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600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 1 www.cursoenfase.com.br Sumário 1. Introdução ................................................................................................................. 2 2. Direitos Reais: noções gerais ..................................................................................... 3 3. Da Posse (1.196 a 1.224 do CC/02) ........................................................................... 7 3.1. Caracteres da posse ............................................................................................ 8 3.2. Distinção entre posse ad interdicta e posse ad usucapionem .......................... 18 3.3. Posse versus detenção ...................................................................................... 25 3.3.1. Hipóteses de detenção .............................................................................. 25 3.4. Posse precária ................................................................................................... 32 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 2 www.cursoenfase.com.br 1. Introdução O tema de hoje é direito das coisas, que consta do Livro III da Parte Especial do Código Civil. Sobre o assunto, o professor dará uma visão compacta do conteúdo, focando em alguns temas principais, de modo que se possa ter uma visão geral e, em outros pontos, uma visão um pouco mais aprofundada, sobretudo no que diz respeito àqueles abordados com maior frequência em provas. Nesse sentido, o Título I trata da posse, e o Título II trata dos direitos reais, a partir do artigo 1.225 do CC/02. Essa divisão que é feita pelo Livro III da parte especial, em separar posse no Título I e direitos reais no Título II, já coloca em destaque uma antiga controvérsia acerca da posse: se estaria incluída ou não no rol de direitos reais (se teria a posse natureza jurídica de direito real ou se teria outra natureza). Isso será visto mais detalhadamente em momento futuro. Antes, importa tratar dos direitos reais da forma mais genérica (disposições gerais), para depois dar-‐se tratamento específico ao direito de posse (ou da posse – para aqueles que entendem que a posse não é um direito), e aí discutir o enquadramento, ou não, a sujeição -‐ ou não, da posse aos requisitos gerais aplicáveis aos direitos reais. Além de tudo isso, é relevante mencionar que a Medida Provisória nº 700 de 09/12/2015 criou um novo direito real, introduzindo-‐o ao rol do artigo 1.225 do CC/02.1 1 Art. 1.225. São direitos reais: I -‐ a propriedade; II -‐ a superfície; III -‐ as servidões; IV -‐ o usufruto; V -‐ o uso; VI -‐ a habitação; VII -‐ o direito do promitente comprador do imóvel; VIII -‐ o penhor; IX -‐ a hipoteca; X -‐ a anticrese. XI -‐ a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) I -‐ a propriedade; II -‐ a superfície; III -‐ as servidões; IV -‐ o usufruto; V -‐ o uso; VI -‐ a habitação; VII -‐ o direito do promitente comprador do imóvel; VIII -‐ o penhor; IX -‐ a hipoteca; X -‐ a anticrese. XI -‐ a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) XII -‐ a concessão de direito real de uso. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) XII -‐ a concessão de direito real de uso; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 700, de 2015) XIII -‐ os direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas e respectiva cessão e promessa de cessão. (Incluído pela Medida Provisória nº 700, de 2015) Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição. 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 3 www.cursoenfase.com.br 2. Direitos Reais: noções gerais Ao lado dos direitos obrigacionais,os direitos reais são tidos como parte relevantíssima integrante dos direitos ditos patrimoniais. Os direitos civis de conteúdo patrimonial se subdividem em direitos pessoais/obrigacionais e direitos reais. As características dos direitos reais são bem diferentes das características dos direitos obrigacionais, especialmente pela eficácia, uma vez que as obrigações ordinariamente operam seus efeitos inter partes, enquanto que os direitos reais, por característica geral, têm sua eficácia, sua oponibilidade, erga omnes. Observação1: para toda a análise do professor, ele usará o exemplo do direito de propriedade, considerado um direito real por excelência, do qual se desdobram todos os outros reais. Ao se analisar a estrutura da relação jurídica de direito real, é possível identificar bem as distinções entre direito das obrigações e direitos reais. Nos direitos reais, o sujeito ativo, titular do direito real (exemplo: propriedade), tem, na forma do caput artigo 1.228, o poder de usar, fruir, dispor e o direito de reaver a coisa de quem quer que a possua ou a detenha. Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-‐la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Perceba-‐se que o artigo 1.228 não diz que o sujeito ativo tem um direito a uma prestação a ser desempenhada por um devedor determinado. O que caput do artigo diz é que o sujeito ativo (proprietário) tem sobre a coisa, objeto de sua propriedade, poderes imediatos e não poderes intermediados pela outra parte. Tem-‐se, portanto, em razão da propriedade, poderes imediatos sobre a coisa objeto de tal poder. Diferentemente é o direito obrigacional, cujo direito do credor é o de exigir do devedor uma conduta, o direito de exigir uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Nos direitos reais, o titular do direito real exerce ao menos um dos poderes inerentes à propriedade e os exerce imediatamente sobre a coisa, sem a necessidade da intermediação de uma prestação. No direito das obrigações o sujeito passivo é uma pessoa determinada, afinal, dela se exigirá que execute a prestação. Não é possível exigir de qualquer pessoa a obrigação, mas somente daquela que deve. Então, existe uma determinação do sujeito passivo a quem se atribuirá um débito e a consequente responsabilidade. Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 4 www.cursoenfase.com.br Nos direitos reais, a situação funciona de forma diversa, porque em princípio o proprietário não depende de outrem, pois para que possa exercer os poderes que advêm da propriedade ele não precisa da intermediação de terceiro. Assim, ele pode exercer os poderes imediatamente sobre a coisa sem a necessidade de um sujeito passivo. No passado, chegou-‐se a suscitar, nesse ponto, que não haveria uma relação jurídica entre o titular do direito e um sujeito passivo (pessoa – sujeito de direito), mas uma relação jurídica entre a própria coisa e a pessoa. Quer dizer, haveria, então, uma relação entre o titular do direito e o objeto. No entanto, essa visão foi superada na medida em que a ideia de relação jurídica é a ideia de conexão entre entes personificados ou não, isto é, entre sujeitos e não entre pessoas e objetos. Superou-‐se tal visão sob o entendimento de que haveria sim, dentro da relação jurídica de direito real, um sujeito passivo, porém, tal sujeito passivo, a priori, seria um sujeito passivo indeterminado, um sujeito passivo universal, de forma que todos ocupariam o polo passivo dessa relação. Ou seja, toda coletividade estaria ocupando o polo passivo da relação jurídica de direitoreal, uma vez que este seria oponível contra todos. Haveria, com isso, uma sujeição coletiva, um sujeito passivo indeterminado, um sujeito passivo universal, bem como haveria uma eficácia erga omnes desse direito a impor a todos um dever geral de conduta. Ø Que dever geral é esse? Resposta: um dever de abstenção e tolerância. Todos teriam o dever de abstenção em relação a interferências indevidas na propriedade alheia, bem como um dever geral de tolerância ao exercício regular do direito de propriedade alheia. Observação2: reitere-‐se que o professor está usando o exemplo do direito de propriedade, mas poderia ser outro direito real. A conclusão é que haveria dessa forma um sujeito passivo; contudo, indeterminado, coletivo e universal. Alguns autores, minoritariamente, defendem que não haveria uma relação jurídica, mas apenas uma situação jurídica. Situação jurídica é a posição individualmente considerada, ou seja, a posição que o sujeito de direito individualmente ocupa é uma situação jurídica. Quando houver a correlação de situações jurídicas de sujeitos diferentes a relação é estabelecida através de um vínculo. Nesse ponto, para alguns autores, num primeiro momento, os direitos reais estabelecem apenas uma situação jurídica individual oponível erga omnes, mas que só se tornaria uma relação jurídica na medida em que o sujeito passivo (alguém da coletividade) 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 5 www.cursoenfase.com.br viesse a estabelecer um vínculo efetivo com o titular do direito, seja um vínculo por ato ilícito, seja por negócio jurídico. Esses autores entendem que seria mera ficção jurídica imaginar que alguém que sequer conhece o titular do direito real estaria sujeito aos efeitos da propriedade deste, sem saber ao menos se o objeto da propriedade existe ou se o titular do direito existe. Nesse momento, existiria somente uma situação individual a se considerar e que poderia futuramente ser oposta a quem viesse com o titular do direito real se relacionar. Não obstante isso, a posição majoritária enxerga nesse contexto uma relação jurídica, porém uma relação jurídica de caráter absoluto que tem como sujeito passivo toda a coletividade e a quem se impõe o dever geral de conduta, conferindo-‐se eficácia erga omnes ao direito real. Veja-‐se, portanto, sua diferença em relação ao direito obrigacional, que é relação jurídica de caráter relativo, pautada na