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NIETZSCHE E A CRÍTICA AO HISTORICISMO UMA ANÁLISE A PARTIR DA RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E VIDA NA SEGUNDA CONSIDERAÇÃO INTEMPESTIVA

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA 
 
 
 
 
MÁRCIO JOSÉ SILVA LIMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NIETZSCHE E A CRÍTICA AO HISTORICISMO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA 
RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E VIDA NA SEGUNDA CONSIDERAÇÃO 
INTEMPESTIVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JOÃO PESSOA – PB 
2012 
 
MÁRCIO JOSÉ SILVA LIMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NIETZSCHE E A CRÍTICA AO HISTORICISMO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA 
RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E VIDA NA SEGUNDA CONSIDERAÇÃO 
INTEMPESTIVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Filosofia, do centro de Ciências 
Humanas Letras e Artes da Universidade Federal da 
Paraíba – UFPB, em cumprimento às exigências 
para obtenção do título de Mestre em Filosofia. 
 
Orientador: Prof. Dr. Robson Costa Cordeiro. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JOÃO PESSOA – PB 
2012 
 
 
 
 
 
 L732n Lima, Márcio José Silva. 
 Nietzsche e a crítica ao historicismo: uma análise a partir da 
relação entre história e vida na segunda consideração 
intempestiva / Márcio José Silva Lima.- João Pessoa, 2012. 
 89f. 
 Orientador: Robson Costa Cordeiro 
 Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA 
 1. Nietzsche, Friedrich Wilhelm, 1844-1900 – crítica e 
interpretação. 2. Filosofia. 3. História. 4. Historicismo. 5. Vida. 
6. Força plástica. 
 
 
UFPB/BC CDU: 1(043) 
 
 
MÁRCIO JOSÉ SILVA LIMA 
 
 
 
 
NIETZSCHE E A CRÍTICA AO HISTORICISMO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA 
RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E VIDA NA SEGUNDA CONSIDERAÇÃO 
INTEMPESTIVA 
 
 
Avaliado em _____/____/____ 
Nota/conceito _____________ 
 
 
Banca examinadora 
 
_________________________________________ 
Dr. Robson Costa Cordeiro 
Orientador 
 
_________________________________________ 
Dr. Miguel Antonio do Nascimento 
Membro interno 
 
_________________________________________ 
Dr. Stefan Vasilev Krastanov 
Membro externo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedicado a minha família: pai, mãe, 
irmãos, esposa, filhas, cunhadas e 
cunhados. Ao meu orientador, aos 
professores e amigos por ter me 
auxiliado na execução desta pesquisa. 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
A minha esposa Ana Maria Marques Vieira, minhas filhas Bárbara Correia 
Lima e Bruna Maria Marques Lima, aos meus pais Sebastião Ferreira de Lima 
e Maria das Graças Silva Lima e aos meus irmãos Maricélia Silva Lima, José 
Marcelo Silva Lima e Marenilda Silva Lima pela admiração, o incentivo e a 
dedicação. 
 
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Filosofia em especial ao 
professor Robson Costa Cordeiro por ter me iniciado na filosofia de Nietzsche, 
pela orientação e principalmente pela amizade; ao professor Bartolomeu Leite 
da Silva pelo convívio acadêmico, a amizade e o aprendizado; aos professores 
Miguel Antonio do Nascimento e Sérgio Luís Persch pelas importantes 
observações e sugestões durante a qualificação e ao professor Stefan Vasilev 
Krastanov por ter participado da banca, contribuindo com sua experiência e 
conhecimento. 
 
Aos funcionários do PPGFIL, sobretudo, Chico, Paulo e Fátima pelo apoio nos 
problemas de ordens burocráticas. Ao coordenador professor Anderson D’arc 
pelas aulas e pelo auxílio sempre quando necessário. Aos funcionários das 
bibliotecas do SENAC, do Centro de Educação – UFPB e da FUNESC por 
conservar um lugar tão aconchegante, calmo e sereno. 
 
Aos colegas da UFPB, principalmente, Aurenívia Gomes da Costa, Cláudio 
Vasconcelos dos Santos, Josimar R. Herculano, Felix Antonio de Medeiros 
Filho, Gustavo de Castro, Luciano Pereira da Silva, Marco de Holanda, Neilton 
de Oliveira Silva, Francialisson Berto C. Diniz, Simone de Oliveira Beltrão 
Leite e Rodolfo Ramalho de Souza, pelos momentos de discussão e 
principalmente pela amizade. 
 
Aos demais amigos, que de forma direta ou indireta, colaboraram com meus 
estudos, em especial aos amigos Luís Felipe, Jarcelma Clícia, Cláudio Lima e 
Adelmo Santos pelo apoio e colaboração nos momentos em que deles precisei. 
 
 
 
À CAPES-REUNI pela concessão da bolsa de estudos, o que acabou por 
possibilitar o financiamento e viabilizar o melhor desenvolvimento da pesquisa 
através da aquisição de livros, participação em encontros dentro e fora do 
Estado, etc. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Até hoje Nietzsche foi ou bem 
elogiado e imitado ou bem insultado e 
explorado” 
 
 Martin Heidegger 
 
 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho tem por finalidade analisar, através de uma leitura interpretativa, a crítica 
nietzschiana ao historicismo a partir da relação entre história e vida. O historicismo é 
compreendido nesta dissertação como o uso exagerado do conhecimento histórico, a crença 
em uma filosofia da história conforme apresentou o hegelianismo e a objetividade da história 
enquanto ciência moderna. Segundo Nietzsche, a forma como se concebia a história no século 
XIX, tornava a vida doente e degenerada. O excesso de cultura histórica retirava do homem o 
poder próprio da criação e lhe restringia a mera reprodução do passado. O passado era visto 
como um modelo a ser copiado, pois, influenciado pela filosofia da história que apontava para 
um devir determinado por uma entidade metafísica e o cientificismo que concebia a história 
como uma ciência que descreve com exatidão o passado, o homem tornou-se incapaz de criar 
e passou apenas a viver a história dos outros, a história daqueles que já foram. A humanidade 
tornou-se velha, caduca, sem vitalidade. Neste contexto, em sua Segunda Intempestiva, o 
filósofo alemão aponta para aquilo que seria uma utilização proveitosa da história a serviço da 
vida. Refletindo sua utilidade e sua desvantagem, o pensador direciona os rumos da história 
para um outro sentido. Uma nova maneira de se conceber a história como atividade criativa 
em extrema consonância com a vida. 
 
 
PALAVRAS-CHAVE: Nietzsche, História, Historicismo, Vida, Força Plástica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The present work has for purpose analyze through a interpretative reading, the critical of the 
Nietzsche to the historicism starting from the relationship between history and life. The 
historicism is understood in this dissertation as the exaggerating use of the historical 
knowledge, the faith in a philosophy of the history as it presented the Hegelianism and the 
objectivity of the history while modern science. According to Nietzsche, the way the story 
was conceived in the nineteenth century, it turned the life sick and degenerate. The excess of 
historical culture removed the power of man's own creation and it restricted the mere 
reproduction of thepast. The past was seen as a model to be copied, therefore, influenced by 
the philosophy of history that pointed to a becoming by an entity determined by metaphysics 
and scientism which conceived of history as a science that accurately describes the past, man 
has become incapable create and passed only to live the history of others, the history of those 
that had died. Humanity has become old, obsolete, without vitality. In this context, on his 
Second Untimely, the German philosopher appears for that that would be a profitable use of 
the history to service of the life. Reflecting her usefulness and her disadvantage, the thinker 
addresses the directions of the history for another sense. A new way to conceive the history as 
creative activity in extreme consonance with the life. 
 
 
KEY WORDS: Nietzsche, History, Historicism, Life, Plastic Forces. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO: 
 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11 
1 A INFLUÊNCIA DE JACOB BURCKHARDT NA CRÍTICA NIETZSCHIANA AO 
HISTORICISMO ...................................................................................................................... 14 
1.1 O encontro com Burckhardt ............................................................................................... 14 
1.2 A filosofia da história e o seu progresso............................................................................. 15 
1.3 O ideal de grandeza ............................................................................................................ 17 
1.4 A arte como criação ............................................................................................................ 21 
1.5 O legado de Burckhardt ...................................................................................................... 24 
2 A CRÍTICA AO HISTORICISMO ....................................................................................... 27 
2.1.1 Precedentes gerais da filosofia da história em Hegel ...................................................... 27 
2.1.2 O olhar nietzschiano ........................................................................................................ 32 
2.2 A história como ciência na Modernidade ........................................................................... 40 
2.2.1 Sobre a objetividade e a cientificidade da história .......................................................... 40 
2.2.2 A posição de Nietzsche sobre a história enquanto ciência .............................................. 45 
3 DA RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E VIDA ..................................................................... 53 
3.1 Os perigos da história para uma época: o excesso de cultura histórica .............................. 53 
3.2 Sobre as três espécies de história ........................................................................................ 65 
3.2.1 A história monumental .................................................................................................... 66 
3.2.2 A história antiquária ........................................................................................................ 69 
3.2.3 A história crítica .............................................................................................................. 72 
3.2.4 Considerações acerca das três espécies de história ......................................................... 75 
3.3 Esquecimento, memória e força plástica ............................................................................ 77 
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 84 
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 87 
 
