Buscar

(Psican) {TESE} Angélia Teixeira - A violência no discurso capitalista - Uma leitura psicanalítica

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 136 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 136 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 136 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1 
Maria Angélia Teixeira 
 
 
 
 
 
 
 
A VIOLÊNCIA NO DISCURSO CAPITALISTA: UMA LEITURA PSICANALÍTICA 
 
 
 
 
 
 
TESE apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Teoria Psicanalítica, do Instituto 
de Psicologia da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro, como requisito parcial à obtenção do 
título de Doutor. 
 
 
 
 
 
 
ORIENTADORA: Tânia Coelho dos Santos 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2007 
 
 
 
 2 
Maria Angélia Teixeira 
 
 
A VIOLÊNCIA NO DISCURSO CAPITALISTA: UMA LEITURA PSICANALÍTICA 
 
Tese submetida ao corpo docente da Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de 
Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do grau de Doutor. 
 
Aprovada em 29 de outubro 2007. 
 
________________________________________________________ 
Profª. Drª Tânia Coelho dos Santos - Orientador 
 
________________________________________________________ 
Profª. Drª Angélica Bastos Grimberg 
 
 
_______________________________________________________ 
Profª. Drª Ana Maria Rudge 
 
 
______________________________________________________ 
Profª. Drª Maria Anita Carneiro Ribeiro 
 
________________________________________________________ 
 Profª. Drª Sonia Alberti 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2007 
 
 
 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Véra Motta, pela preciosa contribuição. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4 
AGRADECIMETOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À Profª. Drª. Tania Coelho dos Santos, pela rigorosa orientação acadêmica e pelas lúcidas 
lições de psicanálise. 
À Profª. Drª. Angélica Bastos Grinberg, pelo debate generoso. 
Aos professores da Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica. 
A Jairo Gerbase, meu marido, pelo apoio incondicional. 
Aos colegas do Campo Psicanalítico, pela inestimável interlocução. 
Aos queridos amigos e familiares, pela carinhosa tolerância. 
A Henrique e Caio, pela solidariedade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 5 
RESUMO 
 
 
Esta tese tem a finalidade de analisar a dimensão subjetiva da violência, especialmente a que 
se apresenta no discurso do capitalista. Foram adotadas as teorias da pulsão destrutiva e do 
supereu formuladas por Sigmund Freud e as teorias dos discursos e do gozo formulada por 
Jacques Lacan. Três vetores orientam esta pesquisa: o primeiro está relacionado aos 
fundamentos teóricos da constituição subjetiva da violência; o segundo está destinado a 
identificar a violência contemporânea como índice da mutação subjetiva produzida pelo 
discurso da tecnociência capitalista; o último tem o propósito de analisar e confrontar o poder 
de intervenção do discurso psicanalítico frente às manifestações de violência na 
contemporaneidade. O mal-estar na civilização que Freud atribuiu à pulsão de morte e ao seu 
correlato, o supereu, foi por Lacan atribuído aos avatares dos quatro discursos (do mestre; da 
universidade; da histérica; do psicanalista) e suas modalidades de ordenação do desejo e do 
gozo nos laços sociais. A violência que é produzida pelo quinto discurso, que é o da 
tecnociência capitalista, convoca a ética da psicanálise a uma nova leitura sobre suas 
causalidades, seus efeitos e incidências nos laços sociais. A oposição do discurso do mestre, 
ao do capitalismo tem a finalidade de confrontar a violência instituída e instituinte do discurso 
do mestre (discurso fundante da subjetividade) com a violência que se apresenta como 
mutação subjetiva, ruptura dos laços sociais e desregulação do gozo no discurso do capitalista. 
A oposição do discurso do capitalista ao do psicanalista tem a finalidade de rediscutir sua 
evidência clínica, bem como a participação do psicanalista na construção da atualidade. A 
aposta psicanalítica de reinventar o mundo com o vigor das palavras, relançando o gozo da 
vida, constitui-se o ponto de partida desta tese. 
 
Palavras-Chaves: Psicanálise; Violência; Destrutividade; Supereu; Pulsão; Gozo; Discursos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 6 
 
RESUMÉ 
 
 
 
 
Cette thèse a pour but d‘analyser la dimension subjective de la violence, particulièrement 
celle qui se présente dans le discours capitaliste. Pour l‘analyser, nous avons adopté les 
théories de la pulsion de destruction et du surmoi formulées par Sigmund Freud et les théories 
des discours et de la jouissance formulées par Jacques Lacan. Trois vecteurs orientent cette 
recherche: le premier est en lien avec les fondements théoriques de la constitution subjective 
de la violence; le second est destiné à identifier la violence contemporaine comme indice de la 
mutation subjective produite par le discours de la techno-science capitaliste; le dernier a pour 
objet d‘analyser et de confronter le pouvoir d‘intervention du discours psychanalytique face 
aux manifestations de violence dans la contemporanéité. Le malaise dans la culture que Freud 
a attribué à la pulsion de mort et à son corrélat, le surmoi, a été attribué par Lacan aux avatars 
des quatre discours (du maître; de l‘université; de l‘hystérique; du psychanalyste) et à leurs 
modalités d‘ordonnancement du désir et de la jouissance dans les liens sociaux. La violence 
qui est produite par le cinquième discours, qui est celui de la techno-science capitaliste, 
interpelle l‘éthique de la psychanalyse pour une nouvelle lecture de ses causalités, de ses 
effets et de ses incidences sur les liens sociaux. L‘opposition du discours du maître à celui du 
capitaliste a pour but de confronter la violence instituée et instituante du discours du maître 
(discours fondateur de la subjectivité) avec la violence qui se présente comme mutation 
subjective, rupture des liens sociaux, dérèglement de la jouissance dans le discours capitaliste. 
. L‘opposition du discours du capitaliste à celui du psychanalyste a comme objectif de 
remettre en discussion son évidence clinique, de même que la participation du psychanalyste à 
la construction de l‘actualité. Le pari psychanalytique de réinventer le monde avec la vigueur 
des mots, relançant la jouissance de la vie, constitue le point de départ de cette thèse. 
 
Mots-clés: Pscychanalyse; Violence; Destructivité; Surmoi; Pulsion; Jouissance; Discours. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 7 
SUMÁRIO 
 
 p. 
 INTRODUÇÃO 8 
1 VIOLÊNCIA: AVATAR DA PULSÃO DESTRUTIVA 12 
1.1 VIOLÊNCIA, UM DESAFIO CONTEMPORÂNEO À PSICANÁLISE 12 
1.2 O PODER DA VIOLÊNCIA EM FREUD 16 
1.3 PRIMARIEDADE DA PULSÃO DESTRUTIVA 19 
1.4 VICISSITUDES DA PULSÃO DESTRUTIVA 25 
1.5 A VIOLÊNCIA DO SUPEREU FREUDIANO 30 
2 VIOLÊNCIA, AVATAR DO DISCURSO 37 
2.1 PULSÃO DE MORTE E IMPERATIVO DE GOZO DO SUPEREU 37 
2.1.1 Pulsão de morte e supereu 37 
2.1.2 Imperativo de gozo do significante mestre S1 e do objeto a 48 
2.2 O DISCURSO DO CAPITALISTA E A DESREGULAÇÃO DO GOZO 59 
2.2.1 O discurso mestre: o advento do sujeito e a recuperação do gozo 61 
2.2.2 O discurso do capitalista: uma mutação 67 
2.2.3 A violência no discurso capitalista: laço social ou ruptura? 73 
3 INCIDÊNCIAS DA VIOLÊNCIA NA CLÍNICA PSICANÁLITICA 82 
3.1 VOZES DA VIOLÊNCIA 82 
3.1.2 Vozes e silêncios da violência 85 
3.2 SUPEREU E DISCURSOS: MANIFESTAÇÕES SUBJETIVAS DA 
VIOLÊNCIA 
903.2.1 A culpa: responsabilidade e gozo 93 
3.2.2 Masoquismo: erótica mortífera do supereu 97 
3.2.3 Reação terapêutica negativa: comércio de gozo 102 
3.3 DISCURSO ANALÍTICO E DISCURSO CAPITALISTA: IMPASSES E 
PERSPECTIVAS 
104 
3.3.1 Discursos e produtos: oposição 105 
3.3.2 O discurso psicanalítico, uma forma de resistência? 108 
3.3.3 Violência: realidade de discurso 112 
3.3.4 A participação do psicanalista na construção da atualidade 116 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 121 
 REFERÊNCIAS 124 
 
