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DIREITO CONSTITUCIONAL II – 2016.2 Professor Wallace Corbo AULA 30/08/2016 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS - Questão Terminológica Direitos fundamentais não são sinônimos de direitos humanos. A ideia de direitos fundamentais é associada aos direitos positivados como tais em uma constituição de um sistema jurídico específico. Já os direitos humanos têm uma perspectiva internacional e deve ser previsto em acordos e tratados que preveem determinados direitos decorrentes da condição humana. Apesar disso, pode haver cruzamento entre os dois, como no exemplo da liberdade de expressão, que é direito fundamental e direito humano, pois está prevista em vários tratados internacionais. Direitos humanos têm relevância maior sob a ótica do papel de preencher vazios de um sistema jurídico que não prevê determinado direito. Porém, no Brasil, em geral, os direitos humanos dos tratados do qual o Brasil é signatário já estão incluídos nos direitos fundamentais positivados na Constituição Federal, de modo que, a rigor, não precisaríamos recorrer aos direitos humanos. A relevância desses direitos no Brasil é, em medida, retórica, e serve também como uma forma de combate às violações que ocorrem no ordenamento interno. OBS: da mesma forma que alego violação a um direito fundamental no Judiciário, posso alegar violação a esse direito em órgãos internacionais se ele for direito humano também. Nem todos os direitos fundamentais são direitos humanos, assim como nem todos os direitos humanos são direitos fundamentais. Um exemplo é a inadmissibilidade de prova ilícita. Caso eu invada a residência de alguém para provar que ele é traficante, estarei violando um direito fundamental que não é humano, pois esse direito não decorre da condição humana. É necessário diferenciar direitos humanos e direitos naturais. Os direitos humanos se dissociaram da ideia dos direitos naturais no início do século XX. A ideia de direito natural parte do pressuposto de que existem direitos inerentes à existência humana. Em regra, os direitos humanos são positivados em tratados através de organizações internacionais, não sendo extraído do estado de natureza, como os direitos naturais. Os direitos naturais decorrem de uma argumentação filosófica, algo que vem da antropologia. Para os adeptos da ideia dos direitos naturais, decorria da natureza do ser humano o direito à liberdade. Já nos direitos humanos, esse direito decorre de tratados e acordos, onde estão positivados. - Trajetória Histórica dos Direitos Fundamentais Diversos autores extraem o embrião dos direitos fundamentais da antiguidade. O ponto chave dos direitos fundamentais é o advento do Estado liberal. O contexto político do surgimento do Estado liberal é a negação do absolutismo; de uma maneira muito simplificada, é uma negação de um modelo de Estado no qual o poder se concentrava em determinadas camadas da sociedade, de modo que se previa regime jurídico distinto de acordo com a posição social que cada indivíduo ocupava. O contexto econômico-social do Estado liberal é o advento da burguesia, uma classe que está preocupada com a proteção do seu status, da sua atuação. O Estado absoluto não previa direitos para essa camada. A partir de agora, as preocupações dessa classe, a burguesia, dão o rumo do Estado liberal. O contexto filosófico é o iluminismo, liberalismo, contratualismo clássico e teoria dos direitos naturais. Os principais autores, Locke e Kant, se apegam ao discurso da liberdade do ser humano que decorreria do estado de natureza. Locke dizia que a liberdade era o principal bem do ser humano, de modo que inverteu a relação previamente existente, na qual o soberano constringia os direitos do indivíduo, quando, na verdade, ele deveria preservar esses direitos. Assim, são parâmetros do Estado liberal o rompimento do regime jurídico diferente para cada classe social e a ideia de direitos inalienáveis dos indivíduos. Com advento do Estado liberal (estado de direito, legalista, superação do absolutismo), surge a primeira geração (ou dimensão) de direitos fundamentais, que são direitos negativos (direito negativo é oposto a direito positivo, que não é o direito positivado). A ideia de direito negativo se assemelha a direito de defesa e direito prestacional. Os direitos negativos são direitos que envolvem um não fazer estatal, como direito à propriedade e liberdade, por exemplo. Para que o Estado possa não fazer (direitos negativos), será demandado algum tipo de estrutura estatal. Na prática, o Estado liberal escolhe quais prestações vai prover. Ele vai prover aquelas necessárias aos interesses da burguesia. Observação sobre o Estado liberal: Perspectiva formal x Perspectiva material. A perspectiva formal não se interessa pelo substantivo do negócio, se interessa apenas no atendimento aos parâmetros básicos. Exemplo: aplicar lei igualmente a todos sem considerar classe social, orientação sexual, cor, entre outros, é um exemplo de igualdade formal. Esse modelo é combatido em meados do século XX pela percepção de que o Estado liberal gera desigualdades sociais graves. Ele confere liberdade a todos e considera todo mundo igual, de modo que pressupõe que pessoas que moram na rua e pessoas ricas podem se hospedar no Copacabana Palace, sendo que essa igualdade é falsa. Outra coisa que levou à superação desse Estado liberal puro foi a expansão do direito ao voto. Quando mais pessoas puderam votar, conseguiram focalizar mais suas demandas, que ganharam notoriedade no espaço público. Houve preocupação para alcançar uma igualdade e liberdade menos formais. Isso levou a uma ascensão do Estado social. No Estado social, surge uma segunda geração (ou dimensão) dos direitos fundamentais, que são os direitos prestacionais, são direitos positivos (oposto a negativo). O Estado passa a prover condições básicas de exercício da liberdade ou condições básicas necessárias à tutela da dignidade da pessoa humana. Exemplo: educação, saúde e seguridade social. Agora, há reconhecimento da existência de indivíduos que precisam de uma discriminação positiva para que haja igualdade, como um benefício a uma pessoa desempregada, por exemplo, pois se a pessoa não tem o que comer ou onde morar, ela não é verdadeiramente livre. Logo após, temos o Estado democrático social, que passa a reconhecer outra dimensão de direitos fundamentais. Vem a terceira dimensão dos direitos fundamentais, que são os direitos transindividuais (direito ambiental é um exemplo). São direitos que