 
 11 
INTRODUÇÃO 
 
A Segunda Consideração Intempestiva configura o texto mais longo e consistente 
daquilo que concerne à crítica nietzschiana à historiografia de sua época. Escrito em 1873 e 
publicado em 1874, o texto traz à tona uma nova percepção e uma nova forma de se conceber 
a história. Nele Nietzsche afirma que pela primeira vez a história fora tratada como uma 
doença (NIETZSCHE, 2009, p. 64). Tanto é que a princípio o texto deveria ser chamado de 
“A Doença Histórica”, mas talvez por indicação do seu editor, fora lançado com o título de 
Vom Nutzen und Nachtheil der Historie für das Leben (Da Utilidade e Desvantagem da 
História Para a Vida). 
O texto surge como a segunda das quatro extemporâneas, conjunto de obras pela qual 
Nietzsche após publicar o Nascimento da Tragédia, quis levar a cabo toda sua crítica dirigida 
à sociedade da época (SOBRINHO, 2005, p. 13). Tratando da história dentro do âmbito da 
filosofia, Nietzsche traça duras críticas às diversas correntes e abordagens historiográficas de 
seu tempo, especialmente ao hegelianismo e à cientificidade do conhecimento histórico. 
Paralelamente, sua crítica também é endereçada ao próprio excesso de “cultura histórica” 
compreendida aqui como historicismo. Para Eugen Fink, “trata-se de uma crítica do sentido 
histórico como sinal de uma decadência cultural” (FINK, 1983, p. 38). 
Segundo Reis, Nietzsche foi um dos primeiros pensadores a recusar a tirania da razão 
sobre o sentido histórico (REIS, 2005, p. 42). A crença e os valores em que o homem 
moderno estava inserido, prefigurava para Nietzsche, uma cultura doente. Uma cultura 
impregnada de cristianismo, pessimismo, ciência, racionalismo e que ainda se autodestruia 
pelo excesso histórico. A crença, a valoração moral e o historicismo enquanto excesso de 
cultura histórica foi, pelo filósofo alemão, tomado como sintoma de uma decadência que já 
aparecera desde a Grécia socrático-platônica. É neste ambiente que o esforço de Nietzsche, a 
partir de O Nascimento da Tragédia, foi concentrado na tentativa de buscar a restituição da 
“Vida”1 que passou a se degenerar a partir do platonismo. 
 
1
 A vida tratada aqui não é algo no sentido meramente fisiológico ou biológico. Ela é compreendida como aquilo 
que surge a partir da dimensão não-histórica do acontecer. Ou seja, vida é aquilo que surge diante do que ainda 
não existiu, do que ainda não é histórico e que proporciona a criação, a possibilidade para o criar (história é 
vida). A vida seria então, esse todo temporal que em seu eterno devir, através do homem, lembra e esquece, cria 
e destrói. Isso no âmbito da Segunda Intempestiva, porque analisando as obras posteriores, podemos 
compreender vida como Vontade de Poder. Assim sendo, a Vontade de Poder enquanto vida seria o poder 
criador que de súbito se faz presente, uma afecção que arrebata para um possível modo de ser. Em outras 
palavras, a Vontade de Poder é uma possibilidade, uma perspectiva de vida que aparece e norteia o homem em 
direção a um sentido. Contudo, por termos nos centrado na Segunda Intempestiva e o conceito de Vontade de 
Poder ter sido desenvolvido posteriormente, evitamos utilizá-lo nesta pesquisa. 
 12 
Já para o filósofo italiano Gianni Vattimo, a Segunda Consideração Intempestiva 
apresenta-se genuinamente como a primeira crítica ao historicismo do século XIX. Para ele, a 
crítica direcionou-se não tanto à forma metafísica hegeliana de se compreender a história 
como um devir dialético, mas, sobretudo, à própria historiografia enquanto ciência tão 
caracterizada na educação do homem oitocentista (VATTIMO, 1990, p. 28). De fato, como já 
foi dito antes, o próprio Nietzsche ao escrever sua obra Ecce Homo, declarou que na SegundaIntempestiva o sentido histórico pela primeira vez fora reconhecido como uma doença. 
Todavia, Vattimo não deixa de enfatizar a crítica nietzschiana em relação ao hegelianismo e 
ao cristianismo (VATTIMO, 1990, p. 28). 
Ao criticar as historiografias existentes em sua época, Nietzsche abraçou o 
pensamento de seu amigo Jacob Burckhardt e a partir dele construiu sua própria maneira de 
conceber a história. Buscaremos evidenciar no primeiro capítulo, que influenciado e inspirado 
pela forma como o amigo pensador percebia a história, Nietzsche deixa transbordar seu 
pensamento para daí em diante elaborar sua própria forma de compreender a utilidade e 
desvantagem da história para a vida. Utilizando-se de uma apropriação produtiva do 
pensamento de Burckhardt, nosso filósofo passa a criar – não simplesmente reproduzindo o 
mestre – sua forma peculiar de perceber como a história poderia configurar um bem à serviço 
da vida. 
No segundo capítulo, mostraremos que além de criticar a história enquanto um 
excesso de conhecimento, enquanto um exacerbamento de cultura histórica, será também 
tema central na crítica nietzschiana, a filosofia da história apresentada pelo idealismo 
hegeliano, bem como a história enquanto disciplina científica aos moldes da ciência moderna. 
Em outras palavras, Nietzsche além de criticar a historiografia científica que influenciada pelo 
positivismo buscava descrever com precisão os eventos passados, criticou também o 
hegelianismo por apresentar uma teleologia conformista em relação ao presente, um modelo 
cuja finalidade estaria submetida à realização do Espírito Absoluto frente ao Estado, 
desdobrando tais acontecimentos no fim da história. 
Assim, tanto o hegelianismo com o seu providencialismo, seu progresso e seu fim da 
história, quanto o cientificismo histórico positivista são duas faces de uma mesma moeda em 
que Nietzsche não economiza esforços para criticar em sua Segunda Intempestiva. Para 
Nietzsche, falar de cultura histórica no século XIX era falar em exacerbamento, em excesso, 
em exagero de conhecimento sobre o passado. Tal exagero tanto tinha sido construído pela 
filosofia da história hegeliana quanto pela pretensão de se elevar a história ao patamar de uma 
disciplina científica exata, tal como era tratada a Física e a Matemática. 
 13 
A este exacerbamento de cultura histórica, a este excesso de conhecimento do passado, 
Nietzsche vai chamar doença histórica. A cultura no século XIX, aos olhos do filósofo 
alemão estava doente, em decadência, ou seja, aos poucos se degenerava. Como solução 
Nietzsche apresenta o esquecimento. Trataremos deste tema no terceiro capítulo mostrando 
que é o poder esquecer que vai tornar a cultura histórica mais salutar. Haveria então de se 
tomar uma justa medida entre o lembrar e o esquecer, ou seja, era preciso saber lembrar e 
saber esquecer na medida certa. Esta medida seria proporcionada por uma força ativa, 
expansiva e criadora que Nietzsche destacou tanto na Segunda Extemporânea quanto na 
Genealogia da Moral e que ele denominou força plástica. A história acabaria por se tornar 
uma utilidade para a vida. Ela desoneraria o fardo do passado que o homem é condenado a 
carregar e possibilitaria a criação de um novo tempo em que haveria o transbordamento da 
vida. A vida vista dessa forma seria representada não cientificamente como queria o 
cientificismo, mas modelada segundo a arte criativa da força plástica. 
 Neste contexto, veremos que a crítica nietzschiana à cultura histórica insere-se em um 
recorte temporal que é próprio da Modernidade, para ser mais preciso, do século XIX. Neste 
período, o homem moderno apela para aquilo que é próprio da “objetividade”, ou seja, a 
submissão do passado ao presente por meio da passividade historiográfica, do mito da 
neutralidade do historiador frente ao evento passado e do mito da verdade única revelada pelo 
trabalho científico-metodológico do historiador. Na verdade tudo acontece como se o 
historiador tomasse para ele “o dever de ser juiz das grandes ações, das grandes 
individualidades do passado, como se o fato de ter chegado tarde lhe desse alguma 
superioridade sem ter que provar nada mais” (LEFRANC, 2008, p. 290). 
Seria preciso, pois, uma história capaz de criar. Tal história deveria compreender uma 
luta contra o determinismo, o reducionismo, o destino inescapável, o mecanicismo e a direção 
única do viver. Para que a história fosse útil à vida, ela deveria lutar contra o sentido histórico, 
a história universal e contra os eventos que só servem para serem copiados (REIS, 2005. p. 
44). Para possibilitar a criação artística, a história deveria defender o direito à vida, não se 
limitar pela tradição e seguir os instintos, a imaginação, a possibilidade de criar. Esta foi a 
proposta de Nietzsche ao longo da Segunda Intempestiva, apresentar como a história deveria 
ser tomada como um propósito para tornar saudável a vida. É com base neste pensamento e 
buscando interpretar sua filosofia que vamos procurar expor de modo claro e sucinto neste 
trabalho dissertativo aquilo que Nietzsche compreendeu como a “utilidade e a desvantagem 
da história para a vida”. 
 
