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Ponto 4 - fontes do direito (III) - costumes

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Prof. GIOVANNE SCHIAVON	e-mail:ghbs2002@yahoo.com.br
- Ponto 04 -
Fontes do direito – Costumes Esse material possui propósitos didáticos e não pode ser comercializado de nenhuma maneira. Sua origem deve ser citada em qualquer uso que se faça desse. SCHIAVON, Giovanne H. Bressan. Introdução ao estudo do direito. 2008. Apostila (Curso de Graduação em Direito).
Sumário. 1 Introdução. 2 Usos e Costumes. 2.1 A prática social e o surgimento do costume. 2.2 Elementos do costume enquanto fonte do direito. 2.3 Distinções básicas entre lei e costume. 2.4 Vigência, validade e eficácia. 2.5 Espécies de costumes.
1 INTRODUÇÃO
Uma vez apresentada a lei e a legislação como a mais importante das fontes formais do direito, englobando todas as normas jurídicas escritas. Resta apresentar as fontes auxiliares. Inicia-se, assim, a apresentação pelo costume jurídico.
2 USOS E COSTUMES
2.1 A prática social e o surgimento do costume
Pode-se ilustrar o conceito de costume através da seguinte estória. Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancadas. Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas.
Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que novato fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que o surraram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não mais subia a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, da surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído.
Os cientistas ficaram com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: - "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui!".
A estória serve para ilustrar que, um costume é uma forma de conduta cuja origem é a prática social, a qual espelha uma idéia de certo e errado e é observada pelos membros do grupo. No conceito de Vicente Ráo costume é a denominação da fonte formal do direito extraída diretamente da conduta social. Ou mais exatamente é a fonte formal que expressa a norma criada espontaneamente pelo povo, através do uso reiterado, uniforme e que gera a certeza de obrigatoriedade, reconhecida e garantida pelo Estado RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: RT, 1997..
O costume é uma forma típica de fonte do direito nos quadros da chamada dominação tradicional no sentido de Max Weber. Baseia-se, nestes termos, na crença e na prática repetida, sob a qual está o argumento de que algo deve ser feito porque sempre o foi (se crê que essa é a forma de ação). A autoridade do costume repousa, pois, na força conferida ao tempo e ao uso contínuo como reveladores de normas, as normas consuetudinárias FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 240..
Nesse sentido, pode-se lembrar que, todos os dias, os indivíduos agem de determinado modo por se sentirem obrigados a isso. Por exemplo, em sala de aula, a maioria dos alunos escolhem tomar assento na mesma posição da sala. Se alguém perguntar o por quê talvez escute: “quando sento em outro lugar reclamam”, “esse lugar é meu”, etc. Tal prática repetida de modo obrigatório é o costume e esse pode ser fonte de normas do direito.
Por fim, recorde-se, quando se falou na divisão do estudo de fontes sob aspecto formal, parte da doutrina destacou que a origem da norma pode ser identificada no procedimento de criação e outra parte da doutrina destaca a estrutura na qual pode-se encontrar a norma. No primeiro sentido fonte é a prática social que cria o costume, enquanto que, no segundo sentido, fonte é o próprio costume. Conceituado o costume, resta agora, esclarecer os elementos dessa fonte formal do direito.
2.2 Elementos do costume
Para uma prática social ser caracterizada como costume faz-se necessário identificar alguns requisitos. Fala-se, via de regra, em dois requisitos: o uso continuado e a convicção da obrigatoriedade. Com isto quer-se distinguir o hábito (simples uso) do costume.
Tercio Sampaio Ferraz Jr. identifica que há condutas que se repetem (por exemplo, acender a luz quando está escuro, realizar três refeições ao dia, vestir-se conforme a moda etc.) que, não trazendo a nota da convicção social da obrigatoriedade, não são costumes. Também não dão origem a costumes, os usos e práticas definidas em acordos, contratos ou convenções, uma vez que tais resultam da vontade individual, valendo somente para o próprio negócio. Costumes são normas que podem vir a integrar o direito positivo, fornecendo regras gerais e abstratas para o direito FERRAZ, op. cit., p. 240-1. Nesse sentido, Sampaio Ferraz Jr. cita Machado Paupério para o qual a diferença entre costume e o hábito reside em que o hábito é de natureza individual, e sua prática, mesmo que compartilhada coletivamente, tem menos força imperativa que o costume..
A noção, contudo, é imprecisa. A convicção do caráter normativo do costume não pode ser explicada somente pelo uso com convicção de seu caráter obrigatório. Isto seria uma tautologia, como se dissesse que uma prescrição é um enunciado que prescreve. O costume deve representar uma opção de conduta social dentre várias condutas possíveis e, acrescente-se, para ser reconhecido e garantido pelo ordenamento deverá estar conforme a ordem jurídica.
A convicção de que é obrigatório refere-se ao consenso social. Não se trata, porém, de uma relação direta, isto é, opinio necessitatis como manifestação expressa de adesão, pois, muitas vezes, como se observa, o consenso explícito gera controvérsia e esgota rapidamente seu potencial. Vide, por exemplo, o efeito contraditório das pesquisas de opinião pública em véspera de eleição.