superam o indivíduo, são direitos difusos e coletivos. Eles podem ser pleiteados por associações, Ministério Público (diferentemente do que ocorre em Portugal), entre outros. Há, ainda, outra distinção entre os direitos fundamentais, feita por T. H. Marshall. Ele classificou os direitos em três conjuntos: civis, sociais e políticos. Para Marshall, existe uma trajetória de evolução dos direitos. Primeiro, surgem os direitos civis (que são os negativos: as liberdades). A partir dele, as pessoas adquirem condição para buscar outra esfera de direito: a participação política, para que sua demanda seja representada no Legislativo; são os direitos políticos. E, a partir do momento que essas pessoas exercem o direito ao voto de maneira expandida e suas demandas são atendidas, surgem os direitos sociais. Porém, essa narrativa não é adequada para o Brasil. Na trajetória brasileira, a primeira classe de direito que surge é dos direitos sociais, na Era Vargas. Depois temos os direitos civis, com ápice através da promulgação da Constituição Federal de 1988, e os direitos políticos decorrentes dela. Observações gerais: Direito absoluto é aquele que não admite qualquer tipo de restrição ao seu exercício. Ele ganha o conflito contra qualquer outro direito. Diferenciação entre direito coletivo, difuso e individual homogêneo. Direito coletivo, apesar de não ser tutelado por nenhum indivíduo específico, tem sujeitos determináveis, ou seja, uma determinada coletividade. Exemplo: Casas Bahia fez propaganda enganosa e violou direito dos consumidores. Aqui, há uma coletividade determinável. Já no direito difuso, em tese, não há coletividade determinável. Exemplo: vazamento de óleo num rio. Apesar de prever que esse acontecimento trará prejuízo a uma determinada comunidade, certamente ele trará prejuízo a outras pessoas que não podem ser determinadas. Por fim, ainda há uma terceira categoria: os direitos individuais homogêneos. Eles são individuais e homogêneos no sentido de que várias pessoas têm direito igual. Exemplo: se uma loja vender um milhão de geladeiras que explodem, as pessoas terão direito individual contra essa loja, diferente do caso da propaganda enganosa supracitado. Todas essas pessoas terão direito ao ressarcimento. Cada um poderá reivindicar individualmente, apesar do Ministério Público poder ajuizar uma ação civil pública buscando o ressarcimento dos compradores. Nesse caso, o comprador pega a sentença, prova que comprou a geladeira e o juiz autoriza seu ressarcimento. AULA 01/09/2016 Não houve aula. AULA 06/09/2016 Eficácia dos Direitos Fundamentais → diz respeito aos efeitos jurídicos que produzem. A doutrina diz que os direitos fundamentais têm dupla dimensão: Subjetiva: serve de fundamento para que um indivíduo exija algo; natureza de direito subjetivo público. Objetiva: direitos fundamentais como valores objetivos de um ordenamento jurídico. Ocorre irradiação dos direitos fundamentais, todas as normas devem ser interpretadas à luz da Constituição (filtragem constitucional). Aqui, a doutrina observa que não basta o Estado dar direito à propriedade, por exemplo, ele deve dar também mecanismos para que o indivíduo possa exercer plenamente esse direito. Exemplo: criar Defensoria Pública para que todos exerçam o direito de acesso à justiça. Quanto a eficácia dos direitos fundamentais, há a eficácia vertical e eficácia horizontal. Eficácia vertical: possibilidade de exigir algo perante o Estado. Ideia de oposição entre direitos fundamentais e Estado (doutrina do state action, EUA). Eficácia horizontal: uso da norma constitucional no direito privado (indivíduo tenta extrair do direito fundamental uma essência para aplicação no caso de direito privado). Isso pode gerar um engessamento social, já que muitos casos concretos respaldariam em violações aos direitos fundamentais. Natureza jurídica dos direitos fundamentais → direitos fundamentais são princípios. Ideia de princípios: Dworkin diferencia princípios e regras. Há dois fundamentos para os juízes decidirem, sendo as regras (definidas por sua aplicação: tudo ou nada, se aplica ou não) ou princípios (se aplicam em graus distintos). Robert Alexy, que escreveu sobre Teoria do Direito e extraiu diversas informações do Tribunal Federal Alemão, por sua vez, elabora uma teoria dos direitos fundamentais. Ele diz que esses direitos têm natureza de princípio jurídico, que seriam mandados de otimização que se realizam em maior ou menor grau de acordo com a possibilidade. Seria uma pretensão de realizar algo no maior grau possível, abarcando todas as formas de extensão. Porém, eles encontram limites durante esse percurso, que são os conflitos entre os princípios. Nesse caso, aplica-se a regra da proporcionalidade. Para Dworkin, os direitos fundamentais são como trunfos e não colidem. Para ele, os conflitos são meramente aparentes. Tudo é uma questão de analisar os limites do direito fundamental, função da Suprema Corte. Alguns críticos dizem que se trata de uma ponderação obscura. Assim: há a teoria interna dos direitos fundamentais, de Ronald Dworkin, onde os direitos fundamentais não colidem; e há a teoria externa dos direitos fundamentais, de Robert Alexy, onde os direitos fundamentais colidem. OBS: há uma teoria de hierarquização dos direitos fundamentais, na qual a ONU reconhece dois direitos absolutos: de não ser torturado e não ser escravizado (alguns sustentam a inclusão da dignidade da pessoa humana). AULA 08/09/2016 Vantagens da teoria externa: Concepção amplificada: prima facie, os direitos fundamentais são ilimitados, ou seja, inúmeras situações podem ser tuteladas por ele. Solução dos conflitos é aparente, motivada. Num conflito entre vida e liberdade, ao escolher uma parte, devo justificar essa escolha. Por outro lado, a teoria interna foge do debate. Legitimação da decisão, que leva a não exclusão da parte que perdeu. Se isso ocorresse, levaria a um movimento de ruptura, pois tiraria legitimidade de uma pretensão. Análise das restrições dos direitos fundamentais Primeiramente #ForaTemer. Em segundo lugar, cabe fazer uma distinção entre restrição e conformação. Restrição é a redução do âmbito de proteção de um direito fundamental, enquanto conformação é a previsão que meramente regulamenta o exercício de um direito fundamental (ex: uma lei de greve que explica como exercer esse direito). Porém, Virgílio Afonso da Silva aponta um problema: toda regulamentação de um direito é uma restrição a outro direito. Exemplo: ao determinar que jornais não podem difamar as pessoas, estou