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CCJ0012-WL-O-LC-O Legado Ambiental Brasileiro - Silvia Macedo Rodrigues

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O Legado Ambiental Brasileiro 
Silvia Macedo Rodrigues 
 
Uma história antiga conta que Deus, quando criou o mundo, espalhou por 
toda parte vulcões, terremotos, ciclones, enfim, os mais diversos e terríveis 
desastres naturais. Mas deixou o Brasil livre dessas desgraças, além de presenteá-lo 
com uma natureza das mais exuberantes e ricas. Em compensação, colocou aqui 
um povo, sobejado, alheado de seus direitos, que ao longo dos séculos, vem 
compactuando com uma política de exploração, de degradação social e ambiental. 
A estruturação e evolução da sociedade brasileira, em nossa concepção, está 
ligada, intrinsecamente, à forma de apropriação e transformação da natureza, pelo 
homem, desde o início de nossa História e, das relações sociais conseqüentes desse 
processo, que acabou por amalgamar e diferenciar o tecido dessa sociedade, no 
decorrer dos séculos. 
O Brasil é, de fato, um país privilegiado por suas florestas, por sua 
diversidade biológica, por seu potencial hídrico; por uma natureza “divina”! 
Todavia, a política da soberania de dominação, iniciada com a colonização, 
perpetuou-se ao longo dos séculos: na exploração da natureza, na exploração do 
homem pelo homem, até a exaustão. 
Essa noção arquétipa de lucro e de exploração, acompanha a história da 
humanidade, mas, também se particulariza em nossa história, embrionariamente, 
com os nossos colonizadores e de todos que do Brasil se aproximavam com 
interesse pela moeda que nossas riquezas pudessem oferecer. 
Não importa a época ou o conceito – se o mercantilismo, do período colonial 
ou o capitalismo exponenciado pela globalização da sociedade contemporânea –, o 
resultado tem sido sempre o mesmo: a hegemonia do poder de certos grupos 
perpetuando-se e sendo perpetuada - pelos próprios explorados - com faces e 
 
 
 
 
 
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denominações diferentes, a cada fase histórica, gerando conflitos sociais, 
ambientais, econômicos, políticos, éticos, filosóficos. 
De um lado, o povo; de outro, os que detêm o poder; e a natureza - servindo 
e sendo servida -, impactada por ambos: um por necessidade de sobrevivência e 
sem conhecimento das conseqüências negativas, a afetar diretamente sua 
qualidade de vida, pela perda dos recursos naturais e pelo desequilíbrio da 
natureza; o outro, por ganância e descompromisso com o bem comum, com tudo o 
que vive, até porque a esse segmento - a maioria, desvinculada e desumanizada da 
realidade socioambiental - só importa o que lhes possa reverter, como bem e 
poder, para si e para seus grupos de interesse. 
O povo a que a anedota acima alude e que recebeu todo um legado 
ambiental imensurável é o povo que evoluiu nessa sociedade, marcado pela 
desigualdade, manipulado, alienado, alijado, pela ignorância, do processo efetivo 
de construção e desenvolvimento de um país; de uma real condição de participação 
democrática. 
 Um povo que, pela necessidade de sobrevivência, ameaçado pela 
insegurança, se posta à margem da cidadania, sem consciência de seus direitos e 
de como defendê-los; sem noção das conseqüências e das responsabilidades de seus 
atos, para consigo mesmo, seus semelhantes e com o ambiente em que vive. 
 
1. As raízes da impotência: o passado desconsiderado 
 
O processo de consolidação da sociedade brasileira, a nosso ver, traz como cerne 
a interação homem-natureza, a forma como esta interação ocorreu e suas 
conseqüências. Portanto, consideramos que as raízes da impotência da 
sociedade brasileira surgiram, nos primórdios de nossa história e que, mesmo 
denunciadas posteriormente, permanecem no presente, evidenciadas na 
inegável degradação ambiental e social, a questionar a vida no futuro. 
Ao expor o pensamento político-ambiental e crítico de intelectuais e 
pensadores dos séculos XVIII e XIX, JOSÉ AUGUSTO DE PÁDUA demonstra que 
importantes personagens de nossa História, como José Bonifácio de Andrade e Silva 
 
