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1 CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CURSO: Letras DISCIPLINA: Português VIII CONTEUDISTA: Monika Benttenmüller Amorim José Carlos Gonçalves Aula 01 – PORTUGUÊS: NOSSA LÍNGUA MATERNA? META Nesta aula, responderemos a essa indagação, refletindo sobre a língua que se fala no Brasil. A partir da dinamicidade da língua, vamos verificar, juntos, os processos de variação e mudança e como a norma se delineia no sistema linguístico do português. Além disso, vamos nos debruçar sobre os falares formais, mais “fechados” e os informais, mais “abertos”. OBJETIVOS Esperamos que, ao finalizar essa lição, você seja capaz de: 1. Perceber a diferença entre o Português e o Vernáculo; 2. Reconhecer os diferentes tipos de norma; 3. Identificar os processos de variação linguística; 4. Reconhecer o processo de mudança na língua. 2 INTRODUÇÃO Afinal, que língua falamos? Com esta pergunta, você deve estar se questionando: como assim? A resposta é simples, porém surpreendente: o português não é a nossa língua materna. "Há duas línguas no Brasil: uma que se escreve (e que recebe o nome de “português”); e outra que se fala (e que é tão desprezada que nem tem nome)” (PERINI, Mário, 1997:36). VERBETE Língua é uma atividade social, concretizada, na fala, por todos os seus falantes, quando da interação oral ou escrita. FIM DO VERBETE 1. PORTUGUÊS OU VERNÁCULO? Você sabe o que é vernáculo? Se alguém te dissesse que falamos o vernáculo brasileiro e não o português, o que você pensaria? Será uma brincadeira? Segundo o dicionário Caldas Aulete, vernáculo é definido como: a) característico de um país, uma região etc.; b) sem incorreções ou alterações, ou inclusão de estrangeirismos (diz-se de uma língua); c) língua falada pelo povo de um país ou por um dos grupos sociais existentes no mesmo. Para ficar mais claro, entende-se vernáculo como o português falado. Podemos, então, afirmar que falamos o “português vernáculo brasileiro”. Assim sendo, em geral, o vernáculo constitui a fala informal; é a língua que aprendemos com nossos pais, irmãos, mas não é a que escrevemos. 3 Bernstein (1971) estabeleceu uma diferença entre a linguagem formal, mais fechada, e a linguagem que ele chamou de “pública”, mais aberta. A linguagem pública, segundo o autor, apresenta frases curtas, gramática simples, sentenças inacabadas, uso de conjunções, uso limitado de adjetivos e advérbios, afirmações formuladas com questões implícitas, enfim, é uma linguagem de significados implícitos, utilizada nos círculos “abertos” de nossa comunicação. De maneira diferente, a linguagem formal ou mais elaborada apresenta um alto grau de planejamento. Dessa forma, a linguagem formal, mais elaborada, constrói seus significados por meio de princípios que são acessíveis apenas a certos grupos, os mais escolarizados. Outro renomado autor, William Labov, importante nome da Sociolinguística variacionista, atribui, para “vernáculo”, o seguinte significado: “o estilo em que se presta o mínimo de atenção ao monitoramento da fala”. VERBETE Sociolinguística é uma das subáreas da Linguística, que estuda a língua em uso. FIM DO VERBETE BOXE EXPLICATIVO Leia mais sobre os estudos de Bernstein no link http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742003000300003&script=sci_arttext FIM DO BOXE EXPLICATIVO A fala é espontânea, não “monitorada”. Você já deve ter percebido diferenças na expressão oral da língua, como: “Você viu ela fazendo caras e bocas? Eu vim o tempo todo pensando como falar pro meu irmão que ela tava mentindo! A gente vai dar um jeito nessa situação! Ele pediu pra mim ficar de olho nela e eu obedeci, mas já tô arrependida...” 