 8 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
 
De reconhecida gravidade e extensão na contemporaneidade, a violência tem sido 
tratada em seus múltiplos aspectos por distintos campos do conhecimento. Limitamos-nos 
aqui a analisar a dimensão subjetiva da violência, na perspectiva estrita da teoria e da clínica 
psicanalítica. Para estudá-la, recortamos alguns aspectos conceituais da obra de Freud e 
Lacan. 
O início de nossa pesquisa foi determinado, de um lado, pela perplexidade e 
impotência em que se vê, inicialmente, um analista, frente às experiências de extrema 
violência relatadas por analisandos. De outro, por inquietantes indagações psicanalíticas 
relativas aos impasses gerados pela violência na contemporaneidade. É a violência um 
conceito psicanalítico? De que espécie de violência pode a psicanálise falar? É o ser humano 
essencialmente violento? É a violência um fenômeno inerente à vida psíquica ou pura 
patologia? Faz parte do laço social ou é ruptura? Inata ou transmitida? O que mudou da 
violência na contemporaneidade? Há recursos técnicos psicanalíticos apropriados para 
abordá-la? 
Três vetores orientaram nossa pesquisa: o primeiro, relacionado aos fundamentos 
teóricos da constituição subjetiva da violência; o segundo, destinado a identificar a violência 
contemporânea como índice da mutação subjetiva produzida pelo discurso da tecnociência 
capitalista; e, por fim, o propósito de analisar e confrontar o poder de intervenção do discurso 
psicanalítico frente às manifestações de violência na atualidade. 
A psicanálise define a violência como um modo paradoxal de satisfação pulsional 
determinante da constituição da subjetividade e da construção/desconstrução da cultura, como 
se pode verificar no exercício das leis, nas guerras, nos sacrifícios e rituais religiosos, nos 
dispositivos do poder e no cotidiano das relações humanas. Inerente ao laço social, a violência 
se encontra na origem da criação das leis, dos contratos e das organizações sociais. 
Desde o final do século XX, vêem-se os psicanalistas obrigados a proceder a uma 
revisão reflexiva acerca das múltiplas dimensões da violência, reveladora de uma nova 
realidade instaurada pelo discurso capitalista. A subjetividade de hoje não pode ser explicada 
apenas com base nas teorias formuladas num período histórico marcado pela determinação de 
quatro discursos, a saber, o do mestre, o da histérica, o da universidade e o da psicanálise. A 
 9 
violência que se apresenta na contemporaneidade interpela a ética da psicanálise a uma nova 
leitura sobre suas causalidades, seus efeitos e incidências nos laços sociais. 
É preciso evidenciar que a violência, além de uma aberração psicopatológica, mal 
incurável no ser humano, como pode parecer à primeira vista, é uma vicissitude da vida 
mental, inscrita nas dimensões de gozo pulsional dos discursos, e que se modifica com a 
civilização. 
Para analisá-la, adotaremos as teorias da pulsão destrutiva e do supereu formuladas 
por Sigmund Freud e as teorias dos discursos e do gozo formulada por Jacques Lacan. 
É necessário salientar que, para abordar a violência hodierna, torna-se imprescindível 
analisar como ela é produzida no discurso capitalista. Contudo, escapa à nossa pretensão uma 
análise das origens do capitalismo, sem descuidarmos, entretanto, de verificar as razões que 
levaram a humanidade a construir uma sociedade, cuja organização política, social e 
econômica trabalha, escandalosamente, contra a integridade e a dignidade do ser humano e a 
preservação da vida na Terra. 
Ao longo do trabalho, procuramos registrar a exacerbação da pulsão destrutiva 
desfusionada da pulsão erótica, vicissitude do supereu e do real desarticulado dos registros 
simbólico e imaginário, além de sua intensificação com o crescimento da tecnociência e do 
capitalismo. A violência globalizada não confirmou a projeção feita por Freud em ―Mal-estar 
da civilização‖, segundo a qual a civilização se faz às custas da redução da pulsão destrutiva. 
A fórmula se inverteu, e hoje, testemunhamos o estrondoso crescimento da tecnociência 
capitalista, que produz epidemicamente a violência. 
No primeiro capítulo, intitulado ―Violência: avatar da pulsão destrutiva‖, abordaremos 
a constituição subjetiva da violência, de acordo com os pressupostos da segunda tópica 
freudiana, em dupla perspectiva: do conceito de pulsão de morte ou de pulsão destrutiva, 
como Freud preferiu chamar em 1930, e do conceito de supereu. 
 Na primeira delas, a violência é apontada como advinda de três vicissitudes da pulsão 
de morte formuladas por Freud, nos seguintes termos: a união de Eros com Tânatos, no 
sadismo; Tânatos domado e inibido em sua finalidade, portanto sublimado; e a cega fúria 
narcísica de destrutividadade, de fundamental importância para o nosso trabalho, por 
apresentar a pulsão de morte desfusionada da pulsão erótica. 
Na segunda perspectiva, a violência advém dos avatares do supereu, nova instância do 
aparelho psíquico, responsável pelos destinos da pulsão de morte, paradoxalmente instituída e 
instintuinte da subjetividade e das leis da civilização. 
 10 
A concepção de pulsão destrutiva e de supereu, enquanto conseqüências diretas do 
―Além do princípio do prazer‖, produziu avanços teóricos de grande valor para analisar 
problemas clínicos, especialmente aqueles relativos às violências contemporâneas, seja no 
âmbito das manifestações sociais, seja no âmbito das manifestações estritamente subjetivas. 
No segundo capítulo, intitulado ―Violência, avatar dos discursos‖, analisaremos a 
violência de acordo com as proposições teóricas de J. Lacan, com especial recorte dos 
conceito de pulsão de morte, redefinida a partir da categoria do real, e de supereu, redefinido 
como imperativo de gozo e correlato da castração nos laços sociais do discurso do mestre. 
Se, para Freud, o supereu é paradoxal porque é simultaneamente herdeiro do complexo 
de Édipo (do Nome-do-Pai) e do Isso (pulsão destrutiva), para Lacan pode-se dizer que o 
supereu é paradoxal porque é herdeiro do S1 (significante-mestre) posicionado no lugar do 
comando do discurso do mestre e do objeto a como voz. 
O mal-estar na civilização que Freud atribuiu à pulsão de morte e ao seu correlato, o 
supereu, foi por Lacan atribuído aos avatares dos quatro discursos e suas modalidades de 
ordenação do desejo e do gozo nos laços sociais. 
O surgimento do quinto discurso, que é o da tecnociência capitalista, transformou o 
mal-estar em devastação. Por esta razão, confrontaremos a violência instituída e instituinte do 
discurso do mestre, discurso fundante da subjetividade, regulada pela perda e recuperação de 
gozo, nos termos do sujeito e do objeto a, com a violência que se apresenta como mutação 
subjetiva, ruptura dos laços sociais, como desregulação do gozo no discurso do capitalista. 
No capítulo três, intitulado ―Incidências da violência na clínica psicanalítica‖, 
refletiremos sobre aspectos clínicos relativos às vozes e aos silêncios da violência; 
confrontaremos impasses e perspectivas do discurso do capitalista com o discurso 
psicanalítico e concluiremos evocando a participação do psicanalista na construção da 
atualidade. 
Dividimos a violênciaque comparece na clínica psicanalítica em dois grandes planos. 
Aquela que poderia ser chamada de social, por se apresentar entre corpos, e aquela que 
poderia ser chamada de violência do sujeito, por tomar-se a si próprio, em sua divisão como 
outro ou como objeto. Queremos chamar atenção para esta modalidade de violência que, 
sendo invisível para o mundo, comparece como pano de fundo na clínica psicanalítica. A 
reação terapêutica negativa lhe é exemplar, inclusive para confirmar a primariedade do 
masoquismo e do supereu e desvelar a lei insensata, feroz e cruel que o rege. Esta é a matriz 
que regula a violência nos quatro discursos; o quinto discurso carece de revisão a esse 
respeito. 
 11 
Adotamos a proposição feita por Lacan de que o discurso psicanalítico dispõe de 
recursos para interpretar os desfuncionamentos subjetivos do discurso do capitalista advindos 
dos desvios da relação da ciência com o gozo do saber. Há mais de meio século, o saber 
transformado em mercado e a apropriação da mais-valia, pelo capitalista dão a medida da 
deriva do sujeito, do objeto, do grande Outro e do saber como privilegiado meio de gozo. 
Consideramos ainda, que continua válida a aposta psicanalítica de reinventar o mundo 
com o vigor da palavra que supõe saber ao Outro. Na contramão do capitalismo, o método 
psicanalítico, sustentado no amor ao saber do inconsciente, tenta resgatar a relação do saber 
com a verdade, relançando o gozo da vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 12 
1 VIOLÊNCIA: AVATAR DA PULSÃO DE MORTE 
 
 
Recorreremos, inicialmente, ao conceito de pulsão formulado por Freud para analisar a 
violência segundo a teoria psicanalítica. 
Pretendemos fazer uma leitura psicanalítica da violência, desmistificando os 
preconceitos, inclusive teóricos e psicopatológicos com os quais habitualmente é abordada, 
coisa bastante compreensível, dado o horror que ela própria dissemina, para, de forma 
conceitual, poder pensar a respeito da sua constituição, do seu manejo técnico na clínica e se 
possível, colaborar com as estratégias coletivas de intervenção sobre a mesma. 
 
