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gradualista, baseado no desenvolvimento de laços de cooperação e complementação embargo de inúmeros e complexos problemas a serem especificamente considerados, resulta do fato de que, na América do Sul, a identidade cultural básica dos países da região tem, como contrapartida, níveis equiparáveis de desenvolvimento e significativas facilidades físicas de intercomunicação35. Não obstante a superação dos obstáculos históricos dos momentos de divergências brasileiro-argentinas, transcorrer-se-iam ainda praticamente duas décadas, até que fosse adotada visão geopolítica que ultrapassasse as fronteiras de seus próprios territórios e permitisse a necessária convergência de estratégias nacionais e afinidades na visão de mundo. Com a ascensão ao poder dos presidentes Fernando Collor de Mello, no Brasil, e Carlos Menem, na Argentina, no início da década de 90, começava a haver mudança na estratégia integracionista, mais ambiciosa do que a até então perseguida pelos dois países, reflexo do comprometimento em maior ou menor grau com políticas neoliberais e da perspectiva de enfraquecimento do sistema multilateral de comércio36. Apenas uma década mais tarde, a revalorização do espaço sul-americano viria a adquirir a forma de opção mais evidente e viável para ampliar a capacidade dos países da região de enfrentar os desafios e tirar proveito das oportunidades da globalização, o que constituiria uma das motivações da realização da I Reunião dos Presidentes da América do Sul, em Brasília, no período de 31 de julho a 2 de agosto de 2000, moldura político-diplomática dos atuais esforços de integração física regional. 43A VISÃO DA INFRA-ESTRUTURA FÍSICA DA AMÉRICA DO SUL 2. ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO SUL-AMERICANO INTEGRADO: MOLDURA POLÍTICO-DIPLOMÁTICA A integração e o desenvolvimento da infra-estrutura física são duas linhas de ação que se complementam37, facilitadas, no caso da América do Sul, por sua configuração geográfica como unidade física contínua, propiciadora de oportunidades de cooperação econômica, entendida esta última como esforço coordenado para atingir objetivos comuns38, ou seja, a fusão de propósitos mutuamente benéficos às partes envolvidas. Essas constatações motivaram a realização da I Reunião de Presidentes da América do Sul, com o objetivo de aprofundar a cooperação já existente no espaço sul-americano e dele fazer um projeto, o que elevaria a outro patamar a convivência dos países que o integram. A iniciativa não era inovadora, no sentido de que ainda se inseria na linha do fio condutor da diplomacia sul-americana preconizada por Rio Branco. Entretanto, introduzia-lhe elementos novos, emanados da própria dinâmica das transformações do cenário internacional e das negociações multilaterais, relacionados à dimensão econômica do espaço geográfico, ao conceito de desenvolvimento sustentável e à visão sistêmica do espaço integrado. A diretriz original da diplomacia sul-americana, voltada para a união, a amizade e o progresso dos povos sul-americanos, conforme explicitado no projeto do tratado de “cordial inteligência e de arbitramento” entre Argentina, Brasil e Chile, redigido por Rio Branco em 1909, e conhecido como ABC, era agora intra-setoriais entre as duas economias. Collor e Menem, ao contrário, comprometeram- se formalmente com ambicioso projeto de estabelecimento, em menos de quatro anos, de um mercado comum entre os quatro países (Tratado de Assunção, 1991). Ver em SOUTO MAIOR, Luiz A. P. Eleições e o Futuro do Mercosul. In: Política Externa, v. 12(2), p. 89. setembro/outubro/novembro de 2003. 37 Comunicado de Brasília, op. cit., parágrafo 37. 