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independência do País em 1975 marcando o fim do período de subjugação colonial. A guerra civil cuja duração foi de cerca de 16 anos, opôs a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO). Associado a este fenómeno, as políticas socializantes do meio rural e os efeitos dos Programas de Ajustamento Estrutural marcaram profundamente a estrutura social do país. Este cenário levou a que grande parte das famílias fosse forçosamente obrigada a deslocar-se do seu habitat, o que se repercutiu nas estruturas familiares e nas formas de organização social e económica dos diferentes grupos. Rehana Dauto Capurchande Comunidades locais na Promoção da Saúde: reflexões em torno da implementação de medidas de descentralização no sector rural de águas e saneamento em Moçambique 143 Os actuais desafios no saneamento rural le- varam o Governo de Moçambique a definir como objectivos: (i) aumentar a cobertura em 2015 para aproximadamente 60% nas áreas rurais, correspon- dendo a cerca de 7 milhões de pessoas, de forma a atingir as metas definidas pelo Governo e de suas Me- tas de Desenvolvimento do Milénio; (ii) garantir que a médio prazo as comunidades servidas por um sistema de abastecimento de água seguro e fiável tenham uma infraestrutura de saneamento adequada ao nível de cada casa e; (iii) garantir a adopção de práticas de higiene adequadas ao nível da família, (PESAR-ASR, 2007). É em 2008 que se define uma estratégia de sanea- mento rural baseada numa abordagem integrada13 (água, saneamento e promoção da higiene), cujos objectivos são: desenvolver campanhas de marketing social e promoção da higiene (construção de latrinas melhoradas, uso de latrinas práticas individuais, familiares e comunitárias de higiene) e; incentivar as iniciativas baseadas na comunidade e a partici- pação da mulher na adopção de melhores práticas de higie- ne a nível da família e da comunidade. É deste modo que as actividades de saneamento rural são essencialmente dirigidas às famílias e comunidades para promover a adopção de práti- cas seguras de higiene usando materiais locais como forma de acelerar o aumento dos níveis de cobertura. Todavia, em particular em algumas regiões do norte do país, verifica-se ainda a prática do fecalismo a céu aberto. Como forma de promover a saúde da comunidade as práticas de saneamento focalizaram a promoção de latrinas melhoradas (construídas na base de lajes de betão). Entretanto, esta iniciativa não teve o devido efeito, (como constrangimentos destacam-se a utilização das lajes como utensílios doméstico e forte resistência a prática do fecalis- mo a céu aberto, resistência na mudança de hábitos e costumes e adopção de práticas de boa higiene): o que levou a uma mudança de abordagem virada para a promoção da latrina tradicional através do “Saneamento Total Liderado pela Comunidade”, cuja medida é reforçada pela participação dos artesãos locais. Assim, espera-se que a comunidade organize o material de construção com base nos recur- sos locais com vista a melhorar a saúde da comunidade, diminuir as doenças, tais como, a malária, cólera e diarreia e, melhor a qualidade de vida e conservação ambiental. 13 No âmbito das reformas político administrativas em vigor no país, foram criados os comités de coordenação de saúde ambiental multissectoriais, constituídos pelos Ministérios de Coordenação de Acção Ambiental, Minis- tério das Obras Públicas e Habitação, Ministério da Educação, Municípios e Direcções Distritais. Está prevista a elaboração da Estratégia Nacional da Saúde Ambiental. Adicionalmente estão previstas a realizações de feiras de Saúde para a promoção dos Estilos de Vida Saudáveis. Especificamente, a Campanha de Saneamento do Meio e Promoção de Higiene foi lançada em 2008. Para mais detalhes vide: PES 2009. Rehana Dauto Capurchande Comunidades locais na Promoção da Saúde: reflexões em torno da implementação de medidas de descentralização no sector rural de águas e saneamento em Moçambique 144 Não obstante a mudança de abordagem e in- tervenção sobre o saneamento, permanecem alguns obstáculos relacionados com a resistência à mudança de comportamentos. Face à esta resistência, coloca-se a seguinte questão: o que pode explicar a fraca aderência às práticas de higiene e saneamento implementadas no con- texto rural com vista a melhorar a saúde da comunidade? O pressuposto que orienta este reflexão assume que os constrangimentos podem ser vistos a partir de três perspectivas: (i) as metodologias de intervenção na comuni- dade e; (ii) os valores sócio-culturais e; (iii) a racionalidade lógica do habitat das comunidades. Considerações Finais Partindo da análise da implementação das medidas de descentralização do sector de águas e saneamento rural, o artigo procurou compreender as formas de organização das comunidades e seu processo de empoderamento e envolvi- mento nas actividades de promoção da saúde da comunidade. Como se pode depreender, a abertura do campo político e as reformas legais contribuíram para a institucionalização dos Comités de Gestão de Água, Comités de Desenvolvimento da Comunidade e os Comités de Saúde bem como criaram oportu- nidades para a proliferação e implementação de programas no âmbito da Governação, Água e Saneamento. Estas mudanças, permitiram a recuperar os serviços básicos de água, em particu- lar, o abastecimento de água nas zonas rurais devido a ênfase na abordagem do Princípio da Procura: o que tem permitido assegurar a sustentabilidade de alguns sistemas novos ou reabilitados e; criar oportunidades de participação e fortalecimento das comunidades na promoção da saúde comunitária através do aumento do consumo da água potável e redução das doenças. Contudo, permanecem alguns constrangimentos relacionados com o envolvimento da comunidade; mudança de comportamento e um despertar do seu papel no processo de tomada de decisão dos assuntos que lhes dizem respeito. Ademais, há limitações na sustenta- bilidade dos projectos que pode estar relacionados, por um lado, com o fracasso das medidas e estratégias de empoderamento comunitário e, por outro lado, com os interesses e necessidades definidas pelas elites locais. Estas últimas, podem exercer influências, deterem o poder de decisão sob as iniciativas que devem ser tomadas em consideração, decidirem sob os recursos que devem ser alocado e as prioridades de intervenção, entre outros, com vista à promoção da saúde da comunidade. Rehana Dauto Capurchande Comunidades locais na Promoção da Saúde: reflexões em torno da implementação de medidas de descentralização no sector rural de águas e saneamento em Moçambique 145 É deste modo que as actividades de promoção da saúde da comunidade; o alcance dos objectivos e estratégias definidas pelo Governo e suas Metas do Desenvolvimento do Milénio em termos de satis- fação das necessidades básicas de consumo da água; o aumento das distâncias percorridas pela população para ter acesso à água constitui ainda um desafio por enfrentar: o que coloca em causa a violação dos direitos humanos da população rural de Moçambique. Nota: As opiniões expressas neste artigo são da inteira responsabilidade da autora. Referências Bibliográficas BECKER, D. et al. Empowerment e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção da saúde. Ciências & saúde colectiva, Rio de Janeiro, v 9, n.10, 2004. p. 655-668. BOURDIEU, P. O Poder Simbólico, Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. CIÊNCIAS & SAÚDE COLECTIVA. Perspectivas na avaliação em promoção da saúde, Rio de Janeiro, v 9, n.10, 2004. COOPERAÇÃO SUÍÇA. Mecanismos de participação comunitária no contexto da Governação Local em Moçambique: actores, opor- tunidades e desafios do processo da criação e funcionamento das IPCCs, Maputo,