A convicção da obrigatoriedade tem antes fundamento numa expectativa de consenso, melhor dito, na suposição bem-sucedida de que todos concordam, o que pressupõe, na verdade, uma capacidade social limitada para conceder atenção a tudo o que ocorre. É isto que explica o engajamento pelo silêncio. 
Na explicação do citado professor paulista, quem tem uma expectativa contra a prática social reiterada carrega o peso de uma presumida evidência contra si. Por isso tem de arriscar suas iniciativas e desdobrar-se em justificação, pois suas expectativas surgem como inesperadas, não lhe bastando o engajamento dos outros pelo silêncio. A convicção geral da obrigatoriedade repousa neste silêncio que presumidamente se rompe quando se quebra um uso reiterado FERRAZ, op. cit., p. 241-2..
Em suma, o costume possui na sua estrutura, dois elementos constitutivos, um externo (substancial) e outro interno (relacional): O primeiro, externo - o uso reiterado no tempo - é a constância da repetição dos mesmos atos, a observância uniforme de um mesmo comportamento, capaz de gerar a convicção de que daí nasce uma norma jurídica. Sua formação, lenta e sedimentária, exige a freqüência e a diuturnidade. O segundo, interno – o processo de institucionalização que explica a formação da convicção da obrigatoriedade e que se explicita em procedimentos presumidamente aprovadores – é a convicção de que a observância da prática costumeira corresponde a uma necessidade jurídica, opinio necessitatis. Tal convicção deve ser geral, quer no sentido de que toda a sociedade a cultiva, quer no de que ao menos uma parcela ponderável da comunidade a observa, quer ainda no de que uma categoria especial de pessoas a mantém FERRAZ, op. cit., p. 242; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituiçõesde direito civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. v. I, p. 50-1..
Pode-se então destacar algumas características dos costumes ser norma social seguida de modo coletivo, contínuo, freqüente, uniforme e obrigatório socialmente.
2.3 Distinções básicas entre lei e costume
Quanto à origem a da lei é certa e determinada, enquanto que o costume se origina da consciência popular.
Quanto à forma de elaboração, a lei resulta de procedimento legislativo, enquanto que o costume não possui um procedimento próprio, simplesmente aparece na prática social.
Quanto à forma a lei é escrita, enquanto que o costume é percebido na prática social.
Quanto a vigência, a da lei inicia e cessa somente nas condições de tempo em que nela mesma se determinar, ou que venha a ser determinado por nova lei. Enquanto que, o costume perde vigência com o desuso, pois a sua vigência é mera decorrência da eficácia posterior.
2.4 Vigência, validade e eficácia
Para o direito brasileiro, o qual adota o sistema da “civil law”, direito legislado, a lei é a principal fonte do direito e o costume é uma das fontes subsidiárias, assim admite-se que o julgador, de ofício, pode aplicar o costume, se for notório ou de seu conhecimento, invocando-o quando admitido, como qualquer norma jurídica.
À vista do disposto no art. 4o. da Lei de Introdução ao Código Civil, não há dúvida de que o costume possa ser aplicado como fonte subsidiária do direito, pois como doutrina Caio Mário da Silva Pereira, o legislador estatuiu que na omissão da lei o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Sendo a lei a fonte principal do direito, o costume é fonte subsidiária e há de gravitar na órbita do direito escrito. Vigora e tem aplicação, quando não há palavra do legislador, seja para regular as relações sociais em um mesmo rumo que o costume antes vigente, seja para estabelecer uma conduta diversa da consuetudinária PEREIRA, op. cit., p. 50-1. cf. art. 4o. da Lei de Introdução ao Código Civil e art. 126 do Código de Processo Civil. Paulo Nader acrescenta, ainda, no âmbito da Consolidação das Leis do Trabalho, o art. 8o. No direito penal, guiado pelo princípio da reserva legal, o costume não é admitido como fonte. No campo do direito internacional, vale destacar que o costume possui papel de fonte principal (NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 155)..
Retorne ao exemplo dos alunos que sempre escolhem o mesmo lugar na sala de aula. Na medida em que o regulamento da faculdade não disciplina a questão, é lícito que os alunos determinem qual é a melhor forma de se organizar, nesse sentido, se houver um conflito, o professor - ou o representante do poder instituído – deverá decidir observando a prática social existente.
Percebe-se que, a norma costumeira traz um problema quanto à vigência, isto é, quanto ao início do prazo de sua validade. Quando afinal começa a viger uma norma consuetudinária? Como ela não é promulgada, e exige um uso continuado no tempo, os sistemas jurídicos modernos encontram uma espécie de substituto para a promulgação: o costume tem de ser provado por quem o alega FERRAZ, op. cit., p. 242..
De sorte que, conclui Paulo Nader, o princípio iura novit curia (os juízes conhecem o direito), pelo qual as partes não precisam provar a existência do direito invocado, não tem aplicação quanto aos costumes, em face do que dispõe o art. 337 do Código de Processo Civil: “A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.”. Na justiça ou perante órgãos da administração pública, os costumes podem ser provados pelos mais diversos modos: documentos, testemunhas, vistorias etc. A prova é do seu teor e não de que a norma já é vigente, mas isso cria uma condição de controle pela autoridade competente de que a norma consuetudinária existe FERRAZ, op. cit., p. 242; NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 155..
