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Trabalho IDH desmilitarização das polícias

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ
FACULDADE NACIONAL DE DIREITO
Desmilitarização das Polícias
Estudo acerca dos impactos da militarização sobre os direitos humanos
RIO DE JANEIRO
2016
INTRODUÇÃO
O modelo de polícia atual faz parte de um sistema de segurança pública falido, onde uma cultura militarizada toma espaço juntamente com o uso da extrema violência, dos gastos elevados sob a inoperância de resultados satisfatórios e um grande número de perdas humanas, isto decorrente de uma atuação repressiva e autoritária de uma polícia militar que recebe uma formação deficiente e que atua muitas vezes de forma excessiva.
Será feita uma análise, desde a origem da polícia no Brasil, passando pelo período da redemocratização até os dias atuais, observando juntamente a Proposta de Emenda à Constituição de nº 51 que trata de uma nova forma de organização policial de natureza civil, como uma medida de democratização da segurança pública e polícia cidadã, correlacionando-a com a contradição da manutenção de uma Polícia Militar em um contexto de Estado Democrático de Direito e com os abusos que ferem diretamente os Direitos Humanos.
Para compreender esse problema da violência policial e dessa alternativa de desmilitarização, será abordado uma análise quantitativa referente a atuação dessa polícia na relação de crimes violentos como resposta das autoridades públicas e o seu uso da força excessivo; as práticas desumanas; as torturas; os maus-tratos e a ocorrência de vítimas fatais. Trazendo também os problemas decorrentes da formação do corpo policial e das políticas públicas implementadas para que essa militarização continue de forma cada vez mais repressora.
O objetivo é mostrar como essa estrutura militar, que tem uma filosofia de combate ao inimigo e de controle social, pode gerar danos letais para a sociedade, trazendo resquícios do período ditatorial, mesmo após a redemocratização, e como a alternativa de desmilitarização e democratização das polícias pode ser eficiente e pode colaborar com a manutenção e preservação dos Direitos Humanos e a garantia do princípio da dignidade da pessoa humana, protegendo assim todos os cidadãos e promovendo a paz social e o bem comum.
BREVE HISTÓRICO DA POLÍCIA BRASILEIRA
Segundo David H. Bayley, emprega-se o termo polícia para se referir a “pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo através da aplicação da força física.” (BAYLEY, 2006. p. 20).
Dentro dessa lógica, a sociedade consente de forma legítima a atuação desse grupo, para assim manter a segurança de todos. A polícia atua em conflitos internos, se diferenciando assim, do Exército, que atua nos conflitos externos , podendo também ser visto como força policial para manter a ordem em comunidades, em casos excepcionais. Percebe-se então, a variedade de organizações policiais existentes.
A polícia moderna, segundo Bayley, caracteriza-se por ser especializada, pública e profissional. O caráter público se dá com relação ao fomento das organizações policiais e à sua orientação e submissão. A especialização se dá quanto à exclusividade da atuação e do uso legítimo da força interna, diferenciando forças policiais e forças militares. E por último, a profissionalização trata da preparação específica dos corpos policiais para exercerem suas funções.
Partindo do contexto histórico, as polícias, de um modo geral, foram criadas principalmente para conter revoltas populares internas.
A partir da segunda metade do século XVI , na maioria dos países europeus já haviam polícias modernas. Os modelos inglês e francês foram os pioneiros servindo de inspiração de outros Estados Nacionais. Como exemplo dessas organizações, tem-se o Reino Unido, que desenvolveu uma polícia de caráter eminentemente comunitário, e a França que criou um sistema estatal e centralizado, com uma policia dual de corporações de ciclo completo: uma civil, a Guarda Nacional, e uma militarizada, a Gendarmerie.
O Brasil foi influenciado pelo modelo francês, embora tenha criado polícias complementares. 
No Brasil Colônia, com as expedições colonizadoras das capitanias hereditárias, surge o policiamento em caráter privado e patrimonialista para a proteção dos bens dos seus donatários e sesmeiros. 
No século XVIII, a Coroa Portuguesa instituiu a Companhia das Ordenanças que se tornam as principais encarregadas da vigilância e ordem pública no Brasil Colônia, modelo que prevaleceu até a transformação dessas forças militares em Corpos Auxiliares, sendo substituídas pelas Companhias de Dragões, já em uma perspectiva de organizações militares estaduais.
Houve apenas em 1808, a necessidade de uma maior estruturação da organização da segurança pública, devido a chegada da Corte Portuguesa, que passou a ser organizada de forma dicotômica, inspirada no modelo francês, divididas em duas instituições: a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia e a Intendência Geral da Polícia da Corte - a primeira com natureza militar e a segunda civil.
 	As organizações policiais pouco mudaram durante o Império. A estrutura policial das Guardas desde esta época já seguia os moldes das tropas de infantaria do Exército, com estruturas rígidas de oficiais e praças, hierarquia verticalizada, patrulhamento ostensivo com emprego da força. A Constituição de 1824 estabelecia em seu art. 145 que “todos os Brasileiros são obrigados a pegar em armas” para defender o Império “de seus inimigos externos, ou internos”. 
“Um dos fenômenos mais importantes na história da organização das oligarquias no Brasil foi a ligação entre as elites políticas e econômicas locais e a Guarda Nacional” (MENDES, 2012).
A elite agrária da época fomentava a Guarda Nacional, comprava seus títulos e patentes e mantinham a organização das tropas com seus próprios recursos, apoiando o Governo e controlando a polícia e a repressão nas cidades, na zona rural e no controle da escravidão, dando origem ao coronelismo brasileiro. 
Já com a Proclamação da República pouca coisa mudou. Os Estados organizam suas guardas cívicas para o policiamento e havia ainda a Guarda Nacional, que era uma força auxiliar do Exército, responsável por controlar as grandes agitações sociais da época. 
Na República Velha, dois decretos foram determinantes para a organização da polícia e seu atrelamento ao perfil militar do Exército, os decretos de nº: 11.497/1915 e 12.790/1918. O primeiro estabelecia uma organização parecida com a do Exército, sendo a ele incorporadas caso necessário. O segundo as definia como força auxiliar do Exército. É importante destacar que na época, não havia qualquer noção de segurança pública a partir da prevenção ou de patrulhamento nas cidades. As Polícias Militares ficavam nos quartéis, sendo convocadas apenas para reprimir conflitos.
Na Era Vargas houveram grandes modificações nos corpos policiais, mudanças constitucionais e do papel político-repressor do policiamento militar.
Com a ruptura da República Velha, foram criados mecanismos de controle da União para coibir os desníveis de aparato de corpos policiais entre as unidades federativas. A União passou a controlar o aumento do efetivo das Polícias Militares dos estados e seu armamento. O Ministério da Justiça passa a comandar a chefia da polÍcia, com a supervisão da Presidência da República. Em 1936 são estabelecidas as bases para um Estado Policial. É criado um Conselho Superior de Segurança Nacional, um Tribunal de Segurança Nacional para crimes de caráter subversivo e uma divisão da Polícia Militar em dois tipos: uma para a atividade policial (garantidora da ordem) e outra para a atividade militar (convocada em época de crises). 
O policiamento militar e o uso político da polícia foram determinantes para a manutenção da ditadura de Vargas e foi o apogeu da cultura da militarização no seio dos corpos policiais. O próprio golpe contou com a participação da polícia militar de alguns Estados e foi fundamental para aimplementação de uma ideologia militar para a Polícia, atrelada aos conceitos de segurança interna e inimigos internos de oposição ideológica. 
