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PUC Processo Tributário Seminário I

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Que é norma jurídica? E norma jurídica processual? É possível falarmos em autonomia do direito processual em relação ao direito material? Podemos falar na existência de um “Direito Processual Tributário”? Em que sentido?
O (i) conceito de norma jurídica, para os juristas, não é estanque. Ao longo da história jurídica, comportou várias definições, refletindo a base teórica da linha de raciocínio jus-filosófico de gerações de operadores do Direito.
Em seu livro Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen delimitou o conteúdo de estudo do Direito às normas jurídicas, definindo-as como um preceito lógico emanado de uma autoridade competente, cujo preceito de validade e legitimidade está relacionado a uma norma hierarquicamente superior, estando, tais normas jurídicas, incumbidas de regrar o comportamento humano. 
Trabalhando um conceito mais pragmático, Dalla Pria (2016, p. 5) define a norma jurídica como “Estrutura hipotético-condicional composta de antecedente (delineamento de um determinado fato), denominado hipótese, cuja efetiva ocorrência dará ensejo a uma consequência, que, invariavelmente, será uma relação jurídica que vinculará dois ou mais sujeitos-de-direito, situados em polos opostos”. Tal conceito quer, em suma, dar ênfase ao caráter vinculador da norma jurídica, eis que este necessariamente regula relações humanas e não comportamentos isolados dos particulares que não surtem efeitos para os outros em determinada situação social. Logo, a norma seria um preceito normativo que regula as condutas relacionais entre, no mínimo, duas pessoas, surtindo efeitos na esfera social
Seguindo tal lógica, poderíamos subdividir a norma jurídica, segundo Moussallem (2001, apud DALLA PRIA, 2016, p. 7) em normas de conduta, que regram imediatamente a conduta humana geral, e normas de estrutura, que visa delinear a conduta humana focada a produção de outras normas jurídicas. Quando a norma de estrutura se especializa a produção de normas jurídicas oriundas não de mandamentos da atividade legislativa mas da função jurisdicional para a solução de lides, estamos diante da (ii) norma jurídica processual. 
A partir de tais definições, a priori, vê-se que a norma jurídica processual (normas de estrutura) está atrelada às demais normas jurídicas (normas de conduta), já que aquelas buscam a criação/extinção destas, bem como a regulação na sua aplicação. A despeito de muito se falar das teorias autônomas da ação em relação ao Direito Material ao qual aquela leva a juízo, (iii) não é possível falar em total autonomia da norma processual em relação a norma jurídica. O Direito de Ação é exercido independentemente ao Direito Material que postula, contudo visa, em última instância, uma alteração no próprio Direito Material, sendo apenas um meio e não um fim em si (sendo essa a questão da instrumentalidade do Direito Processual, muito traballhada na edição do Novo Código de Processo Civil).
Assim, observando que há uma relação de instrumentalidade entre direito processual com o direito material, vê-se que é possível falar na existência de direitos processuais específicos, (iv) inclusive em Direito Processual Tributário. Embora a legislação atual apenas separe o Processo em Civil e Penal, conforme aula ministrada no Curso de Especialização em Direito Tributário na PUC/SP, no dia 28 de março de 2017, o professor Paulo Cesar Conrado fez a colocação que “o que define a relação processual é seu ‘seu plano de fundo’”, ou seja, a especificação do Direito Processual no ramo tributário faz-se por aquele servir de instrumento a uma relação material de Direito Tributário, absorvendo princípios e objetivos específicos de tal ramo jurídico.
Que é jurisdição? Podemos falar em jurisdição tributária? É possível afirmar que os tribunais administrativos exercem função jurisdicional? Em que sentido?
Segundo a clássica lição de Cintra, Dinamarco e Grinover (2009, p. 147) , (i) jurisdição é “uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça”. Além de função, o magistério de tais juristas continua para afirmas que além de função do Estado, a jurisdição é poder [“Manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões” (idem)] e atividade [“complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete” (idem)].