restringindo a liberdade de imprensa. Isso gera um debate se há restrição ou conformação pois, apesar de regulamentar o exercício da liberdade de imprensa (não pode difamar ninguém – conformação), ele restringe essa liberdade (restrição). As restrições podem ser abstratas (legais) ou concretas (aplicativas). As restrições abstratas são operadas pelo poder Legislativo e limitam o gozo de um direito fundamental. As restrições concretas decorrem de casos individuais. Há um debate se restringir direitos fundamentais não seria inconstitucional, porém os três poderes têm ideia de representatividade, e o Legislativo, ao criar uma norma, já pondera entre os direitos fundamentais. Apesar dos direitos fundamentais não poderem ser restringidos contra razões de Estado, podem ser limitados. As restrições também podem ser diretas ou indiretas. As restrições diretas acontecem por previsão expressa do texto constitucional, que prevê as limitações (exemplo: questão do sigilo das correspondências, que pode ser violado em estado de sítio ou estado de defesa). Já as restrições indiretas decorrem de previsão legal, gerando um debate sobre a liberdade do legislador de restringir esses direitos. Em regra, essa restrição ocorre em normas de eficácia contida e limitada (exemplo: “salvo previsto em lei”, do art. 5º, LVIII, CF). Há a questão das reservas legais, que podem ser simples ou qualificadas. Reserva legal simples encontramos nas hipóteses em que a Constituição apenas exige que a restrição seja prevista em lei, como encontramos no inciso VII do artigo 5º da Constituição de 1988: “é assegurada, nos termos de lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares e internação coletiva”. São outros exemplos também os incisos VI, XV, XLV, XLVI e LVII. Há também casos em que o constituinte utiliza-se de formas menos precisas, submetendo o direito fundamental à aplicação de conceito ou instituto jurídico que reclama densificação. Para melhor esclarecer, vamos ao exemplo do inciso LXVI: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir liberdade provisória, com ou sem fiança.” Como se vê,é uma hipótese mais genérica, que submeterá à análise do legislador os casos em que se admitirá a liberdade provisória, ou seja, possibilitará uma interpretação da Constituição segundo a lei, que terá conteúdo constitucional. São outros exemplos os incisos XLIII e LXVII. Enquanto isso, reserva legal qualificada ocorre quando a Constituição não se limita a exigir que eventual restrição seja prevista em lei, estabelecendo também as condições especiais, os fins a serem perseguidos ou os meios a serem utilizados na restrição. É uma forma mais complexa de restrição, pois limita ainda mais as liberdades restritivas do legislador. Utilizamo-nos, a essa altura, do inciso XII do Artigo 5º da Constituição, para exemplificar: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” Tais imposições do constituinte impedem autoridades administrativas de decidirem acerca da quebra do sigilo e proíbem que o legislador a regulamente, por exemplo, para apurar infração administrativa. Além disso, deixam bem claro que só poderá haver restrição à comunicação telefônica. Portanto, os direitos fundamentais podem ser limitados, mas não ilimitadamente. Há limites para a limitação, limites para a atividade do poder público, que não pode esvaziar os direitos fundamentais, pois eles têm conteúdo mínimo a ser preservado. O princípio da proporcionalidade ajuda a definir até onde é aceitável restringir um direito em relação a outro. Objetivos do princípio da proporcionalidade: Vedação do excesso/restrição excessiva. Proibição de proteção insuficiente. Outro limite à restrição aos direitos fundamentais é o núcleo essencial dos direitos fundamentais, mais conhecido como cláusulas pétreas. Eles operam não como princípios, mas como regras (tudo ou nada – e sempre será tudo). Para identificar esse núcleo, há a teoria absoluta e teoria relativa. Na teoria absoluta, há limites imanentes dos direitos fundamentais; há um basicão. Exemplo: direito à vida → não ser morto, mas não necessariamente não ser abortado. O que ocorre se dois núcleos entrarem em conflito? Na teoria absoluta, um não pode superar o outro. Essa é uma das principais críticas que leva à teoria relativa. Nessa teoria, o núcleo essencial é relativo e se resolve no caso concreto. O núcleo é definido pela proporcionalidade. Exemplo: feto coloca em risco a vida da mãe, qual vida deve ser preservada? Hipoteticamente, pode-se preferir preservar a vida “mais viva”, que é a da mãe. Por outro lado, pode-se preferir a vida a ser mais vivida, que é a do feto. Aplicação do princípio da proporcionalidade Chamada por Virgílio Afonso da Silva de Máxima de Proporcionalidade, esse princípio, que na verdade é uma regra, existe para solucionar conflitos através de um exame trifásico e sucessivo (se não atendeu ao requisito da subfase, o exame acabou, pois indica uma desproporcionalidade). Em alguns momentos, a proporcionalidade envolve fatos, em outros envolve normativas jurídicas. Digamos que tenho um meio para alcançar um fim. O fim é extinguir todas as doenças sexualmente transmissíveis e o meio é promover o celibato. Na primeira fase do princípio da proporcionalidade, há a ADEQUAÇÃO, que é a possibilidade da medida atingir o fim. Deve ser plausível que ela atinja esse fim. Alguns autores dizem que, antes dessa primeira fase, deve haver verificação em relação ao fim, se ele é legítimo. A segunda fase trata da NECESSIDADE e se liga diretamente à vedação de excesso e proteção insuficiente. Uma medida produz um resultado em um grau. Várias medidas alcançam um resultado no mesmo grau. O poder público deve adotar a medida menos gravosa para o direito fundamental conflitante. Exemplo: proibir a prática de sexo é a maneira menos gravosa para acabar com as doenças sexualmente transmissíveis? Não há medida igualmente ou mais eficaz menos gravosa? Na terceira fase, há a proporcionalidade em sentido estrito ou PONDERAÇÃO. Ela pressupõe que o princípio se realizou em maior grau na situação fática. Exemplo: direito à saúde X direito à liberdade sexual. Alexy, criador do princípio da proporcionalidade, diz que deve analisar o quanto aplicar a medida interfere num direito e vice-versa (adotado no Brasil). Em seguida, analisar os pesos que se confere aos direitos fundamentais em jogo no caso concreto. Aplicam-se as leis da ponderação ou colisão: (1) quanto maior a interferência de uma medida num direito fundamental, maior deve ser o peso do outro direito