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1/4 © Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e intelectual. Curso: “Emagrecimento” Versão 1.0 Sexo, álcool e drogas após emagrecimento Transtorno ou Ato Compulsivo Episódico? Helena Müller1 A nossa sociedade, a nossa cultura, faz julgamentos impiedosos em relação a pessoas que sofrem de obesidade. A obsessão por uma silhueta magra converteu-se em uma tirania que afeta cada vez mais um número imenso de mulheres e homens. 2 A nossa sociedade contemporânea dá um sentido ao corpo individual como um corpo coisa. Um corpo que tem que ser cuidado como um instrumento, uma máquina. É um corpo quase independente da mente, das emoções, da forma como o Ser torna-se humano. O corpo vem se tornando o “cartão de visitas” da pessoa. Assim, a própria cultura vai permeando e criando mentes compulsivas: pessoas que querem comer de tudo e qualquer coisa, pessoas que cuidam o tempo todo do que comem e que se viciam em dietas rápidas e em fazer exercícios exagerados.3 Esse artigo tem por objetivo trazer uma contribuição sob o ponto de vista psicológico sobre a transgressão em relação ao uso do álcool, ao uso de drogas e às questões de ordem sexual, após o emagrecimento. Todo Ser Humano tem uma característica transgressora muito forte. Quando nos Dez Mandamentos está prescrito “Não Roubarás”, poderíamos deduzir que está implícito um saber no qual os efeitos da ação de roubar promoverão um mal estar e por isso deveria ser evitado. No entanto, os homens nunca deixaram de roubar pelos mais variados motivos. A experiência 1 Mestre em Psicologia – UFRJ, Membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, Especialista no tratamento psicológico do paciente obeso - USP, Professora no Ganepão, Professora no Curso de Especialização sobre Transtornos Alimentares – PUC RJ, Membro da Comissão de Especialidades Associadas da Soc. Bras. de Cirurgia Bariátrica e Metabólica 2 Herscovici, Cecile Rausch – A Escravidão das Dietas, Editora Artes Médicas 3 Müller, H., Uma Contribuição da Psicanálise sobre a desinibição alimentar ante a ideia de fazer dieta, Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Distúrbios Alimentares e Obesidade, CEPSIC, FMUSP, São Paulo, 2003 2/4 © Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e intelectual. Curso: “Emagrecimento” Versão 1.0 da transgressão remete para o campo do Inconsciente e, ao invés de se atenuar, ganha mais força. Observamos que ao alcançar o emagrecimento, algumas pessoas começam a transgredir. Desde o final do século XX a obesidade ganhou a condição de doença pela Organização Mundial da Saúde. Para o setor de saúde a obesidade deixa de ser “problemas da ordem da preguiça ou da falta de força de vontade” de algumas pessoas e passa a ser uma doença que afeta a saúde do paciente, levando a outros comprometimentos de ordem física, emocional e cultural. Atualmente, sabemos que a obesidade tem suas origens em múltiplos fatores, que passam desde a genética até os hábitos familiares e culturais, passando pelas questões psicológicas. Consideramos também que a obesidade é uma doença crônica (passível de tratamento, porém sem cura). Como funciona a dinâmica psicológica do paciente obeso? De maneira geral, busca pelo prazer imediato, através da ingestão de alimentos. Tem grandes dificuldades de incluir mediadores em suas negociações internas e costuma sofrer de ansiedade, entre outras características. Já o ato compulsivo é associado à redução de tensão e à obtenção do prazer imediato. Há uma sensação de urgência/emergência de satisfação imediata. Há também uma tentativa de controle dessa sensação de urgência (em geral frustrada). A não aderência ao tratamento multidisciplinar pode favorecer o reganho de peso ou mesmo com um peso dentro da faixa de normalidade, pode não garantir a melhoria de qualidade de vida, quando a pessoa que emagreceu “troca de problema”, vivendo outro tipo de compulsão ou doença.4 Em um primeiro momento observamos com alguma frequência uma melhora importante na autoestima do paciente. Esse fator muitas vezes o leva a experimentar fatos ou situações das quais nunca tivera coragem de realizar, em função de sua obesidade. 4 Franques, A., Pacheco, E., “Acompanhamento Psicológico no pós-operatório da cirurgia bariátrica” in “Atuação Multidisciplinar na Cirurgia Bariátrica, A Visão COESAS – SBCBM, Miró Editorial, São Paulo, 2012. 