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TRÊS GERAÇÕES DE MULHERES debora diniz resumo

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TRÊS GERAÇÕES DE MULHERES- DÉBORA DINIZ
A fazedora de anjos é uma tela de Pedro Weingärtner de 1908. Retrata uma história de três atos, o primeiro mostra uma senhora enamorando-se de um senhor da aristocracia, o segundo mostra a mesma com um bebê no colo e ar melancólico sendo vigiada por uma senhora impaciente, e o último denuncia o ofício da senhora, através do forno aceso e dos anjos na fumaça. Conta-se que no passado as fazedoras de anjos sumiam com os recém-nascidos de mocinhas desprovidas de matrimônio, estando entre a figura de uma bruxa e de uma parteira.
A fazedora de anjos e as aborteiras simbolizam a linha tênue entre o aborto e o infanticídio, categorais que ganharam a ótica penal e médica ao longo do tempo, a qual se constitui de narrativas que costumam esquecer as razões individuais e necessidades femininas. 
Para chamar a atenção para os sentimentos envolvidos, a artista portuguesa Paula Rego, em 1998, apresentou uma série de quadros que retratam as mulheres que abortam e suas dores. As aborteiras em seus quadros não aparecem, são apenas pressentidas. 
Uma história de disputas, conquistas e dificuldades
O aumento dos partos realizados por médicos em hospitais, a partir dos anos 1920, e a revolução causada pelos contraceptivos orais, nos anos 60, provocaram uma rupatura entre saberes, que tem como referência as senhoras especializadas nos chás e mezinhas para evitar a gravidez ou o nascimento, e especializações. Houve a separação entre pessoas autorizadas e desautorizadas, e o trabalho da parteira foi dando lugar ao trabalho do médico, o qual passou a ser considerado a autoridade dos assuntos reprodutivos. A contracepção passou para a esfera biomédica e de política pública/planejamento familiar, enquanto o aborto permaneceu na esfera da criminalidade e moral religiosa (considera o aborto como pecado). A relação entre crime e pecado só contribui para o silêncio das mulheres sobre o assunto. Ainda que a Igreja Católica considere os contraceptivos como vias ilícitas para a regulação dos nascimentos, a Igreja diminuiu a resistência aos mesmos, a fim de que pudesse concentrar seus esforços na condenação política e moral do aborto. Uma particularidade da história brasileira é a dissociação da política do aborto e a dos métodos contraceptivos, levando em conta que o Brasil não seguiu a tendência de outros países, onde o aborto foi o passo seguinte à disseminação dos contraceptivos. Ainda hoje, o aborto é crime, segundo o Código Penal de 1940.
Práticas reprodutivas
A prática reprodutiva, nos últimos 40 anos no Brasil, se concentrou em dois produtos farmacológicos, a pílula anticoncepcional e a pílula abortiva Citotec ou misoprostol. A primeira surgiu na década de 1960 e representou uma mudança radical nas práticas reprodutivas, com a separação entre sexualidade e reprodução, na chamada ‘’revolução da pílula’’, a qual já influenciou três gerações de mulheres. Após a chegada da pílula vieram outros métodos contraceptivos, como o DIU, o codom e a laqueadura (feita juntamente com o parto cirúrgico a partir de 1970). A epidemia do HIV serviu para ampliar o sentido dos métodos contraceptivos, tanto para as mulheres em relação conjugal, quanto para as que não viam na reprodução o destino da sexualidade. O aborto passou de um tema de morte materna, nos anos 1970, para se tornar uma bandeira do feminismo por políticas públicas que levou à regulamentação das normas técnicas de abordo legal pelo Ministério da Saúde, nos anos 1990. O mais recente capítulo da história do aborto foi a popularização da pílula Citotec, nos anos 2000, que destinou em grande proporção o espaço que antes era ocupado pelas fazedoras de anjos, pelas aborteiras, ou mesmo pelos médicos para a figura do vendedor de medicamentos ilegais.
A pílula anticoncepcional
Os anticoncepcionais fizeram com que a taxa de natalidade no país caísse. De um padrão familiar de cinco filhos nos anos 1970, passamos a ter um padrão de menos de dois filhos nos anos 2000. O uso político da pílula foi muito mais como um instrumento de controle de natalidade do que como um instrumento de promoção dos direitos reprodutivos, ou seja, permissão de que as mulheres pudessem fazer a escolha sobre quando ter filhos e quantos. Os direitos reprodutivos só vão ganhar destaque no cenário mundial com a Conferência de Cairo, nos anos 1990. O movimento feminista internacional optou por aproximar os métodos contraceptivos e o aborto, com o lema ‘’nosso corpo nos pertence’’ reconhecia que cabe às mulheres a soberania sobre as escolhas reprodutivas, e que cabe ao Estado proporcionar-lhes os meios para tanto. 