fundamental em promoção; (2) quanto maior o grau de interferência, maior deve ser a certeza de que a medida vai atingir o resultado – o quão razoável é, de modo empírico, que a medida vai atingir o resultado? A ideia da proporcionalidade é criar uma legitimidade para interferir ou limitar os direitos fundamentais. É uma aplicação condicionada, considerando as particularidades do caso concreto. No direito consuetudinário brasileiro, ao decidir um caso concreto de uma forma, decide-se os demais igualmente. De certa forma, incorpora-se ao núcleo essencial daquele tema. Gera um núcleo essencial, uma regra do princípio. Ao ganhar tantas ponderações, adquire a ideia de direito absoluto. Há críticas dizendo que o princípio da proporcionalidade são testes fracos e que é difícil confirmar se não existe um método mais eficaz para atingir um fim. Só que não dá pro teste ser fraco em determinadas situações, pois o direito fundamental é muito importante, como nos casos dos direitos fundamentais de minorias e grupos vulneráveis. Assim, o cuidado para não restringir direitos de grupos já vulneráveis deve ser extremo. Nesses casos, o Judiciário deve considerar as consequências da invisibilidade histórica. Durante o exame do princípio da proporcionalidade, em caso de dúvida em uma das fases, o teste deve ser encerrado, priorizando os direitos fundamentais da minoria em jogo. AULA 13/09/2016 Observações gerais importantes: O teste de proporcionalidade do jeito que foi estudado foi desenvolvido pelo Alexy à luz do Tribunal Federal Alemão. Em vários ordenamentos jurídicos distintos, esse teste surgiu com formulações semelhantes, mas não tão analíticas. Fato é que, no Brasil, apesar de juízes e tribunais adotarem esse teste, não havia no STF acórdão em que os ministros e a Corte como um todo tenham acolhido a proporcionalidade nessas três fases. Em geral, o STF não aplica essa proporcionalidade nos casos concretos. A proporcionalidade usada no STF é mais como um argumento lateral e às vezes retórico, e não como um teste rígido sob perspectiva metodológica. Proporcionalidade X razoabilidade: Para alguns autores, são sinônimos. Usamos proporcionalidade e razoabilidade de modos fungíveis. Para outros autores, caso do Luis Roberto Barroso, a distinção entre elas diz respeito, em ultima análise, na origem. Proporcionalidade vem do direito alemão, razoabilidade do direito inglês, mas no final seriam a mesma coisa, só muda a origem do princípio. Já Virgilio Afonso da Silva acha que são coisas completamente distintas. Ele faz distinção quanto a origem, como a anterior, e diz que a forma de aplicação é completamente diferente. Razoabilidade, nos países de common law, tem mais a ver com invalidação de atos normativos de natureza não razoável. Já a proporcionalidade é o exame trifásico e sucessivo que vimos pra resolver conflitos entre direitos fundamentais. Características dos direitos fundamentais As características dosdireitos fundamentais decorrem das discussões acerca deles. A relatividade, por exemplo, é uma das características que decorrem do fato deles serem princípios e não regras absolutas. → Universalidade: os direitos fundamentais se voltam para todas as pessoas, que são titulares deles. Varias perguntas decorrem dessa afirmação, tipo os questionamentos sobre a titularidade de pessoas jurídicas. Uma corrente entende que, enquanto ficção jurídica que são, não são titulares, enquanto outra corrente diz que não são titulares de todos os direitos fundamentais, mas alguns sim, pois são compatíveis com a natureza da PJ. “O Globo”, por exemplo, vai ser titular do direito à liberdade de expressão, mas não ao direito à saúde, educação, entre outros. Nessa discussão entra o problema do financiamento de campanha por PJ. Temos o sistema misto, no qual os candidatos recebem dinheiro do fundo partidário mais a doação de pessoa física (antes pessoa jurídica podia doar, agora não pode mais). O dinheiro que a pessoa jurídica coloca na campanha tem em vista, geralmente, um retorno. Isso acaba sendo associado à corrupção. Leva também maior poder político à empresa que aos cidadãos, pois financiamento é muito relevante para o marketing da campanha eleitoral. Porém, argumenta-se que as pessoas jurídicas podem escolher “laranjas” pra doarem como se fossem donos do dinheiro, invisibilizando o ato e alegando um problema de transparência. Na Suprema Corte dos EUA, foi decidido que a PJ pode doar. Na nossa solução, o STF decidiu que PJ não é titular de direitos políticos; ela não pode votar e, portanto, não deve interferir nem mesmo economicamente na eleição. Vale dizer que esse acórdão não transitou em julgado e, portanto, ainda pode ser alterado, mas é provável que não. Sintetizando, PJ pode ser titular de direitos fundamentais desde que faça sentido e seja adequado à sua natureza. A segunda discussão sobre universalidade diz respeito aos direitos dos estrangeiros. são titulares dos direitos fundamentais? O caput do art. 5º da CF diz que todos são iguais, garantindo aos brasileiros e estrangeiros residentes no país inúmeros direitos. Mas e o chinês que veio aqui nas olimpíadas? Ele não é titular de direitos fundamentais pois não é estrangeiro residente? A maior parte da doutrina diz que há um erro técnico, um erro de escrita, pois à luz da história da Constituição de 1988, esses caras seriam detentores de determinados direitos. Obviamente alguns direitos não vão ser concedidos a esses estrangeiros, tipo os direitos eleitorais. Outra discussão sobre universalidade é: universalidade de que? Ela não significa que todos têm todos os direitos fundamentais. A universalidade significa que todos possuem a condição de titular desses direitos fundamentais. Qual a necessidade dessa distinção? Existem direitos fundamentais que se vinculam a determinadas características das pessoas. Podem ser vinculados à mulheres, crianças, pessoas com deficiência etc. Alguns direitos se voltam a apenas um grupo. O que todos possuem, na verdade, é a potencial condição de ser titular de um direito fundamental. → Historicidade: o hall dos direitos fundamentais previsto na CF 88 possuem conceitos interpretativos. Sofrem influência do ordenamento jurídico, da história de uma sociedade específica, dos costumes, entre outros. A liberdade de expressão nos EUA, por exemplo, é extremamente ampla, em regra podendo falar muitas coisas, diferente da concepção alemã de liberdade de expressão, que deve respeitar uma ordem de valores constitucional, podendo restringir muitas coisas, sendo diferente também do