 
1.1 VIOLÊNCIA, UM DESAFIO CONTEMPORÂNEO À PSICANÁLISE 
 
 
Identificada como um dos graves problemas da atualidade, a violência diz respeito a 
todos os segmentos da sociedade, e, embora não tenha ocupado grande parte da reflexão 
psicanalítica, não exime os analistas deste debate, posto que tratam, diariamente, do mal-estar 
próprio à violência que assola nossos dias. 
O laço social produzido pelo discurso psicanalítico, legitimado pela prática de uma 
análise, autoriza e convoca os analistas a se pronunciarem amplamente sobre os impasses da 
civilização, a exemplo da violência na contemporaneidade, valendo lembrar a afirmação de 
Lacan: ―[...] este discurso merece ser elevado à altura dos laços mais fundamentais dentre os 
que permanecem para nós em atividade.‖ (LACAN, 1993, p. 31). 
Os psicanalistas estão aí para testemunhar que a clínica psicanalítica continua se 
apresentando como um eficaz recurso simbólico na abordagem do mal-estar da 
contemporaneidade, e que o discurso psicanalítico entrou na cultura operando mudanças 
cruciais nos demais discursos e nas diversas áreas do saber. 
 13 
Também são os analistas testemunhas da extensão dos efeitos subjetivos e da produção 
de novos sintomas gerados pelo discurso do capitalista, devendo-se aí incluir a violência, e 
dos esforços deste para produzir o pensamento único e tornar-se discurso hegemônico. 
Portanto, nenhuma atitude isenta de responsabilidade é cabível em nome de qualquer suposto 
rigor conceitual. 
Para estudar a violência, foi necessário recorrer inicialmente à pulsão de morte, 
chamada por Freud de pulsão destrutiva em 1930 no artigo, ―O Mal-estar na civilização‖. Ao 
tecer considerações sobre o supereu, Freud examina a violência que o sujeito dirige contra si 
próprio, e não apenas em direção a outrem, como somos facilmente levados a pensar, 
alterando radicalmente, a concepção psicanalítica sobre a violência. 
Há mais violência hoje que antes? Quanto a esta pergunta, importa antes de tudo dizer 
que há hoje discursos sobre a violência, o que a faz existir de um novo modo, diferentemente 
da Antiguidade, quando os atos de violência se explicavam por suas tradições. Hoje, a lei já 
não mais outorga amplos direitos sobre a vida, nem ao pai de família, nem à Igreja, restando 
algum poder sobre ela ao Estado, quando faz uso da pena de morte e das guerras. 
É preciso distinguir a que tipo de violência o discurso do psicanalista dá acesso, em 
sua prática. É igualmente necessário saber da amplitude e da extensão das violências, para 
além da clínica, a cada época. 
Existem três tipos de violência, segundo Soler (2003a, p. 9-18, tradução nossa): 
A violência instituída, aquela da ordem, sem oposição entre esta e a lei, entre 
o direito e a violência que se pode até pensar, necessária, sendo a própria 
regra, de certo modo, uma forma de violência à qual nos submetemos porque 
somos civilizados; a da desordem que se apresenta como barbárie, e a 
violência instituinte, que desde Freud está colocada entre o sintoma e suas 
condições culturais, sendo o sintoma o que não funciona bem na ordem da 
civilização, o que faz obstáculo à intenção de felicidade do princípio do 
prazer. 
 
 Este terceiro tipo proposto pela autora diz respeito à dimensão pulsional da violência, 
razão pela qual servirá de referência para nossa tese. 
Neste momento histórico é preciso reinterpretar a violência, especialmente a violência 
globalizada, cotidiana, repetitiva, nem sempre letal, muitas vezes invisível, tomando-a não 
apenas no plano objetivado da realidade, mas da subjetividade, de acordo com as premissas 
psicanalíticas. 
 14 
A psicanálise tem contribuições a fazer a respeito das suas causalidades e dos seus 
mecanismos. Ademais, é da sua responsabilidade fazê-lo ante os novos sintomas que vão 
surgindo ao longo do exercício clínico. A violência generalizada se apresenta na atualidade 
como um novo fenômeno inclassificável, ante o qual os psicanalistas devem pronunciar-se, 
somando-se a outros campos do conhecimento. 
Seria possível analisar a violência segundo alguns conceitos freudianos e lacanianos. 
Tem-se, por exemplo, a fantasia, especialmente aquela que Freud isolou clinicamente, como 
fantasia fundamental de uma criança espancada; a pulsão, enquanto vicissitude da pulsão de 
morte, isto é, gozar da destruição; a identificação, enquanto método inconsciente que reproduz 
um significante mestre; e os conceitos de ato, de compulsão a repetição e de passagem ao ato. 
Tomando-se como referência a proposição lacaniana que diz: após um ato não se é 
mais o mesmo, no caso da violência, trata-se de um ato radical que promove a devastação 
subjetiva, na dupla posição daquele que comete o ato e daquele que é alvo do mesmo. 
Poderíamos ainda estender à violência a definição lacaniana da angústia: a violência é 
um ato que não engana. ‗Ato que não engana‘ porquanto é do real, definido com a categoria 
da impossibilidade. O Real, ao contrário do universal, é da ordem do não-todo; impossível de 
dizer, inefável; impossível de escrever, sempre no limite do sentido, ou no puro sem sentido e 
sem qualquer equivalência com a noção de realidade. 
Neste exercício teórico para abordar psicanaliticamente a violência, é preciso também 
distingui-la dos fenômenos do ódio, do sadismo e da agressividade, pois, no limite, a 
violência resulta da desfusão das pulsões de morte e de vida, (erótica), de acordo com o 
pensamento freudiano da segunda tópica. 
O ódio é uma das três paixões do ser, além do amor e daignorância. É um sentimento 
acompanhado de mais lucidez que o amor e segundo Lacan (1979b), não deve ser confundido 
com o campo da pulsão. 
A agressividade, fundamentalmente, se define por sua relação especular, imaginária, 
com o outro semelhante. Suas origens se dão, precocemente, no estádio do espelho e fazem 
parte do narcisismo e da constituição do eu. 
O sadismo é uma vicissitude bem particular da pulsão de morte ou de destruição, 
porque está amalgamada com a pulsão de vida, erótica, e, como bem se sabe, presente não 
apenas nas práticas eróticas que infligem sofrimentos a outrem, mas nas fantasias sexuais dos 
 15 
seres falantes. Consta da série das violências, embora não seja seu melhor representante na 
atualidade. 
Entretanto, neste trabalho, recorreremos fundamentalmente aos conceitos de pulsão de 
morte e supereu segundo o pensamento de Freud e à teoria dos discursos e do gozo, de 
Jacques Lacan, para analisar a dimensão subjetiva da violência no seu aspecto instituinte e 
instituída. 
Afora certos esforços para localizar algum trauma primevo responsável pelo 
aparecimento da violência, há teorias que defendem sua origem antinatural no homem, por 
considerá-la ―o negativo absoluto da razão‖, um modo ―irracional‖ de funcionamento, o que é 
refutado por Jurandir Freire Costa (1984, p. 12), ao identificar esta posição como não isenta 
de preconceitos. 
Este, aliás, foi um dos aspectos bem explorados por Lacan (1977): exaltar a 
radicalidade do pensamento de Freud, enquanto inventor de uma nova razão, ao formular o 
conceito de inconsciente como uma extrapolação ao conceito de pulsão, enquanto 
ordenadores do aparelho psíquico. 
Um dos objetivos desta pesquisa é demonstrar que a violência se inscreve nestas 
premissas, que definem o aparelho psíquico segundo a razão freudiana. A violência é um dos 
fenômenos que torna evidente ser a pulsão não irracional, nem o negativo absoluto da razão. 
Ao contrário, ela revela a existência de uma outra razão para além da razão cartesiana, que se 
sustenta fora da lógica da consciência, porque se inscreve na lógica do inconsciente e da 
pulsão, de acordo com a tópica freudiana. De acordo com a álgebra lacaniana, a violência é 
um modo de gozar que evidencia a inclusão do sem sentido, do nonsense no campo do 
sentido, e o real como impossibilidade na estrutura de linguagem. 
Em sua releitura de Freud, Lacan estabelece como ponto de partida uma mudança de 
perspectiva fundamental: originário não é o homem natural, nem o homem determinado pela 
filogenética (COELHO DOS SANTOS, 2002), porém o homem inscrito na estrutura 
significante da linguagem e do laço social, do discurso, desnaturalizado por sua condição de 
ser falante, de onde advém o sujeito desejante do inconsciente em sua realidade dividida, 
entre seu ser de falta e seu ser de gozo. 
A perspectiva psicanalítica de tratar o aparelho psíquico como pulsional, conforme 
procedeu Freud e como aparelho de gozo, conforme Lacan não adere à categoria ética do bem 
 16 
supremo de Aristóteles. Portanto, a ética com a qual abordaremos a violência estará 
unicamente pautada pela ética que rege a clínica psicanalítica. 
Estabelecidas as premissas que orientam este trabalho, passarei a abordar os 
pressupostos teóricos formulados por Freud, necessários para definir a violência como uma 
vicissitude da pulsão, condição indispensável para analisar a violência generalizada que 
constitui a barbárie contemporânea. 
 
 
1.2 O PODER DA VIOLÊNCIA EM FREUD 
 
O senhor [Einstein] começou com a relação entre o direito e poder. Não se 
pode duvidar de que seja este o ponto de partida correto de nossa 
investigação. Mas, permita-me substituir a palavra ‗poder‘ pela palavra mais 
nua e crua ‗violência‘ [Gewalt]? Atualmente, direito e violência se nos 
afiguram como antíteses. No entanto, é fácil mostrar que uma se 
desenvolveu da outra; e, se nos reportarmos às origens primeiras e 
examinarmos como essas coisas se passaram, resolve-se o problema 
facilmente. (FREUD, 1976m p. 246). 
 
A pergunta feita por Albert Einstein a Sigmund Freud há mais de setenta anos, em 
cartas trocadas entre ambos sobre o tema, como evitar a guerra, continua na ordem do dia – 
pode-se mesmo dizer que todos os atuais movimentos sociais e políticos que lutam contra a 
violência ou em nome da paz, igualmente se perguntam por que a guerra e como evitá-la. À 
época, Einstein e Freud examinavam questões relativas a Primeira Guerra Mundial, época em 
que as guerras eram localizadas no tempo e no espaço. Hoje, além das guerras pontuais, vive-
se um novo tipo de guerra permanente, configurada pelas diversas modalidades de violência 
disseminadas globalmente e responsáveis pela barbárie contemporânea. 
Inicio estas reflexões a respeito da violência globalizada que se apresenta na 
atualidade, a partir das considerações feitas por Freud no entre - guerras, ocasião em que ele 
se viu premido a refazer mais uma vez a teoria da pulsão, admitindo, não ter dimensionado 
corretamente a extensão do poder das pulsões de morte, da destrutividade, e da crueldade. 
O pacifismo com o qual Freud se declarou a Einstein era reflexo, provavelmente, da 
lucidez que possuía para reconhecer a condição humana, dividida entre Eros e Tânatos. 
Embora partilhando o repúdio da maioria, Freud não escolheu esconder, ignorar ou denegar a 
 17 
presença da destrutividade no universo humano, mas ao contrário, ousou declarar a evidência 
das violências reinantes, embora permanentemente camufladas por várias instâncias da 
organização social, especialmente pelos fabricantes das armas e das guerras. 
Freud declara ser impossível denegar o poder da violência, tanto quanto ignorar ser 
este um dos elementos essenciais da história da cultura, como mostra o inesgotável espírito de 
guerra dos seres falantes. E, ainda que, em muitas passagens tenha afirmado que a civilização 
precisou dominar a violência para progredir, reconhece a inequívoca participação da violência 
na construção da própria civilização e na inscrição das leis que tiveram como antecedente a 
força bruta, da qual sempre se serviram. 
Assim sendo, presentemente, parece estar condenada ao fracasso a tentativa 
de substituir a força real pela força das idéias. Estaremos fazendo um cálculo 
errado se desprezarmos o fato de que a lei, originalmente, era força bruta e 
que, mesmo hoje, não pode prescindir do apoio da violência. (FREUD, 
1976m, p. 251). 
 