4 Nesse pequeno trecho de uma reprodução da fala espontânea, expressões como vi ela (em vez de a vi);a ausência da preposição “em” (pensando como falar); preposição pro(em vez de para o); redução de “estava” (tava); o pronome nós substituído por a gente; o pronome “mim” funcionando como sujeito; a regência obedecer o (em vez de obedecer ao); a contração “tô” para “estou”, são apenas alguns exemplos de expressões da linguagem oral, não monitorada. Além desses exemplos, poderíamos apresentar muitos outros. Todos esses fazem parte de nosso vernáculo, da comunicação utilizada em nossa rotina, sem a menor dificuldade, ou seja, nosso processo natural de comunicação. ATIVIDADE 01 Faça uma pesquisa (poderá ser em casa, com colegas, em livros, na internet) e transcreva um pequeno diálogo que contenha, pelo menos, três exemplos de fala espontânea. Ao final, analise os exemplos encontrados. (10 linhas) ATIVIDADE 02 Lembrando do conceito de vernáculo, não se pode afirmar que as línguas, na forma padronizada, sejam um vernáculo. Comente essa afirmativa. (04 linhas) RESPOSTA COMENTADA As línguas, quando na forma padronizada, ou seja, seguindo a forma monitorada, não podem ser consideradas vernáculos porque há uma grande diferença entre o falar seguindo a norma e o falar espontâneo, natural. O vernáculo se insere no segundo tipo, é a língua falada, utilizada sem monitoramento, com fluidez e naturalidade. 5 1.1 PORTUGUÊS E o Português? O português é a língua que se escreve. Como você pode observar nos exemplos acima citados, será que falamos a mesma língua que escrevemos e lemos? As diferenças entre o vernáculo e o português são muitas e já podemos desconfiar por que temos tanta dificuldade em escrever textos em português. Nas relações entre fala e escrita, é necessário que se levem em conta as condições de produção para a efetivação dessa fala ou dessa escrita. Nos textos escritos, por exemplo, decidimos em que ordem as partes, parágrafos serão dispostos, podemos corrigir, avaliar, modificar; é o momento do “monitoramento” da língua, como postula Labov. BOXE EXPLICATIVO É interessante observar que uma carta pessoal escrita num estilo descontraído pode ser comparada a uma narrativa oral espontânea, enquanto que se constata muita diferença entre uma narrativa oral e um texto acadêmico escrito. Assim, em uma conferência científica escrita, o autor preocupa-se com a elaboração de um texto consistente e defensável, o qual pode se assemelhar mais a um texto escrito do que a uma conversação espontânea. (FERRONATO, Vera Lúcia) http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem10pdf/sm10ss02_09.pdf FIM DO BOXE EXPLICATIVO Não devemos, no entanto, generalizar, já que nem toda mensagem que nos chega aos ouvidos é, na verdade, uma mensagem falada. Há textos “falados” que são lidos, isto é, foram escritos para serem lidos posteriormente. É o caso dos discursos políticos, de formaturas, telejornais e textos de telemarketing, por exemplo. A diferença é que os textos tipicamente falados são produzidos e consumidos simultaneamente no momento da interação, de sua produção, por isso mais espontâneos. Exemplos desse gênero são muitos: chats, e-mails informais, bate-papo em geral, tais como os que ocorrem no facebook ou whatsapp. 6 Agora, novamente a pergunta inicial: qual é a nossa língua materna ou, que língua falamos? Sem sombras de dúvida, nossa língua materna é o vernáculo, língua falada por mais de cento e cinquenta milhões de pessoas, que o utilizam constantemente em situações do dia a dia, com muita naturalidade. O Português, portanto, é usado na escrita formal, tem de seraprendido na escola e “permanecerá sempre, no imaginário coletivo, no senso comum, como algo superior, mais sublime e mais digno de veneração do que a língua falada” (BAGNO, Marcos, 2011:364). Mas por que, então, a nomenclatura “língua portuguesa”? Essa não é somente uma questão linguística, mas, principalmente política. “A atribuição do rótulo de língua a um modo de falar já é um ato político.” (BAGNO, Marcos, 2011:371). No próximo item, nos debruçaremos mais sobre essa questão. BOXE CURIOSIDADE Durante muitos séculos, as línguas maternas europeias foram chamadas de “vulgares”. [...] Somente a partir do Renascimento as línguas vulgares passarão a ser valorizadas, como instrumentos que permitem a comunicação direta do poder com seus súditos. E para isso, elas precisam de um nome. (BAGNO, Marcos, 2011:370) FIM DO BOXE CURIOSIDADE Podemos afirmar, sem medo, que alguns falantes alteram a forma de se expressar, de seus “falares”, adaptando-os às circunstâncias. Outros, no