 14 
1 A INFLUÊNCIA DE JACOB BURCKHARDT NA CRÍTICA NIETZSCHIANA AO 
HISTORICISMO 
 
1.1 O encontro com Burckhardt 
 
 
 Em 1869, aos vinte e quatro anos de idade, o jovem Nietzsche chega à Universidade 
de Basiléia para ser professor de filologia clássica. Lá encontra o professor Jacob Burckhardt 
por quem tem grande admiração e passa a assistir suas aulas sobre o estudo da história. Em 
uma de suas cartas endereçadas a Von Geersdorff em 1870, Nietzsche fala de sua admiração 
pelo mestre historiador acreditando ser o único, entre os seus alunos, a entender 
verdadeiramente a sua linha de pensamento. E vai mais adiante, afirma que pela primeira vez 
gostou realmente de uma palestra e que aquela era o tipo de palestra que ele seria capaz de 
ministrar quando estivesse mais maduro (NIETZSCHE apud DRU, 2003, p. 83). 
 Segundo Peter Burke, a concepção burckhardtiana de história era totalmente 
divergente da maioria dos seus contemporâneos. Burckhardt rejeitava tanto o hegelianismo 
quanto o positivismo que atribuía à história o caráter de ciência no sentido moderno. Sobre a 
filosofia da história hegeliana, ensinava aos seus alunos que suas aulas sobre o estudo da 
história estavam dissociadas de “qualquer filosofia da história”. Sendo para ele, tal filosofia 
um contra-senso, uma vez que a história era a-filosófica e a filosofia a-histórica (BURKE, 
2009, p. 19-20). Ou seja, em filosofia não há historicidade, no sentido do pensamento ser 
sempre permanente, e em história não há filosofia no sentido de não existir nela uma filosofia 
da história aos moldes do hegelianismo. 
 Quanto à ideia de uma história aos moldes da ciência moderna, Burckhardt discordava, 
pois para ele a história deveria ser vista como uma arte. A história era uma modalidade 
literária equivalente à poesia, pois era uma arte produzida para agradar o espírito. Por isso, 
procurava no passado aquilo que de mais interessante este pudesse lhe oferecer. Não gostava 
de acumular fatos, pois para ele, os fatos necessários ao homem são aqueles que traduzem 
uma ideia de grandeza ou que marcaram de forma extraordinária uma época (BURKE, 2009, 
p. 19-20). A história para Burckhardt, assim como para Nietzsche, deveria ser caracterizada 
por uma força magistral que estivesse a serviço da vida e que fosse capaz de gerar grandes 
homens. 
 A análise da Segunda Consideração Intempestiva: da utilidade e desvantagem da 
história para a vida e das aulas proferida por Burckhardt em Basiléia, mais tarde editada com 
o título Reflexões sobre a história, permite-nos observara influência de Burckhardt no 
 15 
pensamento de Nietzsche, sobretudo, no que concerne a pontos chaves como: a ideia de 
grandeza, a inexistência de grandes homens na modernidade, a influência da arte no processo 
de criação e as críticas ao historicismo e ao progresso da história. São os temas proferidos por 
Burckhardt em suas aulas que fizeram o jovem Nietzsche ruminá-las e comentá-las a sua 
maneira ao falar da utilidade e dos inconvenientes da história para a vida. 
 
1.2 A filosofia da história e o seu progresso 
 
 Mesmo sendo de uma época em que a filosofia da história e o cientificismo histórico 
estavam em alta, Burckhardt esteve pouco à vontade com tais acontecimentos. Em sua obra 
póstuma Reflexões Sobre a História, editada a partir dos escritos para as suas aulas em 
Basiléia, Burckhardt descreve a filosofia da história com as seguintes palavras: 
 
No concernente às qualidades características da filosofia histórica vigente 
até agora, cumpre-nos observar que ela seguia a História e fornecia-nos 
visões longitudinais dos acontecimentos, em outras palavras: ela seguia um 
critério cronológico. Desta maneira tentava elaborar um programa geral da 
evolução mundial, na maioria das vezes sob um ponto de vista 
extremamente otimista (BURCKHARDT, 1961, p. 10-11). 
 
 Segundo Burckhardt, Hegel afirmara a razão como o único pensamento acrescentado 
pela filosofia a comandar o mundo. Concluía-se deste pensamento que o resultado da história 
universal deveria ser o reconhecimento de um processo evolutivo do Espírito em todo o 
mundo. Hegel desenvolveu a ideia segundo a qual, a história universal seria formada a partir 
de um processo evolutivo do espírito que chega a consciência plena de sua própria 
significação. Dessa forma, seria possível perceber um progresso que tinha como finalidade, 
levar a história ao processo de liberdade através dos tempos; pois no Oriente, a liberdade 
pertencia a um só, o rei, na Grécia clássica, a poucos, os cidadãos, e, nos tempos modernos, a 
todos, pois todos se tornaram livres (NÓBREGA, 2007, p. 70). 
 Entretanto, a ironia de Burckhardt se faz presente ao afirmar que “não fomos iniciados 
nos desígnios da sabedoria eterna e, portanto não os conhecemos. Esta audaz antecipação de 
um plano mundial conduz a erros por partir de premissas errôneas” (BURCKHARDT, 1961, 
p. 11). Para Burckhardt, a ideia de um Espírito Absoluto determinando a história universal, 
não passa de premissas equivocadas que não são capazes de convencer por si só. Este era para 
ele, o perigo de toda e qualquer filosofia da história cuja estrutura estivesse posta 
cronologicamente: degenerar-se em uma visão universal da história desconsiderando suas 
 16 
particularidades, como se a história fosse sempre homogênea e limitada aos acontecimentos 
em torno do Estado. 
 Assim como Nietzsche, Burckhardt acreditava que a história estava em constante 
reativação. Por isso, não existiam retas que a conduzissem para um bem ou para um mal. 
Consequentemente, não havia um fim determinando a história, pois ela se auto-regula sem 
que haja a presença de leis externas que a determinem. Para Lima: 
 
Burckhardt descrê que a história tenha leis ou esteja investida de um fim, 
mas, para ele, tampouco se confunde com uma arena em que se 
entredevoram lobos que falam. Em vez de ser isso ou aquilo, a História é a 
residência de um animal contraditório, capaz de atrocidades, de promover e 
de suportar dores incríveis e de criação (LIMA, 2003, p. 14). 
 
 Segundo Burckhardt, “ao passo que os filósofos da história estão presos à especulação 
em torno às origens e devem, portanto, falar também do futuro, nós podemos dispensar essa 
teoria das origens, desligando-nos também, consequentemente das teorias finais, da 
escatologia” (BURCKHARDT, 1961, p. 12). Por conseguinte, seu interesse parece não ter 
sido o da especulação relacionada a uma determinada filosofia da história. Sua motivação 
maior foi analisar o ser humano a partir de suas atribuições diárias, “tal como ele é, sempre foi 
e será”. Este aspecto do pensamento de Burckhardt foi de perto acompanhado pelo jovem 
Nietzsche que fez de sua Segunda Consideração Intempestiva um verdadeiro campo de 
batalha contra a cientificidade da história e o hegelianismo que com sua filosofia da história 
buscou explicar o processo histórico mediante a realização do Espírito Absoluto, ignorando o 
homem em sua peculiaridade. 
 Sobre o que concerne à ideia de progresso, Burckhardt diz – em suas Reflexões sobre a 
história – que existe em nós uma falsa crença em acreditar que uma determinada época seja 
mais importante que outra. Ou seja, a crença de que a época atual seja “melhor” que as 
passadas. Isto acontece pelo fato de sermos egoístas e de nossos anseios pelo conforto nos 
fazer enaltecer as forças e os homens de épocas passadas como os responsáveis pelo nosso 
conforto atual. Perceber a época atual como a melhor, concebê-la como uma época construída 
progressivamente e que as épocas anteriores foram inferiores à nossa é tão somente uma falsa 
crença determinada por nossa vontade de sermos melhores, pois: 
 
Procedemos como se o mundo e a História existisse meramente em função 
de nossas sagradas pessoas, assim, cada um de nós imagina que a sua época 
é o apogeu de todas as épocas precedentes e não, como acontece realmente, 
uma de inúmeras ondas que se sucedem no tempo. [...] Devido ao fato da 
 17 
vida da humanidade constituir um todo indivisível, as sua oscilações 
temporárias e locais só podem ser consideradas “felizes” ou “infelizes”, 
“boas” ou “más” por nossa capacidade limitada de julgar os acontecimentos 
que, na verdade, procedem de uma necessidade superior e inexorável 
(BURCKHARDT, 1961, p. 261-262). 
 
Nietzsche parece corroborar com este pensamento, pois ao longo da Segunda 
Consideração Intempestiva, sua crítica ao ideal de progresso tal como preconizavam os 
positivistas se torna recorrente. Mais tarde em O Anticristo, o filósofo reforça sua crítica 
alegando que: 
 
A humanidade não representa um desenvolvimento para melhor ou mais 
forte ou mais elevado, do modo como hoje se acredita. O “progresso” é 
apenas uma idéia moderna, ou seja, uma ideia errada. O europeu de hoje 
permanece em seu valor muito abaixo do europeu da renascença; mais 
desenvolvimento não significa absolutamente, por alguma necessidade, 
elevação, aumento, fortalecimento (NIETZSCHE, 2007, p. 11). 
 
Assim sendo, a ideia de progresso torna-se vazia e diz respeito apenas ao nosso ponto 
de vista. Somos nós com nosso modo próprio de ver o mundo, permeado pela cultura e pelo 
pensamento de nossa época que fazemos conjecturas, qualificando nosso tempo como tendo 
progredido. É certo que há mudanças de uma era para outra, pois isto já é próprio da natureza 
histórica, entretanto, tal vicissitude não implica necessariamente progresso. 
 
