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UNPROFOR na antiga Iugoslávia), foram-se transformando de uma missão do capítulo VI em uma intervenção com aspectos coercitivos próprios do capítulo VII. As operações de imposição da paz seriam reservadas apenas para os casos em que as atividades empreendidas para restabelecer a paz não contassem com o consentimento das partes e que pudessem implicar o uso da força em grande escala para “convencer” as partes a atuar de acordo com as decisões do CSNU. O DPKO entende que a UNTAES deveria servir de modelo às futuras operações de manutenção da paz. Seu desdobramento foi 146 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA consentido apesar de a missão ter sido criada ao abrigo do capítulo VII e ter contado com grande capacidade dissuasória. Nesse contexto, a Força de Implementação (IFOR) e a Força de Estabilização (SFOR), que foram despachadas para a Bósnia-Herzegovina, e a Força Multinacional do Kosovo, que foi enviada à República Federal da Iugoslávia, poderiam ser vistas como variantes desse modelo, pois receberam o consentimento das partes em conflito para seu desdobramento no terreno, além de terem sido aprovadas sob a égide do capítulo VII e estarem equipadas com armamentos pesados. Vão na mesma linha as idéias ventiladas pelo Reino Unido sobre as chamadas “operações de restauração da paz”, conforme antecipado na páginas 90 e 91. Essas operações seriam equipadas com meios ofensivos capazes de reagir prontamente à eclosão de hostilidades, prevenindo a contaminação de toda uma região e assegurando, conforme o caso, a prestação de assistência humanitária, sobretudo em áreas de banditismo e de desarticulação da autoridade estatal100. Vale mencionar que, por ocasião do seminário sobre operações de paz realizado pelos Exércitos brasileiro e britânico, em Brasília, no período de 23 a 25/3/98, os militares da chamada United Nations Training Team do Exército do Reino Unido comentaram que as operações de restauração da paz, embora assemelhadas àquelas de manutenção da paz robustas, se distinguiriam por estarem melhor habilitadas a conduzir operações coercitivas. Em tese, as operações de manutenção da paz robustas poderiam ser administradas pela ONU, ao passo que as operações de restauração da paz seriam preferivelmente delegadas às forças multinacionais. A OTAN, por sua vez, tem utilizado, nos últimos anos, o conceito bem mais amplo e impreciso de “operações de apoio à paz”. Podem englobar desde iniciativas de manutenção da paz clássicas, com 100 O conceito das operações de restauração da paz foi apresentado pelo Governo britânico no documento Reply by the Government of the United Kingdom to the United Nations Secretary-General’s Supplement to An Agenda for Peace, de agosto de 1996, pp. 3 e 4. A SITUAÇÃO ATUAL E AS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS 147 o consentimento das partes, até ações de imposição da paz, não necessariamente sob a égide das Nações Unidas101. Nas operações de apoio à paz, portanto, as forças envolvidas estariam capacitadas a cumprir qualquer tarefa definida pelo CSNU, inclusive operar em iniciativas aprovadas ao amparo do capítulo VI ou do capítulo VII da Carta. Essa elaboração de novos conceitos não é um exercício meramente acadêmico, destituído de implicações práticas. Nos últimos anos, os Membros permanentes do CSNU têm-se valido de suas prerrogativas para ampliar o campo de atuação das operações de manutenção da paz, mesmo na ausência de embasamento jurídico sólido e, freqüentemente, em violação do princípio de que se devem esgotar todos os recursos da negociação antes de recorrer a meios coercitivos para restaurar a paz e a segurança. Pode-se especular que, depois da criação da UNTAES, aprovada sob o capítulo VII, e, mais recentemente, da MINURCA, cuja resolução combina dispositivos aprovados sob os capítulos VI e VII — uso da força para garantir a proteção de seus integrantes e o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo CSNU —, a aprovação de operações de manutenção da paz sob o capítulo VII ou embasadas em seus dispositivos, algo a princípio contraditório, poderá tender a ser, no futuro, cada vez mais comum. Fica, assim, relativizada a distinção entre os capítulos VI e VII, na linha do pensamento do Chefe do DPKO. O General-de-Brigada Franklin Van Kappen, conselheiro militar do SGNU, e o Coronel Peter Leentjes, chefe da Unidade de Treinamento do DPKO, que participaram de seminários no Brasil em 101 NATO, (1995), doc. SACLANT/SACEUR Ser/C-2. O documento, datado de 11/12/ 95, contém a NATO Doctrine for Peace Support Operations. A nota introdutória esclarece que o presente documento atualiza o texto publicado em fevereiro de 1994, de modo a refletir “... current practices and policies, as well as experiences gained over the past years”. Além disso , o Manual Joint Task Force Commander’s Handbook for Peace Operations dos EUA deixa claro na parte introdutória que “... Although the UN Charter does not specifically cover peace operations, it makes inferences regarding the legal basis to and for our participation in UN sponsored peace operations”. 148 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA 1997, referiram-se, na ocasião, às novas modalidades de intervenção como sendo vinculadas a um imaginário “capítulo VI e ¾”, em oposição ao “capítulo VI e meio” atribuído às operações de manutenção da paz. Recorde-se, a propósito, que o SGNU sugeriu, em julho de 1997, a idéia de criar uma operação de manutenção da paz “robusta” sob o capítulo VI para intervir na República do Congo, a braços com uma crise institucional. As regras de engajamento imaginadas para essa operação envolveriam a possibilidade de uso de tanques, artilharia antiaérea e metralhadoras pesadas102. É compreensível conferir às missões de paz que atuam em ambientes voláteis algum armamento mais sofisticado para autodefesa e para assegurar o cumprimento do mandato, mas isso não deve significar criar uma capacidade militar própria de missões de imposição da paz. Em outras palavras, é questionável associar o estabelecimento da missão aventada pelo SGNU para a República do Congo às operações de manutenção da paz, visto que as lições aprendidas indicam que a imparcialidade, a cooperação das partes e a construção de uma atmosfera de confiança constituem os elementos essenciais para assegurar o êxito da intervenção das Nações Unidas, não havendo a necessidade de se recorrer a blindados ou a outras armas pesadas para “manter” a paz. TENTATIVAS DE APRIMORAR A CAPACIDADE DE RESPOSTA DAS NAÇÕES UNIDAS Desde o início dos anos 90, o Secretariado da ONU preocupa-se, a um tempo, em reduzir o tempo de desdobramento das operações de 102 Em linhas gerais, as hostilidades na República do Congo envolviam as facções que apoiavam o Presidente Lissoula e as que respaldavam o ex-Presidente Sassou-Nguesso. Enquanto o CSNU debatia a questão da criação de uma operação de manutenção da paz, tropas angolanas intervieram com êxito em favor de Sassou-Nguesso. Diante do fato consumado, o CSNU cingiu-se a emitir Declaração Presidencial condenando interferências externas na República do Congo e reiterando a importância de uma solução política que levasse à reconciliação nacional. A SITUAÇÃO ATUAL E AS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS 149 manutenção da paz, de modo a evitar ao máximo a retomada ou o recrudescimento dos conflitos e em dispor de uma capacidade de mobilização de meios de intervenção, quando necessário, em apoio a operações de manutenção da paz que estariam passando por dificuldades no terreno. De fato, a fase inicial das operações de manutenção da paz (a denominada start-up phase) é sempre a mais crítica, pois as partes ainda nutrem fortes desconfianças recíprocas e os contingentes cedidos pelos Estados membros podem demorar muito tempo para chegarem ao terreno, por razões orçamentárias ou de procedimento constitucional. Ao mesmo tempo, acreditava-se que a possibilidade de mobilizar contingentes