pessoalidade, sujeito passivo determinado, dever individual (débito – dever de prestação) e eficácia inter partes. Nessa perspectiva, estruturalmente, a relação de direito obrigacional e a relação de direito real são diametralmente opostas. Ocorre, no entanto, que, para que essa relação jurídica tenha caráter absoluto, abrangendo no polo passivo toda a coletividade, é indispensável que a lei tenha tipificado tal direito e reconhecido a ele tais características. Não poderiam as partes, por meio de sua autonomia privada, criar modalidades de direitos e pretender sujeitar toda a coletividade à eficácia desses direitos atípicos. Assim, diferem das obrigações, pelas quais permite-‐se constituir contratos atípicos, criando modalidades não previstas em lei (até porque seus efeitos ficarão ordinariamente adstritos às próprias partes). Já os direitos reais, por terem oponibilidade erga omnes, sujeitando toda coletividade no polo passivo, precisam ser reconhecidos anteriormente pelo legislador como tendo tal característica. Então, é a lei que vai conferir ao direito a qualidade de direito real, não a vontade das partes que fará isso. À vista disso, o direito é de natureza real se a lei assim conferir, havendo, pois, a necessidade de se observar a tipicidade. Não há dúvida de que os direitos reais deverão ser típicos, não se admitindo direitos reais não previstos na norma. Entretanto, há divergência se o rol do artigo 1.225 do CC/02 seria ou não um rol taxativo. Há consenso quanto à tipicidade dos direitos reais; há, contudo, dissenso sobre se o rol do artigo 1.225 do CC/02 seria, ou não, um rol taxativo. Por exemplo, tal artigo não menciona a posse pura e simples. Não há referência à posse como direito real. Mas predomina na doutrina o reconhecimento da posse como sendo um dos direitos reais. Em que pese as divergências, a posição que tem prevalecido é a de reconhecimento da posse como tendo natureza jurídica de direito real ou, pelo menos, 600.03 DireitoCivil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 6 www.cursoenfase.com.br natureza jurídica mista, podendo ter natureza real. Nessa linha, o artigo 1.225 não seria um rol taxativo, ainda que os direitos reais sejam típicos, pois pode ser que esses direitos estejam encartados no artigo 1.225 ou previstos em outros dispositivos legais. O rol seria, dessa maneira, exemplificativo, e não taxativo. Não há consenso nessa questão, principalmente por conta da natureza jurídica da posse. Em suma, em linhas gerais: 1) o sujeito ativo tem poder imediato sobre a res (coisa), daí a expressão direito das coisas e direitos reais; 2) o sujeito ativo tem um direito oponível erga omnes, já que todos ocupariam o polo passivo da relação, sendo o sujeito passivo indeterminado (toda coletividade); 3) impõe-‐se à coletividade um dever geral de conduta, dever geral de abstração e de tolerância; 4) a relação jurídica que se forma é uma relação de caráter absoluto, justamente pela sujeição de outros e há a necessidade de atender a característica da tipicidade. Com base em tudo isso, há três outros aspectos a se considerar nos direitos reais, que são características que podem variar um pouco em relação ao direito em questão. Porém, genericamente, em relação ao direito de propriedade, há nele a presença de: aderência, ambulatoriedade e sequela. São três outras características que ordinariamente, nos direitos obrigacionais, não existem. ü Aderência O direito de propriedade adere ao objeto, diferente das obrigações, onde se tem o direito de exigir, de cobrar uma pessoa determinada para que ela cumpra uma prestação. Nos direitos reais, o direito adere ao próprio objeto sobre o qual se exerce o poder. Daí, se esse objeto circular, o direito do seu titular o acompanha (ambulatoriedade/movimento). ü Ambulatoriedade O direito adere à coisa e acompanha a coisa. Em sede de obrigações propter rem, a ambulatoriedade adere ao direito sobre a coisa e acompanha o direito e não a coisa em si. Em sede de direito real, este adere à coisa e acompanha a coisa. E porque acompanha a coisa, nela se esgota, de maneira tal que se ela desaparecer, o direito sobre ela desaparece. Se a coisa perecer, se extinguir, o direito real constituído sobre ela perece e se extingue. Existe exceção: o fato de alguns direitos serem dotados de sub-‐rogação real, mas tal exceção apenas confirma a regra. Exemplo: a hipoteca que pode se sub-‐rogar na indenização ou na cobertura securitária, se houver. Daí haveria uma substituição da garantia, que era a coisa, pela 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 7 www.cursoenfase.com.br indenização paga pela coisa. Mas vale dizer que, a rigor, perecendo o objeto, o direito que a esse objeto aderiu e que sobre esse objeto especificamente recaia deixa de existir. ü Sequela A sequela consiste no poder de reivindicar a coisa, de