1.3 O ideal de grandeza 
 
 Uma ideia sempre recorrente no pensamento de Burckhardt e que é muito encontrada 
nos escritos de Nietzsche – principalmente na Segunda Intempestiva – é o ideal de grandeza. 
Em Reflexões Sobre a História, Burckhardt nos diz que a noção de grandeza nos é 
indispensável, por isso não devemos ser privados dela. Mas, o que nos faz procurar este ideal? 
Qual o seu significado para o ser humano? O que torna um homem grande? 
 Segundo Burckhardt, nossas respostas para estas perguntas podem variar de acordo 
com a nossa idade ou de acordo com a soma de conhecimentos que tivermos adquirido ao 
longo da vida. Isso ocorre devido a nossa pequenez individual para julgar a grandeza, pois “a 
grandeza é tudo aquilo que nós não somos” (BURCKHARDT, 1961, p. 212). Dessa forma, 
movido pela necessidadee pelo sentimento, construímos arquétipos de grandeza para que 
possamos enfim saciar nossa pequenez. Assim sendo “tendemos, fatalmente, a considerar 
grandes os indivíduos, mortos ou vivos, cujas ações exercem influência decisiva sobre nossas 
 18 
próprias existências e sem cuja interferência nem poderíamos imaginar como seria nossa 
vida” (BURCKHARDT, 1961, p. 213). 
 Acabamos então, por confundir e considerar por grande também os homens que nos 
trouxeram grandes males. Em nossa carência de fundamentar aquilo que realmente é grande, 
confundimos grandeza com poderio. O ideal de grandeza termina sendo aplicado a um 
constructo criado para favorecer um determinado interesse particular. Diante da problemática 
para se delimitar o que é a grandeza, esta nos permanece um mistério. Portanto, não é o 
testemunho de um documento, nem a palavra de um especialista que deve fundamentar a 
grandiosidade de alguém. 
 Ainda segundo Burckhardt, quando determinamos a grandeza de alguém aplicamos 
critérios incertos, desiguais e incoerentes, pois julgamos tal grandeza de acordo com os 
cânones intelectuais, as qualidades morais do indivíduo, depoimentos escritos sobre a 
personalidade em questão, ou de acordo com a nossa reação pessoal que nos leva, de alguma 
forma, a reconhecer tal indivíduo como grande. Por isso em alguns casos, determinados 
indivíduos nos parecem grandes por nossa própria convicção e em outros, somos 
influenciados por uma opinião amplamente divulgada. 
 Percebemos então que o conceito de grandeza está extremamente ligado à soma global 
das considerações que atribuímos à personalidade de um indivíduo. É este indivíduo que 
consideramos grande, pois ele nos influencia de maneira extraordinária através dos séculos e 
dos povos. Em outras palavras, somos tomados por uma força que nos fascina e nos leva a 
considerar tais pessoas como grandes. Mas, quais são os atributos de um grande homem? Para 
Burckhardt: 
 
Um grande homem é aquele sem o qual o mundo nos pareceria incompleto, 
porque determinadas grandes ações só podiam ser concretizadas por ele, em 
sua própria época e ambiente, sendo inconcebível sem ele. O grande homem 
está fundamentalmente ligado ao grande fluxo central das causas e efeitos. 
Há um provérbio que diz: “nenhum ser humano é indispensável”, mas 
justamente os poucos que os são, são grandes homens (BURCKHARDT, 
1961, p. 214-215). 
 
O grande homem é aquele que deixa marcada a sua impressão na história. O som de 
sua ação ecoa e pode ser escutado além dos limites de sua época. É ele que tomado pelo 
instante em que vida se apresenta como uma eterna possibilidade de vir a ser, torna-se 
responsável pela criação de algo tão valioso que o torna singular. Ele se torna único, pois: 
 
 19 
Só é único e insubstituível o homem que dispuser de forças intelectuais e 
morais extraordinárias, cuja atividade se reflete sobre uma coletividade, isto 
é, sobre povos e culturas inteiros ou até mesmo sobre toda a humanidade. 
Entre parênteses seja-nos permitido acrescentar que há um certo tipo de 
grandeza que abrange todo um povo e ainda que há outra espécie de 
grandeza ainda que podemos chamar de parcial ou momentânea, que se 
produz sempre que um indivíduo sacrifica a si próprio ou sua vida em prol 
de uma coletividade. Um ser capaz dessa abnegação atinge, então, um 
estado de elevação tal que o afasta das vicissitudes terrenas e o transfigura 
como um ser superior (BURCKHARDT, 1961, p. 215). 
 
 Em sua descrição sobre os grandes homens, Burckhardt enfatiza as ações produzidas 
pelos artistas, pelos poetas e pelos filósofos. Estes, segundo ele, exercem uma dupla função 
que tem como meta “captar o espírito de seu tempo e do mundo em que viveram e de 
transmiti-lo, como documentos eternos para a posteridade” (BURCKHARDT, 1961, p. 218). 
Neste ponto, é distinguida a grandeza dos grandes inventores e descobridores, da grandeza 
destas três categorias: os filósofos, os artistas e os poetas. Pois, para Burckhardt, as ações dos 
primeiros nunca foram de todo grandes. Mesmo que a eles tenham sido edificados estátuas e 
monumentos, nunca alcançaram a grandeza propriamente dita, pois por mais que seus 
inventos e descobertas tenham influenciado o mundo e determinado os rumos da história, 
ainda assim poderiam ter sido substituídos. Ou seja, posteriormente outros teriam criado seus 
inventos ou feito suas mesmas descobertas. 
 Por outro lado, as ações dos artistas, poetas e filósofos se sobrepõem justamente pela 
sua singularidade. Suas ações tornam-se únicas e impossíveis de serem repetidas. São 
utilizadas como fontes de inspiração e reflexão, mas jamais podem ser reproduzidas. Aqui 
Burckhardt cita como exemplo a descoberta da América por Cristóvão Colombo. A dedicação 
e o empenho de Colombo em realizar a navegação que o fez descobrir a América não lhe fez 
perfeitamente um grande homem, pois se ele não tivesse descoberto, outra pessoa teria. Em 
contrapartida, a atividade produzida por homens como Platão, Ésquilo ou Rafael, jamais teria 
sido apresentada à humanidade se não fosse por eles próprios desenvolvidas. 
 Sobre a grandeza daqueles que atuam no campo das ciências, Burckhardt afirma que a 
grandeza dos cientistas também é determinada pela exaltação dos seus feitos em prol dos 
benefícios que estes trazem para a humanidade. Como exemplo ele cita Nicolau Copérnico 
cujos juízos sobre a órbita da terra em torno do Sol fez toda uma tradição ser refutada e um 
novo modo de se perceber o sistema solar foi nas ciências cristalizado. Entra também para o 
hall dos grandes cientistas Galileu e Kepler, pois “devemos aos resultados de suas pesquisas a 
nossa concepção atual de mundo e toda a estrutura do pensamento moderno, classificamos 
tais indivíduos, portanto, entre os filósofos” (BURCKHARDT, 1961, p. 220). 
 20 
 Burckhardt relaciona filósofos à grandeza, diz que é somente com eles que se inicia a 
etapa de grandeza irrefutável, verdadeira, única e insubstituível. É nesta fase também, diz ele, 
em que há um desencadeamento de energia capaz de transcender qualquer norma. Entretanto, 
não são apenas os poetas, artistas e cientistas os únicos capazes de pertencer à categoria dos 
filósofos. Logo, “devem ser incluídos na categoria de filósofos todos aqueles que vêem a vida 
de maneira tão objetiva que parecem pairar acima dela, documentando essa sua 
Weltanschauung transcendente em observações formuladas sobre os mais diversos assuntos” 
(BURCKHARDT, 1961, p. 218). 
 Assim, a grandeza não pertence a uma elite que esteja determinando o curso da 
história no campo da política ou da economia como preferiam os rankeanos positivistas
2
. A 
grandeza também não concerne apenas ao homem que está inserido na categoria dos artistas, 
dos poetas e dos filósofos. O homem dito comum que vê a vida como uma possibilidade para 
o criar, o homem que desconhece os limites de sua criação e deixa seu legado para a 
humanidade, este faz a história e a ele é concedido a inclusão burckhardtiana na categoria de 
filósofos. 
 O jovem Nietzsche parece ter compreendido muito bem as lições do velho mestre 
sobre grandeza, pois reafirmou em seus escritos que a grandeza pode ser encontrada em 
qualquer homem que tomado e tocado pela vida, percebe que esta é uma eterna possibilidade 
de vir a ser. Para Nietzsche, grande é aquele que em um instante extraordinário percebe vida 
como sendo um profundo sem fundo que está sempre vindo a ser. É esta percepção da vida, 
este pathos, esta afecção que faz o homem constituir-se como um determinado eu e, de forma 
artística, passar a criar aquilo que o determinará como grande, pois grandes são também suas 
ações na história. Foi tomado por esta afecção queos homens citados por Burckhardt – Platão, 
Ésquilo, Rafael, Copérnico, Kepler, Galileu – chegaram à criação de algo tão grandioso que 
acabaram por determinar os rumos da história. 
 Grande é o homem superior, o homem da experiência. Na Segunda Consideração 
Intempestiva (2005, p. 127), Nietzsche fala que somente o homem grande pode escrever a 
história, pois aquele que não tiver realizado uma experiência maior e mais elevada em relação 
aos demais não poderá, de forma alguma, interpretar a grandeza do passado. Em Além do Bem 
e do Mal, obra escrita após a Segunda Consideração Intempestiva, Nietzsche descreve de 
forma magistral o seu conceito de grandeza quando diz que: 
 
 
2
 Criadores da moderna historiografia. Cf. Segundo capítulo. 
 21 
[...] Hoje o ser-nobre, o querer-ser-para-si são parte da noção de 
“grandeza”; e o filósofo revelará algo do seu próprio ideal quando afirmar: 
“Será o maior aquele que puder ser o mais solitário, o mais oculto, o mais 
divergente, o homem além do bem e do mal, o senhor de suas virtudes, o 
transbordante de vontade; precisamente a isto se chamará grandeza: pode 
ser tanto múltiplo como inteiro, tanto vasto como pleno” [...] (NIETZSCHE, 
2005, p.107). 
 