brasil. Sob natureza descritiva, no Brasil, nossa perspectiva de liberdade de expressão é quase inexistente. Há muita possibilidade de restringir diversas formas de expressão. Não é um valor tão fundamental quanto nos EUA, mas também não tão restringível quanto na Alemanha. A gente tem muita ideia de criminalização da fala, como injúria, calúnia e difamação. Ha até ideia de dano moral coletivo da pessoa jurídica pública. → Indisponibilidade: ela tem a ver com irrenunciabilidade ou inalienabilidade dos direitos fundamentais. Não posso dispor deles. Não posso abrir mão da liberdade de expressão, religiosa etc. Não posso renunciar, vender, transferir meus direitos fundamentais. → Atipicidade: tipicidade é previsão normativa de alguma coisa, de algum conceito, em relação a qual a lei define contornos gerais. A característica da atipicidade traz ideia de que o reconhecimento dos direitos fundamentais não depende de inclusão expressa nos artigos 5º, 6º e 7º da Constituição. Ela tem algumas repercussões, como a possibilidade de reconhecer determinados direitos dispersos previstos na Constituição como fundamentais pelo seu conteúdo vinculado ao assunto. Exemplo do princípio da anterioridade tributária. Além disso, direitos fundamentais podem decorrer de outros regimes, tratados etc. OBS: Os direitos fundamentais são de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Qual a relevância disso? Por que existe o art. 5º, parágrafo primeiro, CF? Existe para conferir maior normatividade, superação do autoritarismo, etc. Ideia de que o legislador não precisa fazer nada para que esses direitos fundamentais sejam aplicados. Análise do sistema brasileiro de direitos fundamentais Os direitos fundamentais na trajetória constitucional brasileira tiveram uma jornada pouco tranquila. O reconhecimento dos direitos fundamentais no nosso ordenamento jurídico, do ponto de vista formal, é antigo, inclusive de direitos sociais, que vem da Constituição de 1934. Porém, na prática, essas Constituições não eram dotadas de normatividade (efetiva, que regulam e conformam a realidade social, representa a realidade dos fatos). Elas eram semânticas (oposto de efetivas, não representam nem buscam representar a sociedade, não tem intenção normativa). Ainda existem constituições no meio termo, que têm a pretensão normativa, mas se analisar, existe distância entre realidade e norma, apesar dela querer se aproximar da realidade. Essas são as Constituições nominais. O constitucionalismo brasileiro é marcado pela espécie semântica de constituição. Existem dois momentos pontuais que temos constituição com pretensão normativa. A Constituição de 46 tinha uma pretensão de normatividade, mas vieram o golpe e os atos institucionais. Depois, veio a Constituição de 88, que tem a pretensão normativa. Porém, observa-se a realidade de que muitos não possuem casa, saúde de qualidade, entre outros. Por isso, alguns dizem que ela é uma constituição nominal. Não é como a Constituição alemã, que a distância entre a norma e a realidade é muito menor. Qual o papel dos direitos fundamentais na Constituição de 88? Discussão sobre a identidade da constituição. O discurso que é predominante diz que ela é democrática e coloca os direitos fundamentais em sua centralidade, e seriam o núcleo axiológico da Constituição, ao redor do qual toda a Constituição deve ser interpretada. Ela veio pra consagrar esses direitos fundamentais, tanto que eles estão no art. 5º, enquanto as outras os traziam nos artigos finais. A Constituição de 88 tem objetivo de solidificar os direitos fundamentais. Porém, muitos falam que a Constituição não mudou muito o panorama brasileiro. Ela consagrou muitos direitos, mas foi algo mais corporativo que promoção de emancipação. Apesar disso, o discurso que predomina é o de centralidade dos direitos fundamentais. Distinção entre direitos e garantias fundamentais: os primeiros são bens jurídicos tutelados em si, enquanto as garantias são os mecanismos previstos pela constituição que permitem a concretização dessesdireitos. Exemplo habeas corpus não é direito fundamental, é uma garantia fundamental, pra garantir a liberdade de ir e vir. Existe um debate sobre a dupla fundamentalidade dos direitos fundamentais. Tem gente que diz ela é uma característica dos direitos fundamentais, mas não faz sentido, pois nem todos têm essa dupla fundamentalidade. Por que um direito é dito fundamental? Existe uma justificativa de natureza formal, significa a Constituição prever o direito fundamental como tal. Na medida em que eu insiro um direito no hall de direitos fundamentais, eu dou uma maior proteção a ele sob perspectiva de reforma constitucional: essa é a relevância. Existe um segundo fundamento, que é a fundamentalidade material. Ela independe do direito estar ou não previsto no hall dos direitos fundamentais; ela se vincula a um juízo de valor quanto à essencialidade daquele direito pra condição de pessoa humana. Se ele se vincula muito à condição humana, ele se vincula à natureza fundamental, independente de ser anunciado como tal. Essa fundamentalidade tem natureza contingente. Ela vai sofrer necessariamente todas as influências histórico-sociais de uma sociedade, inclusive das doutrinas jurídicas. Eu posso ter um direito formal e materialmente fundamental. Ele ta no hall do art. 5º e se vincula à essência dos direitos fundamentais. Posso ter direito formalmente fundamental mas não materialmente, e vice-versa (está em outro lugar da Constituição que não seja o art. 5º, ou num tratado). A relevância é que, pra alguns autores, é possível sustentar que direitos formalmente fundamentais, mas que não são materialmente fundamentais, não gerariam limitação do poder de reforma. Exemplo: são inadmissíveis no processo penal provas adquiridas através de meio ilícito. Para alguns autores, inclusive Barroso, esse direito é formalmente material, mas não materialmente, pois não afeta a condição de humano. Por isso, eles defendem que é possível reformar esses direitos fundamentais. Nessa perspectiva, se direito não for materialmente fundamental, não seria protegido por cláusula pétrea. Essa posição, porém, não é a posição predominante, pois se a Constituinte originária os incluiu nos direitos fundamentais, eles também são cláusulas pétreas. Vale dizer que direitos materialmente fundamentais mas que não são formalmente fundamentais também geram limites à atuação do Legislativo e sobre direitos humanos. AULA 15/09/2016 Posição dos direitos fundamentais no nosso ordenamento jurídico: Título II (artigos 5º, 6º e 7º) da CF, ao lado dos direitos dispersos nela (como o direito à greve) e direitos previstos em tratados internacionais de direitos humanos. Há uma discussão sobre a posição hierárquica desses tratados no ordenamento jurídico brasileiro. O STF entendeu, nos anos 70, que eles teriam status de lei ordinária federal, porém o parágrafo segundo do artigo quinto da Constituição de 1988 abriu espaço para grande discussão, com três correntes. 