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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Curso de Direito, campus Poços de Caldas Frank de Oliveira Marques DIREITO PENAL SIMBÓLICO E FEMINICÍDIO: análise da Lei n. 13.104/15 à luz do Simbolismo Penal Poços de Caldas 2016 Frank de Oliveira Marques DIREITO PENAL SIMBÓLICO E FEMINICÍDIO: análise da Lei n. 13.104/15 à luz do Simbolismo Penal Monografia apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, campus Poços de Caldas, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Professor Orientador: José Carlos Trinca Zanetti Poços de Caldas 2016 Frank de Oliveira Marques DIREITO PENAL SIMBÓLICO E FEMINICÍDIO: análise da Lei n. 13.104/15 à luz do Simbolismo Penal Monografia apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, campus Poços de Caldas, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. _____________________________________________________________________ Prof. José Carlos Trinca Zanetti – PUC Minas Examinador(a) - PUC Minas Examinador(a) - PUC Minas Poços de Caldas/MG, ____ de ____________ de 2016. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos os professores que passaram na minha vida e plantaram a semente do conhecimento e em especial o meu orientador pelo emprenho dedicado na elaboração deste trabalho. Agradeço meus pais que proporcionaria a melhor estrutura familiar que uma pessoa pode ter. Por último, mas não menos importante, agradeço a Deus ter dado saúde e felicidades a toda minha família e por não ter me deixado desistir. “Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito. Não sou o que deveria ser, mas Graças a Deus, não sou o que era antes”. (Marthin Luther King) RESUMO O estudo ora apresentado visa estudar a figura típica do feminicídio sob o prisma do Direito Penal Simbólico. A referida figura típica, trazida para o ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei n. 13.104/15, suscitou inúmeros questionamentos de ordem doutrinária e prática, dentre eles, destaca-se a correlação com o denominado Direito Penal Simbólico, uma vez que, para determinados autores, a tipificação em questão não possui qualquer valor prático, se apresentando com uma lei penal meramente simbólica. O enfoque do trabalho é, portanto, analisar se o feminicídio se apresenta como uma representação do direito penal simbólico, especialmente por sua similaridade com a figura do homicídio qualificado por motivo torpe ou fútil, já existente no ordenamento jurídico brasileiro há muito tempo. Palavras-chave: Direito Penal Simbólico. Simbolismo Penal. Feminicídio. Aplicabilidade. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7 1 DO SIMBOLISMO PENAL ................................................................................... 9 1.1 Da política criminal ....................................................................................... 11 1.2 Da influência midiática na política criminal ................................................ 16 1.3 Do Direito Penal Midiático ............................................................................ 25 2 DA LEI Nº 13.104/15, O FEMINICÍDIO .............................................................. 27 2.1 Conceito ........................................................................................................ 27 2.2 Justificativa do Projeto de Lei 292/13 ......................................................... 33 3 ANÁLISE DA LEI N. 13.104/15 À LUZ DO SIMBOLISMO PENAL ................... 37 3.1 Argumentos favoráveis à tipificação do feminicídio ................................. 37 3.2 Argumentos contrários à tipificação do feminicídio ................................. 42 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 49 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 52 7 INTRODUÇÃO Atualmente, a violência contra a mulher é um tema amplamente debatido tanto no meio acadêmico quanto mídias sociais e televisivas. Os vários tipos de debates promovidos nos trabalhos acadêmicos tendem a criar um consenso e pacificar a figura do feminicídio. Ademais por ser um tema novo, cada pesquisa e abordagem teórica é valida para entender os vários posicionamentos dos pesquisadores do direito. Assim, o presente estudo monográfico objetiva analisar o feminicídio sob a ótica da teoria do Direito Penal Simbólico, considerando, por oportuno, se tratar de alteração legislativa recente, visto que ocorrida no ano de 2015. A aprovação da Lei Nº 13.104, de 9 de março de 2015 traz alterações no Código Penal Brasileiro, que são significativas e necessárias de aprofundamento teórico doutrinário e jurisprudencial para o profissional que estuda a ciência do direito. Para tanto, após a referida introdução, o primeiro capítulo abordará a teoria do Simbolismo Penal, conceituando-a de maneira clara e concisa. No aludido capítulo, a temática da política criminal também será analisada, passando pelo debate acerca da influência midiática no processo penal, culminando na análise do Direito Penal Simbólico, tendo como fonte primordial a obra de Luiz Flávio Gomes, “Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico”. Posteriormente, o segundo capítulo analisará mais detidamente a Lei n. 13.104/15, começando com a análise conceitual do feminicídio, suas origens jurídicas e fáticas, assim como seus principais desdobramentos. Por fim, o referido capítulo analisará a justificativa do Projeto de Lei que deu ensejo ao instrumento jurídico ora estudado. No que atine aos desdobramentos do feminicídio, o terceiro capítulo tratará dos mesmos, vez que a principal questão repousa na real necessidade da tipificação em estudo. Neste ponto, as principais posições favoráveis ao feminicídio serão elencadas, com vistas em uma análise do instituto em estudo. Após, serão trazidas à baila as principais posições contrárias ao feminicídio. Buscar-se-á responder a seguinte questão: a Lei n. 13.104/15, responsável por inserir no ordenamento jurídico vigente a figura típica do feminicídio, resultante do homicídio praticado contra mulheres em razão do gênero feminino, se apresenta 8 como fruto de um dispensável simbolismo penal que em nada melhorará a vida das mulheres? A presente monografia, de caráter dedutivo, adota a metodologia de pesquisa bibliográfica. Na abordagem sobre o tema, realizar-se-á primeiramente o fichamento bibliográfico das obras por ordem de classificação por interesse temático e por ordem cronológica, após. É de se anotar, contudo, que emse tratando de alteração legislativa datada do ano de 2015, a doutrina ainda é escassa sobre a temática central, assim como os principais doutrinadores de direito penal ainda analisam os primeiros passos do instituto do feminicídio. 9 1 DO SIMBOLISMO PENAL A inovação legislativa, representada pela criação de novos tipos incriminadores, é algo que se encontra presente no cotidiano brasileiro. Sendo assim, é necessário que se analise os conceitos relativos ao que a doutrina chama de “simbolismo penal”. Inicialmente, Rogério Greco chama a atenção para os recorrentes casos de crimes abordados pela mídia, fazendo com que grande parcela da sociedade fique revoltada, clamando para que haja um Direito Penal mais rigoroso, ou seja, para que as leis endureçam suas punições. 1 Este clamor social faz com que o legislador se sinta da obrigação de dar uma resposta para a sociedade, dando ensejo à criação de leis que, por vezes, não atendem aos objetivos que se propõem. Segundo Gunter Jakobs e Manuel Cancio Meliá, o que se denomina “direito penal simbólico” nasce, primeiramente, com a neocriminalização. Tal instituto pode ser entendido como a criação de tipos penais que, na prática, não atingem os resultados esperados, sendo, pois, “simbólicos”. 2 Este direito penal simbólico, como cediço, não é capaz de cumprir com as finalidades precípuas a que foi criado, assim como também não logra êxito em proteger o bem jurídico tutela, função primordial do Direito Penal. Neste diapasão, o simbolismo é perceptível uma vez que a norma exercerá efeitos que são apenas temporários, vindo a perder sua efetividade e até mesmo sua confiabilidade com o passar do tempo, haja vista que não desempenha fielmente as funções a que se propôs. 3 Luiz Flávio Gomes aborda o simbolismo penal relacionando-o com o discurso populista punitivsta, da seguinte forma: O chamado direito penal simbólico tem estreito vínculo com o discurso populista punitivista, que reivindica (explorando a emotividade da reação ao 1 GRECO, Rogério. A quem interessa uma justiça penal sobrecarregada? Disponível em <http://rogeriogreco.jusbrasil.com.br/artigos/121819867/a-quem-interessa-uma-justica-penal- sobrecarregada>. Acesso em: 31 ago. 2016. 