reaver a coisa, de perseguir a coisa com quem quer que esteja, dando, aliás, esse viés de oponibilidade erga omnes. É possível que se persiga a coisa, que se haja de quem a injustamente a possua ou detenha. A sequela proporciona ao titular do direito essa oponibilidade/eficácia erga omnes (parte final do artigo 1228). Observação: esse poder de sequela, embora previsto no artigo 1.228 para o direito de propriedade, estende-‐se a outros direitos reais que sejam igualmente compatíveis com essa ideia. Quer dizer, outros direitos reais também são dotados de possibilidade de persecução e reivindicação. Havia uma ideia ultrapassada de que a reivindicatio só caberia ao proprietário, mas como se disse, essa ideia não é mais a que predomina. A ideia prevalente é a de que os direitos reais, uma vez dotados de sequela, possibilitam ao seu titular esse tipo de persecução da coisa, mesmo que o fundamento eventualmente seja o direito real de aquisição, de usufruto ou de superfície e, não necessariamente, o direito de propriedade. Portanto, é factível perseguir a coisa de quem injustamente a possua ou a detenha através de uma ação de natureza real (reipersecutória), mesmo que não seja proposta pelo titular da propriedade em si, mas sim de um outro direitoreal que possibilita ao titular reaver a coisa. Vale repisar: aderência, ambulatoriedade e sequela são características que não se encontram presentes nas obrigações. Quando muito, na obrigação propter rem é possível enxergar a aderência e a ambulatoriedade. 3. Da Posse (1.196 a 1.224 do CC/02) A posse é tratada a partir do título I, do Livro III, da Parte Especial do Código Civil, entre os artigos 1.196 a 1.224. Art. 1.196. Considera-‐se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Pela leitura do dispositivo depreende-‐se a possibilidade de se ter apenas em parte os poderes da propriedade. Então, aquele que de fato tem sobre a coisa ao menos um dos poderes inerentes à propriedade, seja no todo ou em parte, será considerado possuidor. 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 8 www.cursoenfase.com.br A título de antecipação, para a caracterização da posse, o artigo 1.196 ainda é incompleto, porque não traz todos os caracteres para que se possa identificar o possuidor. Assim, é necessário complementar tal preceito com o que dispõe o artigo 1.204: Art. 1.204. Adquire-‐se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Ao se fazer um paralelo entre o artigo 1.196 e o artigo 1.204, há um elemento neste que não se encontra presente naquele, que é o “em nome próprio”. Note-‐se: o indivíduo só será considerado possuidor se o exercer em nome próprio. Então, a definição de posse passa pela análise desses dois artigos. A par dessas premissas, a posse pode ser definida como sendo o exercício de fato em nome próprio, no todo ou em parte, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade, isto é, o uso, a fruição ou a disposição. Verifica-‐se por tal definição que a posse confere ao seu titular poder imediato sobre a coisa. Aliás, o poder imediato sobre a coisa é que faz o indivíduo ser possuidor. Se não houver esse poder sobre a coisa, o sujeito não é possuidor. O que caracteriza o indivíduo o possuidor é o exercício desse poder em nome próprio. A partir dessa definição é possível extrair os caracteres. Ø Quais os caracteres, os requisitos para que se reconheça a posse? Quais os requisitos para que se reconheça o sujeito, a qualidade de possuidor? 3.1. Caracteres da posse Os caracteres da posse variarão conforme a teoria adotada. Quer dizer, de acordo com a teoria acolhida é possível ter diferentes requisitos caracterizadores da posse. O código de 1916, por exemplo, não era muito claro a respeito de qual teoria teria abraçado, pois além do poder exercido em nome próprio, havia referências à necessidade do animus domini (intenção de ser o dono da coisa) como sendo também um elemento caracterizador, o que levava a doutrina e a jurisprudência a divergir se o Código de 1916 teria se filiado à teoria subjetiva ou à teoria objetiva da posse. Em seguida, aborda-‐se as duas teorias, mas importa frisar de antemão que o Código de 2002 já resolveu a questão. • Teoria subjetiva de Savigny A teoria subjetiva atribuída a Savigny estabelecia como caracteres: 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 9 www.cursoenfase.com.br 1) Corpus, assim compreendido como poder físico sobre a coisa e exercido pelo próprio possuidor ou por preposto seu como longa manus. Segundo o professor, essa questão do poder físico é complicada porque geralmente levaria a uma ausência de posse se ninguém estiver exercendo momentaneamente o poder sobre a coisa, nem pessoalmente, nem através de preposto. Criava, pois, hiatos de poder. 