38 MARCOVITCH, Jacques. Democracia e Valores. [Palestra proferida] In:IEPES/ IRBr/IPEA/BID. Seminário sobre a América do Sul. A Organização do Espaço Sul- americano: seu significado político e econômico. (2000: Brasília, DF). p. 111. ELIANA ZUGAIB44 aprofundada para favorecer o desenvolvimento, por meio da sinergia logística/transporte/telecomunicações/energia, que, ao agregar valor e reduzir custos, pode ampliar as vantagens comparativas regionais no processo de inserção competitiva na economia mundial e estimular o comércio e os investimentos39. Dessa perspectiva, passava a América do Sul a ser concebida, pela primeira vez, como espaço geoeconômico único e sua integração percebida como condição essencial para o desenvolvimento sustentável regional. Como resposta às exigências da nova dinâmica da economia mundial, tornara-se imperativo para os países sul- americanos integrar suas economias, aumentar o intercâmbio comercial, financeiro e tecnológico, dentro da região, e com o restante do mundo, para crescer de forma harmônica40. A integração deixava de ser vista como iniciativa puramente comercial para fundamentar-se em objetivos político-econômicos de natureza estratégica. Procurava o Brasil fortalecer seus laços na América do Sul também com o propósito de aumentar seu peso relativo diante de países de fora do seu entorno regional, e o da região frente aos blocos econômicos, o que conferiu importante sentido político-estratégico à integração. As forças centrípetas, observáveis entre países que compartilham um espaço geográfico, liberadas pela superação relativa dos antagonismos geopolíticos e das supostas pretensões hegemônicas no início dos anos 80, permitiram que fossem retomados, com maior vigor, os preceitos originais da política sul-americana inaugurada por Rio Branco, cuja visão de futuro orientava-se pela diretriz do “desenvolvimento como 39 ALEGRETT, Sebastian. América do Sul – articulação Mercosul e Comunidade Andina. [Palestra proferida]. In: IEPES/IRBr/IPEA/BID. Seminário sobre a América do Sul. A organização do Espaço Sul-americano: seu significado político e econômico. (2000: Brasília, DF). pp. 192 e 193. 40 SILVEIRA, José Paulo. Eixos de integração da América do Sul: A Contribuição Brasileira. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, [S.d.]. Texto mimeografado. p.1. 45A VISÃO DA INFRA-ESTRUTURA FÍSICA DA AMÉRICA DO SUL meio de reduzir o diferencial de poder, responsável pela vulnerabilidade sul-americana”41: (...) A nação brasileira só ambiciona engrandecer-se pelas obras fecundas da paz, com os seus próprios elementos, dentro das fronteiras em que se fala a língua dos seus maiores, e quer vir a ser forte entre vizinhos grandes e fortes (...). É indispensável que, antes de meio século, quatro ou cinco, pelo menos das maiores nações da América Latina, por nobre emulação, cheguem, como a nossa grande e querida irmã do Norte, a competir em recursos com os mais poderosos Estados do mundo42. (grifo da autora). Uma outra constatação, a de que a ampliação da integração econômica pressupõe o fortalecimento da integração física entre os países43, levou os presidentes sul-americanos a contemplarem como área prioritária sua modernização e seu desenvolvimento, para o que decidiram criar um arcabouço legal, a “Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana” (IIRSA). 3. A IIRSA E O NOVO PARADIGMA DA INFRA-ESTRUTURA SUL-AMERICANA A precária integração física do continente sul-americano representa um dos principais empecilhos à inserção competitiva da região na economia internacional e não é condizente com os termos do Capítulo I, Artigo 1, do Tratado de Assunção, de acordo com os quais o Mercado Comum implica “a livre circulação de bens, serviços e 41 Interpretação do Embaixador Rubens Ricupero emanada da análise que fez do discurso pronunciado por Rio Branco, no Rio de Janeiro, em 1905, por ocasião do III Congresso Científico Latino-americano, cujo texto consta da publicação Obras do Barão do Rio Branco. Vol. IX. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946. pp. 76-77. (C.f Lafer, 2001, op. cit., p.84. 42 Ibidem. 43 Silveira, op. cit., p. 3. ELIANA ZUGAIB46 fatores produtivos entre os países,