2 JAKOBS, Gunter; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. (Organizado e Traduzido por: CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José). 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 55. 3 JAKOBS, Gunter; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. (Organizado e Traduzido por: CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José). 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 55. 10 delito) a produção de leis penais novas cada vez mais severas, com a ciência de que essas leis, sob a roupagem de uma atuação política instrumental e eficaz, na verdade, em nada alteram (ao menos a médio e longo prazos) a realidade da proteção dos bens jurídicos (ou da tutela da segurança pública), limitando-se, nesse campo, somente a emitir mensagens (imediatistas) de tranquilização coletiva ou de preocupação com o tema. 4 Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Perangeli asseveram que a referida função simbólica de algumas normas penais não propiciam a solução direta do problema existente, ou seja, não protegem efetivamente os bens jurídicos. Lado outro, causam apenas uma falsa sensação de tranquilidade para a sociedade e, de certo modo, iludindo-a. 5 Ademais, a consequência lógica da existência de simbolismo penal em demasia é a perda da confiabilidade nas normas, que se tornam incapazes de protegerem o bem jurídico doravante tutelado. Sobre a referida perda de confiabilidade, Gunter Jakobs e Manuel Cancio Meliá ressaltam que o excesso de simbolismo nas normas penais gera enorme descrédito perante a sociedade, especialmente partindo do pressuposto que a criminalização de uma conduta deveria ter função pedagógica, objetivo impossível de se alcançar com uma norma meramente simbólica. 6 Do ponto de vista punitivo, importa mencionar que uma norma penal que possua função simbólica não encontra guarida em um sistema garantista. Ora, como manter custodiada determinada pessoa que cometeu conduta cuja tipificação não protege efetivamente um bem jurídico? Louk Hulsman e Jacqueline Bernat de Celis questionam, ademais, que na ocorrência de uma sanção não cumprir sua função pedagógica e de prevenção, possuindo apenas função simbólica, a mesma será inconstitucional, haja vista a ausência de pressuposto para sua aplicação. 7 Neste interim, Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Perangeli coadunam com tal posicionamento, ressaltando que a pena igualmente possui uma função 4 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 22. 5 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 80. 6 JAKOBS, Gunter; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. (Organizado e Traduzido por: CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José). 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 55. 7 HULSMAN, Louk. CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: O sistema penal em questão. (Tradução: KARAM, Maria Lúcia). 1. ed. Rio de Janeiro: Luam, 1993, p. 12. 11 simbólica, porém, se apenas esta função for cumprida, não haverá justificativa para a imposição de qualquer sanção ao suposto infrator. 8 Anote-se, por derradeiro, que o simbolismo ora em estudo não é exclusivo apenas das leis penais, existindo em todas as searas do direito. Porém, no que diz respeito às normas penais, estas tendem a trazer consigo maior grau de simbolismo, haja vista serem mandamentos de proibições que deveriam, em tese, efetivar a proteção a determinado bem da sociedade. 9 Sendo assim, é possível analisar a relação do simbolismo penal com a política criminal que permeia o ordenamento jurídico brasileiro, objetivando traçar as linhas introdutórias para a temática centra da presente monografia, que é o confronto da Lei do Feminicídio com o supracitado simbolismo penal. 1.1 Da política criminal A política criminal pode ser inicialmente conceituada como sendo a arte legislativa que transpõe o direito penal da teoria para a prática, demonstrando os meios que o legislador pode utilizar para proteger o direito natural da sociedade (bem coletivo) e, consequentemente, prevenir o crime. 10 Para entender as noções de política criminal é necessário, primeiramente, trabalhar alguns pontos, ainda que de forma sucinta, sobre a criminologia. Etimologicamente, criminologia vem do latim crimino, que significa “crime”, assim como do grego logos, significando “estudo”. Assim, pode ser entendida como “estudo do crime”. Entretanto, Sérgio Salomão Schecaira ressalta que a criminologia não estuda apenas o crime, mas também as circunstâncias sociais, a vítima, o criminoso, o prognóstico delitivo, entre outros fatores. 11 De outro lado, a palavra “criminologia” foi pela primeira vez usada em 1883 por Paul Topinard e aplicada internacionalmente por Raffaele Garófalo, em seu livro Criminologia, no ano de 1885. 12 8 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 31. 9 JAKOBS, Gunter;MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. (Organizado e Traduzido por: CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José). 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 56. 10 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 14/28. 11 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 17. 12 João Farias Júnior entende ser a criminologia uma ciência empírica13 e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das condutas criminosas. 14 Por ser eminentemente empírica, o objeto de estudo da criminologia (crime, criminoso, vítima e controle social) é visível no mundo real e não no mundo dos valores, como ocorre com o direito, que é uma ciência mais normativa e valorativa. Ademais, trata-se de ciência cuja interdisciplinaridade advém de sua própria consolidação histórica como ciência dotada de autonomia, tendo em vista a influência profunda de diversas outras ciências, tais como a sociologia, a psicologia, o direito, a medicina legal etc. Dito isso, verifica-se que a política criminal possui como base a própria criminologia, podendo ser vislumbrada como o conjunto de princípios do conteúdo sistemático e garantista que visam a investigação científica sobre as causas do crime e da eficácia da sanção penal, através da qual o Estado deve utilizar para a batalha contra a criminalidade. 15 No entender de Luiz Flávio Gomes, a política criminal é uma ciência cujo campo é extremamente amplo, de muitas possibilidades, inclusive a tarefa de, através da atividade legislativa, auxiliar na prevenção da criminalidade e na proteção da sociedade. Sendo assim, pode-se entender que a política criminal se debruça sobre os meios de combate ao crime, depois deste ter sido cometido, verificando como as leis em vigência podem se adequar ao fenômeno em questão. A título de complementação, há quem adote a posição de que as ciências relacionadas ao fenômeno do crime e suas adjacências se dividem em: Direito Penal; Política Criminal e Criminologia. A primeira se apresenta como a ciência jurídica metódica. A segunda, como a investigação dos elementos eficazes para garantir os fins previstos pelo Direito Penal, ao passo que a terceira se apresenta como uma ciência especulativa, indicando teoricamente os fenômenos e fatores sociais do crime. 16 12 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 17. 13 Empírica: baseada na observação e na experiência. 14 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 4. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 76-88., p. 76. 15 MOLINA, Antônio Garcia Pablos. Criminologia: introdução e seus fundamentos teóricos. Trad. Luís Flávio Gomes. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 33. 16 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 11. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 101. 13 Entretanto, Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli asseveram que a política criminal possui um escopo mais amplo do que o tradicionalmente cunhado. Para os referidos doutrinadores, a mesma pode ser uma disciplina de observação, definindo quais os objetivos do sistema penal e como serão alcançados, assim como a tarefa de legislar corretamente, objetivando obter os mais eficazes resultados no embate contra a criminalidade. 17 Com base na finalidade da política criminal trazida pelos doutrinadores supracitados, importante mencionar que a Constituição Federal de 1988 determina a competência para legislar sobre o processo de criminalização ou descriminalização de determinadas condutas, sobrelevando, pois, os bens jurídicos que necessitam de maior cuidado. Tais competências fazem com que o legislativo tenha a responsabilidade de criar a descrição das condutas socialmente reprovadas, com tese nos anseios da coletividade, assim como as sanções que serão cominadas para aqueles que violarem a lei. Neste diapasão, a atividade legislativa deveria ser, em tese, precedida de uma análise sob o escopo das políticas criminais aplicáveis a cada caso concreto, de modo a dar a efetiva e devida resposta ao problema da criminalidade, sem que existam excessos ou lacunas na lei, impossibilitando sua efetividade. 