entanto, só têm o domínio ou conhecimento de uma forma de falar, a informal. O falante, portanto, adapta, de forma sistemática, sua fala a situações mais ou menos formais, desde que possua esse domínio. A realidade nacional de nosso idioma é, assim, extremamente diversificada, seja no espaço geográfico, seja no espaço social. Nossa língua constitui um patrimônio histórico e cultural, um bem de que devemos nos orgulhar. Para tratarmos melhor as questões relacionadas às variedades linguísticas, vamos ao próximo item. 7 2. VARIAÇÃO LINGUÍSTICA TEM ALGO A VER COM O VERBO “VARIAR”? A língua, na concepção dos sociolinguistas, é heterogênea, variável, instável e, como vimos anteriormente, uma atividade social. Se os seres humanos e a sociedade são heterogêneos, sujeitos a conflito e a mudanças, a variação linguística é um processo natural, inerente ao nosso sistema comunicativo. O verbo “variar” tem, portanto, tudo a ver com nosso repertório comunicativo, ou seja, com as escolhas linguísticas que fazemos para nos comunicar, cujo reflexo pode ser observado no fenômeno da variação linguística. A variação ocorre em todos os níveis da língua. Nesta lição, observaremos as variações condicionadas linguisticamente, ou seja, aquelas que envolvam o uso do português como sistema de organização da língua. Posteriormente, em outra lição, você estudará as variações condicionadas extralinguisticamente, ou seja, por algum fator de ordem social, tais como classe social, idade, religião, contexto, região etc. 2.1 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS: As variações, na língua, podem ocorrer de diversas formas. Abaixo, exemplos de variações condicionadas linguisticamente: a) Fonético-fonológica – perceptível nas diversas realizações dos fonemas, como no “R” das palavras “porta”, “porco”, percebidas nos falares dos mineiros e dos paulistas, por exemplo. No “S” chiado ou não, percebido em algumas localidades do país, como no Rio de Janeiro. b) Morfológica – percebida nos morfemas da palavra. Os afixos, ou seja, prefixos e sufixos diferentes podem expressar mesma ideia, como os prefixos “-in”, “-a”, indicando negação, em palavras como “infeliz” e “amoral”. c) Sintática – organização sintática das palavras nos sintagmas. Ex: Uma história que gostamos do final / Uma história que do final gostamos/ Uma história cujo final gostamos. 8 d) Semântica – significados distintos para uma mesma palavra, a depender da região de origem do falante. “Sinal de trânsito” significa “semáforo” no Rio de Janeiro, mas não em São Paulo. e) Lexical – palavras distintas que se referem ao mesmo objeto. Mandioca ou aipim, para os cariocas; macaxeira para os nordestinos. f) Estilístico-pragmática – refletem maior ou menor grau de formalidade entre os interlocutores. O uso de “senhor/senhora” ou “você”, por exemplo. Na atividade abaixo, há um poema de Oswald de Andrade pontuando uma das várias possibilidades da nossa língua. ATIVIDADE 03 Leia o poema abaixo: Vício na Fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados. (Oswald de Andrade, História do Brasil, in: Andrade, O. Pau-Brasil – Obras completas de Oswald de Andrade. São Paulo: Globo, 1991, p.80) Qual é o objeto (tema) do poema de Oswald de Andrade? Justifique sua resposta com base na língua falada no Brasil. Como estudante da disciplina Português VIII, você acha que as formas usadas no poema acima constituem um vício de linguagem? (07 linhas) 9 RESPOSTA COMENTADA O poema apresenta, como tema, as várias possibilidades da língua, ou seja, os distintos falares. Os diversos gêneros não seguem, necessariamente, as regras prescritas pelas gramáticas normativas. Vamos construindo nossa língua, nossos “telhados”, por meio das misturas, das interações linguísticas, como bem exemplifica o poema. No próximo item, verificaremos como a variação linguística está estreitamente relacionada ao prestígio social. 