Como função do Estado, a jurisdição é una e indivisível. Contudo, no que tange a sua atividade, os doutrinadores optaram por classifica-la conforme seu objeto em civil ou penal (ibidem, p. 158). Como é necessário que caráter para tal delimitação é excludente (jurisdição penal é atinente a toda aquela relacionada a uma relação jurídica que orbita em torno de um fato definido como crime; jurisdição civil seria a restante), não é impossível falar, dentro da jurisdição civil, em uma (ii) jurisdição tributária.
Observa-se que não se fala na jurisdição como função única e exclusiva do Poder Judiciário. De fato, a jurisdição é a função constitucional típica do Poder Judiciário, mas não é possível olvidar-se que os poderes constituídos pela Carta Magna possuem funções atípicas, sendo possível que a (iii) Administração (pertencente ao Poder Executivo) emane atos semelhantes ao do juiz ao decidir casos por meio de decisões fundamentadas em processos administrativos. Não se compara, contudo, a jurisdição administrativa com a Judiciária, eis que além de operarem no regime de independência de instâncias (em regra), a jurisdição administrativa não impede o acesso ao Judiciário pela mesma lide mas a tutela jurisdicional do Estado Juiz impede a revisão decisória nos tribunais administrativos.
Que é processo? E procedimento? Qual a relevância desta distinção no âmbito do contencioso judicial tributário? E no contencioso administrativo fiscal?
Conforme o magistério de Cintra, Dinamarco e Grinover (2009, p. 297), (i) processo é definido pelo “aspecto dos atos que lhe dão corpo e das relações entre eles e igualmente pelo aspecto das relações entre os seus sujeitos” enquanto (ii) procedimento seria “apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo”. Ou seja, enquanto o processo é a norma de estrutura traduzida no liame das partes na relação jurídica processual que visa a produção de uma norma jurídica de estrutura para a lide em juízo, o procedimento reveste-se na sequência organizada e cronológica de atos para dar continuidade ao processo.
Embora no (iii) contencioso judicial tributário tal distinção apareça desprovida de qualquer problemática, eis que o procedimento esteja atrelado ao rito o qual o processo tributário toma forma, no (iv) contencioso administrativo fiscal a divisão acaba por tomar outros contornos, eis que o procedimento assume outras definições que além de rito do processo administrativo, mas também no rito para a prática de certos atos administrativo que não envolvam uma lide (DI PIETRO, 2013, p. 684). A título de exemplo, fala-se de procedimento de lançamento tributário para a sequência de atos administrativos que, revestidos de formalidades específicas, cominam no ato do lançamento.
Que é ação? Definir e relacionar condições da ação e elementos identificadores da ação. Poder-se-ia falar em ações tipiciamente tributárias? Dê exemplos
(i) Ação “é o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício) ” (CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, 2009, p. 267), ou seja, é o meio pelo qual se provoca a função jurisdicional do Estado a fim de se obter uma norma de conduta (a tutela jurisdicional) por meio de uma norma de estrutura (ou seja, de se iniciar o processo).
As (ii) condições da ação são os compostos do referido constitucional, são partes elementares que necessariamente devem existir para que a ação exista. São elas as partes (ou seja, os sujeitos que integram a lide, subdividindo-se em sujeito ativo e sujeito passivo), causa de pedir (a razão pelo qualo postulante inclina-se ao exercício do direito de ação, subdividindo-se em causa de pedir remota, encarada como o situação fática da lide, e a causa de pedir próxima, entendida como os fundamentos jurídicos que embasam o exercício de ação) e o pedido (o pleito da ação, o desencadeamento lógico que ocorre após a explanação da causa de pedir, traduzindo-se em um mandamento jurisdicional que declare ou constitua um Direito, bem como condene a parte contrária).
