Buscar

Transexualidade e o uso do banheiro da empresa Daniel Lisboa e Guilherme Mayer Amin CCT

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

TRANSEXUALIDADE E O USO DO BANHEIRO DA EMPRESA
Daniel Lisboa1
Guilherme Mayer Amin2
A conquista dos direitos humanos, que perpassa pela concretização dos direitos
de primeira a quarta dimensão (ou geração), ainda está em continuidade. Nos Estados
Democráticos de Direito, como o Brasil, as formas de proteção à dignidade do ser
humano – seu maior patrimônio – têm sido aperfeiçoadas.
Nesta nova era de afirmação da dignidade humana, ganharam grande relevo, no
campo da Antropologia e da Psicologia, as pesquisas sobre gênero, sexualidade e
diversidade sexual. Concepções ocidentais historicamente comuns acerca desses temas
têm sido desconstruídas e reformuladas pelos estudiosos desde a década de 1960. A
principal delas é a de sexo/gênero.
Temas conexos demonstram essa variabilidade. Se há menos de 50 anos a
homossexualidade era considerada anomalia3 (e ainda o é, infelizmente, por parcela
politicamente organizada da sociedade), cada vez mais as pessoas compreendem que se
trata apenas de uma orientação sexual – não uma “opção”, tampouco uma doença. A
transexualidade haverá de seguir o mesmo caminho.
Atualmente, sexo e gênero são reconhecidos como conceitos distintos, ainda
que análogos. O sexo refere-se às conformações biológicas do indivíduo, analisadas sob
a perspectiva da reprodução (“macho”, “fêmea” – homem e mulher), enquanto gênero é
1 Juiz do Trabalho no TRT da 12ª Região, mestre em direito das relações sociais pela UFPR, e professor.
2 Advogado.
3 Interessante passagem, em que se notam os rudimentos de solidariedade ao diferente, ainda que tratando
a questão como doença, pode ser extraída de Hazer (1959, p. 79): “O homossexualismo é uma doença e
como tal deve ser tratada. Devido à ignorância geral da sociedade, os homens com essa doença são
considerados criminosos, muitas vêzes são mesmo processados. Ao contrário, deveriam êsses desviados
ser amparados e tratados. São vítimas de um impulso a que não conseguem resistir.”
www.carreirastrabalhistas.com.br
contato@carreirastrabalhistas.com.br
a convicção pessoal, subjetiva de cada pessoa acerca de sua identidade social, o que
pode incluir o aspecto sexual. Daí falar-se em identidade de gênero, que é a
assimilação personalíssima do indivíduo com uma identidade masculina, feminina ou
mesmo nenhuma dessas (HENRIQUES; BRANDT; JUNQUEIRA; CHAMUSCA,
2007, p. 19).
De fato, o órgão genital nada diz sobre a construção subjetiva que define o ser
humano que o porta. Assim é que, por exemplo, homens que não têm mais os testículos,
retirados cirurgicamente no tratamento de câncer, continuam sendo tão homens quanto
antes, se é dessa forma que se sentem. Sua identidade de gênero, que os acompanha, é
masculina. O mesmo ocorre com as mulheres que retiram os seios, ovários ou útero no
tratamento de doenças.
Uma pessoa transexual também não é definida pelo órgão genital com que
nasceu. Ela se identifica com um gênero diferente do seu sexo biológico e passa,
naturalmente, a agir e perceber-se socialmente de acordo com a sua identidade de
gênero.
Por isso, a pessoa transexual que pertença ao gênero feminino, sentindo-se,
percebendo-se e agindo como mulher, tem o direito de ser tratada igualmente como
mulher – independentemente de ter realizado ou não cirurgia de transgenitalização. Ela
é mulher, pois o que a torna uma está muito à frente de sua genitália ou do sexo que
consta formalmente de seus documentos. Convém rememorar a célebre locução de
Simone de Beauvoir (1967, p. 9): “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Quando a
situação é oposta, a conclusão é a mesma.
A prerrogativa de ser tratado(a) de acordo com sua identidade de gênero
decorre da própria dignidade humana de que o(a) transexual é titular (art. 1º, III, da
CRFB), bem assim do direito ao igual respeito e consideração que, como esclarece
Ronald Dworkin (2002, p. 419), a todos deve ser reconhecido. E vale lembrar, com José
Afonso da Silva (2010, p. 196), que a promoção da dignidade humana do outro significa
a exaltação da sua própria.
www.carreirastrabalhistas.com.br
contato@carreirastrabalhistas.com.br
Também de se recordar que essas espécies de direitos contam com eficácia
horizontal, que permite sua imposição não só verticalmente ao Estado, mas perante
particulares – chamada por alguns de eficácia transversal dos direitos fundamentais
(MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 268). E isso se dá mesmo em relações
jurídicas privadas com subordinação jurídica autorizada, como o contrato de emprego.
