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63Zoonoses e saúde pública: riscos causados por animais exóticos. Biológico, São Paulo, v.63, n.1/2, p.63-65, jan./dez., 2001 PALESTRA ZOONOSES E SAÚDE PÚBLICA: RISCOS CAUSADOS POR ANIMAIS EXÓTICOS Silvio Arruda Vasconcellos FMVZ/USP As zoonoses, definidas como doenças ou infecções naturalmente transmissíveis entre os animais vertebra- dos e o homem (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1967), estão distribuídas por todo o globo em níveis de ocorrência variáveis de acordo com fatores ambientais de natureza físico-química-biológica e inclusive sócio- econômico-culturais (LA IMPORTANCIA., 1980). Os animais vertebrados que albergam os agentes etiológicos das zoonoses: silvestres, domésticos (produção, trabalho e companhia) bem como os sinantrópicos são o principal alvo das ações de con- trole destinadas ao bloqueio do aparecimento de casos de zoonoses em seres humanos (ACHA & SZYFRES, 1977). A Saúde Pública Veterinária é a área do conheci- mento que tem por objetivo a racionalização das ações destinadas ao: 1) controle das zoonoses; 2) controle das doenças humanas veiculadas pelos alimentos de origem animal; 3) controle da poluição ambiental de origem animal e 4) emprego de modelos animais para o estudo de patologias que acometem os seres huma- nos (STEELE, 1979). A despeito de nos últimos anos ter ocorrido um gran- de avanço no controle das doenças transmissíveis humanas de hospedeiro único, decorrente do desen- volvimento e aprimoramento de ações terapêuticas ou imunoprofiláticas, as zoonoses continuam a ser um grande desafio pois os hospedeiros animais ampliam as possibilidades de persistência dos agentes infecciosos ou parasitários no ecossistema (STEELE, 1979). Quando um país importa animais que não fazem parte da sua fauna natural devem ser considerados alguns riscos: 1) possibilidade da introdução de novas doenças transmissíveis, 2) possibilidade da introdução de novos reservatórios para os agentes etiológicos de doenças pré-existentes e 3) a possibilidade da criação de um desequilíbrio ambiental com interfe- rência sobre a fauna local (LENNETTE & EMMONS, 1972). Destaque-se que o papel dos animais vertebrados como fontes de infecção e portanto reservatórios de agentes de doenças transmissíveis para os seres humanos, inclui pelo menos duas condições: doentes e portadores. Se os doentes desempenham um papel limitado, devido as restrições que a própria situação clínica provoca, os portadores encerram uma impor- tância epidemiológica muito grande pois aparentam perfeito estado de saúde e não sucitam cuidados daque- les que são responsáveis pela sua manutenção e movimentação (CÔRTES, 1993). As três modalidades de portadores conhecidas: em incubação, convalescentes e sadios induzem ao emprego de medidas profiláticas próprias que incluem procedimentos de quarentena e vigilância epide- miológica apoiados em recursos diagnósticos sensí- veis e específicos (CÔRTES, 1993). Os animais exóticos têm sido introduzidos em áreas geográficas específicas com finalidades distintas: produção de alimentos (javali, avestruz), modelo biológico para investigações científicas (hamster, gerbil, primatas), educação e preservação (zoológicos e similares), participação em feiras ou exposições, atividades de lazer (circos), esportivas (competições) e inclusive como animais de companhia ou adorno (CALLIS et al., 1974; JENKINS, 1969; MCDIARMID, 1961; TORO, 1976). De todas estas possibilidades o animal de compa- nhia ou adorno é o que estabelece o grau máximo de proximidade com os seres humanos e com isto cria o maior risco para a introdução de zoonoses no próprio domicílio Dentre os animais de companhia ou adorno, considerados como exóticos, que nos últimos anos têm apresentado uma expansão crescente em todo o mundo são referidos os répteis (tartarugas, lagartos e cobras), as aves (psitacídeos) e o furão ou ferret que serão objeto desta apresentação. Répteis como reservatórios de zoonoses Há cerca de 40 anos, nos Estados Unidos da América (EUA) foram registrados os primeiros casos de seres humanos infectados por salmonelas atribuí- dos ao hábito de manter tartarugas como animais de estimação. Na