A Lei de Segurança Nacional foi formalizada através da Constituição de 1967, do Decreto Lei 134 de 1967 e dos Atos Institucionais, que foram o arcabouço jurídico autoritário para a formalização da referida lei e das suas atitudes repressivas e antidemocráticas, com a suspensão das garantias constitucionais, além da organização de agrupamentos militares para o combate às resistências que surgissem no país.
Na ditadura a Polícia Militar assumiu também um caráter mais ostensivo, sendo colocada a serviço de uma vigilância cotidiana no Estado Policial. O Decreto-Lei nº 317 de 1967 criou a Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), órgão vinculado ao Exército que retira dos estados a competência de dirigir as polícias militares e a colocaram sob o controle efetivo da União. Essa subordinação implicou focar as atividades policiais nos conflitos internos de manutenção do regime em vez de focar na segurança pública. 
“Voltadas ao cumprimento da Lei de Segurança Nacional e à preocupação do combate ao inimigo interno, as Polícias Militares viram-se destituídas de sua identidade policial, que busca controlar a criminalidade e luta para minimizar os índices de violência, com enfoque privilegiado à prevenção, à negociação e à administração de conflitos, em lugar da repressão.” (MENDES, 2012: p.36) 
Por fim, com a Constituição de 1988, após diversas manifestações democráticas e o retorno das garantias e direitos fundamentais, foi que se obteve a extinção de atrocidades do Estado Policial e criação de mecanismos de defesa dos direitos civis, porém, a democratização do Estado brasileiro não foi completa, pois mesmo depois da anistia política, a suspensão do AI-5 e a retomada das eleições diretas de forma gradual, estabeleceu-se uma transição “consensual” para a redemocratização do Brasil. Os debates sobre segurança pública e policiamento estavam na agenda política da elaboração da nova Constituição Federal. 
A urbanização desordenada das cidades e o ínicio de uma política de guerra às drogas, marcou a década de 80 com o aumento nos índices de criminalidade e homicídios no Brasil, o que gerou uma comoção social para o aumento da repressão e marcando a elaboração da nova Constituição.
O art. 6º da Constituição Federal de 1988 trata a questão da segurança como um direito social, com base na isonomia, legalidade, respeito aos direitos humanos e dignidade da pessoa humana. O art. 144, por sua vez, trata a segurança pública como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. 
Se comparado ao ordenamento jurídico anterior, houveram progressos, como a retirada do controle do Exército dos corpos policiais militares, retornando sua subordinação aos governadores dos Estados e à diferenciação constitucional entre defesa nacional, de responsabilidade das Forças Armadas, e segurança pública, sob a responsabilidade das polícias. 
A manutenção das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares enquanto forças auxiliares e de reserva do Exército (CF, art. 42 e 144), somou-se à continuidade na adoção de resquícios da doutrina de segurança nacional. Permaneceu, então, sendo possível a atuação das Forças Armadas nos Estados para manutenção da ordem interna, em claro desvio de finalidade.
 “A Constituição de 88 formalizou prerrogativas militares, fornecendo amplos poderes à intervenção do Exército via Poder Executivo, desta vez com um caráter pseudodemocrático, pois o foi enquanto processo constitucional, ainda que não o seja na essência” (ZAVERUCHA, 2005: p. 54).
Para aqueles que esperavam a democratização das forças policiais e o controle civil da segurança pública, houve um erro constitucional, pois tornou válida a militarização das polícias, acolhendo o modelo de segurança pública utilizado pela ditadura militar, o que se demonstrou contraditório com a proposta da nova Constituição de implementação de um Estado Democrático de Direito. 
Logo, não houve avanço no quesito modelo e segurança pública focado na defesa do cidadão e dos direitos civis. Se manteve uma polícia militarizada atrelada aos ideais de segurança interna, defesa do Estado e combate à desordem pública. 
A SEGURANÇA PÚBLICA E A MILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS NOS ÚLTIMOS GOVERNOS 
Apesar dessas mudanças no cenário político-social brasileiro, ainda tem-se uma polícia militarizada, violenta e que assassina em índices sem precedentes, e isso, certamente, é um obstáculo na consolidação da democracia e das instituições. Além disso, ainda há uma disputa de hegemonia na segurança pública. Não é de costume brasileiro a elaboração de políticas de segurança pública de forma aberta, democrática e com a participação da sociedade civil. 
O Ministério Público é quem faz o controle externo das polícias (CF, art. 129, VII), porém, age de forma ainda ineficiente, e com isso, a sociedade sofre cada vez mais com uma política de segurança pública que retroalimenta a criminalidade. 
Nessa disputa hegemônica da concepção de segurança pública há dois pólos antagônicos: os desejos de construção de uma polícia de caráter civil, democrática e de prática e filosofia cidadã adequada aos direitos, contrária a quem deseja incrementar militarização das polícias, a policialização das Forças Armadas e o aumentar a repressão da segurança pública. 
A segurança pública acaba por tomar um lugar urgente nas agendas políticas das esferas governamentais, pois o aumento da criminalidade urbana, do índice de homicídios e crimes contra o patrimônio se torna assustadores e superiores a de países em guerra. O aumento da classe média nacional, que busca cada vez melhores serviços públicos e o debate crescente sobre direitos humanos também contribuem para isso.
A situação alarmante atual, foi devido a falta de planejamento governamental para a segurança pública. E desde o período da redemocratização, somente em 2001, no fim do mandato de Fernando Henrique Cardoso, é que foi criado o Plano Nacional de Segurança Pública, que visava melhorar o sistema nacional de dados e segurança, a integração entre as polícias e políticas, além de ações comunitárias e políticas sociais. Foi criado também, o Fundo Nacional de Segurança Pública para fomento de políticas estaduais a partir das diretrizes do Plano Nacional. 
Já no Governo Lula, foi implementado o Sistema Unificado de Segurança Pública, buscando articular as três esferas governamentais em ações na segurança pública, compartilhamento de informações e justiça criminal; e surge também, o PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública de Cidadania, com a perspectiva de resgate cidadão aos jovens, visto o grande número de homicídios, os índices de criminalidade e a vitimização na faixa etária de 15 a 24 anos. Esse avanço consiste em ter uma política nacional focada nas raízes socioculturais do crime, para além da perspectiva histórica e preconceituosa que buscava estabelecer um perfil do sujeito criminoso. 
No Governo Dilma Rousseff, houve uma reedição das mesmas políticas de segurança antecessoras, políticas já problemáticas, que focaram para uma militarização ainda maior da segurança pública, e como exemplo disso, tem-se as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) do Estado do Rio de Janeiro e a utilização das Forças Armadas como função policial nos grandes eventos, foi o que houve em 2013 na Copa das Confederações e na Copa do Mundo de 2014, e ainda, nas manifestações que convulsionaram o país em junho de 2013, conhecida como as Jornadas de Junho.
Pretende-se, com isso, a utilização constante das Forças Armadas, enquanto integradas em uma “polícia modelo Copa do Mundo”, com uma repressão ainda maior. Como símbolo dessa militarização temos o Estado do Rio de Janeiro com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que é vendida como “a grande solução”, e é a principal propaganda do governo para aumentar a sensação de segurança durante os grandes eventos da capital.
A organização dasUPPs, concentradas em sua maior parte no corredor hoteleiro e nas áreas de especulação imobiliária, revela um projeto de cidade voltada para os grandes negócios. Enquanto isso, nas favelas não há nenhuma possibilidade de participação popular na gestão do território. Essa militarização é refletida através da Resolução 132, que estabelece que a autorização para a realização de eventos fica submetida à polícia, asfixiando assim as expressões culturais da localidade. Além disso, um acordo entre as Secretarias Estaduais de Educação e Segurança Pública do Rio de Janeiro deu à Polícia Militar a missão de fazer a segurança dentro das escolas, aumentando dessa forma a estigmação dos alunos de escolas públicas próximas a favelas, onde 3 dos alunos envolvidos em conflitos escolares são reconhecidos como potenciais criminosos e submetidos à vigilância constante. 