Sempre atento aos males da alma e da cultura, Freud escreve em 1920 o texto 
paradigmático ―Além do princípio do prazer‖, no qual propõe um paradoxal aparelho psíquico 
ordenado por duas pulsões contrárias, não mais sexuais e de autopreservação, como fizera em 
1915, porém, de vida e de morte: a primeira une, é erótica, a segunda desagrega, é agressiva e 
destrutiva. 
Entretanto, são os textos escritos em 1929 e 1932, respectivamente, ―O mal-estar na 
cultura‖ e ―Por que a guerra?‖, que trarão a noção de uma pulsão agressiva cujo fim estaria 
identificado unicamente com a destruição. Freud declara ter resistido por longo tempo a 
concluir que a pulsão de morte, ou da destrutividade poderia existir isoladamente, não 
necessariamente fusionada com a pulsão de vida, ou pulsão erótica, como afirmara até então. 
A confusão decorreu da extensão feita das características do sadismo em amalgamar as 
vicissitudes da pulsão erótica, ou de vida, com aquelas da destrutividade, ou de morte, para 
outras manifestações. Admite, neste sentido, a pura tendência à destruição dirigida contra o 
mundo e os outros seres vivos, para além do par sadismo-masoquismo. 
É preciso deixar claro que a pulsão de morte, tal como foi postulada nos anos 1920, 
não é suficiente paradar conta da violência. Para abordá-la tal como se apresenta na pós-
modernidade, é preciso ir à última teoria da desfusão pulsional, em que a pulsão de morte 
opera isoladamente, sem qualquer fusão com a pulsão erótica, ou de vida. 
 18 
Os argumentos necessários para definir a violência como um avatar da pulsão de 
morte encontram-se no sexto capítulo do ‗Mal estar da civilização‘ (FREUD, 1974b). Ali 
vamos encontrar reunidas o que poderíamos chamar as três vicissitudes da pulsão de morte na 
teoria freudiana: a) a união de Eros com Tânatos no sadismo; b) Tânatos domado e inibido em 
sua finalidade, portanto sublimado; c) a terceira, de fundamental valor para o nosso trabalho, 
pode ser chamada de cega fúria de destrutividade. 
Nada de harmonia no mundo do ser, se ele fala. Da paradoxal exigência de satisfação 
da pulsão, concluído seu circuito, resta a impossibilidade de obtenção de satisfação plena. 
Neste circuito, a pulsão de morte também se inscreve: ―Evidentemente, não é fácil aos 
homens abandonar a satisfação dessa inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem 
confortáveis.‖ (FREUD, 1974b, p. 136). 
A resposta a Einstein mostra a radicalidade do pensamento freudiano sobre o poder da 
violência: ―Já vimos que uma comunidade se mantém unida por duas coisas: a força da 
violência e os vínculos emocionais (identificação é o nome técnico) entre seus membros.‖ 
(FREUD, 1976m, p. 251). 
Na contramão do senso comum – tentando escapar da manipulação das ideologias 
dominantes – Freud desconstrói o ideal universal do amor como único responsável pela união 
das pessoas e dos grupos na construção da cultura, destacando a violência também como fator 
de união. Curiosamente, divide a força dos grupos entre a violência e o amor: 
 
A vantagem que um grupo cultural, comparativamente pequeno, oferece, 
concedendo ao instinto agressivo um escoadouro sob a forma de hostilidade 
contra intrusos, não é nada desprezível. É sempre possível unir um 
considerável número de pessoas no amor, enquanto sobrarem outras pessoas 
para receberem as manifestações de sua agressividade. (FREUD, 1976m, 
p. 136). 
 
Uma solução ao problema apresentada a Einstein: ―[...] como o senhor mesmo 
observou, não há maneira de eliminar as inclinações agressivas dos homens. Pode-se tentar 
desviá-los num grau tal que não necessitem encontrar expressão na guerra.‖ (FREUD, 1976m, 
p. 255), seguramente não se efetivou, pois o inimaginável progresso científico e tecnológico 
do século XX foi insuficiente para barrar as forças desagregadoras do homem na pós-
modernidade. Ao contrário, a civilização disseminou a barbárie com muita tecnologia, em 
lugar de desviar estas forças para outras finalidades, digamos, sublimadas ou recalcadas. São 
 19 
facilmente observáveis e insanos os níveis de requinte alcançados pelas indústrias 
armamentistas na confecção de armas de última geração, como digno de registro é o seu poder 
de invenção de guerras na garantia de seu mercado. 
 
 
1.3 PRIMARIEDADE DA PULSÃO DESTRUTIVA 
 
 
Para demonstrar a força do argumento de Freud, quanto à primariedade da pulsão 
destrutiva, destacarei algumas passagens que configuram o que designo a última teoria da 
pulsão de morte na obra do autor, apresentada nos capítulos V, VI e VII do texto ―O mal-estar 
na civilização‖, e cuja análise crítica permanece atual, guardadas as devidas circunstâncias 
históricas. Algumas considerações e projeções do autor sobre o mal-estar na cultura não se 
concretizaram, até porque os problemas da atualidade ganham velocidade e desdobramentos 
que não se poderiam calcular, à época. 
Freud demonstra a hipótese da autonomia da pulsão agressiva, competitiva, destrutiva, 
feroz, cruel, violenta, de luta, precisamente chamada pulsão de morte, que não deixa de passar 
pelos desfiladeiros do Outro. É preciso recorrer a Lacan para declinar o outro em todas as suas 
possibilidades: do Autre (A), grande Outro ao ‗objeto a‘, passando pelo autre, semelhante 
especular, imagem do outro, que se escreve ‗a‘; pelo Outro sexo, pelo corpo como Outro, pelo 
Outro gozo, pela falta de um significante no Campo do Outro, e pelo Ideal do Outro, 
Duas considerações a respeito do texto freudiano são dignas de nota. Primeiro o 
emprego da palavra repúdio, para identificar a reação mais habitual das pessoas diante das 
manifestações destrutivas, o que constitui forte razão para se distanciarem destas 
manifestações, embora paradoxalmente sejam também por elas atraídas. Pode-se até observar 
uma estranha satisfação no próprio repúdio, o que levaria a pensar na existência de certo 
‗empuxo‘ à violência, e que pode ser observado na curiosidade manifestada pelas pessoas ao 
passarem por acidentes no trânsito e no recorde de leituras das páginas policiais dos jornais. O 
segundo aspecto a considerar diz respeito a identificar, ainda que de modo sutil, a violência a 
uma verdade, sempre repudiada. 
 20 
O elemento de verdade por trás disso tudo, elemento que as pessoas estão tão 
dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas gentis que desejam 
ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo 
contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta 
uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, 
para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas 
também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a 
explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo 
sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-
lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo - Homo homini lupus. Quem, 
em face de toda sua experiência da vida e da história, terá a coragem de 
discutir essa asserção? Via de regra, essa cruel agressividade espera por 
alguma provocação, ou se coloca a serviço de algum outro intuito, cujo 
objetivo também poderia ter sido alcançado por medidas mais brandas. Em 
circunstâncias que lhe são favoráveis, quando as forças mentais contrárias 
que normalmente a inibem se encontram fora de ação, ela também se 
manifesta espontaneamente e revela o homem como uma besta selvagem, a 
quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho. 
(FREUD, 1974b, p. 133). 
 
Freud aponta a mútua hostilidade primária dos seres humanos, como fator ameaçador 
da integração da sociedade civilizada, motivo pelo qual se cria, dentre outros, o ideal de ‗amar 
ao próximo como a si mesmo‘, numa tentativa de abrandar esta hostilidade. 
A existência da inclinação para a agressão, que podemos detectar em nós 
mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, constitui o 
fator que perturba nossos relacionamentos com o nosso próximo e força a 
civilização a um tão elevado dispêndio [de energia]. Em conseqüência dessa 
mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê 
permanentemente ameaçada de desintegração. [...] vem daí, o mandamento 
ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente 
justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original 
do homem [...] (FREUD, 1974b, p. 134). 
O autor defende a necessidade de certa dose destas inclinações agressivas para 
construir a civilização, ao dizer que seria injusto censurar a civilização por tentar eliminar da 
atividade humana a luta e a competição, por serem estas indiscutivelmente indispensáveis. 
(FREUD, 1974b, p. 134). Ao mesmo tempo, discorda dos argumentos comunistas que 
defendem a propriedade privada como a maior causa promotora da destrutividade e 
agressividade entre os homens, baseados na hipótese do homem inteiramente bom e bem 
disposto para como seu próximo,corrompidos pela instituição da propriedade privada. 
Freud verifica o equivoco do ideal comunista ao defender a abolição da propriedade da 
riqueza privada – que confere poder ao indivíduo e o induz a maltratar o próximo, propondo, 
em contrapartida, que toda a riqueza comum seja partilhada igualmente por todos, 
 21 
eliminando-se, desse modo, a má vontade e a hostilidade entre os homens. Freud considera 
este argumento uma simplificação do problema. 
Não estou interessado em nenhuma crítica econômica do sistema comunista; 
não posso investigar se a abolição da propriedade privada é conveniente ou 
vantajosa. Mas sou capaz de reconhecer que as premissas psicológicas em 
que o sistema se baseia são uma ilusão insustentável. (FREUD, 1974b, p. 
135). 
Quanto às teorias que defendem os fatores socioeconômicos como causas prioritárias 
da violência em contraposição aos psíquicos, Freud adota uma atitude sem ilusões, afirmando 
que a abolição da propriedade privada não eximirá o homem da sua agressividade e das 
relações de poder entre eles. 
A agressividade não foi criada pela propriedade. Reinou quase sem limites 
nos tempos primitivos, quando a propriedade ainda era muito escassa, e já se 
apresenta no quarto das crianças, quase antes que a propriedade tenha 
abandonado sua forma anal e primária; constitui a base de toda relação de 
afeto e amor entre pessoas. (FREUD, 1974b, p. 135). 
 
De forma enigmática, o autor deixa uma única relação humana fora deste embate ―com 
a única exceção, talvez, do relacionamento da mãe com seu filho homem.‖ (FREUD, 1974b, 
p. 135). Numa outra passagem, acrescenta mais um aspecto importante à discussão, reiterando 
sua posição: 
Se eliminarmos os direitos pessoais sobre a riqueza material, ainda 
permanecem, no campo dos relacionamentos sexuais, prerrogativas fadadas 
a se tornarem a fonte da mais intensa antipatia e da mais violenta hostilidade 
entre homens que, sob outros aspectos, se encontram em pé de igualdade. Se 
também removermos esse fator, permitindo a liberdade completa da vida 
sexual, e assim abolirmos a família, célula germinal da civilização, não 
podemos, é verdade, prever com facilidade quais os novos caminhos que o 
desenvolvimento da civilização vai tomar; uma coisa, porém, podemos 
esperar; é que nesse caso, essa característica indestrutível da natureza 
humana seguirá a civilização. (FREUD, 1974b, p. 136). 
 
Ao contrapor o progresso à pulsão de morte, Freud volta a condicionar a civilização ao 
puro domínio das pulsões destrutivas, perdendo a dimensão paradoxal que às vezes adota. 
Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do 
homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor 
porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem 
primitivo se achava em situação melhor, sem conhecer restrições de instinto. 
Em contrapartida, suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por 
qualquer período de tempo, eram muito tênues. O homem civilizado trocou 
 22 
uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de 
segurança. (FREUD, 1974b, p. 137). 
 
 Nesta passagem, reconhecemos um equívoco por parte do autor. Em primeiro lugar, a 
pós-modernidade tem revelado enorme tendência em eliminar sacrifícios às pulsões, nos 
termos referidos pelo autor. A sexualidade atual adquiriu ares de liberdade, a das mulheres em 
especial, embora o século se finalize marcado pela maldição do sexo. O estigma das doenças 
sexualmente transmissíveis, a Aids em particular, a exacerbada exibição pública do sexo, não 
pela exibição da nudez, mas das práticas sexuais tão freqüentes nos canais de TV e redes de 
Internet, que oferecem variadas possibilidades, dos sexshops, com vasto menu, aos sites de 
pedofilia. Se tudo isso são marcas do tempo, seguramente são marcas que confirmam, como 
nunca, que ‗não há relação sexual‘, que não há trégua quanto à impossibilidade de fazer o um 
complementar na relação sexual. 
No que tange às pulsões destrutivas, a violência generalizada e globalizada é o grande 
exemplo da ausência de sacrifícios. Revela enorme perda e nenhum ganho de segurança, 
configurando a maldição da violência feroz no século XX, também exibida de forma 
exacerbada pelos meios de comunicação. Ao contrário, a perda de segurança se espalhou por 
todo o planeta de forma nunca antes vista, inclusive nos meios rurais. A barbárie 
contemporânea, diferentemente da Antiguidade, nasce com as garantias da tecnociência e do 
capital internacional, não sem grandes conseqüências para a humanidade. Se, para Freud, a 
fórmula é quanto mais civilização, menor pulsão de destruição, menor selvageria, mais 
segurança, o que está posto no século XXI é a fórmula invertida: maior progresso, maior 
avanço tecnológico e científico, maior barbárie, maior violência e maior insegurança. 
Certamente, se estivesse acompanhando os dias atuais, Freud não faria tão suave 
crítica aos americanos, como a que vem a seguir: 
O presente estado cultural dos Estados Unidos da América nos 
proporcionaria uma boa oportunidade para estudar o prejuízo à civilização, 
que assim é de se temer. Evitarei, porém, a tentação de ingressar numa 
crítica da civilização americana; não desejo dar a impressão de que eu 
mesmo estou empregando métodos americanos. (FREUD, 1974b, p. 138). 
 
Na retrospectiva que faz no sexto capitulo, Freud atualiza a teoria das pulsões para 
explicar como a pulsão de morte opera, isoladamente, em silêncio, introduzindo novos 
elementos conceituais, com especial destaque para o narcisismo. 
 23 
O autor retoma a teorias das pulsões na seguinte seqüência: inicialmente, os instintos 
do ego e os instintos objetais se confrontavam, mutuamente. Para denotar a energia destes 
últimos, introduz o termo ‗libido‘. A antítese se verificou entre as pulsões do ego e as pulsões 
„libidinais‘ do amor, que eram dirigidas a um objeto. Esta formulação apresentou um pequeno 
problema, pois um desses instintos objetais, o instinto sádico, destacou-se do restante, pelo 
fato do seu objetivo não ser o amar. 
Ademais, ele se encontrava obviamente ligado, sob certos aspectos, aos 
instintos do ego, pois não podia ocultar sua estreita afinidade com os 
instintos de domínio que não possuem propósito libidinal. Mas essas 
discrepâncias foram superadas; pois o sadismo fazia claramente parte da 
vida sexual, em cujas atividades a afeição podia ser substituída pela 
crueldade. (FREUD, 1974b, p. 140). 
 
Alterações nesta teoria se tornaram essenciais, à medida que as investigações 
progrediam das forças reprimidas, para as repressoras, das pulsões objetais, para as do ego. 
 
O decisivo passo à frente consistiu na introdução do conceito de narcisismo, 
isto é, a descoberta de que o próprio ego se acha catexizado pela libido, de 
que o ego, na verdade, constitui o reduto original dela e continua a ser, até 
certo ponto, seu quartel-general. Essa libido narcísica se volta para os 
objetos, tornando-se assim libido objetal, podendo transformar-se novamente 
em libido narcísica. (FREUD, 1974b, p. 140). 
 
Freud chama a atenção para a importância do conceito de narcisismo, que possibilitou 
a obtenção de uma nova compreensão analítica das neuroses traumáticas e de várias afecções 
fronteiriças às psicoses, bem como destas últimas. Esse desdobramento deixa o conceito de 
libido ameaçado. Como os instintos do ego também eram libidinais, pareceu por certo tempo 
inevitável que se tivesse de fazer a libido coincidir com a energia instintiva em geral, como 
Jung já o fizera, anteriormente. 
 Entretanto, Freud não desiste da idéia de que os instintos não podiam ser todos da 
mesma espécie. Defende,por um lado, a libido como atributo da pulsão de vida e, por outro, a 
força silenciosa da pulsão de morte. O passo seguinte foi dado em 1920 no texto Além do 
Princípio do Prazer, quando a compulsão para repetir e o caráter conservador da vida 
instintiva atraíram pela primeira vez sua atenção. 
Ao lado do instinto para preservar a substância viva e para reuni-la em unidades cada 
vez maiores, Freud imaginou haver outro instinto contrário, que abalasse essas unidades para 
 24 
conduzi-las de volta a seu estado primevo e inorgânico (hipótese que não teve a concordância 
de Lacan). Assim como Eros, existia também um instinto de morte. Os fenômenos da vida 
podiam ser explicados pela ação concorrente, ou mutuamente oposta, desses dois instintos. O 
problema, contudo, residia em demonstrar as atividades deste suposto instinto de morte. Se as 
manifestações de Eros eram visíveis e bastante ruidosas, as do instinto de morte pareciam 
operar silenciosamente dentro do organismo, no sentido de sua destruição, embora não se 
constituíssem em prova cabal. 
Uma idéia mais fecunda era a de que uma parte do instinto é desviada no 
sentido do mundo externo e vem à luz como um instinto de agressividade e 
destrutividade. Dessa maneira, o próprio instinto podia ser compelido para o 
serviço de Eros, no caso de o organismo destruir alguma outra coisa, 
inanimada ou animada, em vez de destruir o seu próprio eu (self). 
Inversamente, qualquer restrição dessa agressividade dirigida para fora 
estaria fadada a aumentar a autodestruição, a qual, em todo e qualquer caso, 
prossegue. (FREUD, 1974b, p. 141). 
 
Os argumentos que vêm a seguir, sempre em torno do sadismo, produziram certas 
confusões quanto à conclusão que Freud adotou, a partir deste período, de que a pulsão 
destrutiva pode funcionar separada da pulsão de vida. Contudo, vale ressaltar a importância da 
distinção teórica entre o masoquismo e o sadismo, enquanto movimentos em que a 
destrutividade se dirige para o ego, no caso do primeiro, ou para fora deste, ou seja, para o 
outro, no caso do segundo. 
Ao mesmo tempo, pode-se suspeitar, a partir desse exemplo, que os dois 
tipos de instinto raramente — talvez nunca — aparecem isolados um do 
outro, mas que estão mutuamente mesclados em proporções variadas e muito 
diferentes, tornando-se assim irreconhecíveis para nosso julgamento. No 
sadismo, há muito tempo de nós conhecido como instinto componente da 
sexualidade, teríamos à nossa frente um vínculo desse tipo particularmente 
forte, isto é, um vínculo entre as tendências para o amor e a pulsão 
destrutiva, ao passo que sua contrapartida, o masoquismo, constituiria uma 
união entre a destrutividade dirigida para dentro e a sexualidade, união que 
transforma aquilo que, de outro modo, é uma tendência imperceptível, numa 
outra conspícua e tangível. (FREUD, 1974b, p. 141). 
 
O autor assinala suas resistências em aceitar a existência de um instinto de morte ou de 
destruição, aspecto que se manterá com certa atualidade nos diferentes círculos psicanalíticos. 
 
Estou ciente de que existe, antes, uma inclinação freqüente a atribuir o que é 
perigoso e hostil no amor a uma bipolaridade original de sua própria 
natureza. A princípio, foi apenas experimentalmente que apresentei as 
 25 
opiniões aqui desenvolvidas, mas, com o decorrer do tempo, elas 
conseguiram tal poder sobre mim, que não posso mais pensar de outra 
maneira. Para mim, elas são muito mais úteis, de um ponto de vista teórico 
do que quaisquer outras possíveis; fornecem aquela simplificação, sem 
ignorar ou violentar os fatos, pela qual nos esforçamos no trabalho científico. 
Sei que no sadismo e no masoquismo sempre vimos diante de nós 
manifestações do instinto destrutivo (dirigidas para fora e para dentro), 
fortemente mescladas ao erotismo, mas não posso mais entender como foi 
que pudemos ter desprezado a ubiqüidade da agressividade e da 
destrutividade não eróticas e falhado em conceder-lhe o devido lugar em 
nossa interpretação da vida. (O desejo de destruição, quando dirigido para 
dentro, de fato foge, grandemente à nossa percepção, a menos que esteja 
revestido de erotismo.) Recordo minha própria atitude defensiva quando a 
idéia de um instinto de destruição surgiu pela primeira vez na literatura 
psicanalítica, e quanto tempo levou até que eu me tornasse receptivo a ela. 
Que outros tenham demonstrado, e ainda demonstrem, a mesma atitude de 
rejeição, surpreende-me menos [...] (FREUD, 1974b, p. 142). 
 
Freud observa também que as crianças não gostam quando se fala da inclinação 
humana para a ‗ruindade‘, a agressividade, a destrutividade e a crueldade, embora constate ao 
mesmo tempo, a presença de atos extremamente agressivos e destrutivos na infância. Lembra 
que Deus nos criou à imagem de sua própria perfeição e que ninguém deseja ser lembrado 
como é difícil conciliar a inegável existência do mal. 
 Em especial, vale destacar o comentário que o autor faz sobre a natureza 
profundamente moral da humanidade ante a agressividade. Este é um dos méritos dessa 
teoria, o de evidenciar a força desta dimensão destrutiva e não apenas da dimensão sexual, 
contra as quais a moral se insurge e o recalque trabalha. 
 
 
1.4 VICISSITUDES DA PULSÃO DESTRUTIVA 
 
 
Três são as vicissitudes da pulsão de morte, desenhadas por Freud, nas quais a 
violência é bem representada, exibindo em cada uma delas seu caráter paradoxal, como 
veremos a seguir. 
O primeiro destino da pulsão de morte é o sadismo. Neste caso, encontram-se 
amalgamadas a pulsão de vida, erótica, libidinal, com a pulsão de morte, destrutiva, 
 26 
amplamente exercitada na psicopatologia da vida cotidiana, nas práticas eróticas e tão 
presente nas fantasias. O paradoxo aqui incide na junção do erótico com a destruição. 
O nome ‗libido‘ pode mais uma vez ser utilizado para denotar as 
manifestações do poder de Eros, a fim de distingui-las da energia do instinto 
de morte. Deve-se confessar que temos uma dificuldade muito maior em 
apreender esse instinto; podemos apenas suspeitá-lo, por assim dizer, como 
algo situado em segundo plano, por trás de Eros, fugindo à detecção, a 
menos que sua presença seja traída pelo fato de estar ligado a Eros. É no 
sadismo — onde o instinto de morte deforma o objetivo erótico em seu 
próprio sentido, embora, ao mesmo tempo, satisfaça integralmente o impulso 
erótico — que conseguimos obter a mais clara compreensão interna (insight) 
de sua natureza e de sua relação com Eros. (FREUD, 1974b, p. 141). 
 
O segundo destino da pulsão de morte é a cega fúria de destrutividade. Essa 
vicissitude introduz novo aspecto ao estudo da violência, ao vincular a origem da 
destrutividade ao antigo ego narcísico e onipotente. Como responsável pelo alto grau de 
satisfação narcísica, o ego realiza antigos desejos onipotentes, especialmente aqueles relativos 
à destruição. Freud atribui a mais cega fúria de destrutividade ao ego narcísico, em seu pleno 
exercício dos desejos onipotentes. Neste caso, o paradoxo encontra-se na própria constituição 
do ego, de um lado, garantindo a autopreservação e os seus laços com a realidade e do outro, 
mantendo o ego narcísico onipotente alheio à realidade. 
Podemos dizer que esta teoria elaborada por Freud oferece excelentes recursos para 
uma possível leitura da atual sociedade, identificada como individualista e narcísica por 
alguns teóricos contemporâneos, na qual, aliás, os atos de violência se apresentam como 
marcas inconfundíveis. Certamente, este destino da pulsão é o que melhor representa as 
violências, sem qualquer relação com a pulsão erótica. 
Contudo, mesmo onde ele surge sem qualquer intuito sexual, na mais cega 
fúriade destrutividade, não podemos deixar de reconhecer que a satisfação 
do instinto se faz acompanhar por um grau extraordinariamente alto de 
fruição narcísica, devido ao fato de presentear o ego com a realização de 
antigos desejos de onipotência deste último. (FREUD, 1974b, p. 141). 
 
O terceiro destino da pulsão destrutiva está inibido em sua finalidade, portanto 
sublimado. O paradoxo aqui incide exatamente na problemática de como satisfazer o impulso 
destrutivo através de outra finalidade. 
 O instinto de destruição, moderado e domado, e, por assim dizer, inibido em 
sua finalidade, deve, quando dirigido para objetos, proporcionar ao ego a 
 27 
satisfação de suas necessidades vitais e o controle sobre a natureza. 
(FREUD, 1974b, p. 144). 
 
Podemos vincular a inibição da pulsão agressiva, ou seja, a operação da sublimação a 
certas medidas de proteção pessoal e grupal e à criação de modo geral. Dentre elas 
destacamos as que se transformam em produções artísticas, políticas e sociais, por exemplo os 
movimentos pela paz e a posição pessoal de alguns grandes líderes que transformaram suas 
vidas em causa comum a todos, contra a violência, ou em nome da paz para a humanidade. 
Grandes homens, entre os quais Martin Luther King, John Lennon e Ghandi – cuja posição 
radical, no combate à guerra com a paz, em seu ato literal de depor as armas –, pregaram a 
paz, a liberdade, iguais direitos e foram provavelmente por esta razão, violentamente 
assassinados. 
Esse destino da pulsão destrutiva, a inibição da sua finalidade, leva-nos a repensar a 
respeito dos resultados obtidos pelos atuais recursos, em particular aqueles do mundo da 
imagem, tais como os jornais, o cinema, a televisão, os telejornais em especial e mesmo a 
exploração da violência como espetáculo feita pela mídia de modo geral. Possivelmente, 
constituem-se em poderosos métodos que devolvem, em grande escala, de forma imaginária e 
narcísica, mas também sublimada, os primários desejos narcísicos onipotentes de destruição, 
satisfazendo as pulsões destrutivas dos seres falantes. Certamente, assistir na tela realiza algo 
que nos distancia da possibilidade de passarmos ao ato. 
Estas proposições, feitas por Freud em 1929, em conformidade com os postulados da 
segunda tópica, representam uma importante revisão da teoria das pulsões, especialmente da 
pulsão de morte. Seguramente, possibilitam algumas leituras psicanalíticas sobre as 
violências, especialmente aquelas que comparecem na clínica. 
Nesta linha argumentativa, é possível afirmar que há uma teoria da violência em 
Freud, ainda que este léxico tenha sido empregado com pouca freqüência em sua obra. 
Antes, contudo, de passar ao próximo item no qual apresentarei a importância das 
variantes do supereu, em sua estreita relação com a pulsão destrutiva, gostaria de abrir uma 
discussão relativa às conseqüências clínicas do advento do conceito de pulsão de morte e dos 
seus últimos desdobramentos, na forma de desfusão da pulsão de vida. 
É fácil constatar a vasta repercussão das teorias que definem a etiologia sexual das 
neuroses e demais estruturas clínicas. Segundo Foucault (2002), este movimento se inicia 
 28 
antes mesmo das teorias formuladas por Freud, em cuja tradição ele, aliás, se inscreve. 
Comparativamente, há uma insignificante repercussão e utilização da teoria da pulsão 
destrutiva da pulsão de morte, na abordagem da etiologia das doenças psíquicas. 
 Toda reformulação teórica das pulsões realizada por Freud parece não ser levada 
suficientemente em conta. Fica-se, via de regra, agarrado ao primeiro momento quando do 
surgimento da pulsão erótica. Rigorosamente, a teoria das pulsões nasce como uma teoria 
sobre a sexualidade. Freud escreve ―Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade‖ em 1905, 
e, em 1915, ―As pulsões e suas vicissitudes‖, quando sistematiza a primeira teoria das 
pulsões. Somente em 1920, propõe opor à pulsão de vida a pulsão de morte. Há, contudo, 
forte resistência em considerar esta reviravolta teórica e clínica, em parte, talvez, pelo que a 
destrutividade encerra em si mesma. E, segundo o comentário do próprio Freud, a 
moralização sobre a destrutividade é maior que sobre qualquer outro destino das pulsões. 
O ponto que queremos salientar é que embora Freud tenha reformulado a teoria das 
pulsões e dado igual peso à pulsão de morte na etiologia das doenças mentais, recorre-se, 
invariavelmente, à pulsão sexual para explicar todas as doenças, desconsiderando a 
reviravolta teórica e clínica operada pelo autor. É preciso admitir que esta leitura equivocada 
dificulta o reconhecimento de certas manifestações clínicas, que dizem respeito à 
destrutividade, agressividade, violência, crueldade, e suas abordagens terapêuticas. 
A teorização da pulsão de morte, destrutiva, como fator etiológico, tem sido aplicada 
de modo pontual a alguns fenômenos, a exemplo do masoquismo, da reação terapêutica 
negativa e da neurose obsessiva. 
 O problema, entretanto, está exatamente na diferença que há entre os sintomas 
próprios da moral sexual vitoriana, que fizeram Freud trabalhar na invenção da psicanálise, e 
os que se apresentam na contemporaneidade. O aumento gritante dos índices de violência e 
dos seus requintados métodos, favorecidos pela tecnociência, juntamente com novas 
manifestações sintomáticas, fazem-nos pensar na força desses outros determinantes para além 
do princípio do prazer, da ordem da pulsão de morte, de acordo com o pensamento freudiano. 
Em lugar dos sintomas de conversões, legítimos representantes do que retorna do recalcado 
sexual, não deveria ser ampliada a pergunta sobre o que retorna da pulsão de morte, ou o que 
está posto como efeito da pulsão de morte na etiologia das doenças contemporâneas, também 
chamadas sintomas inclassificáveis, que se colocam do lado do pior? 
 29 
Vemos o aumento crescente das violências auto ou heterodestrutivas, a exemplo das 
escarificações, bulimias, depressões, obsessões, as compulsões de modo geral, entre outras. A 
este respeito há um exemplo recente, o pedido de uma mulher, via Internet, de ser violentada e 
assassinada, obtendo para espanto geral, a resposta de seiscentos candidatos. Fantasia ou fato? 
Seja o que for, passou a existir na retórica virtual. 
Há, por um lado, ampla utilização da etiologia sexual, da pulsão erótica, e das 
neuroses e, do outro, uma quase ausência de exploração equivalente para a teoria da pulsão de 
morte e destrutiva. As violências, tais quais se apresentam na clínica do fim do século XX e 
início do XXI, entretanto, exigem uma revisão, pois a erótica freudiana, tão largamente 
utilizada durante o último século, não parece dar conta do horror, que não é da castração, 
presente nestes fenômenos deste século. Postular a clínica em sua relação com o supereu, 
conforme Freud desenvolveu, sinaliza para o começo de uma nova argumentação relativa aos 
paradoxos do gozo na determinação do pathos, que será retomada por Lacan com o conceito 
de gozo. 
Para dar conta da clínica psicanalítica do século XXI, é preciso recorrer à pulsão de 
morte (em sua relação com o supereu e o masoquismo primário) proposta por Freud. Não é 
possível escutar o sujeito do inconsciente, hoje, abstraindo essas inter-relações conceituais 
para tratar os atos de violência em toda sua extensão auto ou hetero destrutivas. É preciso 
fazer um retorno a Freud, para lembrar que a etiologia dos sintomas não é somente sexual, do 
recalcado sexual, mas paradoxais formações que abrigam toda a dimensão contraditória das 
pulsões encerradas no narcisismo e nas formações do supereu. 
O conceito de gozo em Lacan vem nesta direção, ou seja, coloca as causalidades da 
subjetividade para além da teoriada sexualidade, inscrevendo-se na tradição da sua época, na 
trilha de Bataille e outros de sua geração, que apresentaram os elementos inspiradores para a 
concepção do objeto a através do qual Lacan consolida o conceito de gozo. 
Para concluir o sexto capítulo, Freud o faz de forma literária e espetacular. Após 
refazer todo o caminho da pulsão de morte, termina exaltando a força da vida, Eros e, mais 
uma vez, responsabilizando a pulsão de morte por certos impedimentos à civilização. 
Contudo, embora advertido do horror do pior e disposto a não esconder suas conseqüências, o 
que traz aí de mais importante é sua aposta na força da vida, ao afirmar que a civilização 
resultante desta luta de gigantes se resumiria, essencialmente, na luta da espécie humana pela 
vida, retificando o que poderia ser interpretado como uma luta primária para construção da 
civilização. 
 30 
Em tudo o que se segue, adoto, portanto, o ponto de vista de que a inclinação 
para a agressão constitui, no homem, uma disposição instintiva original e 
auto-subsistente, e retorno à minha opinião, de que ela é o maior 
impedimento à civilização. Em determinado ponto do decorrer dessa 
investigação fui conduzido à idéia de que a civilização constituía um 
processo especial que a humanidade experimenta, e ainda me acho sob a 
influência dela. Posso agora acrescentar que a civilização constitui um 
processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos humanos 
isolados, depois famílias e, depois ainda, raças, povos e nações numa única 
grande unidade, a unidade da humanidade. Por que isso tem de acontecer, 
não sabemos; o trabalho de Eros é precisamente este. Essas reuniões de 
homens devem estar libidinalmente ligadas umas às outras. A necessidade, 
as vantagens do trabalho em comum, por si sós, não as manterão unidas. 
Mas o natural instinto agressivo do homem, a hostilidade de cada um contra 
todos e a de todos contra cada um, se opõe a esse programa da civilização. 
Esse instinto agressivo é o derivado e o principal representante do instinto de 
morte, que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio 
do mundo. Agora, penso eu, o significado da evolução da civilização não 
mais nos é obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte, entre o 
instinto de vida e o instinto de destruição, tal como ela se elabora na espécie 
humana. Nessa luta consiste essencialmente toda a vida, e, portanto, a 
evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da 
espécie humana pela vida. E é essa batalha de gigantes que nossas babás 
tentam apaziguar com suas cantigas de ninar sobre o Céu. (FREUD, 1974b, 
p. 144). 
 
Ao final, vence a vida, a civilização, porém pagando o preço do mal-estar engendrado 
pelo supereu. 
 
 
1.5 A VIOLÊNCIA DO SUPEREU FREUDIANO 
 
 
 
Nascido de uma exigência clínica, o supereu é um conceito formulado por Freud na 
segunda tópica, especialmente no texto O Ego e o Id (FREUD, 1976/h). Apresenta-se no 
primeiro momento como uma instância psíquica relativa à consciência moral, ao sentimento 
de culpa e às interdições, sendo herdeiro do Complexo de Édipo, ou seja, uma introjeção da 
autoridade das figuras parentais, representante da lei e regulador da realidade. À primeira 
vista, o supereu em Freud parece se apresentar como uma instância que zela pela homeóstase 
do aparelho, interditando o incesto e proibindo o gozo da pulsão destrutiva. 
 31 
Contudo deve-se sinalizar para a insuficiência dessa concepção, destacando-se que o 
supereu, referido por Freud é paradoxal por ser ao mesmo tempo herdeiro do complexo de 
Édipo e do isso. É simultaneamente definido como uma instância cruel, feroz, sem noção da 
realidade e regido por uma lei insensata. Suas exigências desmedidas não passam de 
exigências morais que o sujeito poderia cumprir, desde que aceitasse abrir mão de seu gozo. 
Ao contrário, uma vez cumpridas tais exigências, elas se tornam cada vez maiores e, quanto 
mais o sujeito se esforça no sentido de alcançar as virtudes e uma nobreza moral, quanto mais 
o sujeito se aproxima de ser santo, tanto mais o supereu faz exigências. 
Em 1929, em O mal-estar na civilização, Freud (1974b) define o supereu como uma 
instância a serviço pulsão destrutiva, responsável pelos seus destinos. Manifesta no sétimo e 
oitavo capítulo do referido texto grande interesse em continuar pesquisando os meios 
empregados pela civilização para inibir, transformar a agressividade ou mesmo livrar-se dela. 
O problema gira em torno dos métodos utilizados para tornar inofensivo o desejo de destruição e 
agressão do ser humano. Nesta nova investida para além do princípio do prazer, o autor articula 
a pulsão de morte, destrutiva, ao supereu produtor do sentimento de culpa, que se expressa 
como uma necessidade de punição. 
 
Algo notável, que jamais teríamos adivinhado e que, não obstante, é bastante 
óbvio. Sua agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, 
enviada de volta para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de 
seu próprio ego. Aí, é assumida por uma parte do ego, que se coloca contra o 
resto do ego, como superego, e que então, sob a forma de ‗consciência‘, está 
pronta para pôr em ação contra o ego a mesma agressividade rude que o ego 
teria gostado de satisfazer sobre outros indivíduos, a ele estranhos. A tensão 
entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é por nós chamada 
de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade de punição. A 
civilização, portanto, consegue dominar o perigoso desejo de agressão do 
indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo no seu interior 
um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade conquistada. 
(FREUD, 1974b, p. 146-147). 
 
