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PRINCÍPIOS JURÍDICOS DO DIREITO AMBIENTAL. ENVIRONMENTAL LAW PRINCIPLES Luis Cláudio Martins de Araújo Advogado da União Professor de Direito Ambiental Pós-graduando em International Environmental Law pela Organização das Nações Unidas (United Nations Institute for Training and Research) Pós-graduado em Processo Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito - PUC-RJ RESUMO: Não é possível analisar um sistema normativo sem que antes descortinemos o conteúdo, as características e o conceito dos Princípios que o compõem, notadamente em razão da sua singularidade ímpar e importância superior para a conformação harmônica do ordenamento jurídico. Desta forma, a detalhada análise dos Princípios Jurídicos, especificadamente os de Direito Ambiental, é de nodal importância para que entendamos o próprio sistema jurídico ambiental e o seu reconhecimento como categoria normativa própria. Neste sentido, necessário compreender o papel que os Princípios Jurídicos conferem à coerência e a unidade que uma rede normativa lógica e racional necessita, particularmente no sistema jurídico ambiental do novo milênio. Passemos assim à análise do tema, pontuando os tópicos que entendemos ocupar posição de destaque na matéria. ABSTRACT: The analysis of the Law Principles concept, content and features is crucial for a normative system comprehension. The understanding of the Environmental Law Principles is also essential for the environmental legal system itself and for the recognition as a normative category. 2 Consequently, the knowledge of the central position of the Law Principles is mandatory to the coherence and unity of a legal network, especially in the environmental legal system of the new millennium. This article seeks bring up to discussion the topics that we consider as the most important in the Environmental Law Principles study. PALAVRAS-CHAVE: Princípios Jurídicos. Desenvolvimento. Princípios Jurídicos do Direito Ambiental. Características. Espécies. KEYWORDS: Law Principles. Development. Environmental Law Principles. Features. Species. SUMÁRIO: 1 Princípios Jurídicos. Breves apontamentos; 2 Princípios Jurídicos do Direito Ambiental. Características; 2.1 Princípio da Precaução; 2.2 Princípio da Prevenção; 2.3 Princípio da Responsabilidade; 2.4 Princípio do Poluidor-Pagador; 2.5 Princípio do Usuário- Pagador; 2.6 Princípio do Desenvolvimento Sustentável; 2.7 Princípio da Participação Democrática ou da Participação Comunitária; 2.8 Princípio da Ubiqüidade; 2.9 Princípio da Solidariedade; 2.10 Princípio da Vedação da Proteção Deficiente; 2.11 Princípio da Equidade na Participação Intergeracional; 2.12 Princípio do Respeito à Identidade Cultural e Interesses das Comunidades Tradicionais e Grupos Formadores da Sociedade; 3 Conclusão. 1 PRINCÍPIOS JURÍDICOS. BREVES APONTAMENTOS Antes de adentrarmos na análise dos Princípios Jurídicos do Direito Ambiental se faz conveniente trazer 3 alguns breves apontamentos acerca dos Princípios Jurídicos em si, de forma a permitir que entendamos o atual estágio em que se encontram e seu papel no ordenamento jurídico. Assim sendo, cabe ressaltar que a doutrina costuma apontar que os Princípios Jurídicos passaram por três fases ou ciclos distintos: o jusnaturalista, o positivista e o pós- positivista1. Em cada uma destas fases ou ciclos, a compreensão dos Princípios partia de pressupostos diversos, em vista da realidade social vigente, que levavam a permanente transformação do seu objeto de análise. Ou seja, decantados da experiência social, a visão dos Princípios se regenera a partir de si mesma, se desenvolvendo e revelando todo o seu conteúdo significativo à luz da experiência jurídica. De toda sorte, pode-se afirmar que na fase jusnaturalista, os Princípios não passavam de valores identificados com postulados de justiça, sendo exortações morais em busca de um direito ideal ou um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei divina e humana, razão pela qual não lhes era atribuída qualquer normatividade, havendo, portanto, um sentimento de que deveriam ser confrontados com ideais superiores e naturais2. Na verdade, o não reconhecimento dos Princípios como norma jurídica até então se dava por força de sua suposta natureza transcendente ou de seu conteúdo e vagueza, pelo 1 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8ª edição. São Paulo, Malheiros. 2 BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro, Renovar. CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra, Livraria Almedina, 1994. 