2.2 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E A QUESTÃO DO PRESTÍGIO SOCIAL A variação linguística deve ser entendida como um fenômeno normal. No entanto, se por um lado temos a variação linguística, permitindo a espontaneidade e fluidez da língua, por outro temos a “norma”, um modelo a ser seguido. Você já percebeu que há situações socialmente relevantes, as quais requerem um falar ou um escrever seguindo modelos prestigiados? Nesses momentos, que modelo ou forma de uso da língua escolher para se comunicar? Aqui, um pouco de história nos ajuda bastante. Em um passado distante, mais precisamente no século III a.C., na cidade de Alexandria, no Egito, que nesse tempo era um importante centro de cultura grega, os célebres filólogos da Biblioteca de Alexandria estavam preocupados em preservar, na maior “pureza” possível, a língua dos grandes autores da literatura grega. Para alcançar seu objetivo, esses estudiosos, chamados filólogos (fil=amigo, amante + logia=estudo, ciência), resolveram descrever as regras gramaticais empregadas pelos grandes autores clássicos para que elas servissem de modelo. Foi assim que nasceu a gramática, palavra grega que significa exatamente “a arte de escrever”. 10 VERBETE Logos Por Dicionário inFormal (SP), em 03/11/2008. O Logos (em grego, palavra), no grego, significava inicialmente a palavra escrita ou falada - o Verbo. Mas a partir de filósofos gregos como Heráclito passou a ter um significado mais amplo. Logos passa a ser um conceito filosófico traduzido como razão, tanto como a capacidade de racionalização individual ou como um princípio cósmico da Ordem e da Beleza. Na teologia cristã, o conceito filosófico do Logos viria a ser adotado no Evangelho de João, o evangelista se refere a Jesus Cristo como o Logos, isto é, a Palavra: "No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era Deus" João 1:1. FIM DO VERBETE Nas gramáticas “normativas”, há o estabelecimento de regras com o objetivo de orientar os leitores no “bom” uso da linguagem. Quando nos perguntamos onde o gramático se pauta para delimitar as regras que servirão de modelo à linguagem, verificamos que essa fonte provém da língua das pessoas cultas ou, melhor dizendo, dos grandes escritores. Muito da gramática normativa é conhecimento intuitivo do gramático, as regras são tiradas da sua cabeça, ou inventadas, e não usam dados empíricos, reais, provindos de gravações e ou transcrições de eventos de fala reais. BOXE EXPLICATIVO A gramática descritivaé uma gramática que se propõe a descrever as regras de como uma língua é realmente falada, a despeito do que a gramática normativa prescreve como "correto". É a gramática que norteia o trabalho dos linguistas que pretendem descrever a língua tal como é falada. As gramáticas descritivas estão ligadas a uma determinada comunidade linguística e reúnem as formas gramaticais aceitas por estas comunidades. Como a língua sofre mudanças, muito do que é prescrito na gramática normativa já não é mais usado pelos falantes de uma língua. A gramática descritiva não tem o objetivo de apontar erros, mas sim 11 identificar todas as formas de expressão existentes e verificar quando e por quem são produzidas. Chama-se gramática normativa a gramática que busca ditar, ou prescrever, as regras gramaticais de uma língua, posicionando as suas prescrições como a única forma correta de realização da língua, categorizando as outras formas possíveis como erradas. Frequentemente as gramáticas normativas se baseiam nos dialetos de prestígio de uma comunidade linguística. Embora as gramáticas normativas sejam comuns no ensino formal de uma língua, a sociolinguística vem favorecendo o estudo da língua como ela realmente é falada, e não como ela deveria ser falada. http://viverportugues.blogspot.com.br/2009/06/gramatica-descritiva-e-normativa.html FIM DO BOXE EXPLICATIVO Você já deve ter ouvido as expressões “norma-padrão”, “norma culta”. Vários livros didáticos e muitos enunciados envolvendo questões sobre o uso da língua portuguesa fazem uso dessas expressões. Vamos, no próximo item, estudar e refletir uma pouco mais sobre essas nomenclaturas. 