A primeira ‘’geração pílula’’
Essa primeira geração inclui as mulheres nascidas entre 1940 e 1959, e é marcada por uma tensão entre necessidade e risco. A necessidade é marcada pelo planejamento familiar, já o risco é marcado pelos efeitos colaterais resultantes do uso de hormônios sintéticos. Neste período, a pílula não estava ligada a uma conquista revolucionária ligada à liberdade sexual. As duas primeiras décadas da pílula coincidiram com o período de ditadura militar, em que a informação era muito limitada. Um marco deste momento foi um programa chamado TV Mulher, o qual contava com aparições da sexóloga Marta Suplicy, fato que causava grande alvoroço por abordar temas ligados à sexualidade e reprodução. Tal programa fez grande sucesso entre as mulheres de classe média e alta, as quais se apropriavam dos ideias emancipatórios da década de 1960. 
A prisão de duas mulheres por práticas de aborto em 1980 no Rio de Janeiro ativou o movimento feminista pela descriminalização do aborto. Porém só em 1990 que a tese do direito reprodutivo passou a fazer parte das negociações com o governo por políticas públicas nacionais.
Ficou claro nas décadas de 1970 e 1980 que a mortalidade e a morbidade maternas consequentes do aborto inseguro eram altas no país. Muitas mulheres combinavam métodos abortivos e até mesmo realizavam procedimentos por si só, tomando chás ou inserindo objetos perfurantes em seus corpos. Deve-se ressaltar que as mulheres com condição social privilegiada já tinham a opção de fazer procedimentos em clínicas com recursos médicos. 
A primeira geração da pílula também foi marcada pela procura aos serviços de saúde para a finalização do aborto imcompleto. Os registros de médicos e enfermeiras foram fundamentais para a descrição do risco do aborto inseguro, retomando a temática do ‘’aborto e morte’’. As mulheres chegavam aos hospitais sangrando, em quadro infeccioso, e muitas morriam após dias de peregrinação por clínicas ou escondidas com medo da polícia. 
Nesta geração os métodos não eram suficientes para o planejamento da reprodução, seja porque falhavam ou porque as mulheres erravam quanto ao uso. Fatores como o acesso ou os efeitos colaterais contribuíam para o uso descontinuado dos métodos tratados, o que levou ao aumento na feitura de laqueadura, um método mais eficaz e seguro. Entre o uso dos métodos e a decisão pela laqueadura, muitas mulheres recorreram ao aborto. 
A segunda ‘’geração pílula’’
Esta geração inclui as mulheres nascidas entre 1960 e 1979 e é marcada pela sobrevivência aos métodos inseguros de aborto e às clínicas clandestinas. Tal geração assistiu à epidemia de AIDS e ao surgimento dos bebês de proveta. Desde este período, o Brasil é um país de referência para as inovações e intervenções reprodutivas objetivando contornar a ausência involuntária de filhos por casais ou mulheres inférteis.
As tecnologias reprodutivas representaram outra revolução, que assim como a da pílula, ajudou a separar sexualidade e reprodução. Além de serem consideradas ‘’um milagre da criação’’, elas ajudaram a subverter o padrão de família heterossexual, a exemplo de casais homossexuais com filhos. A atualização desse tipo de tecnologia é permanente, tendo como exemplos a técnica que permite o anonimato do doador e o congelamento de óvulos e espermas para uso futuro. A luta contra o relógio biológico foi o principal aliado para o rápidodesenvolvimento das tecnologias reprodutivas. Nessa revolução permanente, repleta de riscos à saúde da mulher ou dos fetos e potencializadora de um mercado lucrativo, o silêncio e o medo uniram mulheres e médicos. Tal segredo é apoiado na seguinte questão: o que de fato vem sendo feito nos corpos das mulheres? Foi preciso o escândalo envolvendo o médico Roger Abdelmassih para se falar mais abertamente de como as tecnologias reprodutivas cruzaram o caminho da história do aborto e da contracepção. 
A medicina reprodutiva passou a representar um novo perfil de mulher, a de classe média que atrasa a maternidade por conta da carreira profissional. Um novo universo de relações e produtos surgiu neste contexto: doadores de sêmen, úteros de aluguel, gestação de substituição e explosão de gêmeos (efeito colateral das tecnologias reprodutivas).
O risco da gemelaridade e o pouco sucesso das técnicas são os principais rivais da medicina reprodutiva. O tratamento reprodutivo é feito em um pacote de tentativas, a cada ciclo pelo menos três embriões são transferidos para o útero feminino, o que desencadeia um paradoxo: o aborto faz parte da medicalização para a criação dos bebês em laboratório. Diferentemente do aborto, a redução embrionária é tida como necessidade de saúde e negociada em segredo nas clínicas, em um paradoxo moral. Sendo assim, a promessa de construir uma família contornando a infertilidade permitiu que se lançasse uma nova visão moral sobre o aborto, partindo do princípio de que antes o aborto desafiava o imperativo da maternidade, e, hoje, ele pode ser necessário para promovê-la. 
