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Transitividade e Planos discursivos Linguística IV Profas: Priscilla M. Marques Júlia Langer Campos L in g u ís ti c a F u n c io n a l Universidade Federal do Rio de Janeiro L in g u ís ti c a F u n c io n a l O ex-presidente Lula perdeu o dedo enquanto era um metalúrgico. Sandy declara que não gosta de cerveja. Finalmente, William e Kate se casaram. (transitivo direto) (transitivo indireto) (intransitivo) TRANSITIVIDADE LATIM TRANSITIVUS (QUE VAI ALÉM, QUE SE TRANSMITE) VISÃO TRADICIONAL: ROCHA LIMA (P.307) 1. Sendo o verbo a palavra regente por excelência, cumpre proceder sempre à verificação da natureza dos complementos por ele exigidos. 2. O complemento forma com o verbo uma expressão semântica, de tal sorte que a sua supressão torna o predicado incompreensível, por omisso ou incompleto. L in g u ís ti c a F u n c io n a l VISÃO TRADICIONAL: CELSO CUNHA & LINDLEY CINTRA (p.135) O predicado verbal tem como núcleo, isto é, como elemento principal da declaração que se faz do sujeito, um verbo significativo. VERBOS SIGNIFICATIVOS são aqueles que trazem uma idéia nova ao sujeito. Podem ser intransitivos ou transitivos. Verbos intransitivos - nestas orações de da costa e silva, sobe a névoa... A sombra desce... Verificamos que a ação está integralmente contida nas formas verbais sobe e desce. Tais verbos são, pois, INTRANSITIVOS, ou seja, não TRANSITIVOS: a ação não vai além do verbo. L in g u ís ti c a F u n c io n a l VISÃO FUNCIONALISTA: a transitividade não é uma propriedade apenas dos verbos, mas de toda a oração. Os linguistas Paul Hopper e Sandra Thompson lançaram um artigo em 1980 que expunha melhor essa outra visão da transitividade. Segundo esses autores, a transitividade é uma propriedade escalar que focaliza diferentes ângulos da transferência da ação de um agente para um paciente em diferentes proporções da oração. As orações podem ser mais transitivas ou menos transitivas, conforme apresentam ou não os parâmetros da transitividade, segundo Hopper e Thompson. Por isso é escalar, gradual. L in g u ís ti c a F u n c io n a l O quadro abaixo mostra os dez parâmetros selecionados para se chegar à análise da transitividade de uma oração. Transitividade alta Transitividade baixa 1. Participantes dois ou mais um 2. Cinese Ação não ação 3. Aspecto do verbo perfectivo não perfectivo 4. Pontualidade do verbo pontual não pontual 5. Intencionalidade do sujeito intencional não intencional 6. Polaridade da oração afirmativa negativa 7. Modalidade da oração modo realis modo irrealis 8. Agentividade do sujeito agentivo não agentivo 9. Afetamento do objeto afetado não afetado 10. Individuação do objeto individuado não individuado L in g u ís ti c a F u n c io n a l Algumas línguas apresentam marcas morfossintáticas que caracterizam alguns parâmetros da transitividade: - Espanhol: a preposição a apenas aparece em objetos animados, humanos e referenciais. Busco mi sombrero. (Eu procuro meu chapéu.) Busco a mi amigo. (Eu procuro meu amigo.) - Hindi (Índia): marcas especiais são utilizadas no objeto para marcar como definido (essa língua não possui artigos). O sufixo –koo é adicionado ao objeto para identificar objetos animados e definidos. Machuee-nee machlii pakRii. Pescador-ERG peixe pegou. (O pescador pegou um peixe) Machuee-nee machlii-koo pakRaa. Pescador-ERG peixe pegou. (O pescador pegou o peixe) L in g u ís ti c a F u n c io n a l Vamos classificar a transitividade das orações segundo a linguística funcional: [O presidente Lula perdeu o dedo] 2 participantes, verbo não cinético, verbo no perfectivo, verbo pontual, sujeito não intencional, oração afirmativa, modo realis, sujeito não agentivo, objeto afetado e individuado. Grau 7 [Sandy não gosta de cerveja] 2 participantes, verbo não cinético, não perfectivo, não pontual, sujeito não intencional, oração negativa, modo realis, sujeito não agentivo, objeto não afetado e não individuado. Grau 2 [Finalmente, William e Kate se casaram] 1 participante, verbo não cinético, perfectivo, não pontual, sujeito intencional, oração afirmativa, modo realis, sujeito não agentivo, objeto não afetado e não individuado. Grau 4 L in g u ís ti c a F u n c io n a l • A linguística funcional associa a transitividade a uma função discursivo-comunicativa: o menor ou maior grau de transitividade de uma oração reflete a maneira como o falante estrutura o seu discurso para atingir seus propósitos comunicativos. • Orações com alta transitividade assinalam porções centrais do texto, enquanto as orações com baixa transitividade marcam as porções periféricas. L in g u ís ti c a F u n c io n a l • Para que a comunicação