4 que, acrescentando-se o fato de não lhes ser atribuída imperatividade, eram os Princípios qualificados como meras exortações, preceitos de ordem moral ou política, mas não verdadeiros comandos de Direito. Em seguida, já na fase juspositivista, os Princípios assumiram um papel secundário, passando a integrar os grandes códigos como fonte normativa subsidiária, ou, como válvula de segurança que garante o reinado absoluto da lei. Desse modo, os Princípios seriam extraídos do próprio direito positivo para impedir o vazio normativo, sendo vistos como meras pautas programáticas supralegais destituídos de força normativa, analisados apenas como elementos de colmatação de lacunas do sistema jurídico3. Todavia, esses parâmetros se ampliaram e se enriqueceram no tempo, adquirindo novas possibilidades sem que esse processo jamais se interrompesse. Assim, recentemente, os teóricos verificaram que o antigo sistema do positivismo jurídico já não atendia aos anseios do mundo moderno, com a complexidade social, os conflitos de interesse e o pluralismo de idéias. Destruiu-se assim, antigas posturas arraigadas em concepções positivistas ou formalistas de todo gênero, passando-se a reconhecer uma atuação normativa do mais alto peso aos Princípios, podendo, assim como as regras positivamente estabelecidas, impor uma obrigação legal, superando antigas tradições em nome da concretização dos Princípios. Surge assim o pós-positivismo, propugnando uma mudança no pensamento jurídico até dominante, defendendo a idéias de que o positivismo jurídico não atende aos reclamos de um direito justo. 3 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra, Livraria Almedina, 1994. 5 Os Princípios ascendem assim ao status de norma jurídica, suplantando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata, superando a antiga postura que conferia aos Princípios a mera posição subsidiária em face dos atos de integração da ordem jurídica. Desta forma, pode-se afirmar que diante desta realidade pós-positivista, os Princípios estabelecem efeitos jurídicos, obrigando a adoção de condutas conformadas aos seus ditames, superando a concepção formalista de não reconhecimento normativo. Na verdade, diante da concepção pós-positivista, os Princípios estruturam o próprio sistema jurídico, orientando o comportamento de criação de normas e condutas4. Conclui-se, portanto, nessa ordem de idéias, que os Princípios são normas jurídicas impositivas que traduzem os valores ou os conceitos básicos materiais da sociedade, superada a concepção que via nos Princípios simples diretivas teóricas. 2 PRINCÍPIOS AMBIENTAIS. CARACTERÍSTICASFeita esta brevíssima análise acerca dos Princípios Jurídicos e suas características, passemos ao estudo dos Princípios Ambientais. 4 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros. BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro, Renovar. 6 O Direito Ambiental, nascido do inquestionável direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado essencial à sadia qualidade de vida, está em permanente progresso, acompanhando o metabolismo social vigente em determinado período da civilização. A dialética entre a natureza e a realidade social é uma unidade constantemente oxigenada, que, longe de ser estanque, permanece em constante modificação. Esta continuidade evolutiva traz como reflexo direto a permanente criação de novos Princípios do Direito Ambiental, o que gera uma carga de dificuldade de elencar um rol fechado de Princípios Ambientais. Tal característica, é interessante pontuar, se espraia para a construção teórica da doutrina ambientalista, que acaba por não se debruçar de maneira uniforme no estudo dos Princípios Ambientais, bem como na nomenclatura e subdivisões a serem adotadas no seu objeto de análise5. De toda sorte, a busca de uma definição de um rol possível de Princípios Ambientais sempre se faz conveniente e necessária para uma melhor delimitação do espectro analítico a ser abordado. Assim, a par da previsível dificuldade, tentará se desenvolver o tema dos Princípios do Direito Ambiental pautado nas principais construções jurídicas ambientais firmadas na esfera internacional (tratados, convenções e acordos internacionais de Direito Ambiental), bem como em instrumentos normativo-ambientais pátrios. Desse modo, irá se enfocar, em linhas muito gerais, os Princípios Ambientais que entendemos mais relevantes para 5 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. MACHADO, Paulo Affonso de Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. S. Paulo: Malheiros, 2002. 