Em ambos os governos, busca-se novas iniciativas, como os Conselhos Comunitários de Segurança nos três níveis da administração pública e novas Ouvidorias, ou seja, outra forma de controle externo das Polícias Militares, visto que há grande insatisfação pelo baixo índice de punição dos agentes de segurança em conflito com a lei. 
Chama-se atenção também, no que diz respeito ao controle externo da Polícia pelo Ministério Público após a Constituição de 1988 (art. 129, inciso VII), onde lhe é dado poderes para controlar as polícias e defender os direitos dos cidadãos contra abusos cometidos por policiais, porém, não é o que se vê, pois mesmo após décadas, o MP está longe de um desempenho satisfatório no controle externo policial. 
ANÁLISE QUANTITATIVA
	A Polícia como se organiza, é pensada sob a forma da militarização. É uma dentre as maneiras possíveis de se planejar a segurança pública. Essa lógica organizacional é pautada pela defesa contra o inimigo em estado de guerra. Nesse sentido, a corporação se assemelha ao Exército Brasileiro, sendo, justamente por isso, força reserva do mesmo. [1: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988]
	Em meio a esse quadro de situação belicosa entre a força policial e a população, encarada como inimigo em potencial, é possível entender os índices acentuados da segurança pública no que se refere a letalidade de civis e policiais. Nove pessoas foram mortas diariamente no Brasil por policiais em 2015, resultando no total de 3345 mortes, ou 1,6 a cada grupo de 100 mil pessoas. Foi verificado um crescimento de 6,3% em comparação ao apurado em 2015 pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo foi o estado com maior letalidade, registrando 848 mortes. O Rio de Janeiro ficou em terceiro lugar com 3,9 mortes para cada grupo de 100 mil pessoas.[2: Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-10/brasil-tem-mais-mortes-violentas-do-que-siria-em-guerra-mostra>. Acesso em 05 de novembro de 2016.]
	Por outro lado, de janeiro a outubro de 2016, 556 policiais foram feridos e 106 morreram somente no estado do Rio de Janeiro, conforme ilustram os dados apresentados na CPI dos Policiais Mortos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ. Entre 1994 e 2015, dos 3087 agentes mortos e 13.735 feridos, 80% eram policiais militares.[3: Disponível em <http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/numero-de-policiais-mortos-no-estado-do-rio-chega-32-mil-de-1994-2016-19703774>. Acesso em 05 de novembro de 2016]
	Ainda segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado 393 policiais foram mortos, sendo 73% mortes fora do serviço. Isso decorre dos empregos extras, considerados ilegais, mas que são alternativa de renda para os policiais, que em regra têm baixa remuneração. O trabalho na segurança privada, nesse sentido, recebe destaque, pois é o setor que mais recebe a mão de obra e, por sua vez, deixa mais vulnerável o policial.[4: ]
	A Anistia Internacional em levantamento realizado em 21 países, constatou que no Brasil existe uma desconfiança generalizada no que se refere a polícia. 80% dos entrevistados relataram sentirem-se inseguros caso sejam detidos pela polícia, média perto do dobro da mundial. Essa situação é compreensível quando é observado que entre 2011 e 2013 cresceram 129% as denúncias de tortura perpetrada por agentes do estado através do Disque 100 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, totalizando 816 relatos.[5: Disponível em <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/05/140512_brasil_tortura_vale_rb>. Acesso em 05 de novembro de 2016.]
A DESMILITARIZAÇÃO E A PEC 51
	Esse cenário de insegurança difusa por parte da população e letalidade causada por um modelo inadequado motiva debates acerca da estrutura policial. Dessa maneira, a desmilitarização ganhou uma forma institucional por meio da Proposta de Emenda Constitucional 51/2003 de autoria do Senador pelo Rio de Janeiro Lindbergh Farias. 
	Propondo alterar os artigos 21, 24 e 144 da Constituição, além de adicionar os artigos 143-A, 144-A e 144-B, a emenda pretende desenhar uma nova sistematização da segurança pública pautada descentralização da administração e compartilhamento de dados estatísticos, assim como o respeito aos direitos humanos e uma formação cidadã para os agentes.[6: Disponével em <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/114516>. Acesso em 07 de novembro de 2016.]
Art. 143-A. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública democrática e para a garantia dos direitos dos cidadãos, inclusive a incolumidade das pessoas e do patrimônio, observados os seguintes princípios: 
I - atuação isonômica em relação a todos os cidadãos, inclusive quanto à distribuição espacial da provisão de segurança pública; 
II - valorização de estratégias de prevenção do crime e da violência; 
III - valorização dos profissionais da segurança pública; IV – garantia de funcionamento de mecanismos controle social e de promoção da transparência; e
V – prevenção e fiscalização efetivas de abusos e ilícitos cometidos por profissionais de segurança pública.
 Parágrafo único. A fim de prover segurança pública, o Estado deverá organizar polícias, órgãos de natureza civil, cuja função é garantir os direitos dos cidadãos, e que poderão recorrer ao uso comedido da força, segundo a proporcionalidade e a razoabilidade, devendo atuar ostensiva e preventivamente, investigando e realizando a persecução criminal”. 
	Ainda no sentido de combater arbitrariedades e promover uma cultura cidadã, o artigo 143-B dispõe sobre a Ouvidoria externa:
Art. 144-B. O controle externo da atividade policial será exercido, paralelamente ao disposto no art. 129, VII, por meio de Ouvidoria Externa, constituída no âmbito de cada órgão policial previsto nos arts. 144 e 144-A, dotada de autonomia orçamentária e funcional, incumbida do controle da atuação do órgão policial e do cumprimento dos deveres funcionais de seus profissionais e das seguintes atribuições, além daquelas previstas em lei:
I – requisitar esclarecimentos do órgão policial e dos demais órgãos de segurança pública;
II – avaliar a atuação do órgão policial, propondo providências administrativas ou medidas necessárias ao aperfeiçoamento de suas atividades;
III – zelar pela integração e compartilhamento de informações entre os órgãos de segurança pública e pela ênfase no caráter preventivo da atividade policial; IV – suspender a prática, pelo órgão policial, de procedimentos comprovadamente incompatíveis com uma atuação humanizada e democrática dos órgãos policiais;
V – receber e conhecer das reclamações contra profissionais integrantes do órgão policial, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional das instâncias internas, podendo aplicar sanções administrativas, inclusive a remoção, a disponibilidade ou a demissão do cargo, assegurada ampla defesa;
VI – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;
VII – elaborar anualmenterelatório sobre a situação da segurança pública em sua região, a atuação do órgão policial de sua competência e dos demais órgãos de segurança pública, bem como sobre as atividades que desenvolver, incluindo as denúncias recebidas e as decisões proferidas.
Parágrafo único. A Ouvidoria Externa será dirigida por Ouvidor-Geral, nomeado, entre cidadãos de reputação ilibada e notória atuação na área de segurança pública, não integrante de carreira policial, para mandato de 02 (dois) anos, vedada qualquer recondução, pelo Governador do Estado ou do Distrito SF/13446.31391-07 Federal, ou pelo Prefeito do município, conforme o caso, a partir de consulta pública, garantida a participação da sociedade civil inclusive na apresentação de candidaturas, nos termos da lei
O artigo 144-A versa sobre a carreira única e descentralização administrativa, dando autonomia para os estados decidirem como organizar suas polícias, inclusive possibilitando maior integração com os municípios na gestão da segurança:
Art. 144-A. A segurança pública será provida, no âmbito dos Estados e Distrito Federal e dos municípios, por meio de polícias e corpos de bombeiros. 