se processe satisfatoriamente, ou seja, para que os interlocutores possam partilhar a mesma perspectiva, o emissor orienta o receptor a respeito do grau de centralidade e de perifericidade dos enunciados que constituem seu discurso. Em termos de estrutura do texto, ou de planos discursivos, a divisão entre central e periférico corresponde à distinção entre figura e fundo. Planos Discursivos L in g u ís ti c a F u n c io n a l Figura é a porção do texto narrativo que apresenta a sequência temporal de eventos concluídos, pontuais, afirmativos, realis, sob a responsabilidade de um agente, que constitui a comunicação central. Fundo corresponde à descrição de ações e eventos simultâneos à cadeia de figura, além da descrição de estados, da localização dos participantes da narrativa e dos comentários avaliativos. Planos Discursivos L in g u ís ti c a F u n c io n a l “Meu marido tem um amigo que era campeão de natação, tinha várias medalhas, era um atleta. Um dia surgiu um caroço, ou qualquer coisa parecida, nas suas costas, ele foi ao médico. O caso era simples porque o caroço ainda estava pequeno, mas não existia ainda tecnologia para este tipo de cirurgia no Brasil. O médico estava sendo treinado por uma equipe francesa para realizar este tipo de cirurgia. Ele foi à França com o médico e o caso foi analisado pelos médicos de lá.” (Corpus D&G Rio de Janeiro) L in g u ís ti c a F u n c io n a l “Meu marido tem um amigo que era campeão de natação, tinha várias medalhas, era um atleta. Um dia surgiu um caroço, ou qualquer coisa parecida, nas suas costas, ele foi ao médico. O caso era simples porque o caroço ainda estava pequeno, mas não existia ainda tecnologia para este tipo de cirurgia no Brasil. O médico estava sendo treinado por uma equipe francesa para realizar este tipo de cirurgia. Ele foi à França com o médico e o caso foi analisado pelos médicos de lá.” (Corpus D&G Rio de Janeiro) L in g u ís ti c a F u n c io n a l L in g u ís ti c a F u n c io n a l • O linguista e professor Mário Martelotta publicou em 1998 um estudo em que testa os parâmetros da transitividadea descrições, relatos de procedimento e relatos de opinião. Martelotta concluiu, dentre outras coisas, que um tipo de texto pode servir de fundo a outro tipo de texto. Um trecho narrativo, por exemplo, em um contexto maior não narrativo, pode servir de fundo pois, neste caso, está em posição secundária em relação ao foco central do texto. E: Emerson... qual é... a sua opinião acerca da pena de morte? você acha que é um... uma forma correta de... de... punir um crime? você acha que se a pessoa comete um crime bárbaro... até hediondo como a gente... como a gente vem... tem ouvido falar... você acredita que a pena de morte é... é uma solução? I: eu acho que não... há pouco tempo... há pouco tempo atrás houve dois casos que... fez com que ressuscitasse a polêmica da pena de morte no Brasil... foi o assassinato da Dan/ da atriz Daniela Perez e de uma menina que foi sequestrada e depois queimada... as pessoas... pela emoção... achavam que deveria ser implantado a pena de morte... mas cada caso é um caso... (corpus D&G Natal) L in g u ís ti c a F u n c io n a l E: Emerson... qual é... a sua opinião acerca da pena de morte? você acha que é um... uma forma correta de... de... punir um crime? você acha que se a pessoa comete um crime bárbaro... até hediondo como a gente... como a gente vem... tem ouvido falar... você acredita que a pena de morte é... é uma solução? I: eu acho que não... há pouco tempo... há pouco tempo atrás houve dois casos que... fez com que ressuscitasse a polêmica da pena de morte no Brasil... foi o assassinato da Dan/ da atriz Daniela Perez e de uma menina que foi sequestrada e depois queimada... as pessoas... pela emoção... achavam que deveria ser implantado a pena de morte... mas cada caso é um caso... (corpus D&G Natal) L in g u ís ti c a F u n c io n a l Bibliografia CUNHA, Celso Ferreira da e CINTRA, Luis Filipe Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. FURTADO DA CUNHA, M. A., COSTA, M. A. & CEZARIO, M. M. Pressupostos teóricos fundamentais. In: FURTADO DA CUNHA, M. A., RIOS DE OLIVEIRA, M. & MARTELOTTA, M. (Orgs.) Lingüística funcional: teoria e prática. p.29-55, Rio de Janeiro: DP&A, 2003. HOPPER, Paul e THOMPSON, Sandra. Transitivity in Grammar and Discourse. Language, v. 56, n.2, jun de 1980, pp. 251-299. MARTELOTTA, M. (Org.). Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto, 2008. MARTELOTTA, M. Figura e fundo: uma proposta prática de análise. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. L in g u ís ti c a F u n c io n a l
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