3/4 © Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e intelectual. Curso: “Emagrecimento” Versão 1.0 Por isso, precisamos avaliar alguns critérios diagnósticos para identificar se a busca por experiências sexuais, álcool ou drogas fazem parte desse momento de experimentação ou está se transformando num novo tipo de doença. Os critérios de diagnóstico para transtornos sexuais são CID 10:F52 apetite sexual excessivo e DSM IV: Transtornos do Controle dos Impulsos não especificados, definido como “Fracasso em resistir a um impulso ou tentação de realizar algum ato que seja prejudicial à pessoa ou a outros, com ou sem resistência consciente ao impulso e com ou sem premeditação ou planejamento do ato, sensação crescente de tensão ou excitação antes de cometer o ato e experiência de prazer, gratificação ou alívio no momento de cometer o ato”. Esses critérios são diferentes de relatos de atos impulsivos episódicos que incluem dificuldade de resistir, redução de tensão, obtenção do prazer imediato através do sexo, relatos de episódios como resgate de emoções anteriormente não vivenciadas e percepção do ato sexual como recompensa ao fato de ter emagrecido; Em relação ao álcool encontramos CID 10: Y90, e em relação a outras drogas o CID 10: F19 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas. O Observatório Brasileiro de Informações sobre drogas do Ministério da Justiça (OBID) esclarece que há critério de padrões de uso: experimental, recreativo, controlado, uso social e uso nocivo/abuso e dependência de drogas. Esses padrões de uso estão representados nos sistemas classificatórios CID-10 e o DSM-IV, sendo que o uso nocivo pode ser entendido como um padrão de uso que aumenta o risco de consequências prejudiciais para o usuário. No CID-10 o termo “uso nocivo” é utilizado como aquele que resulta em dano físico ou mental. Já no DSM-IV o termo “abuso” é definido de forma mais precisa considerando também consequências sociais de um uso problemático, na ausência de compulsão e fenômenos como tolerância e abstinência. 4/4 © Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado parauso próprio. De acordo com a Lei no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e intelectual. Curso: “Emagrecimento” Versão 1.0 Em Pesquisa da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, publicada na revista Journal of the American Medical Association (Jama)5, pacientes obesos, submetidos à cirurgia bariátrica correm mais risco de abuso e dependência de uso de álcool. A análise foi realizada em 2.458 adultos que fizeram cirurgia bariátrica entre 2006 e 2011, em dez hospitais americanos. Cerca de 80% eram mulheres, 87% de cor branca, com idade média de 47 anos e Índice de Massa Corporal (IMC) de 45,8. O grupo de maior risco foi o de pacientes jovens do sexo masculino, fumantes, consumidores regulares de álcool e usuários recreativos de drogas. Os psiquiatras da COESAS – SBCBM, dr. Adriano Segal e dra. Debora Kussunoki, falam que o abuso de álcool pode acontecer pelas alterações que as cirurgias bariátricas causam no organismo do paciente, que faz com que o álcool seja absorvido mais rapidamente. Após a cirurgia bariátrica é comum que os pacientes tenham maior disposição para desenvolverem uma vida social mais intensa e se exporem mais ao álcool. “Não é possível prever quem terá problemas com a bebida”. Por isso, ressaltam que o fundamental é evitar absolutamente a ingestão de álcool. “A orientação mais razoável na atualidade é: se você planeja fazer a cirurgia bariátrica, não beba no pós operatório, até segunda comunicação. Não existe isso de beber menos ou pouco. A recomendação é clara: não beba álcool após a cirurgia”, afirmam categoricamente. 6 Consequentemente, devemos ficar alertas também ao paciente que emagreceu por tratamento clínico em relação ao uso abusivo do álcool. Concluindo, em observações feitas em pacientes obesos que emagreceram e aderiram ao acompanhamento psicoterápico, temos verificado que aqueles que não apresentavam compulsões patológicas antes do emagrecimento, praticaram apenas atos compulsivos episódicos eventuais, relacionados à possibilidade de novas experiências (antes impossibilitadas pela obesidade). Quanto àqueles que apresentam compulsões antes do emagrecimento, recomenda-se o tratamento psicológico e psiquiátrico da compulsão. Sem esses tratamentos as chances de continuidade ou agravamento das compulsões são enormes, incluindo a possibilidade de reganho de peso importante. 5 Fonte: site ABESO, publicado em 26/06/2012 6 Site SBCBM, 19/09/2016
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