§ 1º Todo órgão policial deverá se organizar em ciclo completo, responsabilizando-se cumulativamente pelas tarefas ostensivas, preventivas, investigativas e de persecução criminal. 
§ 2º Todo órgão policial deverá se organizar por carreira única. 
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal terão autonomia para estruturar seus órgãos de segurança pública, inclusive quanto à definição da responsabilidade do município, observado o disposto nesta Constituição, podendo organizar suas polícias a partir da definição de responsabilidades sobre territórios ou sobre infrações penais. SF/13446.31391-07.
§ 4º Conforme o caso, as polícias estaduais, os corpos de bombeiros, as polícias metropolitanas e as polícias regionais subordinam-se aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; as polícias municipais e as polícias submunicipais subordinam-se ao Prefeito do município.
§ 5º Aos corpos de bombeiros, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
	O artigo 144 da Constituição tem seu textos reestruturado para eliminar as referências ao corpo de bombeiros militar, polícia militar e civil, dessa forma, dispondo somente sobre a segurança no que concerne à União.
	De forma sintética, é possível pontuar que a PEC traz uma nova organização estrutural das polícias, delegando maior autonomia ao policial e maior controle à sociedade. A União fica imcumbida de traçar as diretrizes gerais da segurança pública e fomentar o compartilhamento de dados, transparência pública e controle social. O ciclo completo está previsto no texto da PEC ao unificar o corpo policial, hoje dividido em polícia civil (investigativa) e militar (ostensiva). Os estados poderiam criar polícias especializadas para territórios e infrações penais. Outra inovação é a criação de ouvidoria externa completamente independente para regular a atividade policial e promover investigação disciplinar. Também é necessário ressaltar a participação ativa dos municípios que passariam a pensar a segurança pública de forma mais assertiva, com possibilidade de promover programas locais de segurança. A possibilidade de criação de polícias metropolitanas também é relevante, pois traz um caráter local e sistemática ao combate ao crime nas regiões de alta circulação de pessoas e concentração de bens e serviços.
CÓDIGOS DE CONDUTA E NORMAS ADMINISTRATIVAS 
Segundo Trindade e Porto (2011), “Diversos países têm enfrentado o desafio de limitar e controlar a atividade policial. Basicamente, os esforços se concentraram na criação de mecanismos institucionais de responsabilização e controle. Entretanto, a qualidade e eficácia desses mecanismos, que visam inibir a violência, a brutalidade e a arbitrariedade policial, são questões ainda pouco problematizadas, tanto no interior das próprias polícias quanto fora delas, pelos pesquisadores. Além de fatores internos quanto à organização policial, a análise e a compreensão de tais questões passa, igualmente, pelas relações entre polícia e sociedade.”
	O conceito de deontologia se relaciona com o reforço do vínculo entre polícia e sociedade bem como sendo uma forma de controle da atividades das polícias, uma vez que impõe responsabilidades ligadas à ética de conduta. “O limite entre força e violência varia em função da forma como cada sociedade interpreta a noção de violência e representa a função policial. No contexto brasileiro, além de insistir na necessidade de incrementar a educação e o treinamento, os depoimentos ressaltam a dificuldade de traduzir para a atividade prática os princípios mais teóricos possíveis, seja em manuais de procedimentos operacionais, seja através da cultura oral.”, acrescentam os autores. 
	O desconhecimento dos procedimentos adotados pelos policiais que dizem respeito ao exercício da autoridade, presente na maioria dos casos, dificulta que alguém leigo possa analisar se a conduta foi adequada dentro desses parâmetros. Dessa forma, o controle da atividade policial precisa considerar os códigos de deontologia, a fim de um exercício mais transparente e que estabeleça vínculos mais fortes na relação polícia-sociedade.
	“Os problemas de definição do que vem a ser violência policial e as dificuldades de monitoramento das práticas cotidianas da polícia tornam pouco eficiente o funcionamento de três dos principais mecanismos de controle da atividade policial: a legislação, o controle externo e a justiça”, apontam Trindade e Porto (2011). A falta de reformulação interna de condutas, o funcionamento não efetivo dos órgãos de controle externo e as deficiências da justiça para controle do que é ou não violência policial dentro da força legal são os principais aspectos que circundam essa questão.
	“A existência de um código de deontologia não assegura que seus valores profissionais sejam compartilhados por todos, irrigando cotidianamente as ações da polícia. A eficácia dos códigos de deontologia é proporcional ao grau de adesão aos seus valores pelos agentes policiais. Para que isto aconteça, algumas polícias reestruturaram seu aparato administrativo de controle interno para fazer valer estes princípios na prática policial cotidiana. Enquanto o código de deontologia busca relacionar os valores e ideais de uma determinada ordem política e social aos ditames da profissão policial, o aparato administrativo procura transformar estes ditames à prática cotidiana”, acrescentam.
	Trata-se de um sistema que é voltado para o controle e prevenção de situações de risco para a polícia e para os cidadãos. Procurando reduzir os espaços discricionários, o sistema não abre margem para vias que serão analisadas somente no caso prático, caindo num espaço sem parâmetros concretos. Ademais, os profissionais que seguem a conduta são premiados. Dessa forma, o sistema não decreta o fim da violência policial, mas segue como uma medida de fundamental importância para as situações nas quais a violência possa ocorrer.
	Sendo os códigos genéricos e abstratos, por abrangerem qualquer situação encontrada na rotina policial, ao mesmo tempo em que não contam com orientação clara de como o profissional deve agir, são necessárias, paralelamente, as normas administrativas de conduta, que atuam completando essas lacunas. “A escassez de normas de conduta e a sua omissão com relação às técnicas e procedimentos tornam o treinamento pouco útil para controlar a atividade policial. Afinal de contas, só é possível treinar alguém se sabemos previamente como esperarmos que ele proceda. Do contrário, o treinamento policial específico fica restrito às aulas de tiro, ordem unida, treinamento físico e legislação penal, como na maioria das polícias militares brasileiras. Nesses casos, pouca ênfase é dada às situações de contato entre policiais e cidadãos”, acrescentam Trindade e Porto (2011).
DIREITOS HUMANOS E CULTURA POLICIAL
O foco da abordagemrelaciona-se com a relação dos aspectos da cultura policial presente na sociedade brasileira no que tange as atitudes e visões acerca dos direitos humanos. Dentre as explicações existentes sobre as dificuldades de incorporação dos princípios de direitos humanos às atividades policiais, destacam-se as que dão peso aos fatores institucionais e à cultura política brasileira,essas têm o mérito de chamar a atenção para a influência do contexto social e político sobre as visões e o comportamento dos policiais em relação aos direitos humanos ,no entanto, elas pecam ao subestimarem o ambiente organizacional e 	ocupacional na qual as atividades de policiamento ocorrem. É nesse ambiente que é gerada a cultura policial, isto é, o conjunto de valores, crenças e regras informais que orientam o modo como os policiais enxergam o mundo social e o modo como deveriam agir nele. Nesse sentido, a resistência dos policiais aos direitos humanos guardaria relação não apenas com o contexto político e cultural mais amplo da sociedade brasileira, mas também com as especificidades de uma cultura ocupacional que pode ser encontrada
em forças policiais de diversas partes do mundo.
 A pesquisa e o estudo foram realizados sob perspectiva da policia militar do Estado do Paraná com intuito de procurar entender todo um contexto nacional. No contexto da relação entre a cultura policial e os direitos humanos, é possível observar a dualidade de interpretações. De um lado, existe a expectativa de que os policiais tenham iniciativa e sejam eficientes na imposição de valores morais implicados na ideia de ordem, mas por outro espera-se que eles ajam estritamente de acordo com regras formais que visam conter suas ações dentro de determinados limites. 
