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este ape- nas um exemplo das oposições interpostas à UNESCO desde que ela se envereda no contraditório terreno da liberdade de informar ciosa, ideológica e agressivamente guardada mediante o princípio do livre fluxo de informação e da liberdade de informar-se, bem como das capacidades e do direito de comunicar. A análise do direito de comunicar, assim como a ajuda aos Estados-membros na formulação de suas políticas de informação constavam, desde 1970, de ações do diretor-geral autorizadas pela Conferência Geral, que recomenda, nesse segundo período, a reali- zação de Conferências Intergovernamentais sobre Políticas de Co- municação para a América Latina e para a Ásia. Recomendação que, na interpretação dos defensores do princípio do livre fluxo de informação, aponta para o objetivo de atribuir ao Estado uma tarefa que não é a dele, ou seja, a tarefa de estabelecer o controle sobre os fluxos e o conteúdo da informação. Além disso, a Conferência Geral aprovara ainda resolução convidando o diretor-geral a convocar um grupo de especialistas para apresentar relatório sobre a influência das empresas transnacionais na educação, na ciência, na cultura, na comunicação, no meio ambiente e no desenvolvimento.44 Os rumos e desdobramentos do debate e dos programas de ação da UNESCO desde o início da década de 1970 permitem com- preender o sentido da mesa-redonda do seu Secretariado, organizada 44 Vários estudos sobre a influência das sociedades transnacionais nas áreas de atuação da UNESCO são por ela desenvolvidos a partir de 1975. Ver: REIFERS, Jean-Louis. Sociétés transnationales et développement endogène: effets sur la culture, la communication, la science et la technologie. Paris: UNESCO, 1981. 115 em 1970 por RenéMaheu, com a finalidade explícita de estudar pos- síveis melhorias nos programas, nas estruturas e nas relações huma- nas desse Secretariado. Permitem ainda compreender a contundên- cia da expressão de MBow (1976a, p. 350) em matéria intitulada Um programa executado em que pesem sérios obstáculos, segun- do a qual, durante o biênio 1974-1976, pela primeira vez na história da Organização, uma campanha sistemática era conduzida contra ela, desde seu exterior, com ramificações no seio mesmo do seu Secretariado, cujo objetivo, na aparência, era impedir que o Diretor-geral executasse o programa aprovado na Conferência Geral. É possível compreender também a expressão o espírito de Nairóbi, utilizada com freqüência para se referir à 19a CG-1976, no sentido de traduzir a atitude de tolerância, assim como a disposição para a conciliação de interesses divergentes na busca do consenso, e tendo em vista evitar o confronto que ameaçava a sobrevivência da organização transformada, à época, em notícia na grande imprensa ocidental. A atitude de tolerância e a disposição para chegar ao consen- so foram alcançadas mediante o uso de técnicas de negociação nas questões controversas, geradoras de impasses na Conferência Ge- ral. Tal estratégia, objetivando preservar a UNESCO após os afron- tamentos ocorridos na 18a CG-1974, tem origem na proposta de MBow, aprovada pelo Conselho Executivo, visando à constituição de um grupo de redação e de negociação, para obtenção de acordo e aprovação de decisões pelo consenso, e não apenas pela forma habi- tual do voto, pois ela estava colocando em minoria, na Conferência Geral, os maiores financiadores da UNESCO. Posta em prática pela primeira vez na 19a CG-1976, realizada em Nairóbi, essa técnica de negociação resultou no adiamento de questões, entre as quais os anteprojetos de declaração sobre os meios de informação e a questão racial, consolidados, após novos estudos e negociações, na Declaração sobre os Princípios Fundamentais Relativos à Contribuição dos Meios de Comunicação de Massas, ao Fortalecimento da Paz e da Compreensão Internacional, à Promoção 116 dos Direitos Humanos e à Luta contra o Racismo, o