18 De outro lado, a política criminal também analisa todos os fenômenos que circundam a problemática da criminalidade, como, por exemplo, a marginalidade social e a desigualdade de renda. Assim, Luiz Flávio Gomes chama a atenção para a necessária autonomia que a política criminal deve ter, não se apresentando como ciência meramente auxiliar do Direito Penal e da Criminologia. 19 Corroborando com o pensamento supra, João Farias Júnior entende que a política criminal deve ser o fundamento do discurso social e legal da descriminalização ou criminalização de condutas, moldando seus comandos com base nos interesses sociais previstos na Constituição. 20 17 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 50. 18 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 20. 19 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 20-31. 20 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 4. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 76-88., p. 32. 14 Contudo, a aplicação do direito penal depende de vários fatores, a serem analisados em cada caso concreto, através da integração da norma na realidade prática, atitudes que não mais dependem do legislador, mas sim dos órgãos responsáveis pelo julgamento (Poder Judiciário). 21 A política criminal também lança seus olhares para o que se denomina “prevenção delitiva”, ou seja, um conjunto de ações que objetivam evitar a ocorrência do delito. 22 Ressalta-se que a noção de prevenção delitiva não é algo novo, passando por inúmeras transformações com o passar dos tempos em função da influência recebida de várias correntes doutrinárias. Sedimentando tal temática, Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli asseveram que o Estado de Direito, o qual deveria prevenir atos nocivos e consequentemente manter a paz e harmonia social, por muitas vezes mostra-se insuficiente. Para tanto, faz-se necessário a existência de dois tipos de medidas: uma atingindo indiretamente o delito e outra, diretamente. 23 Em resumo, vez que não se trata da temática central do presente trabalho, as medidas indiretas objetivam analisar as causas do crime, sem, contudo, atingi-lo imediatamente. Trata-se de ação que demanda um campo de atuação intenso e extenso, buscando todas as causas possíveis da criminalidade, próximas ou remotas, genéricas ou específicas. 24 Assim, as ações indiretas focalizam em dois caminhos básicos: o indivíduo e o meio em que ele vive. Sobre o indivíduo, é analisado seu aspecto pessoal, seu caráter e temperamento, objetivando moldar e motivas a sua conduta, ao passo que o meio social é analisado sob enfoque múltiplo, conjugando como as medidas sociais, políticas e econômicas podem proporcionar uma sensível melhoria de vida ao ser humano. 25 21 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 4. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 76-88., p.76- 88. 22 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 14-88. 23 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 71-98. 24 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 27-60. 25 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 4. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 76-88. 15 Ressalta-se, contudo, que da mesma forma que o meio pode levar o homem à criminalidade, também pode ser um fator estimulante de alteração comportamental positiva. Nesse aspecto, a urbanização das cidades, o fomento de empregos e reciclagem profissional, a educação pública, gratuita e acessível a todos, dentre outras políticas públicas, podem claramente imbuir o indivíduo de boas ações e oportunidades. Já as medidas diretas de prevenção criminal direcionam-se para a infração penal que já ocorreu ou que está em formação. Para tanto, grande valia possuem as medidas de ordem jurídica, dentre as quais se destacam aquelas atinentes à efetiva punição de crimes graves, como nos casos dos delimitados no rol de crimes hediondos. Sobre a atuação direta em questão, Luiz Flávio Gomes traz alguns exemplos: atuação da polícia ostensiva em seu papel de prevenção, manutenção da ordem e vigilância; aparelhar e treinar as polícias judiciárias para a repressão delitiva em todos os segmentos da criminalidade; repressão jurídico-processual, além de medidas de cunho administrativo, contra o jogo, a prostituição, a pornografia generalizada etc.; elevação de valores morais, com o culto à família, religião, costumes e ética, além da reconstrução do sentimento de civismo. 26 Portanto, além de delimitar as fronteiras da punibilidade, a política criminal é responsável por ditar quais normas são eficazes para o ordenamento jurídico vigente, revogando ou alterando aquelas que não sejam, complementando-as, se necessário. Não se trata de seara imutável, estagnada, pelo contrário: deve estar em constante mutação, acompanhando os anseios e as vontades da sociedade, sob as quais se constroem a valoração dos bens jurídicos. 27 Entretanto, importa mencionar que a política criminal, por vezes, atropela suas próprias finalidades, criando tipos penais, normas incriminadoras que representam um anseio social momentâneo ou que não atingem o objetivo primordial, que seria a proteção de bem jurídico determinado. Tais atropelos ocorrem, muitas vezes, por influência de órgãos ou camadas da sociedade que não deveriam exercer tanta influência como efetivamente 26 GOMES, Luiz Flávio. Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 14-88. 27 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 4. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2009, p. 76-88.. 16 exercem. Para o caso em tela, explanar-se-á um pouco acerca da influência midiática na elaboração de políticas criminais e consequente criminalização de condutas, conforme se passa a expor adiante. 1.2 Da influência midiática na política criminal A palavra mídia é de origem latina (plural de médium, que quer dizer meio), a qual é muito utilizada nos dias atuais, porém não é fácil encontrar uma definição para o termo, pois muitas vezes é utilizada como uma “designação genérica dos meios, veículos e canais de comunicação, como, por exemplo, jornal, revista, rádio, televisão, outdoor, etc.”28 É notável que desde os primórdios a curiosidade sempre foi uma característica da população, suscitando assim a vocação dos contadores de história, que iam desde os aedos gregos aos troveiros da Idade Média, os quais cumpriam uma função de comunicação. Na Antiguidade e na Idade Média há a figura dos mensageiros, os quais pertenciam a uma rede de coleta e difusão de informação, que se fazia de forma oral ou por escrito. Essas notícias eram levadas ao conhecimento de um público, por diversas vias, do pregoeiro ao cartaz-edital29. A partir do século XV ocorreu uma série de fatores que contribuíram para o aumento da sede por notícias no Ocidente, sendo eles políticos, econômicos e intelectuais, dados pelo Renascimento, as Reformas, os processos de trocas bancárias e comerciais30. Na metade do século XX, os meios de comunicação dão um grande salto no quesito proporção, com o desenvolvimento tecnológico e o surgimento de novas mídias, tal como a televisão. Foi na década de 30 que ocorreu na Alemanha, a primeira transmissão oficial de televisão e rádio, com o uso de ondas curtas, transformou-se em um grande instrumento de propaganda política, ideológicas e 28 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2010. 29 BOLDT, Raphael. Criminologia Midiática: Do Discurso Punitivo à corrosão simbólica do Garantismo. Curitiba: Juruá, 2013. p. 57. 30 BOLDT, Raphael. Criminologia Midiática: Do Discurso Punitivo à corrosão simbólica do Garantismo. Curitiba: Juruá, 2013. p. 57. 