 
 
 
 
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(1763-1838), abordavam, de forma consistente e crítica, a questão da destruição 
ambiental, correlacionando a devastação e a exploração predatória de nossos 
recursos com as conseqüências sociais, econômicas e políticas que passaram a 
refletir na formação da estrutura da sociedade brasileira. 
A condenação do modelo predatório herdado do colonialismo constituiu a 
temática central desses críticos ambientais. Para eles o objetivo básico e 
recorrente das idéias e denúncias era o de superar o modelo de imediatismo, de 
rotina e de inconseqüência herdado do colonialismo, através da disseminação de 
uma ética do trabalho, da racionalidade e do cuidado com a natureza. O objeto da 
crítica desses autores não era ao período colonial em si, mas sim ao continuísmo 
das mesmas práticas e mentalidades no contexto pós-colonial. A crítica ao passado 
colonial era uma unanimidade analítica, enquanto a necessidade de ruptura com o 
mesmo passou a ser uma obsessão política daqueles intelectuais. 
Se no passado, de nossa história, esses autores já alertavam que a 
devastação ambiental não poderia ser contida de maneira isolada e sim no âmbito 
de uma reforma geral da economia e da sociedade, vemos que a problemática da 
gestão ambiental, em pleno século XXI, ainda resvala na mesma inoperância. 
Esses críticos estabeleceram, na época, um nexo causal entre a produção 
escravista e a destruição do ambiente natural. A convergência entre o escravismo e 
o latifúndio fazia com que a terra fosse tratada com descaso e agressividade. Se os 
senhores das terras não tivessem tantos escravos, as matas não teriam sido 
destruídas e devastadas pelas queimadas de forma descuidada e imprevidente para 
a introdução das lavouras de monocultura. Para reverter esse processo de 
destruição, a esperança desses grandes pensadores estaria na diminuição das 
propriedades, na crença de que proprietários livres, inclusive ex-escravos, de áreas 
menores, acabariam por produzir mais, por necessidade e interesse; aproveitariam 
e cuidariam melhor de suas áreas, renovando a terra cultivada e, 
conseqüentemente, poupando as grandes florestas1 
 
 
 
 
1 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição – Pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. 
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. P.16 
 
 
 
 
 
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José Bonifácio, Joaquim Nabuco, André Rebouças e outros pensadores do 
período defendiam a idéia de que enquanto vigorasse a escravidão não seria 
possível estabelecer uma relação saudável entre o homem e a terra no Brasil2; O 
escravismo gerara preguiça na elite e falta de inteligência no uso do território. 
Somente com a superação do escravismo iriam ser mudadas as relações com as 
florestas, com a terra, com o território. 
Ao ser legislado o fim do escravismo, a realidade: acabara-se a escravidão, 
mas não a sociedade que a escravidão havia criado. A população “liberta” pela 
princesa continuou, uma massa humana miscigenada a outros excluídos, presa a 
grilhões que como no passado perduram, aviltando a dignidade do ser humano. 
O fim da escravidão de modo nenhum representou o fim da obra da 
escravidão. Pelo contrário, esta “obra” se perpetuou com a elite e seu poder 
através do paternalismo, do assistencialismo e tantas outras formas de dominação.3 
Esse processo prossegue ao longo de nossa história e transforma a terra e os 
seres humanos em objetos de manipulação, de lucro e de destruição.4 
 
 
2- As relações de dominação: a população à margem da democracia 
 
Desde o início da colonização, o poder imposto por indivíduos e grupos 
continua fomentando e formando a mentalidade de exclusão e alheamento; de 
desqualificação do sujeito como ser moral; de afastamento do homem, de sua 
própria natureza e também do processo de interação e de união com a natureza. 
Inevitavelmente, os bens incorporados por certos segmentos da sociedade, 
sucessivamente, ao longo do tempo, determinaramas relações de dominação e de 
marginalização de parte da população, negando ou dificultando aos excluídos o 
acesso aos bens sociais e economicamente valorizados. 
 