7 estimular discussões críticas sobre a matéria, permitindo tornar o conhecimento do tema mais voltado para realidade prática. 2.1 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO Iniciemos o estudo dos Princípios Ambientais pelo Princípio da Precaução por força de sua relevância na pauta do Direito Ambiental moderno. Em linhas gerais pode-se afirmar que o Princípio da Precaução deve ser lido como In dúbio pro natura ou In dúbio pro ambiente. Ou seja, se diante da tecnologia disponível pelo órgão técnico-ambiental em um determinado momento da história não conseguir se antevir os danos ambientais que determinada atividade ou empreendimento poderão originar, deve-se dar prevalência ao meio ambiente, não permitindo que a atividade ou empreendimento venham a se desenvolver até que se disponha de elementos suficientes para aferir as conseqüências que poderão ser geradas. No âmbito do Direito Ambiental Internacional, encontramos o Princípio da Precaução, exemplificativamente, no Princípio 15 da Declaração do Rio- Eco 92, ao dispor que os Estados deverão aplicar o critério de precaução Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação do meio ambiente. Cabe ainda pontuar que, por conseqüência do Princípio da Precaução, deriva o Principio da Prevalência da Norma Mais Benéfica ao Meio Ambiente, ou seja, diante de várias normas, mesmo que provenientes de diferentes fontes, 8 aplica-se sempre a que for mais favorável. É o que se extrai, por exemplo, do próprio art. 5°, §2° Lei 7661/88, que ao tratar do Zoneamento Costeiro, dispõe que no conflito entre as normas do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro, prevalecerá a norma mais restritiva. 2.2 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO Também de enorme relevância para o estudo do Direito Ambiental, o Princípio da Prevenção exige que o órgão técnico-ambiental ao permitir a atividade ou empreendimento nocivo ao meio ambiente, deva se valer de medidas tendentes a evitar ou reparar o dano ambiental. Em outras palavras, inicialmente o órgão técnico- ambiental deverá buscar mecanismos para evitar o dano ambiental gerado pela atividade ou empreendimento, buscando soluções alternativas que não venham a lesar o ecossistema. Todavia, se não for possível evitar que o dano ambiental causado pela atividade ou empreendimento desenvolvido venha a ocorrer, deve-se ao menos buscar formas de reparação da lesão ambiental por meio de medidas compensatórias. Observa-se o Princípio da Prevenção no ordenamento jurídico nacional, dentre outros dispositivos, da leitura do art. 225 § 2º, da Carta maior de 1988 e art. 4º, VI, lei 6938/81, ao dispor que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida. 9 2.3 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE O Princípio da Responsabilidade é nodal para todo o tênue equilíbrio do sistema jurídico-ambiental, determinando que aquele que causa o dano ambiental deve responder nas esferas penal, civil e administrativa. Naturalmente, por força das próprias regras gerais do direito, o autor poderá responder em qualquer uma ou mesmo nas três esferas, visto que os campos penal, civil e administrativa não se comunicam (exceto na hipótese de se provar a inexistência do fato ou da autoria na esfera penal, quando então se afastará a responsabilidade civil e administrativa- art. 66 e 67 do Código de Processo Penal e 935 do Código Civil Brasileiro de 2002). É exatamente por força do Princípio da Responsabilidade que o art. 225 § 3º, da Carta Maior de 1988 dispõe que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Por outro lado, também pelo Princípio da Responsabilidade, o art. 4º, VII, 1ª parte lei 6938/81 traz a imposição ao poluidor da obrigação de indenizar os danos causados. Lembra-se que o poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental (art. 3º, IV, lei 6938/81). Por sua vez, a poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou 10 sanitárias do meio ambiente; ou lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (art. 3º, III, lei 6938/81). Já a degradação da qualidade ambiental é a alteração adversa das características do meio ambiente (art. 3º, II lei 6938/81)67. Por fim, deve ser lembrado que a Declaração do Rio (Eco 92) traz a exigência de que os Estados devam desenvolver as legislações nacionais relativa à responsabilidade e à indenização referente às vitimas de danos ambientais, em clara referência ao Princípio da Responsabilidade. 