Como o entendimento desse conflito requer o estudo das diferentes concepções de ordem e legalidade partilhada pelos policiais, Skolnick (2011) voltou-se para o que chamou de "personalidade de trabalho" do policial. Essa cultura seria uma resposta cognitiva e comportamental a três elementos característicos do ambiente de trabalho do policial: o perigo, a autoridade e as pressões por eficiência. Segundo Skolnick (2011), a exposição ao perigo e a necessidade de fazer valer a autoridade do Estado estimularia nos policiais atitudes conservadoras e comportamentos de suspeição, estereotipação, isolamento social e solidariedade interna. Policiais desenvolveriam atitudes de suspeição e criariam estereótipos sociais para lidar com as incertezas inerentes aos encontros cotidianos com pessoas desconhecidas. Já o isolamento social seria uma forma de os policiais evitarem o contato com segmentos sociais considerados perigosos e que os tratam com hostilidade em função da autoridade que exercem para garantir o cumprimento da lei.
 Como autoridade responsável pela manutenção da ordem, os policiais também tenderiam a desenvolver um conservadorismo intelectual (pragmatismo), político e social. Segundo Skolnick (2011), as pressões por eficiência induziriam os policiais a valorizarem mais a resolução de crimes e a realização de prisões do que o respeito às regras que visam impor limites ao desempenho dessas funções. Todavia, para autores como Reiner (2004), as pressões por resultados que podem levar à desvalorização dos princípios legalistas do devido processo legal não são apenas externas aos policiais. Elas se originariam também de uma força motivadora interna, isto é, do modo como os policiais encaram o seu trabalho, visto como uma missão que se destina a proteger os fracos da ação dos predadores. 
Assim, essa visão moralista do mandato policial e as pressões organizações por resultados levariam os policiais a terem pouco apreço pelas normas que visam proteger os direitos humanos, percebidas como um empecilho ao combate eficiente daqueles que oprimem e brutalizam a sociedade. Em linhas gerais, a bibliografia acadêmica concorda com a ideia de que os valores, as atitudes e as regras informais que orientam os policiais não podem ser reduzidas às subjetividades e individualidades policiais. Como notou Reiner (2004), as forças policiais das democracias liberais modernas "veem-se frente a frente com as mesmas pressões básicas similares que modelam uma cultura distinta e característica em muitas partes do mundo, mesmo tendo ênfases diferentes no tempo e no espaço, e variações subculturais internas" (Reiner, 2004, p. 132). Nesse sentido, a desvalorização das proteções aos direitos humanos e as demais características da cultura policial precisam ser interpretadas à luz de uma perspectiva analítica sensível tanto ao contexto político e social no qual as atividades de policiamento se desenvolvem, quanto às variações e mudanças que podem ocorrer na cultura policial dentro e entre organizações.
 As 	hipóteses de pesquisa deste trabalho partem da ideia de que a visão 	dos policiais acerca dos direitos humanos pode ser estudada como uma das dimensões que compõem a cultura policial. Essas se dividem em 	três diferentes aspectos, sendo o primeiro deles que os policiais compartilham visões mais desfavoráveis do que favoráveis aos direitos humanos. Estes seriam vistos pelos policiais mais como um entrave ao combate à criminalidade do que como valores universais positivados em normas e procedimentos que visam proteger todos os cidadãos, especialmente contra o arbítrio estatal. A segunda hipótese refere-se ao fato de que policiais mais velhos são mais resistentes à noção de direitos humanos do que os policiais mais 	jovens.
Os valores, as atitudes e as regras informais que orientam os policiais são ensinadas pelos policiais mais velhos aos policiais mais jovens, que dessa forma aprendem a lidar com os perigos, com a autoridade e com as pressões por eficiência presentes no seu ambiente ocupacional e organizacional. Sendo a rejeição aos direitos humanos um dos elementos da cultura policial, espera-se que essa rejeição seja mais forte entre os 	policiais mais velhos e mais integrados à cultura policial do que entre os policiais mais jovens e em processo de integração. Já a terceira abordagem é sobre se os policiais que trabalham na linha de frente da organização compartilham uma subcultura ocupacional mais desfavorável à efetivação dos direitos humanos do que os policiais que desempenham atividades gerenciais e administrativas.
Dessa maneira, a partir dos resultados obtidos é possível confirmar a hipótese de que as visões dos policiais da em relação aos direitos humanos são predominantemente desfavoráveis. Essa realidade é 	preocupante. É notória a problemática devido ao conhecimento de que funcionários públicos com tamanha discricionariedade e poder veem os direitos humanos como um empecilho ao seu trabalho. Se na maior parte do tempo os policiais agem sem supervisão e orientados apenas por diretrizes genéricas sobre como se comportar, é de se esperar que o modo como veem o mundo social tenha alguma influência sobre 	suas práticas de policiamento. Ao menos é o que demonstra o estudo de Terril et al. (2003), que encontrou uma associação entre 	atitudes típicas da cultura policial e o uso de coerção pelos policiais que partilhavam tais atitudes.
Portanto, evidencia-se que os estudos sobre polícia e direitos humanos no Brasil têm dado pouca atenção à relação entre cultura policial e visões sobre direitos humanos. Esse tema aparece nos trabalhos brasileiros que estudaram empiricamente a cultura policial, mas a maioria desses trabalhos apresenta dificuldades metodológicas em analisar as variações sistemáticas das dimensões da cultura policial. O estudo mostrou que os policiais da PMPR, em geral, compartilham visões desfavoráveis à efetivação dos princípios de direitos humanos. O estudo também mostrou que a resistência aos direitos humanos é maior entre os não-oficiais e policiais que atuam em funções operacionais do que entre os oficiais e policiais em funções administrativas, indicando a possível existência de uma cultura dos policiais de rua e uma cultura dos policiais administrativos nos termos definidos pela teoria.Todavia, ao contrário do esperado, descobriu-se que a resistência aos direitos humanos é maior entre os policiais mais jovens e com menos tempo de socialização na cultura policial, do que entre os policiais mais velhos e supostamente mais integrados a essa cultura. 
Esses resultados são intrigantes e merecem pesquisas adicionais, pois podem ter implicações para a formulação e implementação de 	políticas públicas.Torna-se evidente, portanto, a necessidade de reformulação de políticas públicas no que tange uma maior abordagem acerca dos direitos humanos, assim como nos processos de recrutamento e seleção de candidatos para tais cargos detentores de grande poder na sociedade brasileira, a fim de amenizar a problemática e visão preocupante observada na pesquisa.
 	 
O MODELO POLICIAL ATUAL
O período de redemocratização não levou a transformações no modelo policial adotado pelo Estado brasileiro. Houveram modificações, porém os policiais militares continuam a reproduzir as mesmas práticas danosas e autoritárias aos direitos humanos e dignidade da pessoa humana do período ditatorIal. Violência, tortura, maus-tratos e impunidade tornaram-se comuns no sistema de segurança pública brasileiro, além da seletividade da repressão policial e criminalização das classes sociais menos favorecidas. Jovens negros do sexo masculino constituem esse perfil estereotipados negativamente, sobretudo no Norte e Nordeste do país.
O uso da violência extrema é justificada pela mentalidade construída por décadas e pela ajuda da mídia, sendo encarada como um problema de polícia, dando assim um caráter militar às questões de segurança pública. 
Para projetar um cenário no qual os direitos humanos e cidadania sejam garantidos deve-se analisar os principais aspectos que caracterizam a manutenção de uma militarização da segurança pública no Brasil, que são, a organização e a estruturação dos corpos policiais em modelo militar, a influência das Forças Armadas na organização das Polícias Militares e a próprio uso das Forças Armadas em atividades policiais. 