Apartheid e a Incitação àGuerra, aprovada na 20a CG-1978.45Essa técnica permitiu, nessemomento de grande complexidade, a aprovação de amplo leque de questões, algumas controversas, entre as quais o Primeiro Plano de Médio Prazo da UNESCO 1977-1982, cujo primeiro esboço fora apresentado na 16a CG-1970, em atendimento à recomendação feita desde a 14a CG-1966. (Hummel, 1982) Unidade e diversidade em tensão permanente, exigindo uma análise e soluções globais dos problemas, pois eles são globais, constitui a idéia fundamental da reflexão do diretor-geral sobre as questões com as quais o mundo se defronta, no novo contexto de desenvolvi- mento tecnológico, na obra Comprendre pour agir: lUNESCO face aux problèmes daujourdhui et aux défis de demain, que apre- senta o Primeiro Plano deMédio Prazo 1977-1982. O corolário ime- diato dessa idéia apresenta-se naquela segundo a qual, num mundo de sociedades cada vez mais interdependentes, impõem-se o respei- to às diferenças, a solidariedade entre as nações e sua união na su- peração das desigualdades e dos conflitos e na construção e realiza- ção de um projeto humano, para a humanidade. A universalidade e indivisibilidade dos direitos do homem são então consideradas e relacionadas às questões postas pelo desenvol- vimento: a exigência de uma visão unitária e global da problemática mundial, seus desdobramentos nas contradições, nos confrontos e tensões e nas desigualdades profundas e inaceitáveis, em todos os campos ou dimensões da vida e da expressão humanas. Em conse- qüência, argumenta-se aí com a noção da universalidade, atribuindo- a tanto ao desenvolvimento como à ciência que lhe fornece funda- mentos e meios. 45 Em 1980, em Oslo, a UNESCO apresenta, no Colóquio sobre o Consenso, organização conjunta da sua Divisão dos Direitos do Homem e da Paz e da Comissão Nacional norueguesa para a UNESCO, reflexão sobre o consenso defendendo sua necessária institucionalização naquele momento da sociedade mundial, visando à obtenção de acordo nas questões cuja finalidade seja o bem comum da humanidade, preservando, ao mesmo tempo, a soberania dos Estados- nações. Ver a respeito: MBOW, Amadou Mahtar e outros. Le consensus et la paix. Paris: UNESCO, 1980. 117 M Bow ressalta, então, as características de objetividade e neutralidade da ciência, as quais, junto com sua universalidade, su- postamente a ligariam, em nome de sua natureza teórica, à busca desinteressada do conhecimento como fim, um em si, justificando a liberdade do cientista na busca do conhecimento. Alerta, todavia, para o pressuposto inerente a essa perspectiva segundo a qual a atividade científica é percebida como algo separado do contexto so- cial e cultural em contraposição à necessidade de reconhecer a não- neutralidade dessa atividade que, sendo política, explica-se pelo con- texto social em que se realiza. Objeto, portanto, de escolhas e decisões, a atividade de pes- quisa incide nos caminhos e finalidades do desenvolvimento, em sua dimensão global. Da relação mútua desses caminhos e finalidades com os problemas do crescimento econômico, impulsionado pelo conhecimento científico, decorre a necessidade imperativa de uma ética da ciência. Levando-se em conta a indissociabilidade desses dois aspectos fundamentais da ciência sua dimensão teórica que a faz universal, e sua dimensão social, cultural e política impondo-lhe a diversidade do particular, do local , faz-se necessário considerar o conhecimento científico como patrimônio comumda humanidade, em contraposição a uma apropriação exclusiva desse saber. Até porque, ressalta M Bow, o desenvolvimento por ele possibilitado, em sua universalidade e diversidade, é um processo que está em todas as partes, mas cujo centro não está em parte alguma. (1977, p. 22) Na versão finalmente aprovada, o Primeiro Plano de Médio Prazo da UNESCO, fundado nos conceitos de desenvolvimento en- dógeno e descentrado, na consideração da ciência como patrimônio