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numa fórmula rotineira de mobilização de pessoal especializado pelo Secretariado. Contudo, o uso do pessoal cedido gratuitamente no DPKO e nos outros Departamentos passou a ser criticado pelo Movimento Não- Alinhado, por virtualmente excluir os países em desenvolvimento, que encontram dificuldade em qualificar pessoal e mantê-lo, com recursos nacionais, à disposição do Secretariado. Segundo dados de março de 1997, havia 128 militares cedidos ao DPKO, a maioria dos quais procedente dos países desenvolvidos. Tal fato, que se repetia em outros Departamentos da ONU, estava gerando desequilíbrio na distribuição de cargos e funções nas Nações Unidas, com repercussão negativa para a imagem de universalidade e de imparcialidade da Organização, consoante o artigo 101 da Carta. Essa controvérsia ganhou maior amplitude com os reclamos da União Européia, do Canadá e do Japão de que o recurso indiscriminado ao pessoal cedido gratuitamente poderia estar mascarando um planejamento administrativo equivocado na área de recursos humanos. Tais desdobramentos levaram o próprio Kofi Annan, já na qualidade de Secretário-Geral da ONU, a comprometer-se, no relatório intitulado Renewing the UN: A Programme for Reform, de 16/7/97, a apresentar, assim que possível, plano para a diminuição gradativa de todo pessoal cedido gratuitamente no Secretariado, que seria substituído por funcionários contratados segundo as normas administrativas da Organização. No tocante aos militares cedidos ao DPKO, esse plano veio à baila em 1998, quando o SGNU observou que todos os oficiais cedidos seriam repatriados a seus países de origem até fevereiro de 1999. Por sua vez, no terreno, o SGNU dispõe de pessoal qualificado que é geralmente chefiado por um representante ou enviado pessoal/ especial designado pelo SGNU. Nos cenários onde há a presença de observadores ou forças de paz, seus representantes ou enviados assumem o controle de todos os componentes da operação e relatam 122 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA o andamento dos eventos ao Secretário-Geral79. É interessante mencionar que o Secretário-Geral Boutros-Ghali, ao apresentar o seu “Suplemento de Uma Agenda para a Paz” em janeiro de 1995, e o Presidente do CSNU, ao emitir “Declaração sobre o Suplemento de Uma Agenda para a Paz”, em fevereiro de 1995, instaram os Estados membros a designarem nomes para integrar o banco de dados que a Organização estava criando com potenciais candidatos a representantes especiais — missões de maior duração — ou enviados especiais — missões de menor duração — do SGNU. O Itamaraty optou por não participar do banco de dados, preferindo examinar, caso a caso, os pedidos de cessão que vierem a ser formulados pela ONU. Por fim, convém esclarecer que, em alguns episódios, o Secretário- Geral da Organização chegou a agir com certa autonomia em relação à AGNU e ao CSNU no que tange ao desdobramento de operações de manutenção da paz. Diante do pedido das partes, em ações subseqüentemente endossadas formalmente pelos órgãos políticos, o SGNU deslocou observadores militares para o Irian Ocidental em 1962 (UNTEA), para a fronteira entre Arábia Saudita e Iêmen em 1963 (UNYOM), e, mais recentemente, para o Afeganistão em 1988 (UNMOGIP)80. 79 Em fevereiro de 1999, o Secretário-Geral da ONU tinha nomeado 44 pessoas para acompanhar determinados assuntos – por exemplo, “crianças e conflitos armados” e “deslocados internos”– ou para representá-lo em países em conflito, dez dos quais também estavam chefiando operações de manutenção da paz. Esses indivíduos, além dos títulos usuais de Representantes especiais ou pessoais, podem eventualmente ganhar outros títulos, tais como o de Chefe de Missão Política ou o de Coordenador Especial. 