A terceira ‘’geração pílula’’
Esta geração inclui as mulheres nascidas entre 1980 e 1999 e é marcada por uma cultura que valoriza os medicamentos para o exercício da sexualidade e da reprodução. As mulheres dessa geração são conhecedoras e usuárias da pílula anticoncepcional, da pílula do dia seguinte e da pílula abortiva Citotec.
O Citotec era comercializado para tratamento de úlcera gástrica, mas se popularizou por sua capacidade abortiva. Era livremente comercializado até 1991, quando houve a primeira regulação proibindo-o para o aborto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O uso do Citotec como principal método abortivo ficou claro em dois momentos. O primeiro remete à queda de mortalidade materna devido à substituição de métodos de maior risco que o medicamento citado, e devido ao fato de que as mulheres passaram a procurar assistência médica para finalizar o procedimento, mas sem risco de vida por infecção como acontecia no passado já citado aqui. O segundo momento foi em 2010, com a Pesquisa Nacional do Aborto, que mostrou que uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já havia realizado aborto, utilizando principalmente o Citotec.
Ainda que o Citotec tenha se popularizado, as clínicas clandestinas não desapareceram. Um exemplo da permanência das clínicas foi o caso das dez mil mulheres denunciadas em uma clínica em Campo Grande (MS) em 2007. Neste caso as mulheres tiveram seus rostos estampados em jornais e o que levantou muito questionamento foi o fato de que algumas, para escapar do júri popular, aceitaram realizar trabalhos comunitários em creches e escolas, o juiz do caso justificou sua decisão dizendo ‘’se elas forem trabalhar em creches e escolas, vão ver que muitas mulheres podem criar um filho com pouco esforço’’. Esta decisãomostra um equívoco moral na decisão do juiz, levando em conta que grande parte das mulheres que abortam já tem filhos e sabem como é a maternidade. A clínica de Campo Grande utilizava o Citotec para o aborto realizado nas ‘’banguelas’’, aquelas mulheres mais pobres que não dispunham de recurso para pagar os custos de um aborto cirúrgico. Neste episódio a dona da clínica se suicidou. Em 2008, a revista Época apresentou a história vivida em Mato Grosso do Sul. 
A imprensa tem grande destaque no contexto de divulgação do aborto, contudo, apresenta nas suas reportagens um conteúdo moralmente enquadrado, que trata do aborto sob uma perspectiva criminalizada, assim como deixam de lado as histórias de vida das mulheres que abortam, contribuindo para a manutenção do tabu e silêncio que envolvem o aborto.
A reportagem da revista Veja intitulada ‘’Eu fiz aborto’’ se caracterizou como um contraponto ao silêncio corriqueiro. A reportagem contou com o depoimento e narrativa de atrizes, artistas, intelectuais e mulheres comuns, que mostraram a coragem de se expor para ilustrar um procedimento ainda estigmatizado entre o pecado e o crime. A data de publicação da reportagem foi estratégica, 15 dias antes da chegada do papa João Paulo II ao Brasil, tendo em vista o obstáculo à descriminalização que a Igreja representa. 
Anencefalia e morte materna
As mulheres da segunda e terceira geração da pílula conheceram a inovação da tecnologia por imagem, a qual provocou um abalo do silêncio em torno do aborto ao permitir o diagnóstico de má formação fetal incompatível com a sobrevida do feto, abrindo novas ideias morais sobre a questão do aborto no Brasil.
Levando em conta que a anencefalia é incompatível com a vida fora do útero, a organização feminista Anis e uma confederação de trabalhadores em saúde propuseram em 2004 uma ação no STF para a autorização do aborto de fetos anencéfalos. O caso foi concluído em 2012, com decisão favorável da Suprema Corte, e representou a primeira alteração concreta da legislação em setenta anos de um Código Penal que criminaliza o aborto.
Em 2005, o documentário Uma História Severina foi produzido para associar uma história concreta com a abstração judicial. Severina era uma trabalhadora rural de Pernambuco que estava prestes a fazer um aborto de feto anencéfalo, quando o STF suspendeu a liminar que lhe dava esse direito. Aos sete meses de gestação, Severina conseguiu a autorização do juiz da sua comarca para realizar o procedimento, contudo, encontrou dificuldades de realizar o procedimento devido à falta de profissionais que se dispunham para tal, alegando objeção de consciência. A trabalhadora teve que dar à luz, sem anestesia, a um feto morto. 
Outro caso é o de Alyne Pimentel, uma jovem de 18 anos que perdeu a vida por falta de atendimento adequado à sua gravidez de alto risco. O seu caso foi levado à ONU por uma organização feminista internacional. Baseada no caso de Alyne foi a primeira vez que a ONU considerou que um caso de mortalidade materna é matéria de direitos humanos.

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