarquias. 
O movimento se defronta ainda com o desafio de renovar as conexões 
entre os diversos mundos no interior do próprio universo lgbt. As identi-
dades que compõem o movimento têm caminhado progressivamente para 
a construção de suas próprias demandas e agendas. É ilustrativo disso o 
empenho com que se busca cunhar novas categorias de vitimização, além 
da já problemática “homofobia” – tais como “lesbofobia”, “transfobia” e daí 
por diante. Nota-se, em particular, que é cada vez mais complicada a arti-
17 Sob esse aspecto, cabe chamar a atenção para os importantes trabalhos de Roger Raupp Rios. Ver, 
por ex., Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre, 
Livraria do Advogado Editora, 2008.
34 Júlio Assis Simões 35Uma visão da trajetória do movimento lgbt no Brasil
culação dos grandes focos de identificação e mobilização representados nas 
noções de orientação sexual e identidade de gênero. A homossexualidade 
deixou de ser um termo abrangente para se cindir em questões de diversi-
dade sexual e questões de diversidade de gênero. Trata-se de um descola-
mento que aprofunda uma tendência desde os primórdios do movimento 
em defesa das sexualidades não normativas, que desestabiliza categorias de 
“homens” e “mulheres” e de “masculinos” e “femininos” que convencional-
mente se estribaram na distinção binária entre os sexos, mesmo quando 
esses sexos eram pensados como sendo da “alma” e não do corpo. É um 
fenômeno político e cultural de alcance mais amplo, que transcende o mo-
vimento lgbt, mas não deixa de incidir nele de forma aguda, além de trazer 
uma série de questionamentos também para o movimento feminista. Isso 
pode ser ilustrado nos esforços de autonomização do movimento trans, por 
meio de sua construção como voz dissidente, tanto no campo das lutas de 
gênero quanto no da homossexualidade. 
Esse estado de coisas parece requerer esforços urgentes na reconstru-
ção dos vínculos esgarçados com a crescente segmentação. E também re-
quer esforços para renovar as formas de interlocução entre o movimento 
e aqueles e aquelas a quem pretende representar. Nesse terreno, o movi-
mento sofre uma poderosa concorrência do mercado segmentado, que se 
mostra muito ágil na disputa pelas representações sociais e políticas das 
identidades em jogo. O mercado é, hoje em dia, uma instância central tanto 
para a compreensão da normatividade sexual, quanto das formas de sua 
contestação18. É ilustrativo, a esse respeito, mencionar o episódio de uma 
campanha recente promovida por um grupo de blogueiros gays de São 
Paulo, pelo reconhecimento do direito à herança de um amigo cujopar-
ceiro de longa data havia morrido repentinamente. A campanha consistia 
na divulgação de um abaixo-assinado que atestava a relação duradoura do 
casal e que podia ser assinado em filiais de uma loja de cuecas nos Jardins 
e no Shopping Center Frei Caneca, bastante frequentado pelo público gay 
paulistano. O fato de essas pessoas recorrerem a uma loja de cuecas para 
centralizar a coleta de apoios a um abaixo-assinado e não terem pensado, 
por exemplo, em procurar uma entidade do movimento lgbt, parece dizer 
algo não muito alentador sobre a distância desse movimento em relação a 
suas supostas bases de representação.
Diante de desafios tão formidáveis, as melhores esperanças talvez ainda 
18 Sobre a relação entre mercado segmentado e o movimento, ver Isadora Lins França, Cercas e pontes: 
o mercado gls e o movimento glbt. Dissertação de mestrado. São Paulo, usp, 2006.
provenham das imagens das Paradas do Orgulho lgbt, onde as diferenças 
se mostram e convivem de forma estimulante e pacífica no mesmo espaço 
público. Nelas parece se refazer a expectativa que o movimento lgbt possa 
atualizar permanentemente a promessa de celebração de identidades ví-
vidas, diversas e porosas, sobre um terreno renovado e compartilhado de 
igualdade. 
37Direitos Humanos, Direitos Sexuais e Homossexualidade
Direitos Humanos, Direitos Sexuais e Homossexualidade
Roger Raupp Rios1
Introdução
Este texto objetiva fornecer um panorama da trajetória dos direitos sexu-
ais a partir da perspectiva dos direitos humanos. Para tanto, na primeira 
parte, aponta os princípios fundamentais que animam o desenvolvimento 
dos direitos sexuais no cenário internacional, com ênfase nos direitos de 
liberdade, privacidade, igualdade e respeito à dignidade da pessoa humana. 
Na segunda, indica as principais tendências e tensões dos direitos sexuais 
no Brasil.
