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1 Conceito de Jurisdição De fato, o exercício da jurisdição não solucionaria o conflito de interesses instaurado, apenas o tornaria juridicamente irrelevante. Nesse sentido, são as críticas de Calamandrei e de Liebman, que afirmam que a lide só entra no processo se for apresentada ao juiz, e, ainda assim, com as feições que o autor a descreveu no seu pedido, que nem sempre correspondem à realidade dos fatos. Assim, a lide pertenceria, nas palavras de Calamandrei1(1999, p.31), “ao mundo sociológico, não ao jurídico”, e poderia existir, portanto, processo sem lide, que seria elemento acidental e não essencial para a sua instauração. Tal é o posicionamento defendido por Afrânio Silva Jardim2, segundo o qual, admitindo-se a possibilidade de atividade jurisdicional sem conflito de interesses (sem lide), isto é, sem uma efetiva oposição do réu à pretensão autoral, o elemento essencial da jurisdição seria a pretensão manifestada em juízo, sendo sua função a satisfação dessa pretensão. É de ressaltar ainda o didático conceito de Ada Pellegrini Grinover, segundo o qual a jurisdição (...) é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha tal função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o conceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada) (GRINOVER, DINAMARCO e CINTRA, 2004, p. 131). 1 CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Traducão: Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandes Barbery. São Paulo: Bookseller, 1999, p. 31. 2 Segundo o autor, a consideração de que a lide seria elemento essencial do processo civil e acidental do processo penal muito dificultou a formulação de uma teoria geral do processo; no entanto, à vista do entendimento por ele expressado, torna-se possível a elaboração de uma teoria unitária e que recebe, inclusive, apoio da doutrina majoritária. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. 2 Por fim, é necessário fazer referência à obra de Luiz Guilherme Marinoni (2005), que vem retomando a ideia de um processo civil constitucionalizado, revendo os conceitos tradicionais de jurisdição apresentados pelos mestres italianos. Em trabalho disponibilizado na internet, que também integra a obra referida na nota anterior, o autor assim resume seu pensamento: Diante da transformação da concepção de direito, não há mais como sustentar as antigas teorias da jurisdição, que reservavam ao juiz a função de declarar o direito ou de criar a norma individual, submetidas que eram ao princípio da supremacia da lei e ao positivismo acrítico. O Estado constitucional inverteu os papéis da lei e da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser compreendida a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. Expressão concreta disso são os deveres de o juiz interpretar a lei de acordo com a Constituição, de controlar a constitucionalidade da lei, especialmente atribuindo-lhe novo sentido para evitar a declaração de inconstitucionalidade, e de suprir a omissão legal que impede a proteção de um direito fundamental. (...) O direito fundamental à tutela jurisdicional, além de ter como corolário o direito ao meio executivo adequado, exige que os procedimentos e a técnica processual sejam estruturados pelo legislador segundo as necessidades do direito material e compreendidos pelo juiz de acordo com o modo como essas necessidades se revelam no caso concreto. (...) O juiz tem o dever de encontrar na legislação processual o procedimento e a técnica idônea à efetiva tutela do direito material. Para isso deve interpretar a regra processual de acordo, tratá-la com base nas técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto e suprir a omissão legal que, ao inviabilizar a tutela das necessidades concretas, impede a realização do direito fundamental à tutela jurisdicional. Fonte: MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado constitucional. Jus Navigandi, Teresina, n. 635, 4 abr. 2005b. Disponível em: < https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjdn7Hu kfPKAhVIQ5AKHYpYBoMQFggcMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.marinoni.adv.br%2Ffiles_%2FA%2520JURISDI%25C3%258 7%25C3%2583O%2520NO%2520ESTADO%2520CONSTITUCIONA1.doc&usg=AFQjCNEr8emByuPsl5edA6uFMchakI92Fg&sig 3 2=2WC5U_g-FRwLOvqMR6CMog&bvm=bv.114195076,d.Y2I >. Acesso em: 19 fev. 2016. Como se pode perceber, sem maiores dificuldades, é impossível conceber, nos dias atuais, a atividade jurisdicional divorciada dos princípios constitucionais, especialmente do acesso à Justiça e da dignidade da pessoa humana. É o que denominamos Teoria da Jurisdição Constitucional. Qualquer que seja o resultado do processo, se todas as garantias tiverem sido perfeitamente observadas, pode-se dizer que haverá um processo justo.
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