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importante «antes de a dar a conhecer à direcção». Que por exemplo o Comité Nacional, para desenvolver num espírito inteiramente novo tarefas de coordenação de grande amplitude, deva dispor de órgãos executivos eficazes, é inteiramente compreensível; mas isto é o exacto contrário do seu desapossamento por uma «direcção» omnipotente e incontrolável. Da renúncia ou não a esses instrumentos de poder que são por essência, no seu sentido forte, as Comissões e Secretariados, depende de modo directo, a meu ver, a superação ou não da forma- partido cuja crise actual ameaça a própria sobrevivência do comunismo enquanto corrente política de futuro em França. Reconheçamo-lo contudo: basta encarar um só instante a ideia de um partido sem Comissão nem Secretariado Nacional, ou mesmo Federal, para que se sinta uma vertigem - principalmente tendo-se alguma experiência daquilo a que se chama "os problemas de Direcção". Reacção cuja análise é das mais instrutivas... de onde vem esta angústia que suscita a simples eventualidade desta supressão? Não será contudo muito claro que isso não seria nenhum obstáculo para o desenvolvimento responsável e coordenado de iniciativas visando a superação do capitalismo em todos os terrenos do movimento social politizado, quer dizer, para aquilo que deve constituir a função primordial de uma força comunista? Sem dúvida, mas acontece que em compensação este desaparecimento surge à primeira vista como impeditivo radical para o cumprimento da função secundária que consiste em intervir nos locais clássicos da política dominante - e nada poderia ser mais revelador em relação ao que, no cerne da forma-partido, impõe com tanta força a existência das Comissões e dos Secretariados, do mesmo modo que a dos Dirigentes, a começar pelo primeiro dentre eles. Tomar rapidamente posição sobre uma grande questão de actualidade, decidir a estratégia de uma grande batalha eleitoral, realizar uma negociação cimeira a nível nacional ou internacional... Sendo as coisas o que são, assumir tarefas deste tipo não nos confronta com categóricos imperativos organizacionais em que se exprime a própria essência da política profissionalizada? É que há necessidade de poder decidir só ou com um pequeno colectivo, de ter os meios de comprometer o partido, de estar seguro de uma certa permanência no cargo e assim sucessivamente, em resumo, ser dos que detêm o poder. Aqui está o fundo da questão: as direcções não são de modo algum necessárias na actividade que tem como finalidade directa a superação de uma qualquer alienação, incluindo a alienação política, mas sim naquela que visa conquistar poder, e mesmo o poder, onde têm precisamente a sua fonte esta alienação política e a forma-partido que lhe corresponde. Salta à vista a ligação fundamental entre formas da organização e conteúdo da política. Assim, quando um partido comunista limita de facto o essencial da sua actividade a intervir no campo político institucional - porque crê dever fazer depender qualquer transformação social realmente séria de uma prévia conquista do poder ou porque, tendo-o conquistado, começa a geri-lo como um capital em vez de se esforçar por fazê-lo definhar - vemos operar- se nele a irresistível ascensão do centralismo autocrático, que o mesmo é dizer-se vemos o seu modo de vida render-se às exigências de uma política de essência burguesa. Não será necessário ter a coragem intelectual de reconhecer que, por entre tantas lutas anticapitalistas meritórias, foi efectivamente o que, sem grandes alardes, aconteceu ao PCF? E que só isto permite compreender que a sua imagem se tenha desastrosamente transformado na de "um partido como os outros"? Desde há anos, quantas células têm ainda, fora das campanhas eleitorais, verdadeiras actividades públicas? Quando assim é, ocorre o inevitável domínio da política delegatária e da organização vertical. Para escapar a esta lógica implacável, será necessário abjurar toda e qualquer pretensão a aceder a qualquer poder? Será mesmo necessário recusar-se a participar em quaisquer eleições e, como Alceste, refugiar-se no deserto? O comunismo não é uma escola de deserção. Há pois que ousar fazer frente ao antagonismo, inultrapassável no actual estado da coisa política, entre essas duas lógicas organizacionais: a verticalidade de poder e a horizontalidade de auto-organização, solidárias de dois modos profundamente diferentes de fazer política. Aqui reside toda a dificuldade em superar a actual forma-partido, não no simples discurso mas na realidade. Poderá talvez o facto de «ainda aceitar a filosofia» ser de molde a ajudar? A sorte de qualquer contradição antagónica é uma questão de dominação: qual dos contrários imporá a sua lógica ao outro? No estalinismo vulgar é a verticalidade do poder que domina sem partilha; ao ponto de tratar qualquer horizontalidade como delinquência fraccionista. Pelo contrário, avançar para uma forma-partido feita essencialmente, na sua própria auto-superação, para produzir emancipação radical, sem tardar e sem reservas, isso exige que se consiga uma total inversão da dominação: a auto- organização responsável deve ir fazendo desaparecer o poder discricionário. Coisa que passa sem dúvida por uma atenta separação das funções que o centralismo autocrático tem por regra confundir: responsabilidade interna na actividade do partido, responsabilidade externa no campo da política institucional, devendo a segunda ser garantida por responsáveis com delegação, por comissões especializadas que trabalhem com toda a representatividade e autonomia desejáveis, sob a autoridade do Comité Nacional. O objectivo é acabar com a deletéria "acumulação de poderes" que se concretiza na existência de comissões, secretariados e "altos dirigentes", mas sem contudo prejudicar a eficácia do trabalho e até talvez incitando a inventar um novo estilo comunista de intervenção na própria política institucional. Assim, porta-vozes nacionais podem, como convém, fazer ouvir a voz dos comunistas; e isto com toda a necessária latitude de improvisação e sem que a sua audiência mediática vá de par com um poder estatutário sobre o partido. É num espírito análogo que seria necessário resolver o mais crucial e mais emblemático dos problemas de direcção: o do «Primeiro-Secretário». Função cuja pesada conotação histórica certamente não ajuda nem a deixar definitivamente o passado para trás nem a apreender de modo congruente o presente. Já que a função deixaria de condensar, numa personalização extrema, todos os poderes de um aparelho e seria, de modo bem diferente, a de primeiro - ou primeira - inter pares a presidir, com outros e por um prazo razoável, ao trabalho do Comité Nacional, na sua função de coordenação geral das actividades do partido, não resumiria esta metamorfose o advento de uma força comunista da qual se pudesse realmente dizer que é "de nova geração"? Modificar completamente a dinâmica das actividades comunistas, de maneira a que nelas esteja sempre em primeiro plano a iniciativa de superação directa de todas as grandes alienações históricas; em directa conexão com esta decisiva mutação de conteúdo, fazer da célula, ousadamente redesenhada, o actor responsável, competente e inventivo dessa política, primeiro elo de grandes redes de revolucionamento social; reconverter, sem tibieza, todos os poderes de direcção em meios de coordenação ao serviço quer da intervenção no terreno quer do seu desenvolvimento meditado; inaugurar assim uma nova aliança entre uma renovada exigência de aprofundamento teórico e a inventividade juvenil na iniciativa prática: eis, em poucas palavras, como se me afigura, à luz da análise aqui feita, a configuração geral de uma superação da actual forma-partído do PCF, susceptível de abrir um novo futuro para o comunismo em França,