O desenvolvimento dos Direitos Sexuais na perspectiva dos Direitos 
Humanos
A relação entre o direito, entendido como ordenamento jurídico (isto é, o 
conjunto de instrumentos normativos estatais vigente num determinado 
momento, englobando atos legislativos e decisões judiciais) e a sexualidade 
não é novidade. Tradicionalmente, o direito foi produzido como instrumen-
to de reforço e de conservação dos padrões morais sexuais majoritários e 
dominantes. Vale dizer, o direito atuou confirmando determinadas relações 
e práticas sexuais hegemônicas. Exemplos disto são, ao longo da história, a 
naturalização da família nuclear pequeno-burguesa, as atribuições de direitos 
e deveres sexuais entre os cônjuges e a criminalização de atos homossexuais. 
1 Juiz Federal. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – ufrgs. 
38 Roger Raupp Rios 39Direitos Humanos, Direitos Sexuais e Homossexualidade
Com a emergência de movimentos sociais reivindicando a aceitação de 
práticas e relações divorciadas dos modelos hegemônicos, levou-se à are-
na política e ao debate jurídico a idéia dos direitos sexuais, especialmente 
dos direitos de gays, lésbicas, travestis e transexuais. O surgimento des-
tas demandas e o reconhecimento de alguns direitos, ainda que de modo 
lento e não uniforme, inaugurou uma nova modalidade na relação entre 
os ordenamentos jurídicos e a sexualidade. Os direitos sexuais devem ser 
compreendidos no contexto da afirmação dos direitos humanos, ao invés 
de apartá-los e concebê-los de modo paralelo aos princípios fundamentais 
consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Nesta perspectiva dos direitos humanos, a trajetória dos direitos sexuais 
tem enfrentado desafios e originalidade. De fato, conforme a história dos 
instrumentos internacionais demonstra, os direitos sexuais não foram con-
cebidos originalmente de modo autônomo aos direitos reprodutivos. Ao 
contrario, eles foram entendidos como uma espécie de complemento da 
idéia de direitos reprodutivos. Efetivamente, a preocupação principal que 
historicamente orientou a expressão “direitos reprodutivos e sexuais” foi a 
denúncia da injustiça presente nas relações de gênero e a negação de auto-
nomia reprodutiva. Não há dúvida da importância da luta contra a injustiça 
reprodutiva e entre os gêneros. Todavia, como a reflexão e a prática dos 
direitos sexuais deixam muito claro, o âmbito da sexualidade vai bem além 
destas realidades. Esta dimensão da realidade requer a que se leve a sério a 
liberdade de expressão sexual, direito que é desafiado especialmente diante 
de resistência ao reconhecimento de direitos de homossexuais, masculi-
nos ou femininos, transexuais e travestis. Ademais, a afirmação de direitos 
sexuais vai além da proteção desta ou daquela identidade sexual (homos-
sexual ou travesti, por exemplo) e alcança, inclusive, práticas sexuais não 
necessariamente vinculadas à condição identitária, como exemplificam as 
práticas sadomasoquistas e a prostituição. 
O que importa, portanto, é visualizar os direitos sexuais a partir dos 
princípios fundamentais que caracterizam o paradigma dos direitos hu-
manos, criando as bases para uma abordagem jurídica que supere as tra-
dicionais tendências repressivas que marcam historicamente as atuações 
de legisladores, promotores, juízes e advogados nesses domínios. A partir 
desta perspectiva, estabelecem-se as bases para, superando-se regulações 
repressivas, concretizarem-se os princípios básicos da liberdade, da igual-
dade, da não-discriminação e do respeito à dignidade humana na esfera da 
sexualidade.
A luta pelo reconhecimento e a promoção dos direitos de homossexuais 
é um caso emblemático da necessidade de uma compreensão dos direitos 
sexuais na perspectiva dos direitos humanos. Com efeito, as trajetórias até 
hoje percorridas neste esforço demonstram como os mencionados princí-
pios fundamentais são hábeis a proteger indivíduos e grupos considerados 
minoritários em face dos padrões sexuais dominantes. Trata-se de afirmar 
a pertinência da sexualidade ao âmbito de proteção dos direitos humanos, 
deles extraindo força jurídica e compreensão política para a superação de 
preconceito e de discriminação voltados contra todo comportamento ou 
identidade sexuais que desafie o heterossexismo, ora entendido como uma 
concepção de mundo que hierarquiza e subordina todas as manifestações 
da sexualidade a partir da idéia de “superioridade” e de “normalidade” da 
heterossexualidade. 