2) Animus Domini, ou seja, o exercício da posse com a intenção de dono. Ø Mas o que é exercer a posse com a intenção de dono? Resposta: antes é preciso deixar claro que exercer a posse com o desejo de ser dono é outra coisa, não abarcada pelo âmbito jurídico. Exemplo: o professor foi fazer uma viagem à Itália e resolveu alugar um daqueles carros conversíveis para fazer um passeio em Toscana, mas ele possui um enorme desejode ser dono daquele carro. Porém, esse desejo é absolutamente irrelevante, uma vez que não passa disto: desejo. No comportamento no professor não está o exercício objetivo da intenção de dono, o exercício exterior da qualidade de dono. Ø Qual é esse exercício exterior da qualidade de dono que vai abarcar o desejo do animus domini? Resposta: o comportamento exterior que vai ser o divisor entre o mero desejo e o animus domini é o comportamento que os mais experimentados viam num comercial de TV, que mostrava uma tesourinha que uma das crianças segurava e dizia: – eu tenho e você não tem. Ou seja, a ideia é justamente essa, a excludendi alios, exclui-‐se todas as pessoas porque um tem e os outros. Desse modo, animus domini é o comportamento exterior de exclusão de todos. No exemplo do aluguel do automóvel, o professor não adotou o comportamento excludendi alios por uma razão simples: ele reconheceu o direito do locador, uma vez que pagou os alugueis e observou as regras do jogo. Com isso, não há exclusão do direito do locador, pelo contrário, há reconhecimento do direito. Se houver o reconhecimento do direito do dono, não há animus domini, e sim posse precária. A posição de poder é limitada no reconhecimento do direito do outro sobre a coisa. É fundamental que se tenha o comportamento objetivo excludente representativo do animus domini, pois senão fica no campo do desejo, o desejo interno sem eficácia jurídica. Portanto, é preciso do corpus e do animus domini. A teoria subjetiva de Savigny acabava por excluir a posse precária, pois esta, à luz de tal teoria, não é posse, mas mera detenção. Isso porque se o indivíduo exerce poder por 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 10 www.cursoenfase.com.br derivação negocial do direito do outro e respeitando o direito dentro de dado contexto negocial, o outro é possuidor e você mero detentor, equiparando-‐se a um longa manus do outro. Essa posição da teoria subjetiva colocava no mesmo pacote o locatário, o comodatário, o empregado, visto que todos eram equiparados a meros detentores, na medida em que a ausência de animus domini dessas pessoas os fazia como tal. Consequentemente, locatário, comodatário, depositários, usufrutuários não tinham tutela possessória, pois tal tutela seria em favor do dono. Eles tinham no máximo legítima defesa de terceiro, a possibilidade de exercer uma autotutela em favor de terceiro, uma legítima defesa em favor de terceiro. Essa posição, por conta do Código de 1916, contaminou a jurisprudência brasileira durante muito tempo, tanto que até hoje existem decisões judiciais que são reflexo disso, dizendo que a posse precária não é posse, mas mera detenção. Mas, explica o professor, que a posse precária só é mera detenção para a teoria subjetiva (Savigny), pois posse precária é posse de quem não tem animus. Por conseguinte, se o animus é um caractere indispensável, então quem não o tem não é possuidor, mas mero detentor. Não há nenhuma referência à teoria subjetiva entre os artigos 1.196 a 1.224 do Código de 2002. Em outras palavras, observando-‐se os artigos 1.196 e 1.204 não há a presença de nenhum elemento subjetivo. Importa dizer que exercício “em nome próprio” não é exercício com animus domini, pois o legislador quis dizer que se deve exercer em proveito próprio e não com a coisa própria. Em nome próprio significa que o sujeito não está cumprindo ordens, mas exercendo por direito próprio. Ø Esse direito próprio precisa ser pleno como dono? Resposta: não necessariamente, tanto que o próprio artigo 1.196 diz que pode ser o exercício pleno, ou não, contanto que se exerça não como servo ou empregado, mas se exerça por direito próprio. É o que acontece com o locatário, dentro das regras contratuais, mas com direito próprio. Tanto é assim que o locatório pode expulsar o locador que abusivamente tenta esbulhar a posse. O comodatário exerce por direito próprio, até porque ele pode se insurgir contra uma ação de reintegração, já que o contrato lhe assegura o direito de continuar na posse até o término do prazo determinado. Ou seja, os direitos são exercidos em nome próprio, apesar de não serem exercidos como dono. Ø Qual direito? Resposta: o direito de posse (do direito decorrente da relação jurídica que no caso se estabeleceu). Daí se reconhece que o Código atual adotoua teoria objetiva da posse. 