As Polícias Militares reproduzem a organização usada pelo Exército, com a justificativa de que tal organização desta serviria para garantir o “bom” funcionamento e integridade das polícias. A hierarquia e disciplina são valores que permeiam os Regulamentos das Polícias Militares, onde os oficiais superiores nunca têm sua autoridade questionada e resultando um corpo policial seccionado, precário, com processos e espaços de decisão centralizados e impossibilidade de promoção de carreira.
O controle interno se dá através dos Regulamentos Disciplinares da Polícias Militares, onde são determinados à semelhança do Exército; e são regidas por foro especial da Justiça Militar, pelo Código Penal Militar e pelo Código de Processo Penal Militar. 
Outra incongruência está no fato de que embora os governadores dos estados tenham as Polícias Militares, Corpo de Bombeiros Militares e Polícias Civis como suas subordinadas (CF, art. 144, §6º) é competência da União, o que acaba de gerar de fato um comando dividido das polícias militares, visto estar a cargo dos estados, mas sim da União a competência para a organização estratégica, novos quartéis, armamentos e etc. 
O controle do Exército sobre as Polícias Militares possivelmente aumentou no regime democrático, em razão da operacionalidade. O trato com os cidadãos e a filosofia operacional das Polícias Militares têm maiores similaridades com o Exército. A maneira como elas são treinadas para “combaterem o crime”, sendo o “criminoso” o “inimigo” a ser aniquilado muito se assemelha ao modelo de uma guerra, ou seja, a Polícia Militar é condicionada a estruturas e conceitos militares em sua ação cotidiana na segurança pública. 
Outro problema da segurança pública brasileira é o uso das Forças Armadas na atividade de cunho policial. Nossa legislação permite o uso das Forças Armadas para garantia da lei e ordem, com as diretrizes da Presidência da República, após esgotado o rol do art. 144 da CF/88, ou seja, o uso de militares na segurança pública realizando o trabalho afeto aos policiais é algo admitido em nosso ordenamento jurídico, sendo cada vez mais comum devido ao aumento dos índices de criminalidade e à disseminação de uma crise na segurança, causada pela desconfiança das comunidades nas PMs; pelas invasões nas favelas sob a justificativa de combate ao tráfico e pela repressão aos movimentos sociais, como nos protestos de 2013. 
Vê-se então, uma inversão dos corpos policiais e militares, com as Forças Armadas sendo acionadas para servirem como uma espécie de polícia nacional de reserva. Em 2010 a Lei Complementar nº 136 atribui poder de polícia às Forças Armadas nas missões oficiais para segurança de autoridades e em todas as regiões de fronteiras. 
É o que descreve o penalista e criminalista Nilo Batista:
(..) Essa policização das Forças Armadas é um perigo no que tange a confusão comum nas ciências sociais, entre poder militar e poder punitivo. Onde há guerra não pode haver direito. O militar é adestrado para o inimigo, o policial para o cidadão. Na estrutura militar, a obediência integra a legalidade; na policial, a legalidade é condição prévia da obediência. São formações distintas, dirigidas a realidades também distintas. O sistema de responsabilização é também diferente: não há ordens vinculantes para um policial, adstrito a aferir a legalidade de todas elas (num teatro de guerra, iniciativa similar significaria derrota certa). (...) Certas funções policiais são brutalizantes e produzem efeitos deteriorantes sobre aqueles que as realizam. Trata-se do fenômeno denominado “policização”, que pode acontecer também com outros operadores do sistema penal, carcereiros, advogados, promotores de Justiça e magistrados. Quem não conhece a policização passará o resto da vida reclamando do pouco rigor na admissão e adestramento dos policiais, quando o problema não está na seleção e sim na prática. Quem está disposto a correr o risco de policização de algumas unidades de nossas Forças Armadas? Guerra é uma coisa muito séria, como o é a soberania e a integridade do território nacional. Precisamos de Forças Armadas bem adestradas para aquelas tarefas constitucionais, em que elas são únicas e insubstituíveis. Já passou da hora de brincar de guerra nas ruas da cidade. (BATISTA, 2014: p. 2) 
 
Até mesmo no meio policial há grande resistência na manutenção do modelo atual militarizado das polícias, que gera uma divisão que entre carreiras de praças e policiais, entre outros aspectos. Luiz Eduardo Soares, Silvia Ramos e Marcos Rolim fizeram pesquisas com mais de 64.000 agentes de segurança pública de todo e país e constataram que por volta de 70% deles são contrários ao atual modelo. Estão insatisfeitos, sentem-se alvos de discriminação, reclamam dos salários e sentem os direitos humanos desrespeitados. (SOARES, 2013: p.6). 
 O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em seu 7º Encontro Anual, realizado em Cuiabá - MT, em carta à Nação, elenca pontos que merecem nossa atenção, pois são sintomáticos da situação precária da segurança pública. A carta elencou princípios norteadores para uma reforma na segurança pública, dentre tantos pontos, será citado como exemplo o primeiro ponto da carta, que pede a reforma do modelo atual de organização policial e a desmilitarização da natureza e da organização policial e a garantia da autonomia funcional e operacional para os órgãos periciais, para que de alguma forma essa polícia tenha um papel democrático dentro dessa sociedade plural e complexa.
FORMAÇÃO DO POLICIAL MILITAR
 Segundo o ex policial militar Rodrigo Nogueira em seu livro "Como Nascem os Monstros" (2013), a cultura violenta da corporação começa na formação. Preso desde 2009, ele revela como um jovem com ideais de defesa da sociedade e combate ao crime pode se transformar em um criminoso em sua posição no batalhão. 
 Rodrigo afirma que o processo de perversão inicia-se na CFAP (Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças),onde o primeiro treinamento é realizado com disparos de tiros e bombas de policiais antigos, apresentando aos novos a guerra. Dessa forma, os instrutores tem foco em formar combatentes e não policiais preocupados com o aspecto social que vivenciam. A turma de Rodrigo, por exemplo, não teve aulas de direito penal, constitucional, filosofia e sociologia. Os oficiais que coordenam o curso acreditam que para preservar a vida, o policial não pode demonstrar piedade e covardia. O primeiro contato com as técnicas de tortura da Polícia Militar foi durante um expediente no período de praia. O caso de Amarildo, por exemplo, é um dos milhares de casos das mesmas práticas já cometidas por gerações passadas da PM. A necessidade de não demonstrar estar comovido com as condutas de tortura interfere no serviço em que o oficial trabalhará, visto que será tido como inapto a realizar o trabalho. Assim, será encaminhado a trabalhos como faxina ou baseamentos durante a noite. 
 A falta de apoio psicológico afeta drasticamente as condutas policiais. Diariamente o profissional está submetido a um quadro de alto estresse no campo de batalha, com receio de morrer ou de assistir um companheiro sendo baleado a qualquer momento. Os gestores da Polícia Militar não oferecem suporte aos casos de confronto, morte e violência vivenciados no trabalho.
 Rodrigo Nogueira nomeia a participação de oficiais nesse ciclo de violência e corrupção de coronelismo moderno. O comandante decide todo o funcionamento do batalhão. Caso o policial aja de forma que incomode o comandante, ele será realocado para outro batalhão. Além disso, muitos comandantes coordenam atividades criminosas como tráfico de drogas, clínicas de aborto, jogo do bicho. Por mais que existam denúncias, nenhum policial pode impedir sem receber determinação, correndo risco de receber consequências administrativas. E mesmo que o oficial tente provar os casos de corrupção, ele correrá risco de morte pelo comandante. O comandante exerce a influência no batalhão e o subordinado não tem permissão para contestar. 