Ao longo dos debates sobre diversidade sexual e direitos humanos, são 
invocados vários direitos: liberdade sexual; integridade sexual; segurança 
do corpo sexual; privacidade sexual; direito ao prazer; expressão sexual; 
associação sexual e informação sexual. Neste campo, os direitos humanos 
cuja invocação se revelou mais capaz de proteger homossexuais em face da 
homofobia e do heterossexismo foram, basicamente, o direito de privacida-
de e o direito de igualdade.
Com efeito, decisão da Corte Européia de Direitos Humanos, exami-
nando a lei penal da Irlanda do Norte criminalizadora de práticas homos-
sexuais consensuais entre adultos, considerou que tal tratamento viola o 
artigo 8º da Convenção Européia de Direitos Humanos, onde se garante o 
respeito à vida familiar e privada (caso Dudgeon v. UK, 1981). Desde então, 
predomina no direito europeu a compreensão de que o direito humano de 
privacidade protege homossexuais em face de discriminação em virtude de 
sua orientação sexual. 
Relacionado de modo indissociável à privacidade está o direito de liber-
dade, mesmo porque a privacidade nada mais é do que uma manifestação, 
no âmbito das relações interpessoais, do próprio direito de liberdade. Com 
efeito, o direito de liberdade possibilita aos indivíduos, de forma autônoma, 
a tomada de decisões quanto aos objetivos e aos estilos de vida. Diante da 
importância ímpar que a sexualidade assume na construção da subjetivida-
de e no estabelecimento de relações pessoais e sociais, a liberdadesexual, 
que também se expressa como direito à livre expressão sexual, é concreti-
zação mais que necessária do direito humano à liberdade.
40 Roger Raupp Rios 41Direitos Humanos, Direitos Sexuais e Homossexualidade
Não ser discriminado em virtude de orientação sexual é outro direito 
humano decisivo para a proteção de homossexuais em face da homofo-
bia e do heterossexismo. Tanto na sua dimensão formal (“todos são iguais 
perante a lei”), quanto na sua dimensão material (“tratar igualmente os 
iguais e desigualmente os iguais, na medida de sua desigualdade”), o direi-
to de igualdade não se compadece com tratamentos prejudiciais baseados 
na orientação sexual. Desse modo, restrições de direitos não autorizadas 
em lei (por exemplo, a proibição de manifestações de carinho entre ho-
mossexuais idênticas àquelas admitidas para heterossexuais), bem como 
preterições de direitos fundadas em preconceito (por exemplo, justificar a 
exclusão de gays e lésbicas da possibilidade de adotar sob o pretexto de da-
nos à criança), caracterizam violação do direito de igualdade, diretamente 
vinculada ao âmbito dos direitos sexuais.
A proibição de discriminação por orientação sexual, por vezes, é ex-
plicitamente prevista pelo direito. Exemplos disso são as Constituições de 
países como a África do Sul e do Equador e de Estados brasileiros como 
Sergipe e Mato Grosso. Na maioria das vezes, o que ocorre é a proibição 
decorrente da abertura das listas de critérios proibidos de discriminação, 
que são expressas ao admitir, além dos fatores previstos (raça e origem, 
por exemplo), quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, iv, da 
Constituição Federal de 1988).
Além disso, nunca é demais salientar que a discriminação por orientação 
sexual é uma espécie de discriminação por motivo de sexo, o que é vedado 
textualmente pelo direito. Isto porque a discriminação por orientação se-
xual é uma hipótese de diferenciação fundada no sexo da pessoa para quem 
alguém dirige seu envolvimento sexual, na medida em que a caracterização 
de uma ou outra orientação sexual resulta da combinação dos sexos dos en-
volvidos. Assim, Pedro sofrerá ou não discriminação por orientação sexual 
precisamente em virtude do sexo da pessoa para quem dirigir seu desejo 
ou conduta sexuais. Se orientar-se para Paulo, experimentará a discrimina-
ção; se dirigir-se para Maria, não suportará tal diferenciação. Os diferentes 
tratamentos têm sua razão de ser no sexo de Paulo (igual ao de Pedro) 
ou de Maria (oposto ao de Pedro). Contra este raciocínio, pode-se objetar 
que a proteção constitucional em face da discriminação sexual não alcança 
a orientação sexual, pois o discrímen não se define pelo sexo de Paulo ou de 
Maria, mas pela coincidência sexual, tanto que homens e mulheres, nesta 
situação, são igualmente discriminados. Este argumento não subsiste a um 
exame mais apurado. Isto porque é impossível a definição da orientação 
sexual sem a consideração do sexo dos envolvidos; ao contrário, é essencial 
para a caracterização da orientação sexual levar-se em conta o sexo, tanto 
que é o sexo de Paulo ou de Maria que ensejará ou não a discriminação 
sofrida por Pedro. O sexo da pessoa envolvida em relação ao sexo de Pedro 
é que vai qualificar a orientação sexual como causa de eventual tratamento 
diferenciado.
