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ação que fundamenta o plano de estudos da UNESCO, as tensões sociais são naturais e desejáveis. O conhecimento das causas dos conflitos 17 Cf. LUNESCO et le probléme des conséquences sociales du progrés technique: Le département des Sciences Sociales: états de tension et technologie. In: UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. IV, n. 2, Été, 1952f, p. 393- 402 e Le departement des activités culturelles: consequences sociales du progrés technique. In: UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. IV, n. 2, Été, 1952 e, p. 402-403. 156 e tensões fornece subsídios para as ações voltadas ao objetivo maior desses projetos: organizar as condições para a paz entre os povos. Mas uma paz diligente, ativa. O programa de tensões, na sua totalidade, portanto, objetiva fundamentar as deliberações acerca do uso de técnicas sociais, entre as quais a educação, e descobrir osmeios oumétodos para, impedindo que as tensões ultrapassem o patamar suportável, garantir-lhes o grau de intensidademoderado, necessário ao direcionamento da ação dos grupos humanos, em sua diversidade, para a compreensão e cooperação internacionais, na construção do progresso. Além dos projetos já mencionados, há aqueles que, usando a técnica de entrevista por amostragem de populações locais, objetivavamverificar,mediante ométodo comparativo, emquemedida as características atribuídas a cada cultura são próprias de cada uma delas ou são comuns a várias nações. Dizendo de outra forma, buscavam verificar como se articulam o singular e o universal, as partes e o todo, a nação e o mundo. Também nesse aspecto não faltaram, porém, críticas e resistências ao trabalho da UNESCO, num momento em que o capitalismo, avançando pelo globo, luta contra o internacionalismo comunista. Nesse momento, o ideal humanitário da UNESCO, por um lado, impõe-lhe a missão de criar condições para fazer reinar uma cultura essencialmente humana (...) em todos os seus domínios e, por outro lado, deixa-lhe claro que, nummundo bipolarizado, em que os sentimentos de nós ganham expressões diversas nos vários nacionalismos, inerente à realização dessa missão encontra- se o cuidado de construir um mundo unido (...) de fazer substituir o particular pelo universal. E, conseqüentemente, esse ideal humanitário leva à conclusão de que para multiplicar as trocas intelectuais entre os povos, para chegar a uma verdadeira cooperação dos espíritos para além das fronteiras é necessário que a idéia de humanidade domine aquela da nacionalidade e que o homem torne-se um cidadão do mundo sendo um cidadão de seu próprio país. (UNESCO, 1948, p. 14) Exemplificando essas críticas e resistências, mas também a forma como a UNESCO lidou com elas, é oportuno lembrar: a advertência, em 1949, do Departamento de Estado dos EUA ao 157 diretor-geral, Jaime Torres de Bodet, contra sua política de priorização dos pequenos países em detrimento dos maiores financiadores da UNESCOno mundo ocidental (Archibaldi, 1993, p. 322); as críticas de setores organizados da sociedade civil nos EUA após a publicação das brochuras incluídas no programa para a compreensão internacional da UNESCO, percebidas como anti- norte-americanas e promotoras de um governo mundial;18 a enquete sobre a percepção dos habitantes acerca de seu próprio país e dos demais realizada na Nova Zelândia, graças à anuência do proprietário de uma escola privada, pois o diretor de ensino público, temendo uma possível emergência de tensões sociais provocadas pelos próprios questionários da UNESCO, discordou de sua aplicação nos estabelecimentos oficiais de ensino.19 É, pois, compreensível a cautela da UNESCO na orientação ao Conselho Internacional de Ciências Sociais, quando lhe encaminha a solicitação de que estabeleça um escritório de pesquisa sobre as repercussões sociais das transformações tecnológicas. Suas preocupações se dirigiam à delimitação do campo dessas pesquisas ele não deveria ser nem muito vasto, nem tampouco poderia ser de tal forma restrito ao ponto de falsear a situação estudada ou negligenciar dados ou fontes 18 A respeito das críticas da The Cross and the Flag sobre as brochuras publicadas pelaUNESCOna coleçãoVers la comprehension international. Cf.ARCHIBALDI, 1993, p. 232. O autor nos informa também que Irving Solomon é chamado em duas ocasiões a realizar trabalho de avaliação da atuação daUNESCOnumperíodo em que ela estava sendo acusada de infiltração comunista: em 1951 a pedido da Fundação Ford, interessada em destinar fundos para a organização, e, em 1953, quando é designado pelo presidente Eisenhower para presidir o comitê especial criado em razão da intensificação das críticas à UNESCO. 19 A orientação metodológica seguida pelos investigadores consistia na aplicação de pré-teste objetivando verificar a simpatia ou antipatia dos sujeitos do experimento em relação a outros grupos nacionais, seguida de informações visando à mudança de atitude no sentido de favorecer a compreensão internacional, após o que se aplicava o pós-teste. Das informações constavam aquelas relativas aos habitantes de outros países, à semelhança entre os diversos representantes da espécie humana e à superioridade das atitudes internacionais sobre as nacionais. Cf. LÉtude des états de tension au Victoria University College (Nouvelle- Zélande). In: UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. IV, n. 1, Printemps, 1952f, p. 154-158. 158 essenciais de informação.20 Dirigiam-se também à delimitação das atribuições do escritório, pois convinha evitar o possível risco de a ele se associar a idéia de um instituto monolítico de ciências sociais.21 Orientação semelhante será feita em relação aos meios de comunicação, cujo uso pela UNESCO os delegados da Polônia e Tchecoslováquia consideravam então como incitação à guerra e imposição cultural de um país sobre os demais, ao passo que o chefe da delegação dos EUA insistia na necessidade de empregar os recursos da comunicação a fim de, com maior empenho e agilidade, narrar a admirável crônica da liberdade (citado por Bekri, 1991, p. 198). Nesse contexto, na orientação fornecida pela UNESCO que havia preparado a fundamentação para a aprovação, em 1948, da tese do livre fluxo de informações, defendida principalmente pelos EUA não cabe ao escritório de pesquisa ocupar-se diretamente dos problemas relativos à comunicação e à informação, entretanto, não poderá deixar de considerar a incidência destes meios numa dada região em estudo.22 Os estudos aqui mencionados, incluídos no programa de tensões, demonstram como a UNESCO, no exercício de seu objetivo maior a conquista das mentes busca, no campo minado que é o mundo pós-guerra, conhecer os povos em sua diversidade cultural a fim de articulá-los ao projeto de construção das condições desde então, mais do que antes, vistas como necessárias ao progresso e à paz. Esses estudos nos fornecem 20 Cf. Le bureau international du recherches pour létude des repercussions sur le plan social des transformations de la technique. In: UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. VI, n.1, 1954 b, p. 93-98. 21 Esse risco havia sido apresentado por Quincy Wright, professor de Direito Internacional e de Ciências Políticas nos Estados Unidos, em carta, com o timbre do Comitê de Relações Internacionais da Universidade de Chicago, datada de 10 de fevereiro e enviada a Otto Klineberg. A preocupação do professor Wright é no sentido de que um superorganismo contribua para o agravamento das tensões que, por sua atuação, objetiva compreender e resolver. Cf. Bulletin International de Sciences Sociales, vol. I, n. 1-2, Paris, 1949a, p. 100-101. 22 Cf. UNESCO. Bulletin International des Sciences Sociales, vol. VI, n. 1, Paris: UNESCO, 1954b, p. 93-98. Citação da p. 95. 159 ainda exemplos de como a UNESCO respondeu aos limites