3. NORMA-PADRÃO OU NORMA CULTA? A língua, atividade social, concretizada na fala, é objeto de um trabalho de codificação, ou seja, padronização. Daí a nomenclatura “norma-padrão”, isto é, uma referência, uma espécie de modelo ou lei que normatiza o uso da língua, falada ou escrita. Norma-padrão é, na verdade, um “modelo”, um parâmetro proposto. E como denominamos, então, a norma de uso real na língua, a que se concretiza? Essa é a norma culta, variedade que mais se aproxima da norma-padrão e é empregada pelos falantes urbanos mais escolarizados, também conhecida como variedade urbana de prestígio. 12 BOXE CURIOSIDADE Leia um pouco mais sobre a norma culta no link abaixo. http://revistalingua.com.br/textos/blog-abizzocchi/o-que-e-e-para-que-serve-a-norma-culta- 265019-1.asp FIM DO BOXE CURIOSIDADE Percebemos, então, que existe um abismo entre a norma idealizada e a norma efetivamente praticada, mesmo pelos falantes mais escolarizados.Usos como o de “ter” por “haver” em construções existenciais, como em “tem muitos livros na estante”, ou do pronome objeto na posição de sujeito como em “para mim fazer o trabalho”, ou ainda da não-concordância das passivas com “se”, como em “aluga-se casas”, são indícios da existência, não de uma norma única, mas de uma pluralidade de normas, entendida “norma” como conjunto de hábitos linguísticos, sem a preocupação ou, melhor, sem julgamento do que seria “certo” ou “errado”. Na norma culta, observam-se as regras do “bom uso” da língua, as quais são ensinadas e trabalhadas pela escola. Assim, entenderemos “norma” como um conjunto de fenômenos linguísticos, ou seja, fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais (veja 2.1) que são normais porque são habituais, costumeiros. Mais adiante, estudaremos, nas unidades 04, 05 e 06, as questões que envolvem a norma (urbana culta, objetiva, subjetiva, prescritiva, dentre outras). ATIVIDADE 04 Leia o pequeno trecho abaixo e comente-o, segundo sua experiência enquanto aluno(a). “Língua padrão: um peixe ensaboado? Entretanto, se todos concordam com a existência e as vantagens da língua padrão, pouca gente – se é que há alguém – será capaz de descrevê-la rigorosamente. Pode-se dizer que aquilo que se chama „língua padrão‟ é um peixe ensaboado! E tanto mais difícil será 13 definir, quanto mais transformações sociais, políticas e econômicas se passem em curto espaço de tempo em uma sociedade, como é o caso do Brasil. De tal modo que um gramático conservador, munido de compêndios, que passasse um mês diante de noticiários de televisão ou lendo jornais e revistas acabaria por declarar, desesperado, que ninguém mais sabe falar e escrever português no país.” (FARACO, Carlos Alberto e TEZZA, Cristóvão. 1992) (08 linhas) 4. MUDANÇA NA LÍNGUA Já vimos que é na interação que a língua funciona, concretiza-se. Há de se esperar, portanto, que, a partir do uso, haja mudanças percebidas no ato da comunicação. Desta maneira, os usuários, no momento da interação, escolherão termos disponíveis no sistema linguístico, sejam palavras, sejam expressões ou estruturas que contemplem a intenção comunicativa que eles pretendem. Segundo a perspectiva da Sociolinguística Variacionista, toda mudança pressupõe um período de variação. Então, precisamos ficar atentos à diferença entre variação e mudança! Seguindo as palavras de Martelotta (2011), “variação é de natureza individual, social, regional, sexual, entre outras, que convive em um mesmo momento do tempo, e mudança se manifesta com o passar do tempo.” A variação, portanto, poderá, com o passar do tempo, levar à mudança linguística. Não é tão fácil determinar se um fenômeno variável está em processo de mudança, como bem afirma Martellota (2011). Para isso, os sociolinguistas observam fatores como, gênero, escolaridade, faixa etária, nível de escolaridade, dentre outros. Uma forma prática de verificar o fenômeno de mudança é a produção verbal de pessoas pertencentes a faixas etárias distintas. Alguns vocábulos utilizados por seus avós, com certeza, em alguns momentos, devem ter causado a você algum “estranhamento”. Gírias como “ele é um pão” é um exemplo desse possível “estranhamento”, 14 Martellota aponta exemplos de palavras que, no processo de mudança, seguem na direção concreto > abstrato, direção esta sendo a mais recorrente. O autor cita, como exemplo, o item “cabeça”, compreendido originalmente como parte