 Atualmente, a Polícia Militar forma soldados que focam em eliminar o inimigo a qualquer custo. No entanto, o papel do policial é prender o indivíduo criminoso e permitir que a lei seja cumprida. A sociedade aplaude e estimula os policiais que matam criminosos sem qualquer piedade, compactuando com a visão glamourizada desse estado de desumanização. A vida diária perto da corrupção dentro do batalhão, a violência constante, o poder exercido pelo comandante e a pressão por uma postura dura causam essa fabricação de oficiais perversos. 
10. ESTUDO DE CASO - RELATÓRIO SOBRE O CASO AMARILDO
11.1 - Introdução 
 O caso mundialmente conhecido pela tortura do pedreiro Amarildo, praticada por policiais militares, é, indubitavelmente, um caso emblemático. Emblemático porque desvela de forma ofuscante todas as mazelas presentes no sistema de segurança pública do Estado Brasileiro, as quais perpassam desde a estrutura militarizada da polícia até às falhas presentes no ordenamento jurídico que condicionam esse tipo de transgressão aos direitos humanos. As condições que levaram ao assassinato do pedreiro não foram fortuitas, frutos do acaso ou de policiais brutais que agiram de forma excepcional. Uma análise que não seja dialética, que não investigue materialmente as estruturas que causaram tal truculência, serão parcas e errôneas para se analisar a questão. 
 Conforme esmiuçarei abaixo, o caso está envolvido numa teia de abusos de poder, desvios de finalidade e fraudes processuais, praticados por figuras do alto escalão da polícia militar ou por ela chancelados. Essas ilicitudes foram cometidas em função de uma urgente necessidade de apreensão de armas e drogas, a despeito do método utilizado, pelo programa das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), implantado no Rio de Janeiro com o objetivo de reduzir a criminalidade. Tal projeto, como aqui exporei, só conseguiu lograr êxito de forma absolutamente efêmera e restrita, pois a intensificação do aparato policial nas favelas não foi acompanhada por políticas de promoção da cidadania, tampouco houve um diálogo com a comunidade acadêmica sobre as formas efetivas de se resolver o problema da violência pública, visto que esta é uma temática historicamente constituída. O assassinato de Amarildo, portanto, surge como representação desse intenso paradoxo, latente e extremamente atual. E é isso o que denuncia unanimemente as instituições de defesa dos direitos humanos. 
11.2 - Contextualização histórica 
 O Rio de Janeiro possui uma problemática histórica no que tange ao controle de favelas inteiras por grupos ligados ao tráfico de drogas, que estabelecem uma espécie de estado paralelo onde se estabelecem e, dessa forma, acetuam o quadro da violência pública. Em decorrência disso, e visando sanar essa questão, o governo estadual, sob o comando do governador Sérgio Cabral, em 2008, concebeu o projeto das UPPs. Tais sistemas atuariam nas favelas cariocas - que atualmente já somam mais de 500 - sob o slogan da "pacificação", em um contexto em que a cidade possuía planos para abrigar mega-eventos. O método utilizado para desarticular as quadrilhas do tráfico foi a instalação de sedes de "polícias comunitárias", por meio da instalação de contêineres e outras formas de abrigo. 
 Dessa forma, em 19 de novembro de 2008 foi instalada a primeira UPP na favela Santa Marta em Botafogo, que, após um relativo sucesso materializado pela redução do número de homicídios a zero, ensejou a instalação de outras unidades em mais favelas cariocas, como Cidade de Deus, Jardim Batan, Morro da Babilônia etc. Tais feitos foram efusivamente noticiados pela grande mídia com coberturas exclusivas, ficando famosa uma gravação em que traficantes fugiam armados da Rocinha, intimidados com o efetivo policial composto por tanques e outros equipamentos bélicos propriamente militares. Essa cobertura massiva, aliada com a tática do governo de chamar as favelas ocupadas de "pacificadas", fez com que despertasse na população carioca uma expectativa do fim ou uma redução drástica da violência, pois esta é uma mazela que atinge universalmente os moradores da cidade. 
 De fato, nos primeiros momentos após a instalação de tais unidades, houve uma redução expressiva da criminalidade local, atestada até mesmo por moradores que vivem há muito nos locais. Em lugares como a Vila Cruzeiro, Nova Brasília e Vila Kennedy, em que se realizavam tiroteios diariamente, estes pararam de ocorrer. Outros dados, como a redução de 50% no número de homicídios, também animaram os defensores da "pacificação". Não obstante, tais resultados se mostraram deveras efêmeros, o que era previsível pelo modo em que essa política de segurança pública foi instalado. 
 A despeito do grande apoio midiático, da classe média e da elite carioca logrado pelo programa, outros setores da sociedade civil se organizaram para denunciar as séries de arbitrariedades cometidas pelas UPPs. É o caso do Ocupa Alemão, fundada dois anos após a aplicação da política nesse complexo de favelas, e que possui como escopo de atuação a luta pelo fim da militarização em favelas. Os argumentos que o coletivo utiliza para defender sua tese são diversos, e muitos são extremamente corroborados por importantes cientistas sociais e comunidades acadêmicas. A principal queixa é o poder promíscuo resultado da relação corrupta da polícia militar e traficantes, que, em meio a momentos de guerra, também fazem as pazes devido a interesses financeiros maiores. "Na favela não tem traficante, tem varejista. Os traficantes estão na Presidente Vargas, onde fica a sede da Polícia Militar do Rio de Janeiro", é o que diz um dos integrantes do Ocupa Alemão. Outra denúncia comum é a incessante atuação da polícia em assuntos pessoais dos moradores, que varia desde a invasão de domicílio de forma arbitrária e sem mandato judicial até à proibição de eventos como bailes funks, o que iria de encontro como uma série de garantias constitucionais,como a liberdade de associação. 
11.3 - Dos fatos 
 O caso Amarildo despontou nesse contexto de intensificação das UPPs como solução majoritária para o enfrentamento da violência urbana carioca. Entre os dias 13 e 14 de julho de 2013, realizou-se a "Operação Paz Armada" na favela da Rocinha, com o objetivo de apreender drogas e armas na comunidade. Desapontado com o baixo número de de apreensões realizadas no dia 13, o Major Edson Raimundo dos Santos, responsável pela sede da UPP, ordenou que os soldados patrulhassem a comunidade em busca de traficantes ou fontes úteis para essa empreitada. 
 A partir disso, o soldado condenado Douglas Roberto Vital Machado obteve contato telefônico com uma informante da comunidade, que o informou que havia um traficante num bar e que este possuía as chaves de um depósito com armas e drogas - este indivíduo era Amarildo. Após isso, Amarildo foi levado para a sede da UPP e amarrado atrás de um contêiner. De imediato, o major responsável pela operação ordenou que todos os policiais que não participassem da tortura, e que estavam ali para a realização de encargos meramente administrativos, fossem para dentro dos contêineres. O objetivo dessa ação foi explicitamente evitar que a tortura fosse presenciada por mais testemunhas. Após isso, Amarildo foi torturado por mais de 40 minutos, conforme constam os autos, e os gritos de dor e lamúria foram ouvidos pelos policiais que se situavam dentro dos contêineres. Dentre as táticas praticadas pelos policiais incluem-se o uso de sacolas plásticas na cabeça, choques elétricos com Teaser e afogamento em balde d'água. Após a morte do pedreiro, os policiais colocaram-no numa capa de moto e o levaram para um paradeiro desconhecido. 