 Nesta citação fica claro que para Nietzsche, assim como para Burckhardt, a grandeza 
não pertence unicamente aos governantes nem aos indivíduos históricos universais como 
afirmava Hegel. A grandeza pertence àquele que em um dado momento de compreensão da 
vida passa a determinar de forma artística o desenvolver da sua história. Este é o grande 
homem. Mais tarde, em Ecce Homo, Nietzsche fala, no parágrafo 10 do capítulo Porque sou 
tão Inteligente, sobre o equívoco em se qualificar como grande aquilo que de fato não é 
grande. Segundo ele: 
 
O que a humanidade até agora considerou seriamente não são sequer 
realidades, apenas construções; expresso com mais rigor, mentiras oriundas 
dos instintos ruins de naturezas doentes, nocivas no sentido mais profundo – 
todos os conceitos: “Deus”, “alma”, “virtude”, “além”, “verdade”, “vida 
eterna”... Mas procurou-se neles a grandeza da natureza humana, sua 
“divindade”... Todas as questões da política, da ordenação social, da 
educação foram por eles falseados até a medula, por haver-se tomado os 
homens mais nocivos por grandes – por ter-se ensinado a desprezar as 
coisas “pequenas”, ou seja, os assuntos fundamentais da vida mesma... 
(NIETZSCHE, 2008, p.47-48). 
 
Fica claro, portanto, que o ideal de grandeza apresentado tanto por Nietzsche, quanto 
por Burckhardt, diverge daquele apresentado pelo pensamento moderno, sobretudo, pelo 
modelo hegeliano e pela metodologia metódico-positivista. Diferente de uma grandeza 
aplicada aos grandes estadistas, responsáveis pelos desdobramentos político e econômicos do 
Estado, Nietzsche e Burckhardt compreenderam grandeza como algo próprio daquele que 
torna sua ação imponente. Ela pertence àquele que em um ato de criação torna a história um 
bem a serviço da vida. 
 
1.4 A arte como criação 
 
Outro pensamento comum – mesmo que com sentidos distintos – tanto em Nietzsche 
quanto em Burckhardt concerne ao ideal artístico. Assim como Nietzsche, Burckhardt 
 22 
compreende as artes como forças criadoras capazes de elevar o homem a sua suprema 
grandeza. Segundo Burckhardt: 
 
As artes são capazes de atrair para seu círculo magnético quase que a 
totalidade da existência humana, de elevar sua sensibilidade a um grau, 
infinitamente mais elevado, de expressão, dando-lhe uma visão do mundo 
livre dos escombros do acaso, reunindo numa imagem transfigurada 
somente os elementos realmente grandiosos, importantes e belos, então, até 
mesmo o seu aspecto trágico revela-se consolador. 
As artes são uma capacidade expressiva, uma energia criadora. Sua força 
motriz central mais importante, a fantasia, a imaginação, foi sempre 
venerada como uma manifestação divina. Poder revelar mundos interiores, 
de modo que esta interioridade retratada aja como uma revelação, constitui 
realmente uma das virtudes mais raras que pode possuir o ser humano 
(BURCKHARDT, 1961, p. 222). 
 
Nietzsche entra em consonância com estas palavras ao construir seu pensamento sobre 
a arte como forma de criação da vida, ou seja, a arte como ação no exercício da grandeza. Na 
Segunda Consideração Intempestiva ao descrever o significado da história como algo a 
circunscrever espirituosamente o passado em uma melodia do cotidiano, o filósofo alemão 
declara que tal ação só será possível mediante uma grande potência artística. Sendo assim, a 
história deve ser feita artisticamente. Através da afecção originária, o artista – enquanto 
homem dotado de grandeza – lapida a história de forma que sua impressão fica marcada no 
tempo. É quando ele se dá conta que, ao mesmo tempo em que compreende, também faz a 
história. 
A história deve então ser percebida como um mundo profundo de possibilidades, ela 
deve ser antes de tudo uma fonte de criação, de poder e beleza. Nietzsche enfatiza que para a 
utilização da história a serviço da vida: 
 
[...] é requerida antes de tudo uma grande potência artística, um pairar 
criativamente acima de tudo, uma imersão amorosa nos dados empíricos, 
imaginar além do tipo dado – aliás, tudo isto diz respeito à objetividade, 
mas somente como uma qualidade positiva. Todavia, objetividade é muito 
freqüentemente apenas uma palavra (NIETZSCHE, 2003, p. 55). 
 
 A maneira como a história era tratada pelos historiadores do século XIX era o oposto 
daquilo que Nietzsche compreendia como a utilização da historia por meio da arte. Fazendo 
uso de uma de suas metáforas Nietzsche diz que “todo aquele a que se obriga a não mais amar 
incondicionalmente cortou as raízes de sua força: ele se torna ressequido, ou seja, insincero” 
(NIETZSCHE, 2003, p.59). Assim seria à história vista sem este poder transformador da arte. 
 23 
De fato, ao atribuir a história os critérios de verdade irrefutáveis, imparcialidade total do 
historiador e descrição fiel do passado, esta parece ter se tornado seca e sem mobilidade. 
Portanto: 
 
Sob tais efeitos, a história é o oposto da arte: e somente se a história suporta 
converter-se em obra de arte, ou seja, tornar-se pura forma artística, ela 
pode, talvez, conservar instintos e, até mesmo, despertá-los. No entanto, 
uma tal historiografia poderia contradizer inteiramente o traço analítico e 
não artístico de nossa época, sim, sentida por ele como uma falsificação 
(NIETZSCHE, 2003, p.59). 
 
É de fundamental importância ser considerado que quando Nietzsche menciona o 
artista em seus escritos, seu pensamento não se encontra remetido apenas àquilo que é próprio 
das belas artes, ou seja, a poesia, a pintura, ao teatro, à música... O sentido é bem mais amplo 
e vai mais além. O artista a quem Nietzsche se refere concerne àquele que está tomado pelo 
poder e pelo afeto da criação. Não obstante, o artista é aquele que é lançado neste instante 
extraordinário proposto pela abertura – arte – e que está sempre vindo a se constituir como um 
determinado “eu” (CORDEIRO, 2010, p. 16). Desta forma, o artista é aquele que está 
perpassado pelo poder da arte, enquanto este aberto que constitui a vida nobre e que a partir 
daí lança-se no que originariamente é vida. Ser tomado pelo poder da arte é perceber vida 
como uma imensa perspectiva para o criar. É a partir desta perspectiva que o homem se lança 
na vida e artisticamente passa a constituir sua própria história. 
Em Nietzsche, a arte tem este caráter fundamental de revelar ao homem o nada 
primordial em toda sua existência. Neste nada, ele assume a responsabilidade perante a 
construção desua história. É ao assumir a vida como este nada que constantemente retorna, 
que o homem encontra-se eternamente construindo e reconstruindo o seu próprio ser. De 
modo que é somente a partir deste ponto que ele se lança artisticamente no devir da sua 
história e faz da vida o palco de sua criação. A história é então realizada pelo homem que 
tomado pelo instante extraordinário em que vida se revela, é movido pela vontade de 
exuberância, de abundância e de criação. 
Contudo, Sendo a arte um fator determinante nas ações dos grandes homens, tanto 
Burckhardt quanto Nietzsche reclamavam a inexistência destes na modernidade. Em seus 
escritos, vez por outra, Nietzsche acusa o homem de sua época de não ser grande, como não 
sendo capaz de se autoafirmar, impossibilitado de dizer sim a si mesmo. Da mesma forma, ao 
finalizar seu capítulo sobre a grandeza histórica, Jacob Burckhardt afirma que “nossa época 
distingue-se pelo seu poder de esfacelar os grandes indivíduos” (BURCKHARDT, 1961, p. 
 24 
252). Apenas alguns aventureiros e visionários são erroneamente agraciados por seus 
contemporâneos com o título de grande. Segundo Burckhardt, nem toda época conta com a 
capacidade de produzir grandes homens. Sua época parecia estérea, mas o futuro lhe parecia 
promissor, pois: 
 
Deparamos com um nivelamento geral que nos autoriza a declarar 
impossível o aparecimento de indivíduos superiores. No entanto, a intuição 
nos diz que a crise atual abandonará o nível miserável de agora, passando 
do plano da “concorrência mercantil, da posse e aquisição de bens 
materiais” a outro plano e permitindo a aparição de um grande homem, o 
qual, naturalmente, será seguido pelas massas (BURCKHARDT, 1961, p. 
222). 
 
Burckhardt compreende o grande homem como aquele que além de corresponder ao 
que dele se exige em qualquer situação, ainda vai além e supera as suas próprias expectativas. 
Por isso, estes homens mesmo escassos na modernidade, são necessários à vida, pois com eles 
o processo histórico se libera, irrompe, flui. O homem que toma para si o curso da história, 
levando em consideração seu poder de moldar e modelar os fatos se torna grande e faz da 
história uma grandeza. 
Respaldando o seu mestre em Basiléia, Nietzsche também anuncia a escassez de 
grandes homens. Ao longo de sua obra e mais tarde em O Anticristo, o filósofo declara em seu 
prólogo que o seu livro destina-se aos homens mais raros, porém talvez não se encontre um 
único que ainda esteja vivo, pois há homens que nascem póstumos (NIETZSCHE, 2007, p. 
09). Acredita Nietzsche, assim como Burckhardt, que somente o futuro poderá produzir 
homens raros – ou grandes – e este parece ser, após as Intempestivas, a grande missão de 
Nietzsche: encontrar homens raros que compreendam e vivam o seu Zaratustra. Homens que, 
tomados pela eterna possibilidade que a vida oferece, possam artisticamente criar algo de 
verdadeiramente grande, tornarem-se grandes e assim construírem de maneira grandiosa a sua 
história. 
 