A proteção da dignidade humana é outro direito humano básico com 
repercussões imediatas para o exercício dos direitos sexuais por travestis, 
transexuais, gays e lésbicas. Compreendida como o reconhecimento do va-
lor único e irrepetível de cada vida humana, merecedora de respeito e con-
sideração, este direito humano requer que, na esfera da sexualidade, nin-
guém seja vilipendiado, injuriado ou qualificado como abjeto em virtude 
de orientação sexual diversa da heterossexualidade. Implica também que 
os projetos de vida, concernentes a tão importante dimensão da subjetivi-
dade, não sejam impostos por terceiros ao sujeito, de forma heterônoma, 
fazendo do indivíduo um meio para o reforço de determinadas visões de 
mundo, a este externas e alheias. A violação a este princípio tão fundamen-
tal no regime jurídico dos direitos humanos é recorrente: basta atentar para 
os constrangimentos e imposições experimentados por aqueles que não se 
conformam a valores, costumes e tradições, de ordem secular ou religiosa, 
que grupos sociais empunham e reclamam submissão.
 
Direitos Sexuais no Brasil: tendências e tensões
 
No contexto nacional, o marco mais significativo sobre diversidade sexual e 
direitos sexuais é o Programa Brasil sem Homofobia (Programa de Comba-
te à Violência e à Discriminação contra gltb - gays, lésbicas, transgêneros 
e bissexuais - e de Promoção da Cidadania de Homossexuais), lançado em 
2004 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, a partir de definição do 
Plano Plurianual ppa – 2004-2007 (brasil, 2004). Trata-se, na suas pala-
vras, de programa constituído de diferentes ações, objetivando (a) o apoio 
a projetos de fortalecimento de instituições públicas e não-governamentais 
que atuam na promoção da cidadania homossexual e/ou no combate à ho-
mofobia; (b) capacitação de profissionais e representantes do movimento 
homossexual que atuam na defesa de direitos humanos; (c) disseminação 
de informações sobre direitos, de promoção da auto-estima homossexual; 
e (d) incentivo à denúncia de violações dos direitos humanos do segmento 
42 Roger Raupp Rios 43Direitos Humanos, Direitos Sexuais e Homossexualidade
gltb (brasil, 2004). Antes dele, as duas versões do Plano Nacional de Di-
reitos Humanos (de 1996 e 2002) mencionaram o combate à discriminação 
por orientação sexual, sem, contudo, emprestar ao tópico maior desenvol-
vimento.
Como dito acima, na trajetória dos direitos humanos, a afirmação da se-
xualidade como dimensão digna de proteção é relativamente recente, tendo 
como ponto de partida, no contexto internacional, a consagração dos di-
reitos reprodutivos e da saúde sexual como objetos de preocupação (rios, 
2007). Em âmbito nacional, a inserção da proibição de discriminação por 
orientação sexual iniciou-se em virtude de demandas judiciais, a partir 
de meados dos anos 1990, voltadas para as políticas de seguridade social 
(leivas, 2003). Seguiram-se às decisões judiciais iniciativas legislativas, 
municipais e estaduais, concentradas nos primeiros anos no segundo milê-
nio, espalhadas por diversos Estados da Federação (vianna, 2004).
Um exame do conteúdo destas iniciativas e da dinâmica com que elas são 
produzidas no contexto nacional chama a atenção para duas tendências: a 
busca por direitos sociais como reivindicação primeira onde a diversidade 
sexual se apresenta e a utilização do direito de família como argumentação 
jurídica recorrente. Estas tendências caracterizam uma dinâmica peculiar 
do caso brasileiro em face da experiência de outros países e sociedades oci-
dentais, onde, via de regra, a luta por direitos sexuais inicia-se pela proteção 
da privacidade e da liberdade negativa e a caracterização jurídico-familiar 
das uniões de pessoas do mesmo sexo é etapa final de reconhecimento de 
direitos vinculados à diversidade sexual.
Além destas tendências, a inserção da diversidade sexual, assim como 
manifestada na legislação existente, revela a tensão entre as perspectivas 
universalista e particularista no que diz respeito aos direitos sexuais e à 
diversidade sexual, de um lado, e à luta por direitos específicos de minorias 
sexuais, de outro. 
A primeira tendência a ser examinada é a utilização de demandas reivin-
dicando direitos sociais como lugar onde se defendeu a diversidade sexual. 
Como referido, enquanto em países ocidentais de tradição democrática a 
luta por direitos sexuais ocorreu, inicialmente, pelo combate a restrições 
legais à liberdade individual, no caso brasileiro o que percebe é a afirmação 
da proibição da discriminação

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