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dez. 2004. 33A VISÃO DA INFRA-ESTRUTURA FÍSICA DA AMÉRICA DO SUL 1. ANTECEDENTES DA VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO SUL-AMERICANO A América do Sul é e tem sido para o Brasil prioridade de política externa, por ser constitutiva de nossa identidade internacional11. A valorização do espaço sul-americano, como elemento dinâmico capaz de gerar importantes interações entre povos e suas formas de organização12, confere dimensão geoestratégica à aproximação com os países vizinhos, e tem permeado as aspirações da política externa sul-americana do Brasil, desde a primeira década do século XX, quando foi idealizada e iniciada pelo Barão do Rio Branco. Deixaria esse espaço de ser mera referência cartográfica limítrofe para assumir as feições de fator constante da inserção do país na vida internacional. Fruto da expansão econômica, demográfica e cultural européia iniciada no século XVI, a América espanhola e a portuguesa guardam semelhanças, sob a marca ibérica de um passado comum, em que, não obstante, “cedo verificaram ser conflitantes seus interesses em atividades 11 LAFER, Celso. Pronunciamento na abertura do Seminário sobre América do Sul. In: IEPES/IRBr/IPEA/BID. Seminário sobre a América do Sul: a organização do espaço sul-americano: seu significado político e econômico (2000: Brasília, DF). p. 8. Sobre o conceito de identidade internacional, ver em LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira. São Paulo: Perspectiva, 2001. “A integração da América do Sul é uma prioridade do governo Lula. Acreditamos que a aproximação entre os dois países do continente é o melhor caminho para a construção de uma América do Sul mais democrática, próspera e justa”. AMORIM, Celso. Entrevista ao jornal “A Classe Operária”, em 25/08/2004. Disponível em <www.mre.gov.br>. Acesso em 03/09/2004. “(...) atenção especial à prioridade de nossa política externa, que é a de integração na América do Sul. (...) temos verificado um forte empenho de trabalharmos em harmonia pela integração física e pelo progresso econômico, social e político de cada um de nossos países”. AMORIM, Celso. Discurso proferido por ocasião do Dia do Diplomata, em 18/09/2003. Disponível em <www.mre.gov.br>. Acesso em 03/09/ 2004. “A América do Sul é base tanto para o Brasil quanto para os outros países da região. Se você quer se projetar bem para o mundo, a sua base próxima tem de estar bem consolidada”. AMORIM, Celso. Entrevista concedida à revista “Indústria Brasileira”, em 01/10/2003. Disponível em <www.mre.gov.br>. Acesso em 20/12/2004 12 QUAGLIOTTI DE BELLIS, Bernardo. Uruguay en la Cuenca del Plata. In: DALLANEGRA PEDRAZA, Luis (Coord.). Los Países del Atlántico Sur. Geopolítica de la Cuenca del Plata. Buenos Aires: Editorial Pleamar, 1983. p. 165.. ELIANA ZUGAIB34 exploratórias, comerciais e colonizadoras”13, herança que viria a se refletir em momentos de convergências a que se interpuseram outros de rivalidades e tensões vividos especialmente por Brasil e Argentina, no espaço platino, até o final da década de 1970. Como parte da marca ibérica comum, viriam as duas Américas a emancipar-se das metrópoles européias, embora por processos distintos, dentro do quadro político e econômico mais amplo da desagregação do sistema colonial, que lhes conferiria o status de atores internacionais, cujas políticas externas, no século XX, priorizaram naturalmente as questões da estratificação internacional e do desenvolvimento. O tema da estratificação internacional não se fez visível na política externa brasileira ao longo do século XIX, dados seu vetor principal de consolidação do espaço nacional e o poder de gestão da ordem mundial que se limitava ao equilíbrio das grandes potências14. Decorrência de heterogeneidades dos processos históricos vivenciados pelos povos das Américas espanhola e portuguesa, a consolidação do espaço conquistado pelas potências da Península Ibérica configurou-se por meios distintos e sua organização política obedeceu a diferentes formas de governo. O “cantonalismo geopolítico”15 imposto pelos espanhóis para melhor 13 ARAÚJO, João Hermes Pereira de. A Herança Colonial. In: ARAÚJO, João Hermes de; AZAMBUJA, Marcos e RICUPERO, Rubens. Três Ensaios sobre Diplomacia Brasileira. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1989. p. 3. 14 LAFER, Celso, 2001, op. cit., p.67. 15 “Cantonalismo gepolítico impuesto también a los españoles que para mejor defender y administrar sus tierras americanas las dividieron en cuatro Capitanías Generales y cuatro Virreynados; uno de ellos, el Virreynado del Río de la Plata (1763), que correspondía, en parte a la subregión geográfica de la Cuenca del Plata, abarcando parte de Bolivia, el Paraguay, Uruguay y Argentina. Sin embargo, los núcleos geohistóricos españoles cerrados, ya fuertemente disociados por las vastas planicie (sic) del Plata, no consiguieron mantener unido al todo formado por la unidad geográfica de la Cuenca fluvial”. Ver em CASTRO, Therezinha de. Brasil y la Cuenca del Plata. In: DALLANEGRA PEDRAZA, Luis. Los Países del Atlántico Sur. Geopolítica de la Cuenca del Plata. Buenos Aires: Editorial Pleamar, 1983. p. 131. 35A VISÃO DA INFRA-ESTRUTURA FÍSICA DA AMÉRICA DO SUL administrar suas terras americanas resultou na “balcanización histórica”16 de seus domínios, em contraste com os esforços bem sucedidos da Coroa portuguesa de manter unido o território conquistado nos limites do Tratado de Tordesilhas e para além deles, o que justificaria, entre outros fatores, a incapacidade das nações hispânicas de formar, após o processo de independência, uma unidade ou aliança política latino-americana17. Por sua vez, as instituições monárquicas no Brasil conviviam com as Repúblicas que se formavam na América espanhola, condição em que as forças de atração natural imantavam o país ao continente europeu, distanciando-o de sua realidade mais imediata. Dessa forma, o Brasil esteve atrelado à Europa até o final do século XIX e essa situação só começaria a reverter- se em 1889, com o advento da República, que traria em seu bojo a “americanização” das relações exteriores do Brasil18. No entanto, esse dado novo da inserção do Brasil nas Américas fez-se explícito já no texto do Manifesto Republicano de 1870, cuja passagem “Somos da América e queremos ser americanos”19, pressagiava o caminho que seria então percorrido, por impulso de Rio Branco, para preparar as bases em que se daria mais tarde a iniciativa de construção de um espaço sul- americano integrado. 16 “Consolidar la integración y ampliarla en América del Sur es un hecho clave para América Latina; su balcanización histórica contribuyó a nuestra debilidad y redujo nuestra capacidad de regateo por décadas; debemos dialogar frente al ALCA con un potencial exterior que no existe en condiciones de balcanización, pero sí superando esta situación, consolidando, fortaleciendo y ampliando el Mercosur (...)”. Ver em WILLIAN RAMIREZ, José Cláudio. América do Sul no atual sistema internacional [Palestra proferida]. In: IEPES/IRBr/IPEA/BID. Seminário sobre a América do Sul: a organização do espaço sul-americano: seu significado político e econômico (2000: Brasília, DF). p. 45. 17 TOMASSINI OLIVARES, Luciano Historia e Identidad en la Definición Cultural de las Sociedades. [Palestra proferida]. In: IEPES/IRBr/IPEA/BID. Seminário sobre a América do Sul. A organização do Espaço Sul-americano: seu significado político e econômico. (2000: Brasília, DF). v.1. pp. 53-55. 18 CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História Política da Exterior do Brasil. São Paulo: Ática, 1992. p.149. 19 PESSOA, Reynaldo Carneiro (Org.). A idéia republicana no Brasil, através dos documentos: textos para seminários. São Paulo: Alfa/Ômega, 1973. p.60. ELIANA ZUGAIB36 Uma vez solucionadas as questões de fronteira e consolidados os limites do território nacional, os esforços diplomáticos