1.5 O legado de Burckhardt 
 
 Em suas Reflexões sobre a história Burckhardt diz que não é seu propósito formar 
historiadores “especialistas” em história, ou seja, historiadores com vasto conhecimento sobre 
determinados fatos da história. Sua proposta é que ao invés de acumular conhecimento sobre 
um evento isolado, desenvolva-se a capacidade de cultivar de maneira apropriada a cultura 
 25 
histórica. Em outras palavras, Burckhardt almejava instigar em seus aprendizes a capacidade 
de refletir, questionar e, principalmente, dosar até que ponto a história pode ser útil ao 
homem. Em uma carta de 1874 endereçada a Nietzsche, Burckhardt reafirma sua postura 
dizendo que: 
 
Como professor e mestre, posso, contudo, declarar que nunca ensinei 
história pelo está contido sob o pomposo nome de “história mundial”, mas 
sim como um estudo propedêutico: meu objetivo tem sido dar às pessoas 
a estrutura indispensável para que seus estudos futuros, sejam do que for, 
não se tornem sem propósito (BURCKHARDT, 2003, p. 297). 
 
 O jovem Nietzsche mostrou ter aprendido muito bem as lições do mestre, pois a partir 
de tais ensinamentos foi capaz de redigir um verdadeiro tratado sobre a utilidade e a 
desvantagem da história para a vida
3
. Nesta mesma correspondência que tem como tema 
principal a Segunda Extemporânea, Burckhardt elogia Nietzsche qualificando sua obra como 
um poderoso e significativo trabalho. Indo mais além, o historiador relata que a obra em 
questão exige ser desfrutada linha por linha para somente após muita consideração, poder 
enfim ser avaliada. 
 Burckhardt parece ter se espantado com a capacidade criadora do jovem Nietzsche, 
pois ao que se percebe o jovem filósofo introduziu no estudo histórico a possibilidade de se 
pensar a própria vida. Com Nietzsche, influenciado pelo mestre historiador, a história é 
condenada enquanto inconveniente e desejada enquanto uma utilidade a serviço da vida. Em 
uma carta de 13 de setembro de 1882, Burckhardt faz a Nietzsche a seguinte indagação: “o 
que resultaria disso tudo se você ensinasse história?” Em seguida ele mesmo encontra a 
resposta: 
 
Fundamentalmente, é claro, você está sempre ensinando história, e abriu 
algumas assombrosas perspectivas históricas nesse livro, mas, eu digo – 
se você iluminasse a história ex professo, com sua luz própria e a partir de 
seu ângulo particular de visão: em comparação com o atual consensus 
popolurum, tudo ficaria de cabeça para baixo da mais esplêndida maneira! 
(BURCKHARDT, 2003, p. 371). 
 
 A admiração de Burckhardt diante da satisfação em colher os frutos de seus 
ensinamentos a partir do pensamento no jovem Nietzsche vai mais adiante. Na mesma 
correspondência ele declara: 
 
 
3
 Segunda Consideração Intempestiva: Da utilidade e desvantagem da história para a vida. 
 26 
Quanto ao resto, muito do que você escreveu (e, temo eu, o melhor disso) 
está muito além de minha pobre e velha mente; mas, até onde posso 
acompanhar, regozijo-me como um sentimento de admiração pela imensa 
riqueza, bem como pela forma concentrada, e posso ver claramente que 
vantagem seria para a nossa ciência se alguém pudesse ver com os seus 
olhos (BURCKHARDT, 2003, p. 371). 
 
 Assim, Nietzsche recebe o respaldo de seu velho mestre e amigo ao mostrar-se 
apto na criação de algo grandioso. Ao apropriar-se do pensamento de Burckhardt, Nietzsche 
passa a produzir seu próprio pensamento a partir de uma apropriação produtiva. Esta lição é 
deixada por Nietzsche na própria Segunda Consideração Intempestiva quando acusa o uso 
exacerbado das histórias monumental e antiquária de limitar a criação mediante o cultivo 
exagerado do passado. Nietzsche não utilizou os ensinamentos de Burckhardt para tornar-se 
um mero erudito conhecedor de história; mas através de seu pensamento, criou um novo 
modo de se pensar a relação entre história e vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 27 
2 A CRÍTICA AO HISTORICISMO 
2.1.1 Precedentes gerais da filosofia da história em Hegel
4
 
 
A crença fundamental numa filosofia da história que tivesse por finalidade a 
explicação do processo histórico, suas vicissitudes e seu devir, como algo que obedece a uma 
lei universal, provavelmente tenha sido iniciada na filosofia ocidental a partir de Santo 
Agostinho. Ao introduzir a ideia das duas cidades – de Deus e dos homens – Agostinho 
procurou explicar a história segundo seu caráter teleológico e progressista na qual uma 
entidade metafísica determinava o seu curso. Após o bispo de Hipona, o processo histórico 
procurou ser explicadoatravés da filosofia por diversos pensadores, dentre eles, Vico e os 
iluministas. Porém, foi apenas no século XVIII, com Hegel, que a filosofia da história foi 
lapidada com intenso rigor. 
Segundo Sobrinho, a “principal expressão filosófica do historicismo do século XIX foi 
o historicismo absoluto de Hegel e dos hegelianos como Strauss e Hartmann” (SOBRINHO, 
2005, p. 33). Tal historicismo tinha como base o cristianismo, sendo justamente esta filiação 
com o pensamento cristão que levou o jovem Nietzsche a comparar o historicismo com uma 
nova teologia ou uma teologia disfarçada. Acreditando na ideia de progresso, o historicismo 
hegeliano chegou a manifestar uma espécie de otimismo incoerente com a própria realidade. 
Para Hegel, a história é autoconcretizada na realização do Espírito Absoluto. O 
Espírito passa por um processo evolutivo que vai do subjetivo enquanto espírito humano 
voltado para a sua interioridade, ao Absoluto, aperfeiçoando-se na consciência de liberdade, 
no encontro consigo mesmo e no conhecimento de si. Este processo ocorre pela 
conscientização ao longo de todos os momentos do Espírito objetivo nos quais estão inseridas 
as instituições humanas compostas pelos agentes da história
5
 (NÓBREGA, 2005, p. 69-70). 
Neste processo de conscientização, a liberdade é a peça chave na realização do 
Espírito Absoluto na história. Para tanto, Hegel diferencia as essências da matéria e do 
espírito. Assim, a gravidade passa a ser a essência da matéria e a liberdade a essência do 
espírito (HEGEL, 1999, p. 23). Com o crescimento do espírito em sua fase objetiva, a 
liberdade enquanto essência torna-se também ampla no processo histórico. A própria 
 
4
 Salientamos que não é nossa pretensão fazer aqui uma comparação entre duas filosofias ou dois pensamentos 
para em seguida valorizar um em detrimento do outro. Não pretendemos realizar um confronto de pensamento 
para em seguida apresentar Nietzsche como superior, melhor ou até mesmo como aquele que superou Hegel. 
Nosso propósito é tão somente, apresentar aquilo que foi próprio da crítica de Nietzsche ao hegelianismo. 
5
 Segundo Nóbrega: o Espírito sofre uma subdivisão numa tese (Espírito Subjetivo), Antítese (Espírito Objetivo) 
e numa Síntese (Espírito Absoluto). Cf. NOBREGA, Francisco Pereira. Compreender Hegel. 4ª ed. Rio de 
Janeiro: Vozes, 2007. 
 28 
historiografia evidencia o progresso da realização do espírito na história, pois na antiguidade a 
liberdade pertencia a um, depois passou a pertencer a poucos e agora pertencia a todos. 
A história para Hegel só torna-se possível no âmbito do Estado. Segundo ele, Estado é 
uma cultura ou civilização organizada em torno da liberdade. Liberdade não no sentido de 
uma licença individual, mas de uma organização permeada pela coletividade. Assim para ele, 
a história seria impossível sem a existência de um Estado organizado (HEGEL, 1999, p. 39). 
Nessa concepção, o Estado seria a comprovação do sucesso na história comprovada pelo 
avanço do direito e da justiça na Modernidade. Assim, a história universal seria determinada 
por uma ideia que através do tempo se realiza de forma necessária, objetiva e progressiva. Seu 
escopo seria o próprio fim da história. Esse processo teria uma racionalidade cedida pela 
Providência (SOBRINHO, 2005, p. 34). 
A liberdade apresenta-se em Hegel como a essência de um espírito que se manifesta e 
se realiza ao longo do processo histórico. Dessa forma, da antiguidade à época moderna 
houve um devir progressivo que estaria bem perto de se consolidar como Espírito Absoluto. 
Na Pérsia, um dos primeiros Estados conhecido por Hegel como um Estado organizado, a 
liberdade era restrita apenas ao monarca. Na civilização grega e romana esta liberdade 
pertencia apenas à aristocracia e a oligarquia. Mas, com a consolidação do Estado Moderno, a 
liberdade seria de todos. O Espírito Absoluto finalmente se concretizaria e a história chegava 
ao seu apogeu. 
Em Hegel a liberdade como essência do espírito culmina na criação do Estado. Nele o 
Espírito Absoluto se manifesta e se realiza. A matéria em que se conclui o objetivo final da 
razão é o próprio agente subjetivo, a saber, os desejos humanos. Esta subjetividade aliada à 
racionalidade, configura um conjunto moral conhecido na filosofia da história hegeliana como 
Estado. Nele o indivíduo tem e goza de liberdade na condição de conhecer, acreditar e desejar 
o universal. Este conceito difere, portanto, do simples ato de ser livre para ir e vir comumente 
entendido. Para Hegel, esta forma de liberdade é tão somente, liberdade negativa (SINGER, 
2003, p. 41). 
 A liberdade concerne a um sentido mais amplo, diz respeito ao coletivo, ao universal, 
nela e somente nela, a lei, a moral e o Estado alcançam a sua plenitude. A conquista gradativa 
dessa liberdade não ocorre via heroísmos ou altruísmos, mas por uma “astúcia da razão” que 
utiliza os homens na história universal, fazendo com que a partir deles ocorra o progresso da 
liberdade e chegue a um estágio superior de civilização. Ao longo da história, o Espírito se 
revela num processo de conscientização que torna a liberdade cada vez mais ampla. 
 29 
Ao revelar-se na história, a liberdade se realiza no momento em que o Espírito 
Absoluto passa a existir por si mesmo. É nela que se encontra todo o valor que tem o homem. 
No Estado o homem passa a ter consciência de sua realidade espiritual que é justamente a 
consciência da sua própria essência, a presença da razão, a vontade livre de alcançar seu 
objetivo. Dessa forma, o homem tem plena consciência do seu lugar e compartilha da vida 
legal e moral do Estado. No Estado a moralidade resulta da união entre a vontade particular 
do homem consciente de si, com a vontade coletiva formada por todos os homens, gerando 
leis universais e racionais. Portanto: 
 