17 comercial. Na década seguinte, começam a serem produzidos filmes especiais para a televisão. Porém a grande revolução veio mesmo com o surgimento da internet31. Na década de 70, com o desenvolvimento dos meios de comunicação “a mídia começava a deixar o papel de mero veículo de informação, com efeitos limitados e de curto prazo, para se transformar em agente construtor de realidades na vida dos indivíduos” 32. Atualmente, os meios de comunicação deixaram de ser entendidos como meros canais, passando a serem vistos como grandes responsáveis para a formação da opinião pública interferindo na maneira de como as pessoas formam sua convicção. Observa-se também nesse novo paradigma “a ampliação quantitativa e qualitativa do conhecimento, objeto dos meios de comunicação de massa e fator condicionante da inovação técnica e do crescimento econômico” 33. Assim, na década de 90, o termo mídia passa a ser amplamente utilizado, tendo como a melhor definição defendida por Luana Magalhães de Araújo Cunha e Venício Arthur de Lima, que assim lecionam: O conjunto de instituições que utiliza tecnologias específicas para realizar a comunicação humana. Vale dizer que a mídia implica na existência de um intermediário tecnológico para que a comunicação se realize. A comunicação passa, portanto, a ser uma comunicação midiatizada. Este é um tipo específico de comunicação que aparece tardiamente na história da humanidade e se constitui em um dos importantes símbolos da modernidade. Duas características da mídia são a sua unidirecionalidade e a produção centralizada e padronizada de conteúdos. Concretamente, quando falamos de mídia, estamos nos referindo ao conjunto das emissoras de rádio e de televisão (aberta e paga), de jornais e de revistas, do cinema e das outras diversas instituições que utilizam recursos tecnológicos na chamada comunicação de massa.34 Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli35 consideram “os meios de comunicação de massa uma verdadeira fábrica de realidades, capaz de construir 31 PEREIRA, André Luiz Gardesani. Júri, Mídia e Criminalidade: Proposta tendente a evitar a influência da mídia sobre a soberania dos veredictos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 102, n.928, fev. 2013. 32 CUNHA, Luana Magalhães de Araújo. Mídia e Processo Penal: A influência da imprensa nos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida à luz da Constituiçãode 1988. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v.20, n. 94, p.202, jan./fev. 2012. 33 BOLDT, Raphael. Criminologia Midiática: Do Discurso Punitivo à corrosão simbólica do Garantismo. Curitiba: Juruá, 2013. p. 57. 34 LIMA, Venício Artur de. Mídia: teoria e política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2011. 35 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 71-98. 18 a realidade mediante a projeção de imagens e discursos que produzem efeitos reais sobre situações definida como reais”. Nos termos supracitados, incumbiria ao Estado prevenir e combater a criminalidade de várias formas, destacando, para o presente estudo, a utilização da política criminal para indireta ou diretamente atingir o referido objetivo. Sendo assim, o interesse público é fator determinante no momento de confecção de determinada lei. Luiz Flávio Gomes36 conceitua o Interesse público como sendo o interesse de uma coletividade vista em sua totalidade, personificando o próprio Estado. Trata- se do interesse da preservação constante dos valores transcendentais da sociedade. Não se trata do interesse de um ou de alguns, nem mesmo é o interesse só do Estado, enquanto pessoa jurídica empenhada na consecução de seus fins. É o interesse de todos, na acepção abrangente e abstrata. É evidente que exista um interesse público que não prejudique as questões judiciais, contudo, a desenfreada influência de interesses esparsos ou momentâneos na elaboração de leis pode gerar certo transtorno, de ordem prática e teórica. Apenas a título ilustrativo, importa trazer o pensamento de Ana Lúcia Menezes Vieira, que considera que a opinião pública não é construída livremente, sendo, porém, o reflexo da opinião dos próprios meios de comunicação, uma vez que a mídia seleciona os assuntos, ouve os especialistas que quiser, faz a matéria e, após sondagens de opinião, divulga as reações do público que ela mesma provocou.37 Diante disso, a imprensa opera com a emoção, em busca de aumentar os índices de audiência, enquanto que o processo legislativo subordina-se, em tese, ao procedimento previsto em lei, inclusive na Constituição Federal. Ademais, a mídia em razão de sua facilidade de chegar até a população, possui intenso poder de influenciar a vida cotidiana das pessoas. De acordo com André Luiz Gardesani Pereira, “a consciência social, como argila na mão de um 36 GOMES, Luiz Flávio. Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 14-88. 37 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 19 artesão, pode muito bem ser formada e deformada pelos meios de comunicação de massa.” 38 Pelo magistério de Raphael Boldt, a mídia difunde e legitima a ideia de que “todo bandido deveria morrer”, de que “temos que aumentar as penas dos crimes”, “criar leis mais rígidas”, “instituir a pena de morte”, entre outras assertivas, as quais, possivelmente influenciarão o processo legislativo atual. 39 Os principais questionadores do excesso de influência que a mídia influi nos processos legislativos, afirmam que a existência de uma sociedade informada é realmente importante, porém, não se pode permitir que o excesso de informação sirva como meio de manipulação, gerando mais desinformação do que informação, colocando o indivíduo como mera marionete. 40 Arrematando a temática, assevera Cesare Beccaria: [...] é melhor prevenir os crimes do que ter que puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes de impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homes o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida.41 Especificamente sobre a temática central do presente estudo, o feminicídio, importa trazer à baila alguns apontamentos acerca da influência midiática nos crimes contra a vida, partindo do pressuposto que esta exerce forte influência na opinião pública em face de crimes considerados mais graves. De imediato, salutar que se observe o ensinamento de Flávio Cruz Prates e Neusa Felipim dos Anjos Tavares: Crimes dolosos contra a vida, via de regra, têm atraído o sensacionalismo da mídia, induzindo muitas vezes o Conselho de Sentença a fazer valer a opinião pública em detrimento de sua livre convicção. Tornando-se assim prejudicada a exortação contida no texto do art. 466 do CPP realizada pelo Juiz aos Jurados: “Em nome da lei, concito-vos a examinar com 38 PEREIRA, André Luiz Gardesani. Júri, Mídia e Criminalidade: Proposta tendente a evitar a influência da mídia sobre a soberania dos veredictos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 102, n.928, fev. 2013. 39 BOLDT, Raphael. Criminologia Midiática: Do Discurso Punitivo à corrosão simbólica do Garantismo. Curitiba: Juruá, 2013. p. 57. 40 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 14-88. 41 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das Penas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 193. 20 imparcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão, de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça”. 42 Assim, a transparência da mídia não pode ser confundida com possibilidade de que se altere a verdade dos fatos, porquanto a publicidade deve permear a atuação midiática, sem que com isso se altere a opinião pública. Antes mesmo de qualquer diligência necessária para processar e julgar os acusados de terem supostamente cometido crimes contra a vida, especialmente se dolosos, por muitas vezes a mídia se apresenta no papel de “justiceira”, causando sérios transtornos ao deslinde do processo. Francesco Carnelluti, citado por Flávio Cruz Prates e Neusa Felipim dos Anjos Tavares assevera que “para saber se é preciso punir, pune-se com o processo”43. Do aludido magistério, infere-se que é o processo o instrumento hábil para dizer se o indivíduo é ou não culpado pela suposta prática delituosa. Sendo assim, o principio da presunção da inocência chega a ser violado pela influência dos meios de comunicação quando desde o início do processo apontam o acusado como culpado. Pierre Bourdiei, citado por Flávio Cruz Prates e Neusa Felipim dos Anjos Tavares, aduz que os instrumentos do campo midiático se sujeitam às exigências do mercado, seja dos leitores/ouvintes ou até mesmo dos anunciantes/patrocinadores, os quais exercem influência sobre os próprios jornalistas que, por sua vez, influência diferentes campos de produção cultura, inclusive o campo jurídico44. 42 PRATES, Flávio Cruz; TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influência da mídia nas decisões do conselho de sentença. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://verum.pucrs.br/F/JSQ4PEMN6HVE7KCYJHB8GS8FUR81FEN1HCNXX41GKETDVK5L4B- 37826?func=full-set-set&set_number=004325&set_entry=000002&format=999>. Acesso em: 10 set. 2016. 43 CARNELLUTI, Francesco. apud PRATES, Flávio Cruz; TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influência da mídia nas decisões do conselho de sentença. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://verum.pucrs.br/F/JSQ4PEMN6HVE7KCYJHB8GS8FUR81FEN1HCNXX41GKETDVK5L4B- 37826?func=full-set-set&set_number=004325&set_entry=000002&format=999>. Acesso em: 10 set. 2016. 44 BOURDIEU,Pierre apud TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influência da mídia nas decisões do conselho de sentença. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://verum.pucrs.br/F/JSQ4PEMN6HVE7KCYJHB8GS8FUR81FEN1HCNXX41GKETDVK5L4B- 37826?func=full-set-set&set_number=004325&set_entry=000002&format=999>. Acesso em: 10 set. 2016. 21 A influência midiática começa quando valores éticos e morais são colocados em contraposição à aplicação da lei, ressalvando que alguns fatos ocorridos, especialmente crimes contra a vida, causam tanta repercussão e comoção que chegam a ultrapassar os limites do bom senso humano, tendo em vista sua hediondez. É sabido que o mundo hodierno encontra-se submerso na chamada era da comunicação em massa, graças aos programas de rádio, televisão, jornais, internet, dentre outros meios. Em face de um acontecimento relevante para a sociedade, esta última busca uma solução célere para os eventuais conflitos surgidos, o que muitas vezes, atropela a investigação pela busca da verdade real dos fatos45. A tarefa da mídia é árdua: transmitir à população as informações oriundas de julgamentos, processos judiciais, com linguagem simples e acessível, haja vista que o principio do acesso à justiça por parte do povo nem sempre atinge seu objetivo principal. Todavia, tal facilitação na retransmissão das informações, por vezes, acaba por alterar a realidade dos fatos, chegando até mesmo a ofender alguns princípios do direito processual penal. O papel da mídia é exatamente fazer com que a noticia chegue às pessoas de forma objetiva, para que assim possam realmente entender os fatos da maneira como realmente são. Mas para isso é necessário que a mídia tenha um pouco de conhecimento da justiça, pois não se pode falar daquilo que não se conhece46. Neste passo, como é inerente ao ser humano, algumas informações já são suficientes para que a grande massa concretize uma tese de condenação ou absolvição do acusado, que por vezes nem fora indiciado ainda47. Sendo assim, haja vista que os meios de comunicação se fundamentam na liberdade de expressão e pensamento, bem como estão diretamente ligados com o princípio da publicidade, a importância que estes exercem na sociedade é grande. 45 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013. 46 CARLIN, Volnei Ivo. A justiça e a mídia. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 23, p. 23-29, ago./nov. 1998. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/ 2011/20177/A%20justi%C3%A7a%20e%20a%20m%C3%ADdia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 12 set. 2016. 47 PRATES, Flávio Cruz; TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influência da mídia nas decisões do conselho de sentença. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://verum.pucrs.br/F/JSQ4PEMN6HVE7KCYJHB8GS8FUR81FEN1HCNXX41GKETDVK5L4B- 37826?func=full-set-set&set_number=004325&set_entry=000002&format=999>. Acesso em: 10 set. 2016. 22 De outra banda, em contraposição à referida publicidade, encontra-se a proteção constitucional da divulgação de informações inverídicas, que possam causar algum dano à pessoa, seja ele de ordem material ou moral, ressalvando que a Constituição Federal garante a reparação na proporção do agravo sofrido. Tomando como exemplo o inquérito policial, é patente a existência de determinado acusado, o qual, por muitas vezes, já é visto pela mídia como culpado pelo crime. Somado a isso, subsiste a própria justiça, que por não atender de imediato aos anseios da sociedade em puni-lo, tendo em vista os procedimentos a serem realizados, já é vista como injusta e desacreditada48. Acerca da necessária cautela neste momento, atesta Fernando Capez que “a finalidade do inquérito policial é tão somente a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às previdências cautelares”49. Fica evidente que, ocorrido o fato supostamente criminoso, a investigação acontecerá, sendo posteriormente enviada ao juízo, que dará início ao procedimento próprio, que dentre suas peculiaridades, garantirá ao acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Neste passo, a mídia eufórica, quase sempre por lucrar com a venda das informações em questão, divulga fatos que muitas vezes são inverídicos, não foram devidamente pesquisados antes de serem ventilados, assim como laudos facilmente contestáveis, bem como opiniões de supostos especialistas no caso. A opinião pública constrói uma versão até o momento no qual o acusado é levado a julgamento, seja perante o juiz singular ou perante o Tribunal do Júri, fato que, por mais remoto que esteja, com certeza irá contaminar a decisão a ser proferida. A mídia, neste ponto, pode se apresentar como uma pressão necessária da qual a justiça precisa para apurar os fatos corretamente, sendo que tal pressão é 48 PRATES, Flávio Cruz; TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influência da mídia nas decisões do conselho de sentença. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://verum.pucrs.br/F/JSQ4PEMN6HVE7KCYJHB8GS8FUR81FEN1HCNXX41GKETDVK5L4B- 37826?func=full-set-set&set_number=004325&set_entry=000002&format=999>. Acesso em: 10 set. 2016. 49 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, v. 4. 23 assimilada pela sociedade, que ao notar a ausência de celeridade e efetividade no julgamento, passam a enxergar a justiça da forma como a mídia apresenta50. Contudo, a mídia também se apresenta positivamente na busca pela verdade real, em alguns casos, bem como na ajuda à persecução penal. Por vezes, a mídia ajuda a diminuir a criminalidade, pois é ela quem noticia os casos que violam os valores sociais, fazendo uma pressão para que as autoridades competentes tomem as devidas providências51. Negativamente, ressalta-se que a ausência de formação específica de alguns jornalistas, no que tange à ciência do direito, pode levar à distorção de fatos, evidencias e acontecimentos, chegando até mesmo a confundir as funções dos poderes, ou questões inerentes à dosimetria da pena52. É inegável que o excesso de influência da mídia dentro do processo penal resultará em prejuízo, haja vista que a sociedade verá o Poder Judiciário da maneira como a mídia retratar e não como ele realmente é. Nesta toada, Ana Lúcia Menezes Vieira assevera: É comum como também, os meios de comunicação noticiam uma prisão temporária ou cautelar de uma determinada pessoa, elevando o provimento jurisdicional a categoria definitiva. Verificada a necessidade do arresto cautelar a noticia de liberdade do suspeito ou acusado gera na opinião publica uma descrença da atividade da justiça. Dai surgirem os chamados clichês “a policia prende a justiça solta”, “só pobre vai para a cadeia”, “o crime compensa”, entre outros. Sem dizer desde logo, dos resultados da opinião pública, ameaçados a dignidade do preso. 53 Ana Lúcia Menezes Vieira ainda divide em quatro as influências que o juiz pode sofrer por parte da mídia, sendo elas: a) Simples influência: quando a mídia noticia os fatos de forma fictícia, mas sem aumenta-los; b) Influência ficta: onde a mídia se manifesta apresentando como deve o magistrado agir e julgar; c) Influência 50 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direitopenal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013. 51 CARLIN, Volnei Ivo. A justiça e a mídia. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 23, p. 23-29, ago./nov. 1998. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/ 2011/20177/A%20justi%C3%A7a%20e%20a%20m%C3%ADdia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 12 set. 2016. 52 PRATES, Flávio Cruz ; TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influência da mídia nas decisões do conselho de sentença. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://verum.pucrs.br/F/JSQ4PEMN6HVE7KCYJHB8GS8FUR81FEN1HCNXX41GKETDVK5L4B- 37826?func=full-set-set&set_number=004325&set_entry=000002&format=999>. Acesso em: 10 set. 2016. 53 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p 109. 24 real expressa: através dos meios de comunicação, a sociedade exige uma resposta do Poder Judiciário, de forma célere e efetiva; d) Influência real tácita: quando a mídia veicula informas que indiretamente, pressionam as atitudes do juiz54. Apenas á título de complementação, transcreve-se abaixo quatro casos famosos cujos julgamentos foram fortemente influenciados pela mídia, através da televisão, da internet do rádio e de outros meios que atingem toda a população. 1. Suzane Von Richthofen, Daniel e Cristian Cravinhos, foram condenados por matar os pais de Suzane, na casa que a família morava em São Paulo, em 2002. A pena foi de 39 anos para os dois primeiros e 38 anos para Cristian. 2. Missionária Dorothy Stang, assassinada em fevereiro de 2005, às proximidades do município de Anapú, que atuava no trabalho com camponeses e na luta contra grileiros de terra tomou proporções nacionais e até mesmo internacionais por se tratar de missionária estrangeira e de pessoas poderosas da região. Neste caso foram condenados o fazendeiro Witalmiro Bastos a 30 anos e mais 4 pessoas envolvidas. 