Nesse contexto, o empregador do(a) trabalhador(a) transexual tem a obrigação
de respeitá-lo(a) na sua identidade de gênero, abstendo-se de qualquer tratamento
discriminatório (art. 3º, IV, da CRFB, art. 373-A, CLT, art. 1º, Lei 9.029/95, art. 3º, §
1º, Lei 11.340/06).
Essa obrigação se origina, pelo menos, de duas bases jurídicas: primeiro, do
dever específico decorrente da normatividade da principiologia constitucional – dada a
constatação da hermenêutica contemporânea, que confere eficácia normativa aos
princípios, contrapondo-os às regras enquanto espécies do mesmo gênero: normas
(ALEXY, 2001, p. 83). Segundo, do dever anexo de conduta do empregador-
contratante, inerente à sua boa-fé objetiva (art. 422 do CC c/c art. 8º, parágrafo único,
da CLT).
Por conseguinte, o poder empregatício atribuído pelo ordenamento jurídico ao
empregador (arts. 1º, IV e 170, II, da CRFB, art. 2º da CLT) deve ser exercido na
conformidade das normas constitucionais e internacionais de valorização da pessoa do
trabalhador (arts. 1º, IV, 7º, “caput” e 170, III e VIII, da CRFB, art. 23 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, art. 7º do Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil).
Logo, em todas as suas dimensões – diretiva, regulamentar, fiscalizatória e
disciplinar (DELGADO, 2013, p. 663) –, o exercício do poder empregatício encontra
limites na sua contraface: os direitos fundamentais e da personalidade do trabalhador.
Entre estes, estão os direitos dos(as) empregados(as) transexuais à identidade de gênero
e à imagem (art. 5º, V e X, da CRFB e arts. 11 e 12 do CC).
A identidade de gênero, enquanto direito fundamental, tem sido reconhecida
em diversas esferas, especialmente pelo Poder Judiciário, que já há mais de 10 anos vem
www.carreirastrabalhistas.com.br
contato@carreirastrabalhistas.com.br
autorizando retificações de prenome em registro civis e, mais recentemente, também de
sexo, sem qualquer apontamento de que se trata de pessoa operada – como se nota da
decisão do TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 994.08.04577-8, de
23/02/2010. 
Para além da eficácia vertical do direito, como dito, também a horizontal deve
ser reconhecida aos cidadãos e cidadãs.
Desse modo, não se verifica motivo para que o(a) empregado(a) não seja
tratado no ambiente de trabalho pelo prenome que elegeu como seu, e com as condições
inerentes ao gênero com o qual se identifica.
Estabelecidos tais pressupostos, não se pode negar que a utilização do banheiro
feminino no ambiente de trabalho é um direito da empregada transexual. O mesmo no
que se refere ao empregado transexual em relação ao masculino, se assim sentir-se
confortável. 
O comum argumento de que a presença da mulher transexual não
transgenitalizada, em banheiro feminino, causaria risco de violência sexual às
empregadas do sexo feminino não se sustenta. É que não existe estimativa nem
estatística alguma sobre violência sexual sofrida por mulheres cujos agentes sejam
transexuais.Preocupante, na realidade, é o risco de violência, inclusive sexual, de
mulheres transexuais em banheiros masculinos.
Consequentemente, o empregador não pode vedar ao empregado ou empregada
transexual a utilização do banheiro condizente com sua identidade de gênero. Tal
proibição, inevitavelmente, acarretaria grave constrangimento ao(à) trabalhador(a),
ofendendo seus direitos de personalidade. O ato, então, consistiria em abuso do poder
fiscalizatório, eivado de nulidade (art. 187 do CC c/c arts. 8º, parágrafo único, e 9º da
CLT) e passível de condenação a compensação por dano moral (art. 927 do CC).
Quanto aos demais empregados, compete-lhes respeitar as diferenças e tolerar,
com consciência e sem discriminação, o compartilhamento do banheiro com o(a)
colega. A transexual é mulher e é exatamente nessa qualidade que seu empregador e os
demais empregados devem tratá-la. Da mesma forma, o transexual.
www.carreirastrabalhistas.com.br
contato@carreirastrabalhistas.com.br
É bem verdade que a questão gera polêmica. As opiniões individuais, baseadas
em arraigados valores morais e religiosos, são díspares. 
Normalmente, o debate mais acalorado envolve as necessidades das transexuais
e o uso do banheiro feminino. Basta dizer que há projetos de lei em Salvador/BA, e
União dos Palmares/AL, dispondo sobre o uso de banheiros públicos. No primeiro caso,
para autorizar4; no segundo, para proibir5. Há, ainda, tentativas de evitar conflitos sem,
contudo, enfrentar a questão – como a construção de um terceiro banheiro6. Trata-se,
essa última, de ato manifestamente alheio à noção de inclusão, a qual deve servir de
mote para a solução desse problema social.