Por sua vez, os (iii) elementos identificadores da ação (ou pressupostos processuais,) são os antecedentes fáticos e lógicos da ação. Na atual conjectura do Código de Processo Civil de 2015, são apenas dois, o interesse de agir (representado pelo binômio necessidade e adequação pela tutela jurisdicional) e a legitimidade ad causam (a capacidade de estar pleiteando em juízo pelos próprio direitos ou autorizados por lei para extraordinariamente defender direito alheio).
Desse modo, fala-se em (iv) ações tipicamente tributárias quando versarem sobre a relação jurídica tributária, eis que seguem com o Fisco (ordinariamente) em das partes e o contribuinte em outra, tendo como causa de pedir remota a relação tributária. A título de exemplo, temos a Ação Anulatória de Débito Fiscal e a Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária, duas ações antiexacionais (o sujeito ativo é o contribuinte), onde na Declaratória a causa de pedir remota é a existência de uma norma geral e abstrata capaz de propor um recolhimento indevido, e na Anulatória temos a causar de pedir remota decorrente do lançamento tributário indevido ou incorreto.
Contribuinte ingressa com ação de repetição de indébito contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, visando à restituição de ICMS pago indevidamente, tendo juntado na petição inicial as respectivas guias de recolhimento. Foi proferida sentença de primeira instância julgando improcedente a ação por entender o juiz que os dispositivos legais atacados pelo autor não continham qualquer mácula e que, portanto, o tributo não foi recolhido indevidamente. Contra os termos dessa decisão o autor apelou alegando tão somente que os dispositivos legais continham vícios e requerendo, com isso, a reforma da sentença de primeira instância. Ao ser julgado o recurso de apelação, foi a ele dado provimento pelo Tribunal, tendo sido reconhecido o recolhimento indevido em razão das ilegalidades/inconstitucionalidades dos dispositivos que instituíram o tributo. Contra esse acórdão a Fazenda do Estado interpôs recurso especial alegando que a decisão deveria ser reformada, tendo em vista não ser o autor parte legítima para ingressar com a ação, em razão do que dispõe o art. 166 do CTN e que só teria legitimidade aquele que assumiu o encargo do tributo. Nesse sentido indaga-se:
O reconhecimento, por parte do juiz, da ausência dos requisitos prescritos no art. 166 do CTN deve dar causa à extinção do processo com resolução de mérito (improcedência do pedido, art. 487, do CPC) ou sem resolução de mérito, por ausência de legitimidade ativa (art. 485, do CPC)?
O art. 166 do Código Tributário assim dispõe:
Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.
Extrai-se deste artigo que o CTN condiciona a restituição dos tributos à prova da assunção do encargo financeiro e da autorização do terceiro a quem ele fora transferido (DALLA PRIA, p. 2, 2016). 
Doutrina e jurisprudência têm acirrado debate para a determinação se tal artigo trata de uma análise do mérito por parte do julgador (eis que é necessária a verificação da assunção do encargo financeiro e da autorização como matérias que necessitam de análise do conteúdo fático) ou se trata de análise da legitimidade ad causam, eis que o art. 166 do CTN traria uma regra de legitimidade extraordinária a exigir a autorização do terceiro.
Desta maneira, caso a primeira tese seja a acolhida, resolver-se-á a lide com resolução de mérito, dando a improcedências do pedido. De outro lado, acatada a ilegitimidade, o julgamento será sem mérito.
Deve o Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, conhecer da alegação de ilegitimidade invocando o parágrafo 3º do artigo 485 do CPC, mesmo que tal matéria não tenha sido apreciada pelo Tribunal “a quo”? 
A despeito de a ilegitimidade ativa não ter sido invocada no recurso de apelação, o STJ não possui óbice para apreciação de tal matéria devido a expressa menção do art. 485, §3 do CPC, eis que, como é cediço, a legitimidade ad causam é tida como uma matéria de ordem pública, ou seja, sua relevância não se restringe àquele processo específico mas sim ao respeito geral das normas processuais, integrando, in casu, um pressuposto processual.