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 11 www.cursoenfase.com.br • Teoria objetiva (Ihering) Pela teoria objetiva, os caracteres da posse seriam: 1) corpus, só que aqui o corpus precisa ser mais elástico, porque se for o poder físico exercido pelo próprio indivíduo ou através de longa manus, isso inviabiliza que o dono continue possuidor, enquanto o locatário o é. Isso impossibilitaria que o comodante continue possuidor, enquanto o comodatário o seja. Então, o corpus tem que ser mais elástico para abranger também a possibilidade de posse indireta. Com isso, passa a ser o poder físico (posse direta) e/ou poder jurídico (posse indireta). Se houver ao menos um dos poderes inerentes à propriedade e for possível exercê-‐lo de forma plena, ou não, fisicamente ou juridicamente, o sujeito é possuidor. Assim, é possível ser possuidor por conta da presença do poder físico (posse direta) ou do poder jurídico (posse indireta). Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. Em suma, tanto o possuidor direto é tido por possuidor (já que pode exercer a sua posse contra o possuidor indireto), como o possuidor indireto não perde a posse, visto que o artigo diz que exercer o poder físico não anula a posse indireta, caso essa cessão seja temporária e com dever de restituição. Em remate, passa-‐se a ter um corpus mais elástico. 2) Affectio Tenendi, que é o que Caio Mário chama de exercício em nome próprio, não o ânimo de dono, diferenciando-‐o do fâmulo da posse ou servo da posse. Assim, é aquele mero longa manus de outrem. Art. 1.198. Considera-‐se detentor aquele que, achando-‐se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. O indivíduo desse dispositivo não é o locatário, não é o comodatário, não é o usufrutuário, tampouco o depositário. Em relação ao depositário existe uma divergência, mas o entendimento predominante é de que não seja. Eles não são porque não exercem a posse por ordens ou instruções do outro ou em nome do outro. Eles exercem a posse em nome próprio, para proveito próprio, dentro de um contexto negocial em razão de um direito pessoal (exemplo: locação, comodato) ou em razão de um direito real (exemplo: usufruto, uso, habitação) concedido por desdobramento da posse, o que permite que um exerça a posse direta, enquanto o outro conserva a posse indireta. Tem-‐se, aqui, uma situação em que há dois possuidores sobre a mesma coisa e ao mesmo tempo. Ø O que é isso? 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 12 www.cursoenfase.com.br Resposta: não é composse. Composse ocorre quando há duas pessoas exercendo a mesma posse, ao mesmo tempo, sobre a mesma coisa. Como no caso acima as posses não são as mesmas, uma direta e outra indireta, tem-‐se a posse paralela. Os poderes são diferentes. Não se trata da posse com os mesmos elementos de poder, visto que são posses diferentes. Uma contém o poder físico enquanto a outra conserva o poder jurídico. Eles exercem simultaneamente sobre a mesma coisa, mas não detêm os mesmos poderes. Na composse (artigo 1.199), tem-‐se sobre o mesmo objeto indiviso mais de uma pessoa exercendo a mesma posse. Exemplo: dois locatários é uma composse sobre uma posse direta. Dois locadores possuem composse em relação à posse indireta. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-‐se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-‐se detentor, até que prove o contrário. Síntese: 1) duas posses simultâneas sobre a mesma coisa, porém com qualidades ou características diferentes: posses paralelas. 2) duas posses paralelas sobre a mesma coisa indivisa e qualitativamente iguais: estado de composse. 3) a conclusão é que sou possuidor quando tenho corpus somado de affectio tenendi, não sendo preciso que setenha animus domini para seja reconhecido possuidor. Logo, o possuidor direto é possuidor. Logo, a posse precária é posse, embora ela tenha alguns efeitos diversos, particulares. Ela não é uma posse por uso ad usucapionem, não é uma posse autorizadora de usucapião. Mas isso é assunto para uma outra conversa. Isso é uma discussão a ser enfrentada no âmbito do ius possidendi, ou seja, para saber se há, no caso, propriedade ou não. Na seara meramente possessória, para saber se alguém é possuir ou não, basta a affectio tenendi, basta que a posse seja ad interdicta. Então de fato a posse precária não é ad usucapionem, mas é ad interdicta, pois ao possuidor precário direto se confere proteção possessória; o que não se confere é usucapião. • Teoria social da posse Na verdade várias são as teorias sociais, mas o professor irá concentrar a lógica em apenas uma delas. Diversos autores sustentam essa teoria social da posse. Para a teoria os caracteres da posse são: 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 13 www.cursoenfase.com.br 1) Corpus, com a mesma compreensão de corpus que se reconhece na teoria objetiva; 2) Affectio tenendi, com a mesma ideia de exercício em nome próprio que se reconhece na teoria objetiva; 3) Função social da posse. Para as teorias sociais da