1ª corrente: os tratados têm natureza supralegal e infraconstitucional. Essa corrente não agrada os internacionalistas pois deixa de prestigiar os tratados internacionais. 2ª corrente: os tratados têm natureza supraconstitucional e podem revogar normas constitucionais. Ideia de que nenhum Estado pode deixar de aplicar tratado de direitos humanos por conta do ordenamento interno. 3ª corrente: os tratados têm natureza constitucional. Os problemas de cada corrente: 1ª corrente: não confere deferência aos tratados. 2ª corrente: entra num debate sobre autonomia do Estado. Como pode algo “de fora” ser mais forte que o ordenamento jurídico interno? 3ª corrente: apesar de conferir deferência aos tratados ao mesmo tempo em que eles não se sobrepunham, resultava em problemas procedimentais. Por isso, foi criado o parágrafo terceiro do artigo quinto, determinando a necessidade de quórum de emenda constitucional. Mas e os tratados incorporados no nosso ordenamento antes do parágrafo terceiro? Eles são supralegais (podem ser votados novamente, se o Congresso Nacional quiser, para tentar atingir o quórum qualificado e ter força constitucional). Em alguns ordenamentos, há a ideia do princípio pró-homine, que nada mais é que romper com a ideia de hierarquia e buscar aplicar o que melhor protege o bem jurídico. Assim, ela permite inverter a pirâmide de Kelsen. Exemplo: se o tratado internacional protege mais, aplica-se ele em detrimento da norma constitucional. Isso gera um problema: fato da proteção interna ser externa ao Estado, se sobrepondo à soberania estatal; esvazio espaço do governo em favor de tratados internacionais. No México, essa ideia é mais aceita. Direitos fundamentais em espécie DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Ela é prevista no art. 1º, III, CF. É um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Historicamente, a dignidade era concebida como um status e não condição inerente do ser humano. Era adquirida através de ascensão social e das funções que ocupavam, aos cargos profissionais. Num segundo momento, a dignidade era atribuída aos Estados, que precisavam dela para se relacionar internacionalmente. Apenas num terceiro momento a dignidade foi atribuída ao homem, através de textos cristãos: a dignidade era conferida ao homem por Deus. A dignidade da pessoa humana se tornou um princípio jurídico principalmente após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de posicionar o ser humano no centro do ordenamento jurídico. É difícil dar um conceito de dignidade da pessoa humana, pois é um conceito relativo acerca do qual ninguém concorda. O caso que ilustra essa relatividade é o de arremesso de anões, no qual o Tribunal Francês entendeu que o arremesso viola a dignidade do anão, não importando se ele está feliz ou não, enquanto o Tribunal dos EUA disse que, se o anão está feliz, não há problema algum. Essa divergência nos leva à duas visões de dignidade, presentes já no pensamento kantiano: Dignidade como autonomia: reconhecimento do indivíduo moralmente autônomo capaz de tomar suas próprias decisões; Dignidade como heteronomia: a dignidade é algo independente do indivíduo e merece tutela do Estado, inclusive contra atitudes próprias do indivíduo (normatividade externa ao indivíduo que impõe algo). Um dos problemas da dignidade como heteronomia está relacionado ao perfeccionismo moral. Surge a ideia de que as pessoas só são perfeitas se seguirem os preceitos morais determinados pelo Estado. Assim, a dignidade como autonomia quer reduzir o poder estatal. Rawls, por exemplo, nem reconheceria a dignidade como heteronomia. Em alguma medida, o conceito de dignidade da pessoa humana é insuficientemente fundamentado. Não existe acordo geral sobre o que ele seja, apesar de todos concordarem que deva ser tutelado. Vantagens desse “vazio”: (i) função retórica, toca o coração das pessoas, (ii) expande o hall de direitos que poderá ser defendido por ela. A desvantagem seria que, por ser muito aberto e servir pra fundamentar qualquer direito, pode levar à banalização. Para Barroso, a dignidade da pessoa humana é composta por três elementos: → valor intrínseco: não instrumentalização; o homem é um fim em si mesmo, ninguém pode ser instrumentalizado; se opõe ao utilitarismo. → autonomia: liberdade; reconhecimento do indivíduo como ser moral capaz de tomar as próprias decisões. → valores comunitários: proteção de determinados valores da sociedade; proteção dos valores compartilhados contra o indivíduo; se assemelha à dignidade como heteronomia (ideia de Barroso era proteger grupos minoritários, mas acaba abrindo espaço para perfeccionismo moral). AnaPaula Barcelos vai adicionar um elemento: o mínimo existencial. Existe um mínimo vital, que é o conjunto de recursos mínimos para alguém sobreviver, porém apenas isso não garante dignidade. Não basta o mínimo vital, é preciso o mínimo existencial para exercer seus direitos, autonomia e liberdade. Isso traz os direitos sociais para dentro da dignidade da pessoa humana, como saúde, educação e assistência aos desamparados (mesmo num Estado de livre iniciativa, não pode abandonar os que não têm o mínimo para viver, sendo necessário disponibilizar recursos, como Bolsa Família e Seguro Desemprego). AULA 20/09/2016 Daniel Sarmento enxerga um alcance horizontal e um alcance vertical da dignidade da pessoa humana. Enquanto a eficácia vertical é a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particular e Estado, a eficácia horizontal é a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares. Como a relação entre particulares é, ao menos teoricamente, de coordenação, de igualdade jurídica, quando os direitos fundamentais são aplicados a essas relações, se fala que os direitos fundamentais têm uma eficácia horizontal. Kant foi o autor que mais contribuiu no conceito desse princípio jurídico ao pensar numa moralidade como lei máxima a ser seguida pelas pessoas. Para ele, o ser humano é capaz de se pautar numa lei moral que é boa em si mesma (imperativo categórico). É como se fosse uma lei universal, agir seguindo uma lei que