Nessa linha, reconhecida ao(à) empregado(a) a faculdade de escolha de uso do
banheiro, deverá também o empregador atuar na conscientização de respeito à
diversidade. 
Atitudes de hostilização ou afronta de colegas do sexo feminino que
compartilham o banheiro com a transexual impõem ao empregador a realização de
campanhas educativas, ou mesmo a punição, em casos mais graves, na forma que lhe
autoriza o ordenamento jurídico ao reconhecer o poder disciplinar (art. 2º da CLT). Não
se tolera, nesse quadro, a prática do chamado assédio moral horizontal, que ocorre entre
colegas de mesma hierarquia na empresa.
A prerrogativa legal do poder disciplinar consiste, na esfera punitiva, em
verdadeiro poder-dever – e comporta, portanto, utilização também como elemento
pedagógico. Sem essa precaução e/ou repressão, poderá o empregador responder
pessoalmente tanto pelos atos das empregadas que se oponham abusivamente ao
compartilhamento (arts. 932, III e 933 do CC) quanto por sua própria omissão em coibir
condutas discriminatórias (art. 186 do CC).
4 Disponível em: <http://www.pimenta.blog.br/2014/01/10/polemica-projeto-que-autoriza-travesti-a-usar-
banheiro-feminino-esta-parado-na-camara-de-salvador/>. Acesso em: 30/09/2014.
5 Disponível em: <http://cadaminuto.com.br/noticia/229561/2013/10/21/proibicao-de-acesso-de-travestis-
a-banheiros-femininos-causa-polemica>. Acesso em: 30/09/2014. 
6 Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/01/banheiro-exclusivo-para-
comunidade-lgbt-cria-polemica-no-rio.html>. Acesso em: 30/09/2014.
www.carreirastrabalhistas.com.br
contato@carreirastrabalhistas.com.br
Naturalmente, esse raciocínio é aplicável também ao trabalho dos empregados
transexuais (nascidos biologicamente mulheres, mas com identidade de gênero
masculina). Há aí um desdobramento do próprio princípio constitucional da igualdade
de sexo (art. 5º, I, da CRFB).
O debate, evidentemente, ocorrerá na microssociedade que compõe a empresa.
E para garantir a intimidade dos trabalhadores, seja qual for o sexo ou gênero, o
empregador poderá providenciar box individuais nos banheiros, de modo a assegurar
que ninguém seja obrigado a compartilhar sua intimidade (art. 5º, X, da CRFB). Segue-
se aqui a mesma linha que veda a revista íntima, já positivada (art. 373-A, VI, da CLT).
Não se trata de um terceiro banheiro, como já se apontou ser indevido, mas sim
de espaços individuais exclusivos, acessíveis a partir dos tradicionais banheiros
masculino e feminino, para utilização de todos os empregados que frequentam o
banheiro indicado a seu sexo e optem pela intimidade quando trocam de roupa ou fazem
suas necessidades. 
O box individual funcionará ainda como meio para a transação que levará à
desejada aceitação recíproca, entre os trabalhadores, de suas diferenças. De todo modo,
o ideal é que no ambiente empresarial haja uma arquitetura geral que garanta o direito
fundamental de cada empregada e empregado à intimidade. Muitas pessoas, transexuais
ou não, por uma sensação mais profunda de pudor, não se sentem confortáveis em
banheiros públicos sem espaços privados exclusivos. Cuida-se de questão cultural, que
deve ser respeitada.
A inclusão de minorias, a derrubada de paredes que comportam as
dessemelhanças e a compreensão do direito como instrumento para a diminuição ou
mesmo desaparecimento de estigmas sociais devem ser as pedras de toque tanto na
interpretação jurídica quanto na efetivação das normas. Afinal, o pluralismo e a
solidariedade foram reconhecidos como objetivos fundamentais da República
Constitucional Brasileira (art. 1º, V e art. 3º, I, da CRFB). 
Assim como somente nas sociedades plurais há democracia, é no respeito ao
próximo – e à sua natural e necessária diferença – que se concretiza o pluralismo. Feliz
www.carreirastrabalhistas.com.br
contato@carreirastrabalhistas.com.br
o dia em que não apenas aceitaremos nossas diferenças, mas celebraremos nossa
diversidade.
REFERÊNCIAS
ALEXY, R. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Políticos y Constitucionales, 2001.
BEAUVOIR, S. de. O segundo sexo – volume II: a experiência vivida. Trad.
Sérgio Milliet. 2. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.
DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013.
DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
HAZER, W. A vida sexual da mulher. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Universo,
1959.
HENRIQUES, R.; BRANDT, M. E. A.; JUNQUEIRA, R. D.; CHAMUSCA,
A. Gênero e diversidade sexual na escola: reconhecer diferenças e superar
preconceitos. Brasília: Cadernos SECAD 4 – Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação – SECAD/MEC, 2007.
MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010.
www.carreirastrabalhistas.com.br
contato@carreirastrabalhistas.com.br

Outros materiais