3. Isabella Nardoni, criança de 5 anos de idade que sofreu queda do 6º andar do Edifício London em São Paulo, em 2009. Foram acusados do assassinato e o pai Alexandre Nardoni e madrasta Anna Carolina Jatobá. Condenados por homicídio triplamente qualificado. Ele a uma pena de 31 anos, 1 mês e 10 dias, e ela a uma pena de 26 anos e 8 meses. 4. Caso dos irmãos Naves: o fato ocorreu em Araguari – Minas Gerais. Sebastião Naves com 32 anos de idade e Joaquim Naves com 25 anos de idade, ambos condenados a 25 anos e 6 meses pela suposta morte de Benedito Pereira Caetano, que desaparecera em 29 de Novembro de 1937. No entanto, o suposto morto, reapareceu vivo em 1952. Inocentes os acusados. 55 Pelos casos supracitados, infere-se acerca do grande poder de manipulação e convencimento que a mídia exerce na população, influência esta, que irá mesmo indiretamente, ser levada em consideração pelos julgadores. Infere-se, ainda, pelos casos em questão, que as penas atribuídas aos réus cujos casos foram acompanhados pela mídia são bem superiores a casos similares onde não houve participação tão forte dos meios de comunicação. Portanto, com base na influência midiática em questão, surgem conceitos como o do direito penal midiático, adiante sublinhado e de importante valia para este trabalho monográfico. 54 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 55 PRATES, Flávio Cruz; TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influência da mídia nas decisões do conselho de sentença. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponível em: http://verum.pucrs.br/F/JSQ4PEMN6HVE7KCYJHB8GS8FUR81FEN1HCNXX41GKETDVK5L4B- 37826?func=full-set-set&set_number=004325&set_entry=000002&format=999>. Acesso em: 10 set. 2016. 25 1.3 Do Direito Penal Midiático Conforme esposado em tópico pretérito, a influência da mídia resulta na formação da opinião das massas, moldando tais opiniões quase sempre a uma ideia de vingança e de justiça punitiva. Para o professor Luiz Flávio Gomes56, a influência em questão é extremamente prejudicial para o verdadeiro combate à criminalidade, vez que os pré-conceitos então formados não pactuam necessariamente com os princípios proclamados na Constituição Federal, especialmente no que diz respeito à presunção de inocência. Tal fato leva ao que o professor Alexandre Morais da Rosa intitulou de “McDonaldização do Processo Penal”. Nas palavras do referido autor: George Ritzer denominou de McDonaldização a racionalização extrema, em protocolos previsíveis e controlados, para a produção de bens e/ou produtos, inspirado na cadeia de lojas do McDonald, cujo efeito colateral, porém, é a irracionalidade. No Brasil, Jacinto de Miranda Coutinho há muito denuncia a maneira pela qual o discurso da eficiência, inclusive princípio constitucional, para os incautos de plantão, embrenhou-se pelo processo penal em busca da sumarização dos procedimentos, da redução do direito de defesa, dos recursos, enfim, ao preço da democracia. A razão eficiente que busca a condenação fast-food implicou nos últimos anos na “McDonaldização” do Direito Processual Penal: sentenças que são prolatadas no estilo “peça pelo número”. A estandardização da acusação, da instrução e da decisão. Tudo em nome de uma “McPena-Feliz”. Nada mais cínico e fácil de ser acolhido pelos atores jurídicos, de regra, “analfabetos funcionais” 57. Com espeque no conceito supracitado, chama-se a atenção para o chamado “ator jurídico analfabeto funcional”, ou seja, aquele indivíduo que não obstante saber ler todas as leis e códigos, não consegue interpretá-los, vez que defasado do ponto de vista filosófico e hermenêutico. O resultado desta figura, segundo Alexandre Morais da Rosa, é que aproximadamente 60% (sessenta por cento) dos juristas são incapazes de 56 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 14-88. 57 ROSA, Alexandre Morais da. McDonaldização do Processo Penal e os jus analfabetos funcionais – Por Alexandre Morais da Rosa. Empório do Direito, jul. 2016. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/mcdonaldizacao-do-processo-penal-e-os-jus-analfabetos-funcionais- por-alexandre-morais-da-rosa/> Acesso em 20 set. 2016. 26 compreender o que fazem, limitando-se apenas a reproduzir um conceito previamente aprendido, sem maiores questionamentos58. Anote-se, contudo, que estamos tratando de pessoas que laboram diretamente com o Direito, as quais se transformam e se misturam na mesma massa que é facilmente influenciada pela mídia. Lado outro, o direito penal midiático traz uma ideia extremamente equivocada, notadamente ao reivindicar maior eficiência da persecução penal com base no corte de direitos constitucionais. Segundo Luiz Flávio Gomes59, “não se pode cobrir um corpo descobrindo outro, quando há cobertor para os dois”. Alexandre Morais da Rosa, coadunando com o posicionamento supra, complementa que: [...] o problema fundamental reside no fato de que a justificativa para a exceção encontra-se encoberta ideologicamente”. Acredita-se, muito de boa-fé, a maioria, de que se está realizando o bem. Salvando a sociedade de um “terrorista social”. Esqueceu-se de que para o uso do poder existem pelo menos dois limites: o processo e o ético. [...] É preciso resgatar a Constituição Originária, na linha de Paulo Bonavides, exercitar o controle de constitucionalidade difuso e deixar de fazer como todo mundo faz. Porque assistir de camarote o que se passa com as vítimas do sistema penal não exclui nossa responsabilidade ética com as mortes: somos coautores, donosso lugar, por omissão. Por isso que ao se defender garantias constitucionais, hoje, o sujeito pode ser preso em flagrante, sem liberdade provisória diante dos “maus antecedentes” 60. Sedimentando tais noções introdutórias, pode-se passar para a análise da Lei n. 13.104/15, o Feminicídio, de modo a preparar o solo para a posterior discussão acerca da efetividade da referida Lei, sob o prisma do simbolismo penal e da política criminal, acima mencionados. 58 ROSA, Alexandre Morais da. McDonaldização do Processo Penal e os jus analfabetos funcionais – Por Alexandre Morais da Rosa. Empório do Direito, jul. 2016. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/mcdonaldizacao-do-processo-penal-e-os-jus-analfabetos-funcionais- por-alexandre-morais-da-rosa/> Acesso em 20 set. 2016. 59 GOMES, Luiz Flávio Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 51. 60 ROSA, Alexandre Morais da. McDonaldização do Processo Penal e os jus analfabetos funcionais – Por Alexandre Morais da Rosa. Empório do Direito, jul. 2016. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/mcdonaldizacao-do-processo-penal-e-os-jus-analfabetos-funcionais- por-alexandre-morais-da-rosa/> Acesso em 20 set. 2016. 27 2 DA LEI Nº 13.104/15, O FEMINICÍDIO A Lei n. 13.104, promulgada em 10 de março de 2015, trouxe para o ordenamento jurídico pátrio a figura do feminicídio, baseando-se, primeiramente, em dados e estatísticas oriundas de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, instituída em 2013 para analisar as inúmeras formas de violência contra as mulheres. A título de complementação, no referido relatório, consta que quarenta e três mil e setecentas mulheres foram assassinadas no Brasil entre os anos de 2000 e 2010, sendo que 41% delas foram mortas em suas residências, por pessoas com quem mantinham relações domésticas, de coabitação ou de afeto. Assim, passemos para a análise do conceito do feminicídio, tendo como base a doutrina pátria, sobre a qual, salienta-se que ainda pode ser considerada como recente, tendo em vista a criação do instituto em análise ter ocorrido em 2015, há pouco mais de um ano. 2.1 Conceito Em linhas introdutórias, é possível encontrar o termo “femicídio” como sinônimo do feminicídio. Contudo, deve-se ressaltar que são termos distintos, vez que o primeiro se refere ao homicídio de mulher em razão do gênero e o segundo é o homicídio de qualquer mulher61. Apesar de soarem como idênticos, principal diferença entre os termos supracitados está no fato de que no feminicídio deve existir um sentimento de ódio, raiva, desprezo pela simples condição da vítima ser mulher, conforme se mostrará adiante, qualificando, pois, a figura do homicídio. Ressalta Carmen Hein de Campos62 que vários países da América Latina tipificaram o feminicídio, citando, como exemplo, os casos de Costa Rica, Chile e Peru, nos quais as legislações punem de maneira mais severa o homicídio cometido por alguém que tenha mantido ou mantenha relacionamento íntimo, tal qual cônjuge e companheiro. 