 
 
 
2 Ibidem, p.17. 
3 Entrevista com José Augusto Pádua. O desconhecido pensamento ambiental brasileiro. Ecologia e Desenvolvimento, ano 
11, n. 98, p. 7. 
4 PÁDUA, José Augusto. Op. cit., p. 7. 
 
 
 
 
 
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As elites brasileiras, conforme apregoa JURANDIR FREIRE COSTA, desde o 
início monopolizaram a maior parte das riquezas materiais do país, assim como os 
instrumentos que consagraram as normas de comportamentos e aspirações dos 
indivíduos, como recomendáveis e desejáveis. Diante dos valores e da visão de 
mundo estabelecidos pelo modelo da subjetivação e dos interesses das classes 
dominantes, os pobres e miseráveis passaram a ser cada vez menos percebidos 
como pessoas morais ou como possíveis adversários de classe. “Apenas uma sorte 
de resíduo social inabsorvível, com o qual se deve aprender a conviver, ou a 
controlar em caso de insubordinação. Por sua vez os desfavorecidos também 
começaram a negar seu pertencimento a um povo, classe ou nação”5. 
As desigualdades sociais entre ricos e pobres, entre os que detêm o poder 
econômico, o poder da informação, tal como no passado, reflete-se hoje, também 
no ideal republicano, no futuro da democracia. Alerta BOAVENTURA DE SOUSA 
SANTOS6, relembrando a definição de Rousseau sobre o ideal democrático: uma 
sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém 
e ninguém seja tão pobre que tenha que se vender a alguém. 
Desigualdades essas que se refletem em diferentes aspectos: na igualdade 
jurídico-política; nas condições de participação democrática dos cidadãos: que 
não têm garantia de suas necessidades de sobrevivência; que vivem ameaçados 
pela violência em todos os espaços– e que, portanto, não são livres; que não 
dispõem da informação necessária a uma participação esclarecida. Desigualdade 
que se reflete nas questões de justiça ambiental. 
Os autores do livro Justiça Ambiental e Cidadania associam a mesma lógica 
de dominação, a engendrar esta desigualdade socioambiental: “a injustiça e a 
discriminação aparecem na apropriação elitista do território e dos recursos 
naturais, na concentração dos benefícios usufruídos do meio ambiente e na 
exposição desigual da população à poluição e aos custos ambientais do 
 
 
 
 
5 COSTA, Jurandir Freire. Ética. A ética democrática e seus inimigos. Brasília:Garamond,1997, p.70 a 73. 
6 SANTOS, Boaventura de Sousa. Texto publicado na Publicado na Visão em 31 de Agosto de 2006 
 
 
 
 
 
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desenvolvimento.”7. Um sistema de produção perverso, que degrada o ambiente, 
que penaliza a saúde e que mantém grande parte da população às margens da 
cidade e da cidadania. 
Mesmo com todo o progresso, com todos os avanços da modernidade, com os 
ganhos da democracia, a obra herdada do passado se perpetua: marginaliza, 
discrimina, manipula homens, ainda como se fossem escravos, agora, como objetos 
de uma sociedade de consumo; máquinas sem individualidade, numa uniformidade 
social em que se valoram números e estatísticas. Homens, pessoas humanas: 
entorpecidos da consciência da essência de sua própria natureza como ser livre; à 
parte da Natureza; do seu direito a um meio ambiente equilibrado e da qualidade 
digna de vida. 
 