80 No episódio do Irian Ocidental, o Secretário-Geral U. Thant deslocou observadores militares à região conflituosa após a assinatura do acordo entre as partes, em 15/8/62, para implementar o cessar-fogo. A ratificação do acordo ocorreu, entretanto, apenas em 20/9/62, quando a AGNU aprovou a Resolução nº 1752(XVII), de 21/9/62, autorizando “ ... the Secretary-General to carry out the tasks entrusted to him in the Agreement”. No Iêmen, em 1963, o Secretário-Geral U. Thant adotou o mesmo procedimento despachando, desta vez, observadores militares sem manifestação do CSNU, que somente dias depois aprovou a Resolução nº 179 (1963), de 11/6/63, solicitando “ ... the Secretary-General to establish the observation operation as defined by him”. No caso do Afeganistão, o CSNU apenas confirmou, e não autorizou, o envio de observadores militares (mesmo assim seis meses após o seu desdobramento no terreno) pela Resolução nº 622(1988), de 31/10/88 (“Confirms its agreement to the measures ..., in particular the arrangement for the temporary dispatch to Afghanistan and Paquistan of military officers from existing UN operations”). OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ MULTIDISCIPLINARES 123 O PAPEL DOS PAÍSES QUE CONTRIBUEM COM PESSOAL Não há fórmula acordada para classificar os países que contribuem com pessoal. Segundo o critério temporal, os contribuintes clássicos são aqueles Estados que vêm aportando meios às missões de observação e forças de paz desde os anos 50 e 60, como Austrália, Brasil, Canadá, Índia, Itália, Irlanda, Nova Zelândia e os países escandinavos. Os novos contribuintes englobam uma vasta gama de países: industrializados, em desenvolvimento (PEDs) e de menor desenvolvimento relativo (LDCs). Conquanto a ONU esteja alcançando uma maior universalidade na composição de suas operações de manutenção da paz, estão aumentando os problemas de comando, devido às diferenças de cultura (religião, idioma, nível educacional, entre outros), às desigualdades de treinamento e de equipamentos dos contingentes cedidos, apesar de todos os esforços no sentido de padronizar material e adestramento por meio de manuais. Além disso, a maioria dos PEDs e dos LDCs costumam oferecer sobretudo pessoal, muitas vezes desprovidos de armamentos nem um mínimo de apoio logístico. Isso pode consolidar a prática de os países pobres se especializarem na mera cessão de tropas, enquanto países ricos se limitariam a fornecer equipamentos, sem arriscar a vida de seus nacionais81. Entre outros exemplos, em 1993, o Kuaite equipou um batalhão de Bangladesh para atuar na fronteira Kuaite-Iraque (UNIKOM) e, em 1994, a Alemanha forneceu material para um batalhão paquistanês servir na antiga Iugoslávia (UNPROFOR). Ademais, os países ricos estão vendo suas indústrias beneficiarem-se com as compras de material pelas Nações Unidas. 81 Cardoso, (1994). pp. 75-76. O autor observa que essa prática pode envolver desde a criação de “sócios-atletas” (acesso às operações de paz através da cessão de tropas) até a “venda de proteção” (caso do Kuaite) em transação bilateral ainda que intermediada pelas Nações Unidas. 124 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA O relacionamento entre a ONU e os países que contribuem com pessoal costumava ser regulamentado por acordo de cessão denominado Acordo das Prerrogativas da Missão (Standard of Mission Agreement-SOMA), cujo modelo-padrão foi aprovado em 199082. No entanto, as dificuldades em muitos países para tramitar internamente o acordo fizeram com que o Secretariado interrompesse essa prática83. A Organização passou a respaldar-se nas diferentes resoluções da Assembléia que abordavam os direitos e as responsabilidades existentes entre as Nações Unidas e os países que contribuem com pessoal e equipamentos. Por isso, cumpre analisar, separadamente, os sistemas de reembolso e de indenizações pela participação em operações de manutenção da paz das Nações Unidas, temas que, aliás, têm recebido especial atenção do Comitê Especial sobre as Operações de Manutenção da Paz nos últimos anos. REEMBOLSO POR PESSOAL CEDIDO É importante, de início, distinguir entre os países que contribuem com pessoal: