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A criatividade e o ser humano Alessandra Jungblut Introdução O estímulo ao ato de criar envolve uma série elementos, desde os traços de personalidade até a influência da cultura e do meio social. Aspectos individuais incluem a curiosidade, a flexibilidade, a motivação e a persistência. Essas características, aliadas a um ambiente adequado, podem con- tribuir para a expressão criativa. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • identificar tipologias de perfis do ser humano que desenvolvem a personalidade criativa; • conhecer os papéis sociais que compõem a formação do indivíduo criativo. 1 A criatividade e a personalidade (ajustamento e papéis sociais) A criatividade está presente em nós, manifestada em diferentes intensidades. De acordo com Alencar e Fleith (2009), a produção criativa de um indivíduo é influenciada por habilidades cogniti- vas, condições ambientais, motivação, atitudes e traços de personalidade. O ambiente e a educação são essenciais no desenvolvimento criativo, ao estimular essa ativi- dade, sem obstaculizar à expressão. Segundo Predebon (2010), existem características favorecem a criatividade e compõem a chamada “personalidade criativa”: • Independência, ousadia • Curiosidade • Flexibilidade • Sensibilidade • Leveza, otimismo • Fluência verbal e de raciocínio • Interesse variado • Valorização do diferente • Intuição, impulsividade Figura 1 – Personalidades criativas Fonte: Visual3Dfocus/Shutterstock.com Essas características não estão presentes em todos os criativos, mas é possível desenvolver alguns desses aspectos para expressar melhor seu potencial. A criatividade faz parte da interação do homem com o meio social: ele a utiliza para manter o equilíbrio entre suas necessidades e a adaptação ao ambiente. Isso é chamado de ajustamento cria- tivo que, segundo Pacheco (2010), é uma maneira saudável de interagir ativamente, adaptando-se e equilibrando as demandas externas e internas, sem anular ou supervalorizar nenhuma delas. EXEMPLO Uma pessoa preocupada em manter uma alimentação livre de agrotóxicos mora em um apartamento e não encontra esses produtos em um supermercado próxi- mo. Então, constrói uma horta vertical em sua sacada. Na interação social, o homem assume funções denominadas de papéis sociais (ROJAS-BER- MUDEZ, 2016). São padrões de comportamento exercidos em sociedade, de acordo com o que é esperado em várias esferas (família, trabalho, relacionamentos, grupos sociais). Desempenhar papéis faz parte de nossa identidade e cultura, porém, padrões muito rígidos podem impedir a espontanei- dade e iniciativa necessárias às mudanças sociais e ao ajustamento criativo. “O destino de uma cultura depende da criatividade de seus membros” (Moreno,1984 apud Neves, 2008, p. 32). FIQUE ATENTO! Deve haver o equilíbrio entre o impulso criativo de nossa personalidade e as circuns- tâncias do ambiente. 2 A criatividade e a socialização (formação de valores, dogmas e preconceito) Na infância, iniciamos o processo de socialização, definido como a aquisição de valores, padrões comportamentais, crenças e atitudes, que se torna mais complexo com o passar do tempo (Mussen, 1988 apud Neves, 2008). A criatividade, de acordo com Chagas, Apes e Fleith (2008), não é consequência exclusiva de processos internos, mas resulta da interação do indivíduo com o meio e se desenvolve constantemente por meio das experiências acumuladas durante a vida. Ainda na infância, utilizamos a imaginação e a fantasia; conforme crescemos, desenvolve- mos a linguagem e o conhecimento, adquirimos experiências mais complexas e conseguimos transformar os sonhos em realidade. É o momento em que a criatividade atinge sua maturidade. Figura 2 – Socialização e cultura domínio campo indivíduo SOCIEDADE EXPERIÊNCIA PESSOAL PRODUÇÃO DE NOVIDADE CULTURA seleção de novidade transmissão de informação estimula a novidade Fonte: adaptado de CSIKSZENTMIHALYI (2004) apud MOREIRA (2008). Csikszentmihalyi (1999 apud Chagas, Apes e Fleith, 2008) propõe um modelo sistêmico para o estudo da criatividade, considerando-a como a soma de aspectos individuais (genética e experi- ências pessoais), culturais e sociais. Os aspectos individuais envolvem curiosidade, motivação, persistência, entusiasmo, flexibi- lidade de pensamento, entre outros. Os aspectos culturais são os hábitos, regras, preconceitos e conhecimentos compartilhados. Já os aspectos sociais envolvem as relações entre grupos. Na interação com a cultura, o indivíduo criativo poderá fazer questionamentos e propor mudanças criativas, desde que encontre um ambiente social adequado que ofereça oportunidade de escolha, tarefas estimulantes e a aceitação das diferenças. FIQUE ATENTO! Questionar a realidade e propor mudanças socioculturais positivas é uma função importante e própria de pessoas criativas. SAIBA MAIS! Para entender mais sobre o processo de socialização e a relação entre indivíduo, so- ciedade e cultura, acesse: <http://wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2009/ cd_conahpa2009/papers/final157.pdf>. 3 A criatividade no contato humano (introversão x extroversão) Um dos preconceitos que conhecemos refere-se à questão do que é próprio de indivíduos introvertidos e extrovertidos. Por exemplo, os extrovertidos são líderes mais competentes e os introvertidos são tristes. Algumas das ideias preconcebidas sobre isso, segundo Cain (2012), são a crença de que o mundo é de maioria extrovertida, e também, a simplificação dos termos, já que temos tipos diferentes de introvertidos e extrovertidos. Jung (2011) aborda a questão introversão x extroversão como parte de sua teoria da perso- nalidade (tipos psicológicos). De acordo com autor, definir-se como um ou outro é difícil, tendo em vista a tendência humana a compensar o aspecto unilateral de seu tipo, ou seja, podemos ser essencialmente introvertidos e apresentar comportamentos extrovertidos para que nossa psique possa manter o equilíbrio. A extroversão caracteriza-se por interesses predominantemente objetivos (mundo externo, atividades em grupo) e a introversão, por interesses predominantemente subjetivos (mundo interno, atividades individuais). Na realidade, todos apresentamos os dois tipos de atitude, porém, um é preponderante. O ideal é o equilíbrio, para nos sentirmos confortáveis, tanto com o mundo externo, quanto com o interno. Figura 3 – Yin e Yang Extroversão Introversão Fonte: FEIST; FEIST & ROBERTS, 2015, p.79. Segundo Cain (2012), a supervalorização dos extrovertidos pode fazer com que os introver- tidos sintam dificuldade em aceitar-se. Os introvertidos tendem a ser mais criativos porque pos- suem uma experiência interna mais rica, são mais focados e persistentes, enquanto os extroverti- dos têm a necessidade de obter atenção do grupo. SAIBA MAIS! A revista Superinteressante traz um artigo a respeito das pessoas consideradas intro- vertidas. Acesse: <www.super.abril.com.br/comportamento/timidos-sem-vergonha/>. 4 O Ser criativo A autoaceitação é uma das características que auxiliam a expressão criativa, assim como a leveza. De acordo com Castilho e Sanmartin (2013), a ação criadora vai além da resolução de pro- blemas e atende necessidades intrínsecas de realização. O jogo, as brincadeiras e a diversão são importantes aliados no desenvolvimento de pessoas criativas. No adulto, redescobrir a esponta- neidade e a alegria e divertir-se no processo criativo é importante para pessoas que querem vencer as repressões e enfrentar o medo do julgamento alheio. O foco é o processo de criação em si, ao invés da simples espera por recompensa ou punição. O ato de dedicar-se à produção criativa com prazer e satisfação está relacionado aos aspec- tos motivacionais. Amabile (1996 apud Alencar e Fleith,2009) afirma que a motivação intrínseca é o que leva o indivíduo a buscar mais informações, arriscar-se e sair do comum, buscando novas estratégias criativas. De acordo com Ostrower (2011), a criatividade é uma habilidade caracterís- tica do ser humano e o ato de criar é uma necessidade. Dessa forma, o homem como ser criativo por natureza encontra satisfação na realização desse potencial. EXEMPLO Podemos observar essa motivação em personalidades que se destacaram. Leonardo da Vinci foi um criativo obcecado pela observação do mundo. Carregava consigo um caderno para anotar pensamentos e inventos e desenhar o que via nas ruas. Tinha interesses variados, como pintura, geometria, anatomia, entre outros (Herbert, 2002). Figura 4 – Leonardo Da Vinci Fonte: Georgios Kollidas/Shutterstock.com Virgolim, Fleith e Neves-Pereira (2008) trazem uma perspectiva humanista, a questão da autorrealização. É por meio da criatividade que o ser humano se realiza. Para isso, é necessário segurança e liberdade psicológica, ou seja, segurança de ser aceito como é e liberdade psicológica para expressar-se livremente, sem impedimentos. FIQUE ATENTO! Exercer a criatividade é uma necessidade humana e é por meio dela que o ser hu- mano se realiza. Para isso, é preciso motivação e um ambiente adequado à livre expressão. Fechamento Ao final desta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer algumas características atribuídas à personalidade criativa; • aprender o conceito de ajustamento criativo; • compreender a influência da personalidade, da cultura e da sociedade no desenvolvi- mento da criatividade; • observar as diferenças entre introversão e extroversão no processo criativo. Referências ALENCAR, Eunice e FLEITH, Denise. Criatividade: múltiplas perspectivas. 3. ed. Brasília: UNB, 2009. CAIN, Susan. O Poder dos Quietos: como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar. Rio de Janeiro: Agir, 2012. CASTILHO, Marta Andrade e SANMARTIN, Stela Maris. Criatividade no Processo de Coaching. São Paulo: Trevisan Editora, 2013. CASTRO, Carol. Tímidos sem vergonha. Superinteressante, 2014. Disponível em: <http://super. abril.com.br/comportamento/timidos-sem-vergonha/>. Acesso em: 21 fev. 2017. CHAGAS, Jane F., APES, Cristiana C. e FLEITH, Denise S. A relação entre criatividade e desen- volvimento: uma visão sistêmica. pp. 210-230. In: DESSEN, Maria A. e COSTA JR, Áderson Luiz. A Ciência do Desenvolvimento Humano: tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre: Artmed, 2008. FEIST, Jess; FEIST, Gregory J. e ROBERTS, Tommi-Ann. Teorias da personalidade. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. HERBERT, Janis. Da Vinci para crianças. São Paulo: Zahar, 2002. JUNG, Carl G. Tipos Psicológicos. 4. ed. Coleção Obra Completa – v. 6. Petrópolis: Vozes, 2011. MOREIRA, Mafalta Vaz Pinto. Criatividade organizacional, uma abordagem sistémica e pragmá- tica. 2008. 185 f. Dissertação (Mestrado em Inovação e Empreendedorismo Tecnológico) – FEUP. Porto, Portugal. 2008. NEVES, Sissi Malta. Os papéis sociais e a cidadania. In ZANELLA, Andrea V., et al. Psicologia e práticas sociais. [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. pp. 28-48. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/886qz/pdf/zanella-9788599662878-05.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2017. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 28. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. PACHECO, Cristina V. Razão x Emoção: um atendimento clínico sob a luz da Gestalt- Terapia. [online] Monografia. Florianópolis: Comunidade Gestáltica, 2010. Disponível em: <https://view. officeapps.live.com/op/view.aspx?src=http://www.comunidadegestaltica.com.br/sites/default/ files/CRISTINA%20VIEIRA%20PACHECO.docx>. Acesso em: 21 fev. 2017. PEREIRA, Kariston et al. A Criatividade na sociedade do conhecimento: um ensaio sobre a impor- tância dos fatores culturais e nãocognitivos. 4º CONHAPA – Congresso Nacional de Ambientes Hipermídia para Aprendizagem, Florianópolis, 2009. PREDEBON, José. Criatividade: abrindo o lado inovador da mente. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010. ROJAS-BERMÚDEZ, Jaime G. Introdução ao Psicodrama. São Paulo: Ágora, 2016. VIRGOLIM, Ângela M. R., FLEITH, Denise S. e NEVES-PEREIRA, Mônica S. Toc, toc... plim, plim: lidando com as emoções, brincando com o pensamento através da criatividade. 9. ed. Campinas: Papirus, 2008.
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