O princípio geral que se manifesta no Estado e torna-se um objeto da 
consciência, a forma sob a qual tudo se torna real, é isso que constitui a 
cultura de uma nação. Porém, o conteúdo determinado que recebe a forma 
de universalidade, e que existe na realidade concreta que é o Estado, é o 
próprio espírito do povo. O Estado real é animado por esse espírito em 
todos os seus interesses particulares: guerras, instituições etc. Mas o homem 
precisa também conhecer esse seu espírito, a sua própria essência, e adquirir 
consciência de sua unidade original, pois dissemos que a moralidade é a 
unidade da vontade subjetiva e da vontade universal (HEGEL, 1999, p. 47-
48). 
 
O Estado se torna a ferramenta principal na história do mundo. É nele que a liberdade 
obtém sua objetividade legitimando suas leis a partir de uma vontade verdadeira. Somente 
obedecendo esta lei, a vontade é livre, pois ela obedece a si mesma e estando em si, torna-se 
livre e independente. O Estado proporciona uma comunidade de existência em que a vontade 
subjetiva do homem se sujeita às suas leis e a contradição entre liberdade e necessidade acaba 
por desaparecer. No Estado, o homem é livre quando reconhece suas leis e as segue como 
sendo matéria do seu próprio ser. A vontade objetiva e a vontade subjetiva se conciliam e 
formam um só conjunto em harmonia. Eis a consolidação do Espírito Absoluto. Por 
conseguinte: 
 
A história universal representa, pois, a marcha gradual da evolução do 
princípio cujo conteúdo é a consciência da liberdade. A determinação mais 
precisa desses estágios deve ser, em seu caráter geral, indicada de forma 
lógica e em seu caráter concreto, de acordo com a filosofia do espírito 
(HEGEL, 1999, p. 55). 
 
 A história é, portanto, o avanço coletivo da consciência de liberdade. O indivíduo 
isolado não pode manifestar,apenas por sua vontade, a consciência universal de liberdade. 
Por isso, apenas o Estado, enquanto resultado da coletividade, é capaz de tornar a liberdade 
universal. Somente a partir daí, dá-se história. Os indivíduos sozinhos ou até mesmo aqueles 
 30 
que se congregam no que Hegel chama de comunidade irracional da família, sem a ideia nem 
a conscientização de Estado, não fazem história, pois neles a consciência de liberdade não é 
de todo universal (HARTMAN, 2001, p.31). 
 Na filosofia de Hegel um movimento dialético domina a história desde os antigos até o 
tempo presente (NÓBREGA, 2005, p. 43)
6
. Este movimento vai sofrendo gradações e 
alcançando estágios progressivos. A primeira civilização a sofrer esse “estado de consciência” 
foi a civilização grega. Nela vigorava uma moral tradicional, mas havia uma harmonia entre 
os seus cidadãos que compartilhavam uma identidade mútua junto à comunidade, a oposição 
entre eles era inexistente. A civilização grega prefigura na filosofia da história hegeliana o 
ponto de partida para a realização do Espírito. 
 Entretanto, no mundo grego tal Espírito não conseguiu seu desenvolvimento pleno, 
pois não havia entre eles o conceito de consciência individual e além disso, nem todos eram 
livres. No ideal grego de liberdade a escravidão era permitida, pois enquanto os cidadãos 
participavam das assembleias públicas, onde eram tomadas as decisões das cidades-estado, os 
escravos executavam os trabalhos cotidianos. Fora isso, a liberdade estava mais ligada ao que 
concerne a uma nação ser livre de outra, ou seja, liberdade de nação para nação. Quanto à 
liberdade individual, os gregos pensavam em si mesmo como um todo pertencente à sua 
cidade-estado e não distinguiam seus interesses pessoais do interesse da comunidade em que 
estavam inseridos (SINGER, 2003, p. 26). 
Assim, uma nova abordagem da consciência se fez necessária. Um novo movimento se 
plasma em direção ao progresso da história. Hegel presenciou este progresso a partir dos 
desdobramentos do Mundo Germânico
7
 com sua religiosidade cristã e através dos 
acontecimentos decorrentes da Reforma Protestante (SINGER, 2003, p. 26). Como um bom 
protestante Hegel viu na Reforma o reconhecimento do direito à liberdade. Porém, a Reforma 
também se apresentou um sistema inadequado. Sua liberdade não foi totalizante, pois 
apresentou, como resultado, as atrocidades da Revolução francesa. O mundo grego havia sido 
 
6
 “Se perguntamos, pois, a Hegel como as realidades se deduzem necessariamente, a resposta é esta: por um 
movimento dialético. Se perguntamos por que o princípio imprincipiado não resta eternamente à única realidade, 
a resposta está aí: ele carrega em si a contradição e a luta de opostos. [...] A dialética hegeliana tem três unidades 
que ele denomina de Tese, Antítese e Síntese, ou mais frequentemente, Afirmação, negação e Negação da 
Negação” (NÓBREGA, 2005, p. 43). 
7
 Hegel usa o termo Germanische, “germânico” em vez de “alemão”, e inclui não somente a Alemanha 
propriamente dita mas também a Escandinávia, a Holanda e até a Grã-Bretanha. Como veremos, nem mesmo os 
desenvolvimentos na Itália e na França foram ignorados, embora neste ponto falte uma justificativa de afinidades 
linguísticas e raciais para estender o termo “germânico” a fim de incluir estes países. Pode-se suspeitar de um 
certo grau de etnocentrismo por parte de Hegel ao designar esta era como o mundo “germânico”, mas a principal 
razão para isso é que ele considera a Reforma o acontecimento chave da historia desde a época romana 
(SINGER, 2003, p. 33). 
 31 
insuficiente para a realização do Espírito, a Reforma também não havia vigorado o 
sentimento de consciência universal. Mas, a partir da convivência dos contrários, um novo 
movimento seria gerado, sendo o responsável por trazer a consciência de liberdade a sua 
forma plena. A saber, a realização da história. 
 Na realização da história ocorre a manifestação do Espírito absoluto que se sucede na 
fundação do Estado consciente de liberdade. Nele o ser humano se torna capaz de usar a razão 
para julgar a bondade e a verdade levando a cabo o processo de conscientização universal. A 
partir daí, as instituições sociais, lei, propriedade, moralidade social, governo... ajustam-se de 
acordo com os princípios gerais da razão. Dessa forma, os indivíduos passam a aceitar e 
aprovar as instituições do Estado sem que para isso, sintam-se obrigados. A lei, a moral e o 
governo deixam assim de ser regras para os indivíduos que se sentem livres em obedecer ao 
mecanismo do mundo em que vivem. 
 Como a essência do Espírito é a liberdade, o Estado se confirma a partir da 
consciência coletiva de liberdade. Por Estado Hegel entende algo que seja totalmente objetivo 
e específico. Uma instituição em que seus membros tenham realmente escolhido obedecer e 
servir, um lugar em que os indivíduos concordem com seus princípios e encontrem satisfação 
social por ser seus membros. Esta satisfação, contudo, só se torna possível com a 
conscientização da liberdade não só no âmbito subjetivo, individual, mas principalmente, no 
âmbito objetivo, universal. De forma puramente subjetiva o indivíduo entraria em conflito 
consigo mesmo e com o Estado por não estar de acordo com suas leis, mas de forma livre não 
há restrições à liberdade, pois há uma livre escolha entre a conduta do indivíduo e as 
necessidades da sociedade. Somente a partir dessa conscientização a ideia de liberdade se 
torna real e a história alcança sua meta. 
 Portanto, no movimento dialético da história uma determinada civilização compreende 
a si mesma levando seu espírito em direção a outras civilizações. Este acontecimento faz o 
Espírito do mundo surgir em alguns indivíduos fazendo com que apareça um novo povo em 
uma nova civilização repleta de significado histórico. Dessa forma, ao analisar a história, 
percebe-se que há um grau de aperfeiçoamento em seu percurso. Ela mostra uma trajetória 
racionalmente necessária do Espírito do mundo. A natureza deste espírito permanece sempre a 
mesma, porém, esta natureza se desdobra no curso do tempo, sendo, portanto, o resultado da 
história. Nesse ínterim, a história do mundo se torna a história da consciência de liberdade que 
avança rumo à concretização do Espírito Absoluto. Aqui “pode-se dizer que a história 
universal é a representação do espírito no esforço de elaborar o conhecimento de que ele é em 
si mesmo” (HEGEL, 1999, p. 24). 
 32 
2.1.2 O olhar nietzschiano
8
 