61 ANDRADE, Léo Rosa. Feminicídio, monogamia, violência contra mulheres. Disponível em: http://leorosa.jusbrasil.com.br/artigos/172692529/feminicidio-monogamia-violencia-contra-mulheres. Acesso em 02 out. 2016. 62 CAMPOS, Carmen Hein de. Feminicídio no Brasil: uma análise crítico-feminista. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 103-115, jan-jun. 2015. 28 A referida autora ainda destaca que em El Salvador, Guatemala e no México, o homicídio de mulheres é punido de forma autônoma caso o delito tenha ocorrido em razão do gênero63. O feminicídio é uma das muitas formas qualificadas do crime de homicídio, constando no parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal, notadamente no inciso VI. Tem-se a referida figura típica quando o crime é praticado contra mulher por razões de diferença de gênero, quando envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher. Ademais, a previsão de pena para o homicídio qualificado é de 12 a 30 anos de reclusão, para além de ter integrado o rol de crimes hediondos (art. 1º, Lei 8072/90), tornando-se insuscetível de fiança, graça ou indulto. No mesmo timbre, a pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade, se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 ou pessoa com deficiência; e na presença de descendente ou ascendente da vítima. Sendo assim, o feminicídio pode ser considerado com o assassinato de mulheres em razão do seu gênero, especialmente se houver discriminação, menosprezo etc. Neste diapasão, o homicídio será qualificado quando praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, considerando que tais razões estarão presentes quando o crime envolver violência doméstica e familiar; menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Vejamos o dispositivo legal ora apresentado para estudo: Art. 121. Matar alguém: […] § 2° Se o homicídio é cometido: [...]VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Pela letra da lei, acima retratada, a simples qualidade de “mulher” atribuída ao sujeito passivo do homicídio não enseja necessariamente a existência do 63 CAMPOS, Carmen Hein de. Feminicídio no Brasil: uma análise crítico-feminista. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 103-115, jan-jun. 2015. 29 feminicídio. Para a configuração deste, deve coexistir uma violência em razão do gênero, de modo que o agressor adota uma atitude de suposto “exercício de posse” sobre a vítima, subjugando-a pelo seu gênero64. Conforme ensinamento de Carmen Hein de Campos65, não será qualquer homicídio de mulher que se enquadrará no tipo penal do feminicídio. Para tanto, o crime deverá se enquadrar nas hipóteses dos artigos 5º e 7º da Lei Maria da Penha, já mencionada, ou quando houver discriminação ou desprezo da mulher meramente em razão de seu gênero. Anote-se que os referidos artigos da Lei Maria da Penha consideram que são várias as modalidades de violência doméstica contra a mulher, ressaltando o fato de o artigo 7º menciona expressamente que tais formas de violência elencadas na Lei são meramente exemplificativas, podendo existir outras. Portanto, alguns apontamentos específicos sobre os artigos 5º e 7º, supramencionados, podem ser realizados adiante. Primeiramente, a violência em estudo pode ocorrer em qualquer local no qual a agredida resida ou até mesmo fora da residência, desde que seja praticada por determinado sujeito que viva ou tenha vivido com a ofendida, mesmo que sem vínculo familiar. Ainda, pode ocorrer se realizada por familiares, unidas por laços naturais, de afinidade, ou mesmo por vontade expressa. Sobre as formas de violência, estas podem ser corporais, psicológicas, morais, patrimoniais ou sexuais, podendo, inclusive, serem cometidas por omissão, desde que embasada no gênero. Para Fernando Capez66, uma das inovações da legislação protetiva às mulheres repousa no fato de que as mesmas são consideradas em situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência. O crime de feminicídio terá sua pena aumentada de um terço até a metade se o delito for cometido durantea gestação ou nos três meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; na presença 64 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Feminicídio: mais um capítulo do Direito Penal Simbólico agora mesclado com o Politicamente Correto. Disponível em <http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/159300199/feminicidio-mais-um-capitulo-do-direito- penal-simbolico-agora-mesclado-com-o-politicamente-correto>. Acesso em 30 set. 2016. 65 CAMPOS, Carmen Hein de. Feminicídio no Brasil: uma análise crítico-feminista. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 103-115, jan-jun. 2015. 66 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, v. 4. 30 de descendente ou de ascendente da vítima, a rigor do que preconiza o parágrafo 7º do referido artigo 121. Exemplificando as hipóteses supramencionadas, haverá o agravamento da pena quando o delito for praticado durante o período de gravidez, ou mesmo após o nascimento da criança, no interstício de três meses posteriores ao parto. Se ocorrer durante o período de gravidez, poderá ensejar: a morte do feto e da vítima; a sobrevivência do feto com a morte da vítima; o falecimento do feto e a sobrevivência da vítima; feto e vítima sobrevivem67. Sublinham-se tais hipóteses tão somente para mencionar que independente dos resultados, ou seja, da morte ou sobrevivência da vítima e do feto, a pena deverá ser agravada. No mesmo passo, a pena será aumentada quando o crime for cometido nos três meses posteriores ao parto, partindo do pressuposto que neste período a mãe ainda encontra-se combalida pelos procedimentos do parto, ao passo que a criança ainda é muito dependente da mãe. A idade da vítima também é causa de aumento da pena, vez que a legislação determina o aumento caso a referida vítima seja menor de 14 (quatorze) anos ou maior de 60 (sessenta) anos. Também haverá o aumento de pena se a mesma for portadora de deficiência. Fundamenta-se a existência da majorante em razão da idade pelo fato de que estas pessoas merecem maior proteção do direito penal em face da tenra ou avançada idade, além de considerarem que a conduta do agente é mais reprovável nos casos em questão68. Já sobre a deficiência, tendo em vista que o dispositivo legal é omisso, pode- se entender que se trata de toda e qualquer espécie de deficiência que seja hábil a diminuir a possibilidade de resistência da vítima69. 67 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, v. 4. 68 PEREIRA, Jeferson Botelho. Breves apontamentos sobre a Lei nº 13.104/2015, que cria de crime feminicídio no Ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobre-a-lei-n-13-104-2015-que-cria-de-crime- feminicidio-no-ordenamento-juridico-brasileiro#ixzz3XL6hUNSJ>. Acesso em 30 set. 2016. 69 PEREIRA, Jeferson Botelho. Breves apontamentos sobre a Lei nº 13.104/2015, que cria de crime feminicídio no Ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobre-a-lei-n-13-104-2015-que-cria-de-crime- feminicidio-no-ordenamento-juridico-brasileiro#ixzz3XL6hUNSJ>. Acesso em 30 set. 2016. 31 O crime cometido na presença de ascendente ou descendente da vítima também é motivo para o agravamento da pena, partindo do pressuposto que tal atitude causará um enorme abalo psicológico a quem assiste o delito, especialmente por se tratar de ascendente ou descendente70. As particularidades da lei nos levam ao raciocínio de que o julgador deverá considerar cada caso concreto no momento da dosimetria da pena. A ocorrência de uma ou mais de uma causa de aumento, a idade da vítima, o resultado em relação ao feto, por exemplo, são situações que podem ser levadas em consideração pelo Juiz para dosar o aumento da pena dentro do limite legal, que é de um terço até a metade71. Como anteriormente mostrado, o feminicídio se enquadra como uma forma de homicídio qualificado, o qual é definido como crime hediondo. Assim, as circunstâncias que qualificam o homicídio são mais complexas e variadas que aquelas que o privilegiam. Para Léo Rosa Andrade72 o bem jurídico protegido pelo feminicídio é o direito à vida, o qual está consagrado no art. 5.º, caput, da Constituição Federal como direito fundamental do ser humano. Trata-se de direito inerente a todos os homens e aceito por todas as nações, imprescindível para a manutenção e para o desenvolvimento da pessoa humana. E, se não bastasse a previsão expressa pelo art. 5.º, caput, o direito à vida teve sua proteção constitucional reforçada pelos artigos. 22773, caput, e 23074, caput. No tocante à competência, salvo o homicídio culposo, cuja ação penal tramita perante o juízo singular, todos os demais crimes são julgados pelo Tribunal 70 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, v. 4. 71 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, v. 4. 