3. O modelo de exclusão: a memória, o presente do passado 
 
O ponto de partida para entendermos o homem e sua ligação com a natureza, na 
atualidade é refletir sobre a memória do passado, das nossas raízes. Expõe, 
MARCELLO DANTAS, “...investigar a história da civilização é buscar o encontro 
do homem com o meio ambiente. Compreender a origem da vida no nosso 
ambiente é entender a matriz referencial daquilo que somos feitos”. Pensar a 
natureza não é compreender apenas o ambiente externo, mas também o 
interno: a memória da essência do homem. 
Percebemos que o ser humano desconhece ou se comporta como se não 
houvesse nenhuma integração entre suas ações e a natureza; não se dá conta de 
sua própria natureza como ser no universo. Como salientamos, uma considerável 
parcela das agressões ao meio ambiente, deriva da falta de compreensão e de 
desconhecimento de certos grupos sobre sua significação e conseqüências. Outra 
parcela, pelo contrário, muitas vezes culta, apenas se preocupa em amealhar mais 
e mais a matéria, como se lhe fosse possível dela usufruir durante a eternidade. A 
 
 
 
 
7 ACSELRAD, Henri, org. Justiça ambiental e cidadania. RJ:Relume Dumará, 2004 p.10 
 
 
 
 
 
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cupidez aliada eficientemente à ignorância, em nome da qual tudo se legitima: “as 
pessoas acostumaram-se a ver a natureza como um supermercado gratuito. Dali 
tudo se extrai, nada se devolve”, aduz RENATO NALINI8. Ao que acrescentaríamos: 
devolve sim, seus efluentes; seus resíduos; externalidades! “Entre os dois pólos 
extremados da ignorância total e da cupidez irrefreável, situam-se tonalidades 
infindáveis de posturas cujo núcleo comum é o descaso para com o ambiente.”9 
Observa HECTOR RICARDO LEIS que a modernidade concebeu o progresso 
baseado no esquecimento, pois sabe-se que a memória é inimiga da 
dominação.10 É esse homem desvinculado do passado, desumanizado, que passa 
a atuar apenas como espectador no presente, renegando o seu papel histórico de 
cidadão e de partícipe na construção solidária de uma sociedade mais justa. 
Como alerta DAURY CÉSAR FABRIZ,11 a desvinculação entre o tempo presente e o 
passado e a ruptura com este último “vêm a significar a desumanização do 
homem”. 
Compreender o presente do passado é perceber na história os significados 
contidos na memória; compreender o presente do presente, na realidade intuída 
nos leva a acreditar na possibilidade do presente do futuro, na esperança. 
Vincular o passado com o presente como um alerta para o futuro, diante do 
legado socioambiental recebido e do que se pretende deixar para as futuras 
gerações e repensar a forma de interação homem-natureza, nos remete à 
descoberta do vazio ético de nossa época. Esse vazio ético nos leva à reflexão de 
responsabilidades diante das disparidades sociais existentes, à imposição moral 
em defesa de uma vida mais digna e consciente e à consolidação de uma 
participação democrática e de uma justiça ambiental e social includente. 
 
 
 
 
 
8 NALINI, Renato. NALINI, Renato. Ética ambiental. 2. ed. Campinas: Millennium Editora, 2003 Op. cit., p. XXVIII. 
9 Ibidem, p. XXIX. 
10 LEIS, Hector Ricardo. Apostila do Curso Teoria e Praxis do Meio Ambiente, ISER, RJ, 1997. P. 10 
11
 FABRIZ, Daury Cesar. A estética do direito. Belo Horizonte: Del Rey. 1999, p. 109 
 
 
 
 
 
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Silvia Macedo Rodrigues – Professora da UNESA, especialista em Gestão Ambiental e 
Mestre em Direito com enfoque em Direito Ambiental e Legislação Ambiental. 
 
 
 
 
 
 
 
BIBLIOGRAFIA 
ACSELRAD, Henri, org. Justiça ambiental e cidadania. RJ:Relume Dumará, 2004 
NALINI, Renato. NALINI, Renato. Ética ambiental. 2. ed. Campinas: Millennium 
Editora, 2003 
LEIS, Hector Ricardo. Apostila do Curso Teoria e Praxis do Meio Ambiente, ISER, RJ, 
1997 
FABRIZ, Daury Cesar. A estética do direito. Belo Horizonte: Del Rey. 1999 
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição – Pensamento político e crítica 
ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002 
COSTA, Jurandir Freire. Ética. A ética democrática e seus inimigos. 
Brasília:Garamond,1997 
SANTOS, Boaventura de Sousa. Texto publicado na Publicado na Visão em 31 de 
Agosto de 2006

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