atualidade os registros epidemiológicos dos EUA apresentam a cifra de 280.000 casos/ano o que ressalta a magnitude do problema em termos de Saúde Pública (WARWICK et al., 2001). Algumas espécies de salmonelas parecem ser um componente normal da microbiota intestinal dos répteis e destas algumas são altamente invasivas e virulentas para o homem. A prevalência de salmonelas em répteis é igual ou superior a 90% e inclui sorotipos variados tais como: java, stanley, marina, poona, pomona e chamaleon, raramente encontrados em se- res humanos, mas também podem albergar a S. typhimurium e S. enteritidis, principais responsáveis por surtos de toxinfecções alimentares (REPTILE, 1999; WARWICK et al., 2001; WU et al., 1998). 64 S.A. Vasconcellos Biológico, São Paulo, v.63, n.1/2, p.63-65, jan./dez., 2001 A resistência ambiental das salmonelas é um ponto de destaque na epidemiologia das toxinfecções alimentares dos seres humanos: 89 dias em água doce e 30 meses em fezes de répteis (WARWICK et al., 2001). O mecanismo de contágio das salmoneloses humanas provenientes de répteis é a ingestão de ali- mentos e água contaminados pelo microrganismo e os quadros de maior gravidade ocorrem em crianças com menos de cinco anos de idade, idosos, gestantes e nos imunocomprometidos. Nestas situações a patolo- gia não fica restrita apenas ao trato gastrointestinal, mas há a septicemia e comprometimento de todo o organismo (REPTILE, 1999; WU et al., 1998). A prevenção das salmoneloses humanas provenien- te de répteis deve apoiar-se em aspectos educativos que incluem: 1) lavagem das mãos com água e sabão após o manuseio de répteis ou de equipamentos e uten- sílios que tiveram contato com répteis; 2) não manter répteis em centros que cuidam de crianças; 3) manter répteis afastados de cozinhas; 4) não utilizar a pia da cozinha para a higiene das caixas de manutenção de répteis, 5) crianças com menos de cinco anos de idade e pessoas imunologicamente comprometidas não de- vem manter contato com répteis (WARWICK et al., 2001). Aves de adorno como reservatórios de zoonoses A infecção pela Chlamydia psittaci, já foi descrita em mais de 130 espécies de aves. Além dos psitacídeos (papagaios, araras e periquitos), outras aves também podem hospedar este microrganismo como perús, patos, pombos, frangos, faisões e as aves marinhas (WILLS, 1986; BENENSON, 1987). Os psitacídeos usualmente comportam-se como por- tadores de clamídeas, no entanto em condições de stress, como por exemplo durante o transporte podem ocorrer manifestações clínicas representadas por anorexia, perda de peso, penas arrepiadas, sinais respiratórios e intestinais. A eliminação do agente através das secre- ções e excreções de aves doentes ou sadias ocorre de forma intermitente durante semanas ou meses (ACHA & SZYFRES, 1977; WILLS, 1986; MCDIARMID, 1961). A transmissão da psitacose para os seres huma- nos usualmente ocorre por contato indireto, através da via aerógena, pela inalação de aerosóis ou poeiras contaminadas pelo agente que resiste a dessecacão, no entanto já foi confirmado o contágio direto pela manipulação de aves doentes, ou como doença ocupacional em indivíduos que trabalham na etapa da evisceração de aves nas linhas de matança. As clamídeas são facilmente destruídas pelo calor e portanto, não há registros de infecção em seres humanos provocada pela a ingestão da carne de aves (WILLS, 1986). A psitacose nos seres humanos apresenta varia- ção considerável incluindo formas leves semelhantes a um resfriado com calafrios, febre e dor de cabeça, outras com maior gravidade envolvendo pneumonia atípica com tosse improdutiva e respiração dificul- tada, no entanto já foram registrados casosmuito graves com doença sistêmica incluindo endocardites, miocardites e complicações renais (WILLS, 1986). A prevenção da psitacose apoia-se em medidas gerais de higiene na criação e transporte dos psitacídeos, quarentena e tratamento com tetraciclinas, quando indicado (WILLS, 1986). Furões como reservatórios de zoonoses Os furões domésticos Mustela putorius furo são carnívoros que foram extensamente empregados como animais de laboratório em pesquisas biomédicas, no entanto nos últimos anos passaram a ser objeto de grande popularidade como animais de estimação (BURKE, 1988; GÖBEL, 2001). No Brasil a população já alcançou a cifra de 6.000 animais e a importação é controlada pelo IBAMA. Todos estes animais foram importados dos EUA, são esterilizados e possuem um microchip de controle sob a pele (ESPECIAL, 2001). As principais zoonoses virais em que os furões comportam-se como reservatórios são a Influenza e a raiva. No caso da Influenza os furões são suscetíveis aos Ortomyxoviridae tipos A e B, o mecanismo de contágio é a inalação de aerosóis contaminados, a doença evolui durante sete a 14 dias com febre, corrimento ocular-nasal em algumas ocasiões há casos fatais devido a complicações bacterianas. A despeito de ter sido confirmada a transmissão do vírus da influenza de furão para furão e de furões para seres humanos, esta patologia é essencialmente uma zooantroponose, na qual a infecção dos ani- mais é uma consequência direta da presença do vírus em seres humanos (GÖBEL, 2001). Os furões são suscetíveis à infecção pelo vírus da raiva e nestes animais a doença manifesta-se por sinais de ansiedade, letargia, paralisia ascen- dente com início nos membros posteriores e óbito. A prevenção apoia-se na imunização sistemática com vacinas inativadas (BURKE, 1988; MARINI et al., 1989). Dentre as zoonoses bacterianas há o registro de casos de leptospirose em furões infectados pelos sorovares grippotyphosa, icterohaemor- rhagiae, pomona e sejroe. A listeriose por Listeria monocytogenes já foi constatada em quadros de pneumonias e hepatite. As salmoneloses por S. typhimurium foram atribuídas ao fornecimento de carne de frango crua, os sinais clínicos incluiram diarréia sanguinolenta, vômitos, febre e desidra- tação. No caso da campilobacteriose, pelo Campylobacter jejuni os furões comportam-se como portadores e a transmissão fecal-oral está associa- 65Zoonoses e saúde pública: riscos causados por animais exóticos. Biológico, São Paulo, v.63, n.1/2, p.63-65, jan./dez., 2001 da a ingestão de água ou alimentos contaminados. A tuberculose pelo M. bovis é a micobacteriose de maior gravidade nestes animais. Sua ocorrência tem sido atribuída à ingestão de leite não pasteurizado ou carne crua e as manifestações clínicas incluem hepato-esplenomegalia, nódulos intestinais e morte (GÖBEL, 2001; MARINI et al., 1989). As zoonoses micóticas dos furões incluem infecções pelo Microsporum canis e Trichophyton mentagrophytes. Os fatores condicionantes são usual- mente superlotação e associação com gatos. O trata- mento recomendado é a Griseofulvina (GÖBEL, 2001; MARINI et al., 1989). As zoonoses parasitárias que acometem os furões incluem a criptosporidiose que, para os seres humanos, é uma doença oportunista com maior gravidade em indivíduos imunossuprimidos. As helmintoses larva migrans vísceral e cutânea, dipilidiase e dirofilariose também são registradas e inclusive a sarna sarcóptica pelo Sarcoptes scabie (GÖBEL, 2001; MARINI et al., 1989). Conclusão Do exposto depreende-se que a importação de ani- mais exóticos para diferentes finalidades envolve sem- pre um risco da importação de agentes etiológicos de zoonoses cujas conseqüências podem variar na de- pendência dos fatores climáticos e sócio-econômico culturais do País importador. A prevenção e o contro- le dos problemas decorrentes destas práticas apoia- se no estabelecimento de legislações específicas centradas na comprovação das condições de manejo e saúde dos centros exportadores, quarentena, vigi- lância epidemiológica permanente e educação dos importadores quanto aos riscos existentes e as con- dutas específicas destinadas ao bloqueio da cadeia de transmissão das zoonoses. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACHA, P.N. & SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud, 1977, (Publicación Científica, 354). BENENSON, A.S. El control de las enfermedades transmisibles em el hombre. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud, 1987. 536 p. (Publicación Científica, 507). BURKE, T.J. Common diseases and Medical Management of Ferrets. In: JACOBSON, E.R. & KOLLIAS, G.V. Exotic animals. New York: Churchill Livingstone, 1988. p.247-260. 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