posse, melhor posse é aquela que cumpre uma função social, logo, a tutela possessória estaria condicionada ao reconhecimento da função social. Os defensores desta teoria encontram fundamento na própria Constituição Federal, que, ao exigir a função social da propriedade, estaria também exigindo função social da posse. Então, quando no artigo 5º se reconhece o direito à propriedade privada, mas se exige que essa propriedade privada cumpra uma função social, ali também se estaria exigindo que a posse cumpra uma função social. XXIII -‐ a propriedade atenderá a sua função social; Observando-‐se, contudo, a letra da lei no âmbito da tutela possessória (que vai do artigo 1.196 ao artigo 1.224 do código civil), não se tem referência à função social. Há muita referência sobre função social no código civil, mas não no estudo da posse. Não obstante, há alusão à função social da posse no estudo da propriedade. Isso porque a função social irá aparecer como um acelerador da aquisição da propriedade, um elemento que vai facilitar a sua aquisição. Então, no campo do direito petitório, do direito de propriedade, tem-‐se nos §§ 4º e 5º do artigo 1.228 do CC referência à função social da posse como justa causa para a expropriação social. Portanto, os §§ 4º e 5º do artigo 1.228 vão fazer referência à função social da posse como requisito para a expropriação social. § 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-‐fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. No parágrafo único do artigo 1.238 do CC, tem-‐se referência à função social da posse para redução do prazo da usucapião, ou seja, requisito que acelera a usucapião. Há de lembrar que usucapião é domínio, não é mera posse. O que se discute é a aquisição da propriedade. Não se está discutido posse pura e simples. Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-‐lhe a propriedade, independentemente de título e boa-‐fé; 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 14 www.cursoenfase.com.br podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-‐se-‐á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráterprodutivo. No artigo 1.239 do CC, por sua vez, a função social da posse é fundamento para a usucapião rural. Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-‐a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-‐lhe-‐á a propriedade. No artigo 1.240, a função social é fundamento da usucapião urbana. Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-‐a para sua moradia ou de sua família, adquirir-‐lhe-‐á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Ainda, no artigo 1.240-‐A, a função social é fundamento da usucapião familiar. Art. 1.240-‐A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-‐cônjuge ou ex-‐ companheiro que abandonou o lar, utilizando-‐o para sua moradia ou de sua família, adquirir-‐lhe-‐á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) No parágrafo único do artigo 1.242, a função social é requisito para redução do prazo na usucapião extraordinária. Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-‐fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Por fim, no parágrafo único do artigo 1.255 do CC, a função social é fundamento para a aquisição da propriedade por acessão inversa. 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 15 www.cursoenfase.com.br Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-‐fé, terá direito a indenização. Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-‐fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo. Veja, portanto, que em várias passagens do Código o legislador faz expressa alusão à função social da posse. Todavia, faz referência à função social da posse como um requisito não para a mera tutela possessória, mas como um requisito petitório, como uma forma de aquisição ou da facilitação ou de aceleração para a aquisição da propriedade. Por outro lado, quando se olha para o título da posse e para a questão possessória, tutela possessória pura sem imiscuir-‐se na aquisição ou no domínio, a função social da posse não foi mencionada expressamente. Em que pese o silêncio, os defensores da teoria social da posse sustentam que esta só seria merecedora de tutela na medida em que, comprovadamente, cumprisse uma função social. O professor traz exemplo de concurso público, sem ser da área federal, a fim de facilitar a organização das ideias de qual seria a diferença entre a adoção da teoria objetiva e a adoção da teoria social no plano possessório puro. No concurso para o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, cobrou-‐se do candidato, numa questão discursiva, o seguinte: O candidato deveria opinar relativamente a um fato possessório e a sua opinião deveria ser a favor e contra a decisão proferida. Quer dizer, deveria trazer os argumentos favoráveis à decisão e contrários à decisão. A decisão