é válida para todos. Umas coisas têm preço e outras não → as que não têm preço possuem dignidade → os seres humanos. Kant diz que o ser humano é um fim em si mesmo e atribui dignidade a todos eles. Com essa ideia de não instrumentalização, traz uma concepção igualitária. Esse pensamento de Kant possibilita uma evolução de um modelo tradicional de sociedade (hierarquizada) para um modelo moderno ou pós-tradicional de sociedade (igualitária). Isso tudo pode ser visto como uma resposta ao fascismo e nazismo, levando a uma reestruturação dos direitos humanos. No pós-guerra, essa teoria deixa de ser um valor filosófico e é reconhecido e incorporado como princípio jurídico. O pós-positivismo reconhece a necessidade de uma conexão entre direito e moral, que está relacionada com algum princípio de justiça. Essa ideia de moral entra no ordenamento jurídico, em geral, através de princípios, principalmente o da dignidade da pessoa humana. Temos moralidade privada e pública: a privada é uma série de preceitos individuais que não podem entrar no direito; a pública possui uma ideia de razões comunitárias, a qual Rawls chama de razões públicas, na qual a sociedade concorda que é boa. Temos também moralidade positiva e moralidade crítica: positiva é o conjunto de valores ou comportamentos de dada sociedade em um determinado momento (exemplo: a escravidão se inseria na moralidade positiva do Brasil escravocrata); crítica consiste no pensamento de dada época, mas que combate a moralidade positiva, ou ao menos reflete sobre os valores, abstraindo da metafísica histórica - há, pois, uma visão sincrônica da moralidade positiva. O problema disso tudo é que também abre espaço para um perfeccionismo moral. A dignidade da pessoa humana é um valor compartilhado, núcleo axiológico dos ordenamentos jurídicos e possui ideia de irradiação. Segundo Sarmento, ela é fundamento da ordem jurídica e da comunidade política. Ainda possui fundamento hermenêutico, como no caso do direito civil constitucional, propondo-se interpretar o direito civil à luz da dignidade humana e não da propriedade (pretende-se que isso ocorra em todas as áreas do direito). A dignidade ainda possui função retórica para pleitear direitos não previstos. Por fim, alguns autores dizem que a dignidade humana não é direito fundamental, pois não está prevista no art. 5º da Constituição. A dignidade humana ainda possui relevância no conflito de direitos. Num conflito entre normas, deve ganhar maior peso a que mais se aproximar aos conceitos de dignidade da pessoa humana. Ela permite limitar até mesmo direitos fundamentais a ela contrapostos. Serve como um parâmetro de atuação estatal: quando o Estado atuar, deve promover a dignidade da pessoa humana. Como elementos da dignidade, temos primeiramente o valor intrínseco. O trolley problem nos faz concluir que temos um pensamento utilitarista. A dignidade da pessoa humana nega esse pensamento, pois, no caso citado, estaríamos instrumentalizando o gordinho do trolley problem para salvar outras cinco vidas; ou seja, ela se volta contra o utilitarismo. Barroso ainda diz que os valores intrínsecos protegem contra atos autorreferentes, levando a um debate entre autonomia e heteronomia. Como aplicação prática do valor intrínseco da dignidade da pessoa humana, temos a proibição de aplicação de penas cruéis, proibição da tortura e trabalho escravo, entre outros. AULA 22/09/2016 Outro elemento da dignidade da pessoa humana é a autonomia, que entra em conflito com a imposição de moralidades positivas. A autonomia é a capacidade do indivíduo de se autodeterminar e está associada à liberdade de agir e de tomar decisões sobre si mesmo. Divide-se em autonomia privada e pública. A autonomia privada é a capacidade de tomar decisões em sua vida particular. É uma espécie de escudo contra dois fenômenos: paternalismo e perfeccionismo moral. O paternalismo envolve a atuação do Estado que visa proteger o indivíduo contra decisões erradas que violam o interesse legítimo da pessoa (ex: usar cinto de segurança – é um interesse legítimo da pessoa não morrer ou ficar ferida). O perfeccionismo moral é impor algo a alguém por considerar correto, sem considerar os interesses legítimos das pessoas (ex: impor uma religião). Há, por exemplo, grande incidência de perfeccionismo moral nos direitos sexuais. Porém, não cabe ao Estado nem aos indivíduos dizer como as outras pessoas devem conduzir suas vidas. A autonomia privada ainda produz uma relativização do que é existencial ou não. Para uma trans, por exemplo, usar saia é direito de questão existencial. Para homem cis hétero, não. Na autonomia privada, deve haver respeito às decisões dos indivíduos. Já a autonomia pública é a capacidade do indivíduo de influenciar na sociedade coletiva, possibilidade de reivindicar sua participação no empreendimento social. O indivíduo escolhe o que rege sua vida não só em si, mas também de forma social. É a capacidade de se autogovernar por meio de atuação política. O problema é que muitos grupos sociais não têm representatividade nem espaço na política: analfabetos, presidiários, mulheres, negros, LGBT. Na autonomia, seja pública ou privada, temos os danos a terceiros como limites à autonomia (cinto de segurança é um exemplo). Barroso, na linha de Kant, defende carga de heteronomia na dignidade e diz que ela protege contra atos autorreferentes. O problema é que a proteção do indivíduo contra si mesmo acaba diminuindo a autonomia. O terceiro elemento da dignidade da pessoa humana é o mínimo existencial. Dela provém a ideia de que é preciso condições materiais para exercício da vida digna. Para garantir autonomia pública e privada, é necessário condições materiais básicas. Para Ana Paula Barcellos, essas condições materiais básicas são educação básica, saúde básica, assistência aos desamparados e acesso à justiça. Divergindo de Sarmento e Barcellos, Barroso acha que o mínimo existencial não é um elemento autônomo da dignidade, mas sim está dentro da autonomia. Há ainda a eficácia negativa e vedativa do retrocesso, ou seja, o mínimo vai se ajustando às condições sociais (ele pode aumentar). O mínimo existencialnão envolve bens simbólicos ou morais, apenas materiais. Por fim, Sarmento critica o elenco exaustivo de direitos no mínimo existencial. AULA 27/09/2016 Para Sarmento, o reconhecimento também é um elemento da dignidade da pessoa humana, pois a dignidade envolve o reconhecimento da identidade das pessoas. É a necessidade das pessoas de serem respeitadas por sua identidade. Os movimentos sociais ganham importância nesse tema, principalmente o movimento feminista, negro e LGBT, que são os chamados novos movimentos sociais. As instituições geralmente nem coisas a essas pessoas, ferindo suas dignidades. Justiça → Dignidade → Distribuição de bens → Reconhecimento Por um lado, nos movimentos sociais, geralmente, há demandas puramente de distribuição, como dos proletários. Outros demandam reconhecimento, como o movimento feminista e LGBT. Porém, há movimentos que demandam os dois, como alguns recortes do movimento negro. Para Axel Honneth, para a vida plena, há três formas de reconhecimento: 1) Nas relações entre as pessoas. Se ganha autoconfiança. 