2.5 Espécies de costumes
As espécies se definem pela forma com que o costume se apresenta em relação à lei. A doutrina distingue as seguintes: secundum legem, contra legem e praeter legem.
a) Costume secundum legem
A coincidência entre o costume e a lei permite falar em costume, ou fonte do direito, secundum legem. Há divergência doutrinária quanto ao significado desta espécie. Para alguns ela se caracteriza quando a prática social corresponde à lei. Não seria uma prática social ganhando eficácia jurídica, mas a lei introduzindo novos padrões de comportamento à vida social e que são acatados efetivamente. Por isso alguns autores negam sua existência, sob o fundamento de que não se trata de norma gerada voluntariamente pela sociedade, mas uma prática decorrente da lei, assim, constitui-se em prática social que concorda com a lei.
b) Costume contra legem
É o costume negativo ou contra legem. Tecnicamente a doutrina nacional recusa esta possibilidade, fundando-se no art. 2o da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC): “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. Apesar disso conhecem-se inúmeros exemplos de costumes contra legem que acabam por se impor na prática judiciária FERRAZ, op. cit., p. 242-3..
O costume contra legem é encontrado quando a prática social contraria as normas de direito escrito. Existe divergência doutrinária quanto à sua validade. Seria o caso do costume revogatório, implicitamente revogador das disposições legais, ou do desuso, que produz a não aplicação da lei, uma vez que a lei passa a ser letra morta. Norma-origem, a norma consuetudinária constitui séries de normas derivadas, com força própria, inclusive com efeitos revogatórios. 
É exemplo de costume contra legem o uso de cheque pós-datado, uma vez que, o tratado que regula a emissão de cheque determina que este é uma ordem de pagamento à vista. Desse modo, quando o emissor fixa outra data que não a da emissão para recebimento do título o faz sem a proteção da lei. Assim, se o receptor apresentá-lo à instituição financeira, mesmo fora da data combinada, havendo recursos, essa efetuará o pagamento. Isso porque, embora a sociedade aceite o cheque como ordem de pagamento a prazo o ordenamento jurídico não reconhece esse uso Questão: ao ser pós-datado, um cheque deixa de constituir um título de crédito? Pelo pensamento formalista, aqueles que entendem que sim, afirmam que ao se pós-datar um cheque (situação não prevista na lei) este perde as características de título de crédito, e não pode ser cobrado por meio de ação de execução, restando somente ao receptor propor ação de cobrança (a qual possui um procedimento próprio). Mesmo esses autores, porém, reconhecem que tudo que está escrito no documento deve ser considerado na sua interpretação. Assim, essa inscrição pode ser utilizada como argumento de que não houve má-fé na emissão de cheque sem fundos, apenas um infortúnio comercial, o que descaracterizaria o ilícito penal (crime). Para aqueles que interpretam o direito a partir de uma visão social tendem a considerar que, à luz da prática comercial, embora não seja previsto na lei a possibilidade de um cheque não representar uma ordem de pagamento à vista, ainda assim, a situação de ser pós-datado não afeta a sua exigibilidade..
Alguns autores, argumentam que embora o costume não possa revogar lei, os juízes podem se recusar a cumprir uma lei que não possua mais eficácia social, uma vez que, o art. 5º da LICC determina que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Todavia, a grande maioria dos autores rejeita o costume contra legem por entendê-lo incompatível com a tarefa legislativa do Estado e com o princípio de que as leis só se revogam por outras. Trata-se, na verdade, de problema de natureza política e não jurídica, pois se trata de uma questão de colisão dos poderes legislativo e judiciário.
c) costume praeterlegem
Há costumes que não se opõem à lei, mas disciplinam matérias que a lei não conhece. Destes se dizem ser praeter legem. Sua importância para o preenchimento de lacunas da lei é primordial, conforme prescreve o art. 4o. da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) FERRAZ, op. cit., p. 243.. 
Nessa espécie encontra-se a verdadeira fonte subsidiária do direito, uma vez que é aplicada supletivamente, completando a lei. O art.s 4o. da LICC dispõe: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Este tipo de costume está previsto na lei, que reconhece sua eficácia obrigatória. No nosso direito pode-se citar como exemplos: art. 588, par. 2o., art. 1.218, art. 1219, art. 1.242 e art. 1.569, I, todos do Código Civil de 1916.
Exercício
	O que é costume?
	Como se origina um costume?
	Quais são os elementos do costume?
	Costume é fonte do direito? Explique.
	Estabeleça as diferenças entre lei e costume.
	O que são costumes praeter legem, contra legem e secundum legem?
	Em que medida os costumes possuem validade dentro do ordenamento jurídico?
	Comente o princípio “iura novit curia” (os juízes conhecem o direito). 
Para saber mais
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. (Volume I: Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil)
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: RT, 1997.

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