era a seguinte: “Um casal proprietário de uma fazenda em área rural sofreu a invasão de tal área por um grupo de famílias. Essas famílias imediatamente à invasão estabeleceram a sua moradia e iniciaram o cultivo da terra. O casal ingressa, dentro do prazo de 1 ano e 1 dia, com a ação de reintegração de posse com pedido liminar, comprovando ab initio o seguinte: 1) que tinham a posse anterior, ou seja, que a coisa estava em seu poder físico (corpus) e em nome próprio (affectio tenendi) antes do esbulho; 2) que o esbulho é recente e com menos de 1 anoe 1 dia. Enfim, argumentam que ficou comprovado na inicial os três elementos: corpus, affectio tenendi e tempo (menos de 1 ano e 1 dia). O juiz ao apreciar a liminar inaldita altera parte, como determina a legislação processual, deu a seguinte decisão: “indefiro por ora a liminar requerida por falta de prova de função social (falta de prova de que os autores exerciam antes uma posse 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 16 www.cursoenfase.com.br cumpridora da função social) e mantenho as famílias ali estabelecidas, pois manifestamente exercem função social”. Então, o magistrado rejeitou ab initio a liminar, sob a justificativa de que um dos elementos não estaria comprovado, qual seja, a função social como conteúdo obrigatório da posse (teoria social). Diante dessa questão o candidato deveria dizer o seguinte: Opinando a favor da decisão, a justificativa estaria na teoria social da posse com fundamento na CF. Quando a Constituição reconhece a propriedade privada, mas exige o atendimento à função social, estaria também exigindo função social dos outros direitos que se desdobram da propriedade, desdobramentos de poder como, por exemplo, a posse. À vista disso, exige-‐se função social da posse para a legitimação do direito. Daí, no conflito entre duas situações possessórias, prevaleceria aquela que seria cumpridora da função social. Então, se uma está atendendo e a outra não demonstra que atendia, permanece a que está atendendo e nega-‐se a que a demonstrou que não atendia. O fundamento estaria na teoria social da posse, a qual adiciona mais um elemento à tutela possessória, qual seja, a função social. Mas veja que na literalidade do CC e do CPC, esse requisito para a tutela possessória não aparece. Ele aparece em outros momentos e para outras discussões, mas para mera tutela possessória ele não aparece. Veja-‐se o que dispõe o artigo 1.196 e o artigo 1.204: para considerar alguém possuidor não há nada expresso acerca da exigência de função social. Entretanto, o fundamento seria constitucional, de modo que o direito só se legitimaria pela função social. Por outro lado, opinando contrariamente à decisão, o parecer seria justamente no sentido da literalidade. O Código vigente adotou a teoria objetiva da posse no que tange à tutela possessória. No estudo da posse, teria sido adotada a teoria objetiva. Por tal teoria, seria necessário demonstrar apenas o corpus e a affectio tenendi, não sendo obrigatória a demonstração da função social. A favor dessa tese há um julgado do Supremo Tribunal Federal, do ano de 2003, que diz o seguinte: a ausência de prova de que a propriedade rural é produtiva e de que está, por isso, cumprindo a sua função social e econômica, não legitima o ato ilícito do esbulho, ainda que seja ele motivado pela função social. Então, o ilícito do esbulho não é melhor do que a ausência de função social por improdutividade, razão pela qual a liminar nesse caso deveria ter sido deferida. Ø Quando foi que o STF se manifestou sobre isso? 600.03 Direito Civil VI – Direito das Coisas Direito Civil VI – Direito das Coisas O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-‐se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 17 www.cursoenfase.com.br Resposta: o STF se manifestou sobre isso quando apreciou uma ADI que havia sido proposta contra uma Medida Provisória, depois convertida em lei, sobre desapropriação para fins de reforma agrária, que vedava a desapropriação para fins de reforma agrária de áreas invadidas. Se a área tivesse sido objeto de invasão, logo não poderia ser objeto imediato de desapropriação, ainda que constatada sua improdutividade. Foi uma medida provisória editada para coibir uma série coordenada de invasões que estavam acontecendo e que culminaram até mesmo na invasão de uma fazenda do Presidente da República da época, o que levou a edição da norma no sentido de que, se a propriedade tivesse sido invadida no lapso temporal anterior a “x” tempo ou da medida expropriatória, o bem fica inidôneo para aquela expropriação. Com efeito, a desapropriação para fins de reforma agrária não pode recair sobre áreas invadidas. Quando se questionou a inconstitucionalidade disso ao argumento de que a Constituição exige a função
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