2.4 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR O Princípio do Poluidor-Pagador possui sua origem na Recomendação C (72) 128 do Conselho da Organizaçãode Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) de 26 de maio de 1972 que prega o uso racional dos recursos ambientais. Na verdade, o Princípio do Poluidor-Pagador não é uma autorização para poluir contanto que se pague pelo dano gerado pela atividade nociva ao meio ambiente. A melhor interpretação que deve ser dada ao Princípio do Poluidor-Pagador se liga ao denominado “Custo Ambiental”, assim entendido todos os valores despendidos por força das obrigações impostas pelas normas ambientais no controle e prevenção da poluição. 6 O Superior Tribunal de Justiça no REsp 647.493-SC, entendeu que a União pode responder pelos danos ambientais, inclusive pela omissão no dever de fiscalizar. 7 O Superior Tribunal de Justiça no REsp 222.349-PR, entendeu inclusive que o novo proprietário pode ser considerado parte legítima para responder ação por dano ambiental, independente da existência ou não de culpa. 11 Desta forma, seguindo a lógica do Princípio do Poluidor- Pagador, o empreendedor deve internalizar todos os “Custos Ambientais” gerados por sua atividade, onde se inclui naturalmente os custos gerados pela poluição que eventualmente venha a causar. Em nenhuma hipótese, ressalta-se, o empreendedor deve deslocar o “Custo Ambiental” para o consumidor por meio do repasse dos valores ambientais para o custo dos produtos. Lembra-se ainda que no direito pátrio, o Princípio do Poluidor-Pagador se faz presente no art. 4º, VII, Lei 6938/81, que ao tratar dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, traz a imposição ao poluidor da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados. Encontramos também o Princípio do Poluidor-Pagador no âmbito do Direito Ambiental Internacional, exemplificativamente, no Princípio 16 da Declaração do Rio- Eco 92, ao dispor que “as autoridades nacionais devem fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em conta que o poluidor deve arcar com os custos da contaminação”. Da mesma forma, na esfera internacional, o Protocolo de Kyoto é um exemplo do Princípio do Poluidor-Pagador, na medida em que gera a obrigação dos Estados-Parte de arcar com os custos da redução de emissões de gases poluentes. 2.5 PRINCÍPIO DO USUÁRIO-PAGADOR O meio ambiente, como sabido, não está na titularidade de qualquer pessoa, seja física, seja jurídica, de direito público ou de direito privado. O meio ambiente é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. É bem difuso 12 transindividual de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato. Portanto, a lógica do Princípio do Usuário-Pagador demanda que se alguém se aproveita dos recursos ambientais deve suportar isoladamente os custos pela sua utilização. Logo, não deve se falar em terceiros tolerando os custos daqueles que se beneficiaram pelo emprego dos bens ecológicos. Assim, observa-se claramente a incidência do Princípio do Usuário-Pagador no art. 4º, VII, in fine, Lei 6938/81, que ao tratar dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente traz a imposição ao usuário da contribuição pela utilização de recursos ambientais. Também é emblemática da incidência do Princípio do Usuário-Pagador a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9433/97), ao trazer dentre seus instrumentos a cobrança pelo uso de recursos hídricos (art. 5º, IV Lei 9433/97). Pela Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) a água passa a ser um bem de domínio público (art. 1º, I Lei 9433/97), inalienável (art. 18, Lei 9433/97), limitado e dotado de valor econômico (art. 1º, II Lei 9433/97). Assim, por decorrência destas características, em especial do reconhecimento da água como bem econômico, há a possibilidade de cobrança pelo uso de recursos hídricos (arts. 19 e s. Lei 9433/97), incentivando, dentre outros objetivos, a racionalização do seu uso. O art. 36 da Lei 9985/2000- a Lei do SNUC- ao tratar da compensação ambiental, também deve ser lembrado quando se analisa o Princípio do Usuário-Pagador. Ocorre nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Assim, o empreendedor é obrigado a apoiar, com, no mínimo, meio por cento dos custos totais do empreendimento, a implantação e 13 manutenção de unidade de conservação de Proteção Integral. É tratado também pelos art 31 a 34 do Decreto 4340/2002 e regulamentado pela Resolução CONAMA 371/20068. 