 
Em diversos trechos de sua obra e principalmente na Segunda Consideração 
Intempestiva, Nietzsche traça uma crítica desenfreada ao historicismo de sua época. O alvo 
principal de tal criticismo está inserido na filosofia da história de Hegel e dos hegelianos, por 
quem Nietzsche nutre um intenso desdém. Esse desdém ocorre, sobretudo, pela forma como o 
sistema hegeliano aceita o presente de forma submissa e conformativa. Além do mais, o 
sistema hegeliano apresentava uma teleologia idealista fundamentada por uma entidade 
metafísica. Em suas Lições sobre a filosofia da história universal, Hegel faz a seguinte 
colocação: 
 
[...] vale dizer, que o mundo não foi abandonado ao acaso e a causas 
externas aleatórias, mas que é regido por uma Providência. [...] Então, a 
verdade que uma Providência divina preside os acontecimentos universais 
equivale ao princípio citado, pois a Providência divina é a sabedoria que, 
com um poder infinito, concretiza os seus objetivos, isto é, o objetivo 
absoluto e racional do mundo: a razão é o pensar livre e determinante de si 
mesmo (Hegel, 1999, p.19). 
 
Destarte, a crítica de Nietzsche ao hegelianismo parte justamente de suaatribuição a 
uma finalidade absoluta para a história do mundo. Em seus fragmentos póstumos, bem como 
ao longo de toda sua trajetória filosófico-literária, Nietzsche deixa bem claro que seria um 
absurdo falar de um fim para a história universal, uma vez que não somos senhores do mundo 
e não sabemos nada sobre o acaso. As ideias de Estado, povo e processo universal tal como 
preconizava Hegel, transgridem a responsabilidade do indivíduo de criar e fazer valer sua 
vontade de vida, uma vez que depositam suas forças na perspectiva de tais Instituições. O 
Estado tira do homem a crença e a convicção de que ele é mais importante do que os meios 
que asseguram a sua existência, de forma que o deixa cada vez mais dependente 
(NIETZSCHE, Fragmento póstumo, II. 1 29 [74] 392 – 393, 2005, p. 240)9. 
 Por conseguinte, o historicismo hegeliano é questionado por Nietzsche quanto às 
noções de totalidade, unidade, identidade de pensamento, ideias de causa e fim e a crença na 
 
8
 É de fundamental importância considerarmos as palavras de Gerard Lebrun com relação à crítica nietzschiana 
ao hegelianismo. Segundo ele, a Segunda Intempestiva não apresenta uma interpretação detalhada da filosofia de 
Hegel, Nela podemos encontrar o esboço de uma compreensão original realizada por Nietzsche acerca da 
história hegeliana. Na verdade, “é através da polêmica anti-hegeliana de Schopenhauer que Nietzsche aprende a 
conhecer Hegel, certamente a aspiração cristã da filosofia dialética não poderia impressioná-lo” (LEBRUN, 
1988, p. 43). 
9
 As citações dos aforismos póstumos neste trabalho foram transcritas a partir da edição “Escritos Sobre 
História”, traduzida e selecionada por Noéli Correia de Melo Sobrinho. Cf. referências. 
 33 
evolução e no progresso. Tais conceitos e mediações segundo o hegelianismo, levariam ao 
processo histórico percorrido pelo Espírito rumo à sua objetivação no mundo. Nessa 
perspectiva, o processo histórico obedeceria a etapas, períodos, uma temporalidade própria. 
Seu progresso da ideia seria lento, mas prosseguiria de forma necessária rumo à sua 
realização. Esta realização desembocaria no fim da história, ou seja, na reconciliação entre o 
Espírito Absoluto e o Estado Moderno (SOBRINHO, 2005, p. 35-36). 
Para Nietzsche, no percurso da história não há a existência de nenhuma força externa 
agindo sobre ela. Ver a história por este ângulo é querer tornar as coisas fáceis demais 
(NIETZSCHE, Fragmento póstumo, II. 2 5 [16] 285. 2005, p. 241). É uma ironia acreditar na 
intervenção de uma força exterior na história quando esta diz respeito unicamente à relação 
entre vida e homem. Neste sentido, a única coisa a ser considerada deve ser somente a relação 
entre historiografia e vida como um profundo sem fundo que não cessa de irromper sempre 
sendo e vindo a ser. Sendo assim, para se encontrar um plano na história, basta procurar nos 
desígnios do homem, pois é este e somente este que, a partir de uma afecção originária, 
tomado e perpassado por uma dada possibilidade de poder vir a ser, torna-se o agente 
causador da história. 
Os hegelianos buscaram dar conta da história através do conceito de totalidade, 
apresentando-a numa dimensão linear cuja humanidade atravessa os estágios de infância, 
maturidade e velhice. Esse conceito para Nietzsche é somente um pressuposto, uma crença de 
que o real é racional e o racional é real, pois a memória enquanto um jogo de lembrança e 
esquecimento não permite a nenhum historiador a recuperação ou o resgate total dos fatos 
históricos, não se tem como estabelecer a unidade sequencial destes fatos, nem muito menos a 
indicação exata de seu início e fim (SOBRINHO, 2005, p. 36). 
A história da humanidade é movida pelo acaso, não há, portanto, uma finalidade, não 
há espírito nem sentido racional por trás dela, guiando e lhe conduzindo (NIETZSCHE, 
Fragmento póstumo, IV 1 [63] 303. 2005, p. 258). Entretanto, não devemos nos entregar ao 
acaso. É no acaso que o homem se torna senhor de si mesmo. Pois como diz o próprio 
filósofo: “É claro que a minha vida não tem uma finalidade já que só devo o meu nascimento 
ao acaso, que eu possa dar para mim uma finalidade, isto já é outra coisa. Mas um Estado não 
tem um fim: somos nós que damos a ele este ou aquele fim” (NIETZSCHE, Fragmento 
póstumo, II. 1 29 [72] 391. 2005, p. 238). 
Segundo Nietzsche, se a história do mundo tivesse que alcançar um determinado fim, 
se houvesse um estágio final para a história da humanidade conforme preconizava o 
 34 
hegelianismo, este fim já teria sido alcançado
10
. De fato a história nos mostrou o equívoco 
tanto na dialética do idealismo quanto no materialismo histórico
11
. Nietzsche vai 
desconsiderar que Hegel teria imaginado que a concretização da história pelo Espírito 
Absoluto se daria justamente no seio da sociedade germânica de sua época. Sobre isto, é 
afirmado na Segunda Intempestiva que: 
 
Chamou-se, com escárnio, esta história compreendida hegelianamente o 
caminhar de Deus sobre a terra; mas um Deus criado por sua vez através da 
história. Todavia este Deus se tornou transparente e compreensível para si 
mesmo no interior da caixa craniana de Hegel e galgou todos os degraus 
dialeticamente possíveis de seu vir a ser até a sua auto-revelação: de modo 
que, para Hegel, o ponto culminante e o ponto final do processo do mundo 
se confundiriam com a sua própria existência berlinense (NIETZSCHE, 
2003, p.72). 
 
 Diferentemente de Hegel, Nietzsche afirma que a história, bem como a humanidade, 
não tem um fim determinado, mas que pode dar a si mesmo um fim, não no sentido de 
suprimi-la ou conservá-la, mas tão somente, no sentido de superá-la. A humanidade é 
convidada a dar um fim a si próprio no sentido de se auto-superar, tornar grandioso aquilo que 
de mais valioso lhe pertence, a saber, a vida. Todos os fins elaborados pelas diversas correntes 
filosóficas foram destruídos, pois o tempo mostrou que foram ineficazes. A ciência se propõe 
a mostrar o curso da história, mas não o seu fim. Cabe ao homem criar o seu próprio fim, 
acabando com aquilo que a tradição construiu equivocadamente ao longo dos tempos e 
encontrando um novo começo onde a vida e a vontade de viver possa enfim transbordar. 
 De acordo com este pensamento, a humanidade precisa colocar um fim para além de si 
mesmo, mas não lhe situando em um mundo a ser conquistado posteriormente, mas ao 
contrário, deve permanecer no presente e dar continuidade à sua ação. Aqui Nietzsche lança 
sua crítica ao sistema socrático-platônico que ao dividir a realidade em sensível e inteligível 
apresentou a segunda como sendo aquela que concerne à verdade, às ideias e à forma, à 
episteme... Ficando a realidade sensível pertencendo ao campo das aparências, das cópias do 
 
10
 Sobre isto Nietzsche comenta em vários dos seus aforismos póstumos, como por exemplo, no V. 11 [292] 419 
– 420 p. 262 e no XI 36 [15] 287 – 288 p. 273. 
11
 O materialismo histórico parte do movimento dialético hegeliano para explicar o processo histórico a partir da 
luta de classes. Segundo tal pensamento, elaborado e apresentado pela filosofia marxista, o processo de 
transformação social se dá através do conflito entre as diversas classes sociais. Da luta entre a burguesia (tese) e 
o proletariado (antítese), chegar-se-ia a uma síntese realizada mediante o advento do socialismo/comunismo. 
Assim, a história seria determinada pelo conflito entre classes que levaria à sociedade comunista. Em termos 
hegelianos, ao Espírito Absoluto. 
 35 
real, da doxa
12
. Mais tarde, o cristianismo apoiando-se na dualidade socrático-platônica – 
estabelecida

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