Trata-se, inclusive, de entendimento respaldado na jurisprudência nacional:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR. GDAF - GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE PELO DESEMPENHO DE FUNÇÃO. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. ILEGITIMIDADE DA AUTORIDADE COATORA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. OMISSÃO. - A teor do art. 535, I e II, do Código de Processo Civil, são cabíveis embargos de declaração quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição ou for omitido ponto sobre o qual o juiz ou tribunal deveria se pronunciar. - A legitimidade de parte é matéria de ordem pública, a qual impõe o seu conhecimento, até mesmo de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição. Em sendo alegada através do recurso de embargos de declaração, a sua apreciação se faz necessária. Precedentes. - Legítima a UFPB para figurar no pólo passivo de ação em que se discute o direito de servidor público da Universidade Federal da Paraíba continuar a perceber a vantagem remuneratória denominada OPÇÃO GADF LD, visto aquele ente ostentar a qualidade de autarquia federal, possuindo personalidade jurídica própria, além de autonomia de gestão financeira e administrativa. - Por outro lado, não se deve acolher os embargos de declaração, sob alegação de omissão quanto à aplicabilidade dos artigos 37, 71, III da Constituição Federal, Leis n.ºs artigos 3º e 39 da Lei nº 8.443/92, Lei nº 8429/92 e 8.112/90 (art. 114), eis que a real intenção da parte embargante é a de obter uma nova decisão de mérito, reabrindo a discussão sobre a matéria disposta nos autos, a qual restou deliberada pela c. 1ª Turma Julgadora deste e. Sodalício. Embargos de declaração parcialmente providos para suprir a omissão, sem, contudo, atribuir-lhes efeitos infringentes.
(TRF-5 - REOMS: 92693 PB 0010841432005405820001, Relator: Desembargador Federal José Maria Lucena, Data de Julgamento: 13/11/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 13/02/2009 - Página: 221 - Nº: 31 - Ano: 2009)
Se, em momento posterior à denegação do pedido de restituição (por ausência dos requisitos do art. 166, do CTN), o contribuinte de direito obtiver autorização expressa do contribuinte de fato para repetir o indébito, a ação de repetição do indébito poderá ser proposta novamente?
Tal questão depende do entendimento adotado em relação a forma de se interpretar o art. 166 do CTN.
Caso a denegação do pedido seja resolvida ilegitimidade, o efeito da tutela jurisdicional no caso será de coisa julgada formal, que não obsta a propositura de nova ação versando sobre a mesma matéria. Contudo, caso seja adotado o entendimento que a denegação do pedido de restituição seja resolvida com mérito, o contribuinte estará impedido de propor nova ção.
Tendo o réu obtido sentença favorável em relação à matéria de mérito, há interesse para recorrer ao Tribunal de Justiça quanto à questão da legitimidade? Em caso positivo, qual seria o veículo apropriado?
O art. 996 do Código de Processo Civil determina que o recurso caberá à parte vencida, ou seja, aquela que sucumbiu perante a outra por determinação judicial. Trata-se maisdo que a legitimidade para recorrer, entendido pela irresignação com a decisão prolatada.
Assim sendo, caso a Fazenda obtenha uma decisão favorável por uma matéria que, conforme o explanado no exercício, não fora alegado originalmente na contestação, impossível que haja o interesse recursal. Afinal, no Direito Brasileiro vigora o princípio da eventualidade em sede de contestação, onde cabe ao réu alegar tudo o que lhe é entendido como devido, sob pena de preclusão. Embora tal princípio não se aplique a matérias de ordem pública, vê-se que a Fazenda, no caso, já obteve uma sentença favorável de improcedência, ou seja, que faz coisa julgada material: o recurso para o julgamento da ilegitimidade seria contraproducente à estratégia processual, eis que o conhecimento de tal matéria pelo Tribunal extinguiria o feito sem resolução de mérito, abrindo-o a nova discussão para o contribuinte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2013
PRIA, Rodrigo Dalla. A Legitimidade na ação de repetição de indébito tributário. In CONRADO, Paulo Cesar. Processo tributário analítico, volume III. São Paulo: Noeses, 2016

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