72 ANDRADE, Léo Rosa. Feminicídio, monogamia, violência contra mulheres. Disponível em: http://leorosa.jusbrasil.com.br/artigos/172692529/feminicidio-monogamia-violencia-contra-mulheres. Acesso em 02 out. 2016. 73 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 74 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo- lhes o direito à vida. 32 do Júri, em atendimento à regra prevista no art. 5.º, inciso XXXVIII, alínea “d” 75, da Constituição Federal, incluindo, pois, o feminicídio. E a ação penal, em decorrência lógica da indisponibilidade do direito à vida, sempre será pública incondicionada, circunstância que não impede, em caso de inércia do Ministério Público, a utilização da ação penal privada subsidiária da pública, garantida pelo art. 5.º, inciso LIX, da Constituição Federal76. Importante observar que o feminicídio não se restringe a clássicos conceitos de “mulher”, biologicamente falando. Assim, Jeferson Botelho Pereira77 assevera que um homossexual, tanto masculino como feminino, e até mesmo um transgênero podem figurar como vítimas do tipo penal em estudo, desde que o crime tenha sido provocado por razões de gênero. Em contraposição ao pensamento exposto acima, Eduardo Luiz Santos Cabette78 entende que a vítima do feminicídio só poderá ser mulher, ao passo que o autor em geral será homem, mas nada obstará que uma mulher atue como coautora ou partícipe. Nesta linha de raciocínio, continua o referido autor: Além disso, tendo por base a Lei 11.340/06 não é totalmente afastável a hipótese de que uma mulher possa ser sujeito ativo do crime de “Feminicídio”, desde que esteja atuando em uma relação de “violência de gênero” contra a vitimada. Por exemplo, se uma mãe mata a própria filha porque não quer permitir que esta estude e pretende lhe impor um papel social estritamente feminino segundo uma visão que divide de forma estanque as funções sociais de homens e mulheres (inteligênciado artigo 5º. E seu Parágrafo Único da Lei11.340/06 que, aliás, não exclui da violência de gênero as relações homoafetivas) 79. 75 Art. 5º. [...] XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; 76 Art. 5º. [...] LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. 77 PEREIRA, Jeferson Botelho. Breves apontamentos sobre a Lei nº 13.104/2015, que cria de crime feminicídio no Ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/37061/breves-apontamentos-sobre-a-lei-n-13-104-2015-que-cria-de-crime- feminicidio-no-ordenamento-juridico-brasileiro#ixzz3XL6hUNSJ>. Acesso em 30 set. 2016. 78 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Feminicídio: mais um capítulo do Direito Penal Simbólico agora mesclado com o Politicamente Correto. Disponível em <http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/159300199/feminicidio-mais-um-capitulo-do-direito- penal-simbolico-agora-mesclado-com-o-politicamente-correto>. Acesso em 30 set. 2016. 79 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Feminicídio: mais um capítulo do Direito Penal Simbólico agora mesclado com o Politicamente Correto. Disponível em 33 Ainda, Léo Rosa de Andrade80 concorda com tal posicionamento e destaca que a violência tida como doméstica ou familiar só pode ter como vitima a mulher, não importando, porém, sua preferência sexual ou suas condições pessoais. No que diz respeito ao sujeito ativo do feminicídio, tendo em vista a omissão legislativa, infere-se que qualquer um pode cometer tal delito, não importando se é mulher ou homem. Carmen Hein de Campos81 assevera que é plenamente possível que uma mulher esteja em situação de vulnerabilidade para com outra mulher, bem como nutra um sentimento de ódio, discriminação ou menosprezo em relação ao sexo feminino, caracterizando, pois, o feminicídio. Somente para fins de conceituação teórica, Vinicius Rodrigues Arouck82 aduz que há três tipos de feminicídio: o íntimo, ocorrido quando determinado homem assassina uma melhor que teve algum tipo de relação íntima, ainda que sejam apenas amigos; o não íntimo, que ocorre quando inexistia um vínculo de proximidade entre o agressor e a vítima; e o feminicídio por conexão, entendido quando um homem almeja matar uma mulher mas, por erro, acaba assassinando outra. 2.2 Justificativa do Projeto de Lei 292/13 A Lei do Feminicídio surgiu após recomendação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou a violência contra as mulheres nos diversos estados brasileiros, no período compreendido entre março de 2012 a julho de 2013. Segundo consta na exposição dos motivos da referida lei: <http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/159300199/feminicidio-mais-um-capitulo-do-direito- penal-simbolico-agora-mesclado-com-o-politicamente-correto>. Acesso em 30 set. 2016. 80 ANDRADE, Léo Rosa. Feminicídio, monogamia, violência contra mulheres. Disponível em: http://leorosa.jusbrasil.com.br/artigos/172692529/feminicidio-monogamia-violencia-contra-mulheres. Acesso em 02 out. 2016. 81 CAMPOS, Carmen Hein de. Feminicídio no Brasil: uma análise crítico-feminista. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 103-115, jan-jun. 2015. 82 AROUCK, Vinicius Rodrigues. Feminicídio, uma alteração legislativa necessária? Disponível em <http://jus.com.br/artigos/36988/comentarios-acerca-do-feminicidio-uma-abordagem- critica#ixzz3Z5tvOSQH>. Acesso em 30 set. 2016. 34 Uma das principais proposições apresentadas pela CPMI da violência Contra a Mulher foi a que cria a qualificadora do feminicídio, pois introduz na lei uma conduta que está visível em nossa sociedade o assassinato de mulheres apenas por serem mulheres. Não podemos reduzir este crime apenas àquele que ocorre em violência doméstica e familiar, há muitas mulheres que são assassinadas com requintes de crueldade apenas por serem mulheres e nada tem a ver com violência doméstica e familiar83. Ainda de acordo com a justificação apresentada no Senado Federal: Antes de buscar criar uma nova penalização, esta emenda pretende evidenciar este crime que não pode e não deve ser confundido com o homicídio comum, uma vez que o feminicídio tem características próprias, é perfeitamente observável em seu contorno cruel e misógino, e que não se encerra apenas na morte da vítima, tem outros atos que buscam subjugar a vítima, até mesmo após a morte, como mutilações e violações diversas, sempre reafirmando a superioridade e a força do homem como se fosse um direito seu concretizar aquele ato84. Importa mencionar, ainda, que na justificação do aludido projeto de lei, o relatório final mencionou que no país, entre 2000 e 2012, 43,7 mil mulheres foram assassinadas. Desta monta, 41% foram mortas em suas próprias casas, pelas mãos de companheiros ou ex-companheiros. Já entre 1980 e 2010, o número de assassinatos dobrou, indo da escala de 2,3 assassinatos por 100 mil habitantes para 4,685. O feminicídio é tido como um crime de ódio contra as mulheres, pelo simples fato de serem mulheres, o qual é justificado pelo contexto social e cultural, em uma história de submissão da mulher ao homem, somado à impunidade nestes casos, como bem vivenciado por Maria da Penha. Submetido a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o Projeto de Lei teve parecer favorável, destacando o apontamento acerca da relevância da tipificação, objetivando dar maior visibilidade ao crime cometido contra a mulher pelo simples fato de ser mulher. 83 Justificativa ao Projeto de Lei do Senado nº 292, de 2013. Altera o Código Penal, para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/113728> Acesso em 05 out. 2016. 84 Justificativa ao Projeto de Lei do Senado nº 292, de 2013. Altera o Código Penal, para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/113728> Acesso em 05 out. 2016. 85 Justificativa ao Projeto de Lei do Senado nº 292, de 2013. Altera o Código Penal, para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/113728> Acesso em 05 out. 2016. 35 O foco da figura típica do feminicídio é a situação em que a morte da mulher ocorre em circunstância doméstica ou familiar, somado a grande impunidade nesses crimes. A importância de tipificar o feminicídio seria, portanto, a de reconhecer, na forma da lei, que mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a fratura da desigualdade de gênero que persiste na sociedade. De outro lado, pela Justificativa do Projeto de Lei em estudo, visava-se combater a impunidade, evitando que os sujeitos ativos do homicídio praticado contra mulheres, em razão de gênero, sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, como o de terem cometido “crime passional” 86. Outrossim, entendeu-se que a tipificação em questão enviaria uma mensagem positiva à sociedade, no sentido de que o direito à vida é universal e de que não haverá impunidade,
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