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alternativa do sistema de segurança coletiva. Para uma boa reflexão sobre o tema, ver Diplomacy de Henry Kissinger (1994), páginas 246-318. RETROSPECTIVA HISTÓRICA 53 e União Soviética se reuniram para discutir o assunto22. A arquitetura jurídica básica da Organização foi então desenhada, com a decisão de se atribuir a um órgão reduzido, no qual as grandes potências gozariam de privilégios especiais, a condução prioritária dos assuntos afetos à paz e à segurança internacionais. As questões sobre a composição de uma força internacional permanente ou de um sistema de arregimentação de contingentes nacionais, idéias ventiladas pela França na Conferência de Paris em 1919 e nos anos 30, foram tratadas em Dumbarton Oaks (ver subitem 1.1.3, supra). O Presidente Franklin Roosevelt rejeitou a noção de um “superstate with its own police force and other paraphernalia of coercitive power”23. Os pontos não assentados no decurso das negociações, sobretudo os relativos ao sistema de votação, foram levados para a Conferência de Ialta, em 11/2/45, à qual compareceram Churchill, Roosevelt e Stalin. Na Conferência das Nações Unidas, que se realizou em São Francisco, de 25/4/45 a 26/6/45, o texto foi finalizado, preservando- se os pontos essenciais acordados entre os grandes “vencedores” da Segunda Guerra Mundial. DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS No campo da manutenção da paz e da segurança internacionais, a Carta das Nações Unidas consagrou esses termos evitando usar outros como “segurança coletiva” e “guerra”. No entanto, embora o termo “segurança coletiva” não esteja mencionado na Carta explicitamente, pode-se considerar que ela contempla tal sistema, pois, conforme conceitua o jurista Hans Kelsen, “falamos de segurança coletiva 22 Araújo, (1996) p. 328. As conversações de Dumbarton Oaks se realizaram em duas etapas: a primeira, envolvendo o Reino Unido, os Estados Unidos e a União Soviética (de 24/8 a 28/ 9/44) e, a segunda, o Reino Unido, os Estados Unidos e a China (de 29/9 a 7/10/44). 23 Ruggie, (1996), pp. 1-2; e Patriota, (1997), pp. 11-13. 54 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA quando a reação contra as violações do direito assume o caráter de uma ação compulsória coletiva”24. Outra noção de segurança coletiva compatível com o sistema previsto na Carta das Nações Unidas é a da Comissão de Medidas Coletivas criada pela parte C da Resolução 377(V) da AGNU de 3/11/50, que definiu a segurança coletiva, em relatório de 1951, como sendo “planos para um sistema de sanções que possa evitar a ação de qualquer Estado tentado a cometer agressão ou, não o conseguindo, assegurar que o agressor tenha de se defrontar não unicamente com sua vítima, mas com a força unida da comunidade internacional”25. Cumpre salientar, antes de mais nada, que o modelo de segurança coletiva constante da Carta das Nações Unidas é reforçado por um conjunto de propósitos e princípios, capitulados nos artigos 1 e 2 daquele instrumento, que deve nortear o relacionamento dos Estados no cenário internacional. Em termos gerais, a Carta das Nações Unidas ressalta que seus Membros devem resolver controvérsias por meios pacíficos de modo que não se perturbe a paz, a segurança e a justiça internacionais (art. 2,§3; art. 33). Eles devem também evitar a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de outros Estados, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos da Organização (art. 2,§4). Devem, ainda, dar às Nações Unidas toda assistência, em qualquer ação adotada consoante a Carta, abstendo- se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual a Organização aja, de modo preventivo ou coercitivo (art. 2,§5). No tocante à segurança internacional, os Membros assumem o compromisso de: acatar as sanções decididas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), cujas modalidades podem variar (art. 41); proporcionar ao Conselho, a seu pedido e de conformidade com acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades (art. 43); 24 Rodrigues, (1972), p. 48. 25 Rodrigues, (1972), pp. 48-49. RETROSPECTIVA HISTÓRICA 55 manter em prontidão contingentes de forças aéreas nacionais, para a combinação de uma ação coercitiva internacional (art. 45); aceitar e implementar as decisões do CSNU (arts. 25 e 48), ao qual conferem a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais (art. 24,§1). O CSNU, cujo sistema de votação implica o direito de veto para os seus Membros permanentes (art. 27), pode deliberar sobre qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão (art. 39), sendo-lhe permitido, até mesmo, imiscuir-se em assuntos afetos à jurisdição interna dos Estados, desde que as medidas estejam amparadas pelo Capítulo VII (art. 2,§7). Os membros da ONU prestar-se-ão, ademais, assistência mútua para a execução das medidas determinadas pelo CSNU (art. 49). Constitui também obrigação dos mesmos comunicar imediatamente ao CSNU as medidas adotadas no exercício do direito de legítima defesa individual ou coletiva (art. 51), e toda ação empreendida ou projetada por acordos ou entidades regionais, desde que devidamente autorizada pelo CSNU no caso de ações coercitivas, para a manutenção da paz e da segurança internacionais (arts. 53,§1 e 54). Finalmente, a Carta das Nações Unidas estabelece que a Organização deverá fazer com que mesmo os Estados que não sejam membros da ONU procedam de acordo com seus princípios, na medida necessária à manutenção da paz e da segurança internacionais (art. 2,§6). A fim de melhor compreender a originalidade e o alcance do sistema de segurança coletiva previsto na Carta das Nações Unidas, caberia compará-lo, ainda que de forma concisa, com o sistema de segurança coletiva do Pacto da Liga das Nações, descrito no subitem 1.1.2, supra. É evidente que o regime de sanções da ONU é um aprimoramento em relação ao da Liga. O artigo 16 do Pacto era inflexível e estrito. O dispositivo autorizava a aplicação de sanções apenas em circunstâncias de agressão, violados os artigos 12, 13 ou 15 do Pacto constitutivo, e as concebia como remédio extremo. Em contrapartida, o artigo 41 da Carta foi elaborado para remediar os defeitos do regime do Pacto. O texto proporciona ao CSNU ampla 56 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA flexibilidade para impor sanções que podem incluir “interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de qualquer outra espécie, e o rompimento das relações diplomáticas.” Além disso, os artigos 25 e 48 da Carta tornaram compulsória a execução do regime de sanções instituído pelo CSNU. Na época da Liga, cada Estado decidia soberanamente sobre a sua implementação, já que, embora o artigo 16 previa automaticidade e simultaneidade na aplicação de sanções diplomáticas e econômicas, a II Assembléia da Organização tinha adotado, em setembro de 1921, resolução pela qual afirmava ser da competência de cada Membro decidir se se verificara ou não uma violação do Pacto26. No tocante ao uso da força, a mudança foi radical. A guerra tornou-se um ilícito internacional com a proibição do recurso “à ameaça ou ao uso da força”, dispondo o CSNU do monopólio do poder coercitivo para tomar as providências necessárias para obrigar o Estado faltoso a mudar seu comportamento, desde que respeitados os requisitos dos artigos 39 (caracterização da violação: ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão) e 41 (aplicação de sanções não-militares antes de se recorrer à força). Lembre-se que no Pacto da Liga das Nações a guerra ainda era considerada um recurso legítimo à disposição dos Estados, sinal de sua soberania. O Pacto introduziu apenas a idéia de prazo moratório: a guerra era uma opção legal para dirimir controvérsias, mas não deveria