superior do corpo (concreto), possibilitar usos como os que vemos em Ele perdeu a cabeça (juízo) e Ele é o cabeça (líder) do grupo. A mudança na língua deve ser entendida como reflexo de três aspectos distintos: a passagem do tempo, o comportamento do falante e sua necessidade de usar a língua de forma diferenciada, dependendo das circunstâncias e, finalmente, a frequência do uso da nova forma escolhida e aceita. CONCLUSÃO Ao pensar sobre a língua portuguesa, raramente nos perguntamos se é essa realmente a língua que falamos. Verificamos que, na realidade, a língua que é por nós falada, naturalmente e espontaneamente, não é o português, mas o vernáculo, palavra que significa “língua falada pelo povo de um país”. O português é a língua em sua modalidade escrita. No entanto, há momentos em que a língua se apresenta diferente, formal, mais cuidada, já que o contexto assim o exige. Assim como há momentos em que a língua informal é a apropriada, seja por conta do contexto social, seja por conta do grau de familiaridade percebido entre os interlocutores. Somos diferentes, refletiremos, pois, em nossos falares, as variedades possíveis de nosso sistema linguístico. Os estudiosos da ciência da linguagem sabem como ela é fluida, variável, modificável. Há, na verdade, uma realidade em que conflitam o idealizado e o praticado na língua. O idealizado é o relativamente estático. O praticado é o constantemente móvel. Não importa,se há uso, haverá possibilidades diferentes de uso da língua e, por conseguinte, mudanças ocorrerão. 15 RESUMO Língua é uma atividade social, concretizada na fala. A fala, em geral, apresenta-se mais espontânea e natural, enquanto a escrita se apresenta mais comedida, dependendo dos nossos propósitos. No entanto, numa apresentação oral formal, a fala será mais cuidada, é o momento em que monitoramos nossa língua. O mesmo ocorre com a escrita, isto é, será mais espontânea e menos monitorada se o nosso objetivo for criar um texto nessa modalidade. No processo comunicativo, percebemos as variedades linguísticas que se dividem em: fonético/fonológicas, morfológicas, lexicais, sintáticas, semânticas e estilístico- pragmáticas. A norma-padrão é uma referência, uma espécie de modelo ou lei que normatiza o uso da língua, falada ou escrita. A norma culta é empregada pelos falantes urbanos mais escolarizados, também conhecida como variedade urbana de prestígio. A mudança na língua é um processo que deve ser entendido como consequência da variação da língua ao longo do tempo, em conjunto com o comportamento do falante e sua necessidade desse novo uso. Além disso, a frequência do uso da nova forma escolhida e aceita será decisiva para consolidação da mudança. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Oswald de. História do Brasil, in: Andrade, O. Pau-Brasil – Obras completas de Oswald de Andrade. São Paulo: Globo, 1991. AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Brasil, 2009. BAGNO, Marcos. O que é uma língua? Imaginário, ciência & hipóstase. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística.São Paulo: Parábola, 2007. BERNSTEIN, B. Class, code and control. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1971. 16 FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008. ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos/a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2007. LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008. MARTELLOTA, Mário. Mudança Linguística: uma abordagem baseada no uso. São Paulo: Cortez, 2011. MARTELLOTA, Mário. A mudança linguística. In: FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica; RIOS DE OLIVEIRA, Mariangela; MARTELLOTA, Mário (org.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2003. MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2004. PERINI, Mário. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 1997. POSSENTI, Sírio. Questões de linguagem: passeio gramatical dirigido. São Paulo: Parábola, 2011. TEZZA, Cristóvão; FARACO, Carlos Alberto. Prática de texto para estudantes universitários. Rio de Janeiro: Vozes, 1992.
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