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Política e Juventude

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Política e Juventude: o que fica da energia
Renato Janine Ribeiro
Para falarmos de maneira sucinta, hoje a juventude está em alta e a política, em baixa. Comecemos pela política. Pode parecer estanho que ela sofra tal desapreço: afinal, em nosso tempo diminuíram as ditaduras, aumentaram as liberdades; mas é que ela aparece, aos olhos da maioria das pessoas, como não levando a lugar nenhum, como pouco fecunda.
No século XV, o pensador inglês John Fortescue derivava a palavra “política” de “poli”, vários. O regime político se distinguiria do monárquico porque nele se consulta o povo (isto é, os vários, os muitos). Atualmente costumamos remontar a palavra “política” à polis, à cidade-estado grega. Seja qual for a etimologia, porém, o que caracteriza a política, seu núcleo duro, seu cerne irredutível, é distinguir-se da força, da imposição de um ou de poucos. Daí que, se o monopólio da violência – segundo Max Weber – caracteriza o poder político, esse último jamais se reduz, porém, ao simples uso da força. Ele requer algum nível de consentimento dos dominados.
Essa idéia perpassa a modernidade. Tomemos, dos clássicos modernos, aquele que é considerado ao mais autoritário, Thomas Hobbes, cujo Leviatã (1651) constitui um espécie de espantalho para os defensores da liberdade: não há poder, diz ele, sem o consentimento dos dominados. É claro que esse consentimento é mais presumido do que real, que não pode ser retirado e que o dos pais prossegue no dos filhos; mas o princípio, que depois dele a política moderna vai desenvolver cada vez mais, é que o poder se vale de alguma força e de muito consentimento.
Em nosso tempo, vivemos um interessante desenvolvimento da idéia de política. Não sei o quanto estamos conscientes dele. Era inteiramente lícito, e talvez ainda o seja, usar a palavra “política” para um regime autoritário ou memso totalitário, designando aquilo que nele excedia a força bruta: falou-se e fala-se no fator político numa ditadura, no nazismo ou no stanlismo. Contudo, de forma quase imperceptível, a palavra “política” foi assumindo cada vez mais as mesmas características que definem a democracia. Hoje não nos contentamos em mencionar o consentimento – acrescentamos que ele se obtém pela palavra e que precisa ser constantemente reposto. Não é fortuito que se tenha estudado tanto, estes anos, a retórica, a persuasão, o modo pelo qual o discurso chega ao destinatário. Assim a retórica, de disciplina desprezada desde o século XVII, por ser considerada uma caricatura da ciência, se converteu em matéria-chave nas ciências humanas.
Até um tempo atrás, a democracia era uma das divisões da política. Classicamente, havia três regimes: ela, a monarquia e a aristocracia. Desde as revoluções do século XVII e do tardio sucesso da democracia no século XX, porém, os dois outros regimes foram sendo desqualificados. Descritivamente, conforme comentei acima, ainda falamos em dimensão política das próprias ditaduras, que são o nome atual do que antes se chamava monarquia ou aristocracia. Contudo, a novidade, que cresce de uns dez ou quinze anos para cá, não é só que a política se caracterize cada vez mais pela palavra e pelo consentimento: é que aumentem os requisitos para ambos. Com isso, a distinção entre a política e a democracia se esfuma. A conseqüência lógica é quase óbvia: regimes não-democráticas estão perdendo a legitimidade. Deixam até de ser considerados políticos: são regimes de força. Foi significativa a prisão do ex-ditador Pinochet na Inglaterra. Embora ele tenha acabado solto, esboçou-se a idéia de que, uma vez fora do poder, criminosos contra a humanidade não estão mais protegidos de processos mundo afora. Sugeriu-se, na ocasião, que isso poderia valer até para criminosos ainda no poder. É improvável que isso aconteça, mas o interessante é que – embora governantes eleitos possam cometer crimes – o governante não-eleito, já por sua própria condição, pode ser considerado um criminoso. Mesmo que não mate, torture ou roube, ele roubou o direito de seu povo a escolher. Assim, é plausível argumentar que o cerne de seu poder está na força, não no consentimento, nas armas, e não na palavra. Portanto, esse poder não-democrático é, também, pouco político.
Lembremos, ainda, uma passagem de Marx. O dezoito brumário de Luís Bonaparte é o livro em que ele trabalha a conjuntura propriamente política. Uma das grandes qualidades de Marx é ver a dimensão macro, na qual as ações humanas em geral, entre elas a política, se articulam com a economia. É dar às relações uma base material, materialista. A dificuldade dele, porém, é enxergar o micro, é perceber a complexidade das relações, o modo como se tecem as teias, com sua fragilidade. O dezoito brumário é a obra na qual Marx chega mais perto disso. E no entanto, quase no começo, ele apaga com desdém as diferenças entre a aristocracia financeira e a agrária, a Orléans e a Bourbon: os matizes contam pouco. Contudo, a passagem que convém lembrar aqui é uma frase menor, quase largada no trecho do capítulo V em que a Assembléia perde para o presidente Luís Bonaparte o comando das tropas e tenta argumentar com ele. Diz então Marx: “Se precisamos persuadir alguém, é porque o reconhecemos como senhor da situação”. Penso que com essa enorme generalização ele sintetiza muito bem, ainda que sem o perceber, o que o separa do que hoje entendemos por democracia. Se a democracia depende do consentimento – não presumido, mas dado, e não uma só vez, perdida no passado, mas constantemente reiterado (ou retirado) –, então a palavra democrática é carregada de persuasão. Não há como sair da persuasão, e portanto da retórica, sem com isso se produzir uma palavra pesada, unívoca, que até pode ser a da ciência (assim quer o marxismo), mas que exclui o diálogo propriamente político, aquele em que estão em disputa valores, preferências, convicções, para os quais não há meio melhor que o voto para decidir.
Mas todas estas conquistas de nosso tempo seriam positivas, fariam da política algo invejável e admirável, agora que ela se casou com a democracia. O problema é que, ao mesmo tempo que a política se concentra na democracia, e aumenta o número de pessoas que desfrutam de liberdades básicas no mundo, a política perde em prestígio. A principal razão para isso é que, nos vinte anos desde que começou a atual onda mundial de democratização, os regimes eleitos não conseguiram atender aos reclamos sociais. As ditaduras saíram de cena com as crises econômicas, deixando para governos eleitos a tarefa de resolver a desigualdade social que haviam criado ou agravado. As democracias vieram gerir a crise. Mas a maior parte delas fracassou. O resultado mais visível disso foram as guerras fratricidas na Iugoslávia, na África e em outros lugares. Porém, o efeito maior foi a existência, em especial nos países mais pobres e nas democracias recentes, de regimes democráticos infecundos em termos de promoção social. Os governos eleitos têm sido estéreis em relação ao que deveriam fazer e ao que prometeram. Não é necessariamente culpa deles já que a conjuntura mundial está bem mais difícil hoje do que trinta anos atrás. Mas isso repercute na imagem popular da política e do político, freqüentemente negativa.

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