 Após a série de manifestações dos moradores locais contra o desaparecimento do Amarildo, que se coadunaram com as vozes dos manifestantes das ruas numa época de intensa mobilização social, os policiais utilizaram-se de várias fraudes para tentar escapar do crivo do direito. Um sargento, que dias depois apreendeu o celular de um traficante, utilizou o aparelho para fazer uma ligação falsa como se fosse esse traficante, em que dizia que os próprios meliantes locais haviam matado Amarildo. Além disso, outros soldados subornaram e ameaçaram uma testemunha para depor em seu favor. Os argumentos da defesa gravitavam em torno da tese de que Amarildo tinha sido morto por traficantes em torno da sede; entretanto, nenhuma das 50 câmeras da UPP espalhadas pela rocinha conseguiu confirmar tal alegação. O caso acabou com a condenação de 12 dos 25 policiais acusados, sendo a maior pena a do major Edson.
11.4 - Problematização 
 Nesse contexto, a argumentação de Engels em seu livro "The Origin of the Family, State and Private Property" dialoga intrinsicamente com a temática abordada: “The state is, therefore, by no means a power forced on society from without; just as little is it 'the reality of the ethical idea', 'the image and reality of reason', as Hegel maintains. Rather, it is a product of society at a certain stage of development; it is the admission that this society has become entangled in an insoluble contradiction with itself, that it has split into irreconcilable antagonisms which it is powerless to dispel. But in order that these antagonisms, these classes with conflicting economic interests, might not consume themselves and society in fruitless struggle, it became necessary to have a power, seemingly standing above society, that would alleviate the conflict and keep it within the bounds of 'order'; and this power, arisen out of society but placing itself above it, and alienating itself more and more from it, is the state." 
 Para analisar todos os nuances presentes na tortura de Amarildo, faz-se necessário a conexão deste caso com uma teoria sobre as estruturas sociais tangíveis que a condicionaram, sendo o materialismo histórico-dialético apropriado para tal explicação. 
 A forma como o governo estadual promoveu as UPPs, denominando-as de "pacificação", demonstra de forma explícita como o Estado ainda atua como se fosse a materialização da ética. Pelo contrário, como expõe os materialistas históricos, este atua guiado por princípios de dominação de classe. O direito positivo e os membros do poder público, apesar de não se apresentarem a priori dessa forma, funcionam como o alicerce que garante a dominação da burguesia, isto é, daqueles que possuem os meios de produção na sociedade capitalista, e os proletários, os assalariados que possuem somente sua força de trabalho. 
 A Constituição federal versa que todo indivíduo possui direitos fundamentais inalienáveis, mas onde estes se encontravam para Amarildo? Por estar portando identidade e não ter sido pego em flagrante delito, o pedreiro não poderia sequer ter sido demovido do bar. De forma análoga, o princípio da dignidade humana diz que nenhum indivíduo pode ser submetido à tortura. Entretanto, por pertencer à classe oprimida da sociedade, por ser pobre, negro e periférico, tais direitos foram usurpados de Amarildo justamente por quem deveria garanti-los. A experiência empírica constata que tal truculência não teria ocorrido se Amarildo pertencesse à classe dominante da sociedade. Fica nítida, portanto, a tese de Engels e Marx sobre o Estado e o direito, que atuam em última medida com vistas à cristalizar relações assimétricas já previamente constituídas dentro do ordenamento social. 
11.5 - Desfecho
 A maior condenação foi para o comandante da UPP da Rocinha, major Edson Raimundo dos Santos: 13 anos e sete meses. O subcomandante, tenente Luiz Felipe de Medeiros, foi sentenciado a 10 anos e sete meses de reclusão, já o soldado Douglas Roberto Vital Machado pegou 11 anos e seis meses. Os soldados Marlon Campos Reis, Jorge Luiz Gonçalves Coelho, Jairo da Conceição Ribas, Anderson César Soares Maia, Wellington Tavares da Silva, Fábio Brasil da Rocha da Graça e Felipe Maia Queiroz Moura receberam pena de 10 anos e quatro meses de prisão cada um. As policiais Rachel de Souza Peixoto e Thaís Rodrigues Gusmão receberam pena de nove anos e quatro meses cada. O soldado Victor Vinicius Pereira da Silva não foi punido pois morreu em 2015. 
11.6 - Comentários
 Conforme exposto, o caso Amarildo é absolutamente sintomático, revela a falência nos pontos basilares das políticas de segurança adotadas pelo Estado. Faz-se necessário, aqui, um paralelo com o que a Comissão Nacional da Verdade apontou nas soluções de seu texto para que o Brasil não cometa de novo as graves violações dos direitos fundamentais cometidos à época da ditadura, em que tais práticas eram legitimadas pelo direito positivo. A comissão apontou a urgência da desmilitarização da polícia, pois sua estrutura hierarquizada e pouco aberta aos direitos humanos são uma herança latente do período ditatorial. Resta saber, agora, se o governo adotará essa recomendação e fará esforços para se afirmar como um Estado Democrático de Direito de fato.
11. CONCLUSÃO
É possível concluir que o modelo de polícia desmilitarizada representa uma alternativa mais barata, mais eficiente e que é estruturada para o respeito aos direitos humanos quando comparada com as Polícias Militares. A crítica principal àquele modelo se refere à forma de encarar os cidadãos, dentro da lógica militar, como inimigos. Nesse contexto há a importância de um código de conduta que se alinhe às normas administrativas, a fim de promover maior preparo para o profissional policial, bem como maior aproximação entre os membros da relação polícia-cidadão. Uma polícia de formação civil teria por princípio a guarda da segurança pública, entendendo as pessoas como agentes que são o centro dessa política, não inimigos em potencial.
Nesse sentido, a proposta descrita na PEC 51 incorpora anseios de cunho democrático no que se refere à atuação da polícia junto às pessoas e interesses trabalhistas específicos da categoria, como uma justa progressão na carreira, que tornaria-se única.
Em suma, uma polícia desmilitarizada organizadana forma descrita na PEC 51, está em harmonia com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
12. REFERÊNCIAS 
BATISTA, Nilo. Ainda há tempo de salvar as Forças Armadas da cilada da militarização da segurança pública. Disponível em: http://www.anf.org.br/aindaha-tempo-de-salvar-as-forcas-armadas-da-cilada-da-militarizacao-daseguranca-publica/#.VHi7ejHF-AV Acesso em: 16 de novembro de 2016. 
BARROS, Ciro. “A perversão começa na formação”. Disponível em:http://www.cartacapital.com.br/sociedade/201ca-perversao-comeca-na-formacao201d-diz-ex-pm-condenado-8569.html Acesso em 31 de junho de 2015.
BAYLEY, David H. Padrões de Policiamento: uma análise comparativa internacional. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2006.
GROSSI, Maria; TRINDADE, Arthur. Controlando a atividade policial: uma análise comparada dos códigos de conduta no Brasil e Canadá. Porto Alegre, 2011.
MENDES, Marcos Baptista. Militarização da segurança pública no Brasil: a polícia militar e os cenários de sua construção histórico-cultural. Disponível em: http://pt.slideshare.net/bengo54/militarizaao-da-seguranapublicanobrasil Acesso em: 16 de novembro de 2016. 
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ZAVERUCHA, Jorge. FHC, forças armas e polícia: ente o autoritarismo e a democracia. Rio de Janeiro: Record, 2005
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Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-10/brasil-tem-mais-mortes-violentas-do-que-siria-em-guerra-mostra>. Acesso em 05 de novembro de 2016.
http://tj-rj.jusbrasil.com.br/noticias/302297615/caso-amarildo-condenados-policiaisque-participaram-do-crime-de-tortura http://www.ibadpp.com.br/editorial https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Unidade_de_Pol%C3%ADcia_Pacificadora http://www.cartacapital.com.br/revista/858/espremidos-entre-doissenhores-6954.html http://www.cartacapital.com.br/revista/826/a-ressaca-da-upp-7895.html

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