Essa severa guarnição, embora esteja a serviço da civilização para dominar o perigoso 
desejo de agressão e destruição do indivíduo, cria sérios problemas para este. A operação da 
pulsão de morte voltada contra o eu (aspecto, que coincide com uma das quatro vicissitudes 
da pulsão, a saber, o retorno ao próprio eu) e dirigindo para essa instância os impulsos 
agressivos e destrutivos, foi o modo encontrado por Freud para explicar a ferocidade da culpa 
e a crueldade da punição. Se, por um lado, são esforços utilizados pelo sujeito para preservar 
o coletivo, por outro são métodos que imprimem violentas conseqüências contra o próprio 
 32 
sujeito, tornando muito cara a construção da civilização. O impasse permanece, pois trocar a 
devastação coletiva pela devastação individual não resolve muito bem o problema. 
Simultaneamente, Freud mostra o aspecto contraditório da questão ao explicar essas 
operações – o sentimento de culpa e a necessidade de punição - como duas grandes 
manifestações subjetivas primárias e intrínsecas ao pathos, não necessariamente a serviço do 
progresso e da civilização. Aliás, estiveram sempre presentes com o nome de pecado nas mais 
diversas práticas religiosas. 
A constatação dos efeitos do supereu na clínica e na cultura conduziu Freud a vários 
caminhos. Um deles leva à reflexão sobre a indiferenciação originária do ser falante para 
julgar o bom e o mau, trazida para explicar como se dá a instauração do julgamento moral. 
Inicialmente, Freud o vincula ao desamparo original, à dependência dos cuidados básicos 
recebidos dos adultos e ao temor da perda do amor das pessoas primordiais, frequentemente 
os primeiros laços parentais. 
 
O que é mau, freqüentemente, não é de modo algum o que é prejudicial ou 
perigoso ao ego; pelo contrário, pode ser algo desejável pelo ego e prazeroso 
para ele. Aqui, portanto, está em ação uma influência estranha, que decide o 
que deve ser chamadode bom ou mau. De uma vez que os próprios 
sentimentos de uma pessoa não a conduziriam ao longo desse caminho, ela 
deve ter um motivo para submeter-se a essa influência estranha. Esse motivo 
é facilmente descoberto no desamparo e na dependência dela em relação a 
outras pessoas, e pode ser mais bem designado como medo da perda de 
amor. Se ela perde o amor de outra pessoa de quem é dependente, deixa 
também de ser protegida de uma série de perigos. (FREUD, 1974b, p. 147). 
Freud introduz o elemento do desamparo original em relação ao objeto amoroso, 
sugerindo que o maior perigo é ficar exposto a essa pessoa mais forte, que pode mostrar sua 
superioridade sob forma de punição. Quanto a isso, cabe fazer algumas atualizações baseadas 
em Lacan, no sentido de colocar o problema não apenas no plano imaginário da prematuração 
biológica e da dependência dos cuidados e garantias dadas pelo amor dos outros parentais, 
mas também na dimensão do desamparo simbólico, ou seja, do desaparelhamento simbólico 
originário com o qual o ser falante entra no mundo. Esta é uma das razões pelas quais se faz 
necessário distinguir o Outro simbólico da linguagem dos outros semelhantes do plano 
imaginário, para dar a essa teorização sua justa medida. 
Inicialmente, mau é tudo aquilo que, com a perda do amor, nos ameaça e, por medo, 
tentamos evitar. Vislumbra-se, contudo, a possibilidade de o mau poder ser bom e prazeroso 
para o ego e provavelmente, neste caso, Freud está se referindo às possíveis relações 
 33 
existentes entre o supereu, enquanto uma instância do aparelho psíquico, o ideal do eu, 
enquanto significantes de identificação e a consciência com seus preceitos morais. 
Nesta perspectiva teórica, fica estabelecido que, no primeiro tempo, o sentimento de 
culpa é apenas um medo da perda de amor, uma ansiedade ‗social‘, como se verifica nas 
crianças. Em muitos adultos, ele só se modifica quando o lugar do pai ou dos dois genitores é 
ocupado pelas organizações humanas mais amplas. 
 
Por conseguinte, tais pessoas habitualmente se permitem fazer qualquer 
coisa má que lhes prometa prazer, enquanto se sentem seguras de que a 
autoridade nada saberá a respeito, ou não poderá culpá-las por isso; só têm 
medo de serem descobertas. (FREUD, 1974b, p. 148). 
Freud prossegue explorando o sentimento de culpa. Quando ele aparece? Ele aparece 
quando se faz algo que se sabe ser ‗mau‘ mas, mesmo quando a pessoa não faz uma coisa má, 
mas apenas identifica em si mesma uma intenção de fazê-la, pode encarar-se como culpada, 
tornando a intenção equivalente ao ato. Em ambos os casos, contudo, o pressuposto é que já 
se tenha reconhecido que o mau é repreensível. O supereu, portanto, seria essa instância 
interna pronta para instaurar o julgamento, já que a capacidade original para distinguir o bom 
do mau não existe. Assim Freud atrela inicialmente a instauração do julgamento de bom e 
mau à dependência do temor da perda do amor das pessoas primordiais e ao desamparo do 
sujeito. 
Nesta discussão, fica necessariamente interrogada a origem da consciência, e a esse 
respeito, Freud faz inicialmente uma afirmação paradoxal, admitindo que esta resulta da 
renúncia do instinto agressivo, ou que, a renúncia instintiva imposta de fora cria a 
consciência, a qual, exige cada vez mais renúncia. Tende a considerar que a consciência surge 
da repressão do impulso agressivo, sendo subsequentemente reforçada por novas repressões. 
O supereu tem aí papel importante, pois, quanto mais virtuosa é a pessoa, mais severa e mais 
desconfiada se torna nos seus comportamentos. Lembra que as pessoas próximas da santidade 
são aquelas que se censuram da pior pecaminosidade. ―O sentimento de culpa, a severidade 
do supereu, é, portanto o mesmo que a severidade da consciência moral. (FREUD, 1974b, p. 
160).‖ 
Descontente em explorar o sentimento de culpa como conseqüência exclusiva do 
desamparo e do temor da perda do amor parental, finalmente Freud apresenta dois extratos do 
sentimento de culpa: um oriundo do medo da autoridade externa e outro, do medo da 
autoridade interna, ou seja, do supereu, em suas estreitas vinculações com as exigências de 
 34 
satisfação pulsional, e já não mais representante da consciência moral e da ordem. A 
postulação freudiana de um tipo de culpa decorrente da consciência moral, dos temores dos 
ideais do eu e a serviço da civilização será por nós secundarizada nesta pesquisa, 
privilegiando, contudo, a culpa que advém do supereu enquanto instância primária, correlata 
da pulsão e do masoquismo primordial. 
 
Conhecemos, assim, duas origens do sentimento de culpa: uma que surge do 
medo de uma autoridade, e outra, posterior, que surge do medo do superego. 
A primeira insiste numa renúncia às satisfações instintivas; a segunda, ao 
mesmo tempo em que faz isso exige punição, de uma vez que a continuação 
dos desejos proibidos não pode ser escondida do superego. Aprendemos 
também o modo como a severidade do superego - as exigências da 
consciência - deve ser entendida. Trata-se simplesmente de uma continuação 
da severidade da autoridade externa, à qual sucedeu e que, em parte, 
substituiu. [...] Originalmente, a renúncia ao instinto constituía o resultado 
do medo de uma autoridade externa: renunciava-se à próprias satisfações 
para não se perder o amor da autoridade [...] Quanto ao medo do superego, 
porém, o caso é diferente. Aqui, a renúncia instintiva não basta, pois o desejo 
persiste e não pode ser escondido do superego. Assim, a despeito da 
renúncia efetuada, ocorre um sentimento de culpa. [...] Aqui, a renúncia 
instintiva não possui mais um efeito completamente liberador; a continência 
virtuosa não é mais recompensada com a certeza do amor. Uma ameaça de 
infelicidade externa - perda do amor e castigo por parte da autoridade 
externa - foi permutada por uma permanente inferioridade interna, pela 
tensão do sentimento de culpa. (FREUD, 1974b, p. 151). 
 
Inscreve-se, desse modo, mais um importante elemento clínico atribuído ao supereu, 
que é o ‗sentimento de inferioridade‘ gerado pelo sentimento de culpa. Ao longo do texto vai 
ficando cada vez mais clara a formulação freudiana que define o supereu como pulsional em 
vinculação indissociável com a pulsão destrutiva, constituindo um novo substrato para 
conceber a subjetividade. 
São quatro os avatares do supereu: sentimento de culpa, necessidade de punição, 
sentimento de inferioridade e angústia. Em última instância, esses deveriam ser considerados 
os destinos da pulsão de morte, evidentemente vinculados às manifestações clínicas. 
Analisada a questão dessa perspectiva, poder-se-ia dizer que as formulações apresentadas por 
Freud sobre o supereu na segunda tópica, constituem uma ampliação da teoria das pulsões, 
especialmente da pulsão de morte. Por conseguinte, o mal-estar da cultura está 
irremediavelmente associado, em primeira instância, às exigências pulsionais do supereu e aos 
seus avatares. 
 35 
Freud apresenta nova consideração clínica relativa ao enlaçamento da pulsão 
destrutiva com o supereu: toda neurose oculta uma quota de sentimento de culpa inconsciente 
que fortifica os sintomas, utilizando-o como punição. ―Agora parece plausível formular a 
seguinte proposição: quando uma tendência instintiva experimenta a repressão, seus 
elementos libidinais são transformados em sintomas e seus componentes agressivos em 
sentimento de culpa.‖ (FREUD, 1974b, p. 163). 
Distiguem-se, pois, dois efeitos do ‗recalque‘, que aparece caracterizado como uma 
espécie de operação-base para as pulsões em seu conjunto. No que tange à pulsão erógena, 
seu retorno se dá sob a forma de sintoma, como classicamente está consagrado. No que tange

Outros materiais