2) Em relação à sociedade (perco esse reconhecimento quando o sistema jurídico me nega algo que tenho direito). Se ganha autorrespeito. 3) Tentar buscar meu melhor a partir do momento que tenho autoconfiança e autorrespeito. De modo geral, o reconhecimento inclui todos no âmbito do direito, garantindo proteção jurídica. É uma superação da discriminação quanto às diferenças. Mais um elemento da dignidade da pessoa humana é o valor comunitário, segundo Luis Roberto Barroso (Sarmento diz que não é elemento). É um elemento social, uma forma de proteger valores compartilhados de uma sociedade. É uma forma de legitimar as medidas contra atos autorreferentes. Barroso tinha ideia de valorizar diferentes culturas, mas acabou levando a um perfeccionismo moral. É difícil dizer que há valores compartilhados para preservar a dignidade que se impõem a todos. Isso pode cair no perfeccionismo moral e privar o indivíduo de viver suas próprias escolhas. Para finalizar o tema da dignidade da pessoa humana, é importante dizer que o STF já usou a mesma como embasamento para solucionar diversos casos concretos. IGUALDADE A ideia de igualdade é antiga no pensamento da humanidade, vindo desde a antiguidade. O problema é que se trata de um conceito relativo, vazio de conteúdo. As pessoas são iguais em relação a algo, o que revela sua relatividade. Para Aristóteles, por exemplo, igualdade é tratar igual os iguais e desigual os desiguais, na medida da desigualdade. A ideia de igualdade muda ao longo do tempo com os movimentos liberais. Vem ideia de indivíduo abstrato: todos têm disponíveis as mesmas condições e, portanto, se sujeitam igualmente às leis (isso foi uma ruptura na época, pois as pessoas ocupavam lugares distintos em camadas sociais e daí possuíam privilégios ou não). Porém, logo surgiu um problema: somos todos humanos, mas temos contextos histórico-sociais que regulam o gozo de um direito. Havia, sob perspectiva jurídica, uma igualdade formal. Considerava-se um indivíduo abstrato. OBS: igualdade perante a lei: a lei se aplica igualmente a todos? X igualdade na lei: se a lei emprega padrões racionais para definição das situações e pessoas a quais se aplica; a lei sempre é discriminatória (ex: dá capacidade civil a uns e não a outros); a questão é se os parâmetros usados são razoáveis. A igualdade na lei protege contra classificações suspeitas (contra negros, mulheres, gays). Por exemplo, não seria razoável proibir a participação de negros num concurso público. A partir disso, a igualdade não é mais apenas forma, mas sim ganha um elemento substancial (pois nem todas as classificações são permitidas, deve haver pertinência). Assim, o discurso da igualdade formal se tornou insuficiente e ganhou força a igualdade material. Considera-se que nosso ordenamento jurídico não se aplica de maneiras iguais. Roberto DaMatta contribuiu no assunto ao analisar como o brasileiro se comporta no cotidiano, criando a teoria do “você sabe com quem está falando?”. Ele diz que, no Brasil, um sujeito se divide no binômio casa e rua. Na rua, o sujeito é um indivíduo em abstrato. Em casa, ele é uma pessoa e adquire a maior concretude possível. Em geral, o sujeito tem medo de ser tratado como igual na rua e “foge para casa”. Assim, tenta personalizar relações impessoais. Se o sujeito é parado na blitz por um policial, com o qual não possui qualquer relação, ele tenta personalizar essa relação impessoal, tenta se colocar como pessoa concreta e não ser visto como indivíduo abstrato. Ele tenta revelar condição de pessoa e não indivíduo para fugir da dura pena da lei. Caso não tenha a quem recorrer ou como se impor, emprega-se o famoso jeitinho. Concluindo, só sofre a dura pena da lei quem não tem a quem recorrer ou como dar um “jeitinho”; em geral, as pessoas de classe mais baixa. A sociedade brasileira é avessa à aplicação da lei, que só serve para o “João Ninguém”. Assim, explica-se a ideia da igualdade material, em oposição à igualdade formal (pensa no indivíduo abstrato). A igualdade material olha para o contexto de uma pessoa para equiparar as diferenças. Ela não depende apenas de tecnicidade, mas de algo mais substancial. Deve haver igualdade de oportunidades (mínimo de bens para que as pessoas sejam autônomas e reconhecidas) ou resultados? De oportunidades, para que indivíduo possa se desenvolver plenamente. Assim, a Constituição prevê direitos sociais. Há a ideia de igualdade como combate à discriminação, que possui fundamento no art. 3º, IV, CF. Existem dois tipos de discriminação: direta e indireta. A discriminação direta ocorre quando o ato normativo tem propósito de reduzir o desfrute de direitos de grupos historicamente marginalizados ou, apesar de não ter intenção, emprega critérios contra esses grupos. Porém, ocorre também a discriminação indireta, já que é difícil que a lei faça discriminação claramente. Nesse caso, a lei emprega critérios que, na prática, geram os mesmos efeitos que gerariam se fosse uma discriminação evidente. Esses critérios são aparentemente neutros, razoáveis, mas produzem discriminação contra grupos desprotegidos durante sua aplicação. Um exemplo é prova de força física para policiais, na qual quase todos os aprovados são homens e as mulheres são eliminadas majoritariamente nessa fase. Há a ideia de colocar critérios, aparentemente neutros e razoáveis, que determinados grupos protegidos não possuem condições de satisfazer. Essas leis geram impacto desproporcional sobre esses grupos. É difícil demonstrar essa discriminação, pois depende de estatísticas e análises. Um exemplo é o crime de pederastia: ele enquadra qualquer relação sexual em ambiente militar, mas os maiores afetados são os homossexuais. O efeito é praticamente o mesmo se a lei expressasse a proibição das relações homossexuais. AULA 29/09/2016 Não houve aula.
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