2.6 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL O Princípio do Desenvolvimento Sustentável também é basilar para compreensão do Direito Ambiental hodierno, devendo-se por força de sua realização, compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente. Em âmbito doméstico, observa-se sua clara diretriz, exemplificativamente, no art. 170, VI, da Carta magna de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, ao dispor que a ordem econômica tem por fim a defesa do meio ambiente mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Da mesma forma, dentre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 4º, I, lei 6938/81), há a exigência da compatibilização entre o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. 8 O STF na ADI 3378 entendeu inconstitucional as expressões “não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento” e “o percentual”, constantes no art. 36, da Lei 9.985/2000. Haveria empreendimentos que não causam impacto ambiental. Dessa forma, o órgão ambiental competente é que fixaria o montante compatível e proporcional ao grau de impacto ambiental do empreendimento analisado. Considerou-se, entretanto, que a compensação ambiental não violaria o princípio da legalidade, já que a própria lei impugnada previu o modo de financiar os gastos da espécie, nem ofenderia o princípio da harmonia e independência dos Poderes, visto que não houve delegação do Poder Legislativo ao Executivo da tarefa de criar obrigações e deveres aos administrados. 14 A sociedade internacional também se preocupou com Princípio do Desenvolvimento Sustentável, como se observa em inúmeros instrumentos de Direito Ambiental Internacional, tais como a Convenção de Estocolmo de 1972 e o Relatório Nosso Futuro Comum da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1987 (Relatório Brundtland). Os Princípios 1 e 4 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (ECO-92), da mesma forma, busca o Desenvolvimento Sustentável ao disporem que: os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável, tendo direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a Natureza. A fim de alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá considerar-se de forma isolada. 2.7 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA OU DA PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA O Princípio da Participação Democrática ou da Participação Comunitária se liga à democracia direta ou participativa, ao rezar que o melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados9. Assim, no plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso às informações de que dispõem as autoridades públicas sobre o meio ambiente, incluída a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas9 Princípio 10 da Eco 92 15 comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de tomada de decisões. Os Estados também deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, devendo ainda ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos. Por outro lado, também é dever não só do Poder Público, mas também da coletividade defender o meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da Carta maior de 1988). Da mesma forma, a legislação referente ao Acesso Público à Informação Ambiental (Lei 10650/2003 e 9º, VII e XI Lei 6938/81) e à Educação Ambiental (art. 225, § 1º, VI, da Carta maior de 1988; Lei 9795/99 e art. 2º, X, Lei 6938/81) traduzem desdobramentos do Princípio da Participação Democrática ou da Participação Comunitária. 2.8 PRINCÍPIO DA UBIQÜIDADE O dano ambiental pelas suas próprias características não encontra fronteiras. Assim, como se dessume pela lógica, os incidentes ambientais ocorridos em determinada localidade, geram prejuízos aos ecossistemas por todo o globo. Assim, esta preocupação transfronteiriça exige a notificação imediata sobre os desastres naturais ocorridos em determinado Estado que possam produzir efeitos nocivos ao meio ambiente de outros Estados. Desta forma, os Estados devem cooperar efetivamente para desestimular ou evitar o deslocamento e a transferência 16 a outros Estados de quaisquer atividades e substâncias que causem degradação ambiental grave ou se considerem nocivas à saúde humana. Por outro lado, os Estados onde ocorrerem os danos ambientais deverão proporcionar as informações pertinentes e notificar previamente e de forma oportuna os Estados que possam se ver afetados por atividades passíveis de ter consideráveis efeitos ambientais nocivos. E, por fim, por força do Princípio da Ubiqüidade, a comunidade internacional deverá fazer todo o possível para ajudar os Estados que sejam afetados. 2.9 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE Pelo Princípio da Solidariedade, todos aqueles que praticarem condutas ou atividades consideradas lesivas ao meio ambiente responderão solidariamente pelo dano ambiental (art. 225, § 3º, da Carta maior de 1988 e art. 4º, VII, 1ª parte lei 6938/81). Assim, há a obrigação de todos os causadores do dano ambiental de reconstituir o meio ambiente degradado de forma solidária, pelos danos diretos ou indiretos, independente da existência ou não de culpa. Por outro viés, os Estados deverão cooperar na elaboração de novas leis internacionais sobre responsabilidade e indenização pelos efeitos adversos dos danos ambientais. Além do que, os Estados deverão cooperar com o espírito de solidariedade mundial para conservar, proteger e restabelecer a saúde e a integridade do ecossistema global. Ainda assim, em conseqüência, os Estados deverão respeitar o Direito Ambiental Internacional, proporcionando proteção ao meio ambiente e cooperando para seu 17 melhoramento, devendo, na medida do possível, tratar os problemas ambientais mundiais com base no consenso internacional. 2.10 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE Há um dever fundamental por parte do Poder Público e da coletividade na proteção ao meio ambiente. Desta forma, a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental de terceira dimensão, não pode ser insuficiente, cabendo aos Estados promulgar leis eficazes de proteção aos ecossistemas. Assim, pelo Princípio da Vedação da Proteção Deficiente, os objetivos e prioridades em matérias de regulamentação do meio ambiente devem refletir o contexto ambiental e de desenvolvimento às quais se aplicam, vedando a criação de normas ambientais inadequadas. 2.11. PRINCÍPIO DA EQUIDADE NA PARTICIPAÇÃO INTERGERACIONAL. O Princípio da Equidade na Participação Intergeracional se direciona ao futuro, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da Carta maior de 1988 e Princípio 3 da Eco 92). Assim, o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de forma tal que responda eqüitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações atuais e vindouras. 18 2.12 PRINCÍPIO DO RESPEITO À IDENTIDADE CULTURAL E INTERESSES DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS E GRUPOS FORMADORES DA SOCIEDADE O Princípio do Respeito à Identidade Cultural e Interesses das Comunidades Tradicionais e Grupos Formadores da Sociedade está previsto, exemplificativamente, no Princípio 22 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (ECO-92) e art. 216 da Carta Maior de 1988. Possui direta relação com o Meio Ambiente Cultural, exigindo a garantia da preservação do patrimônio cultural brasileiro, portador de referência à identidade, à ação, e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. O Princípio do Respeito à Identidade Cultural e Interesses das Comunidades Tradicionais e Grupos Formadores da Sociedade prega que os povos indígenas e suas comunidades, assim como outras comunidades locais, desempenham um papel fundamental na ordenação do meio ambiente e no desenvolvimento por força de seus conhecimentos e práticas tradicionais. Assim, os Estados devem reconhecer e prestar o apoio devido à identidade, cultura e interesses das comunidades tradicionais e grupos formadores da sociedade e velar para que participem efetivamente no desenvolvimento sustentável. 3 CONCLUSÃO Ao se analisar os Princípios de Direito Ambiental, observa-se que o respeito aos ecossistemas e à qualidade ambiental, perpassa por um pacto global firmado pelos 19 Estados e pela coletividade na preservação e no melhoramento da vida natural e humana. Assim, a proteção da dignidade da vida humana no Planeta Terra não poderá ser garantida sem atenção aos Princípios de Direito Ambiental desenvolvidos no permanente debate da comunidade internacional e doméstica. Além do que, mais que meras exortações morais, os Princípios de Direito Ambiental são normas jurídicas imperativas, dotadas de eficácia jurídica, e cujo conteúdo deve ser obedecido em âmbito local, regional e internacional. Conclui-se assim, que os Princípios Ambientais formam os pilares do próprio sistema jurídico ambiental, exortando toda coletividade neste pacto interplanetário ao cumprimento de suas diretivas de proteção ao meio ambiente. REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros. CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra, Livraria Almedina, 1994. BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 5. edição. Rio de Janeiro; Renovar. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros. 20 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra, Livraria Almedina, 1994. MACHADO, Paulo Affonso de Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. S. Paulo: Malheiros, 2002.
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