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Aterros Ferroviários de Misturas de Solo e Enrocamento João Luis Fernandes Brazão Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil Júri Presidente: Professor Jaime Alberto dos Santos Orientador: Professora Laura Maria Mello Saraiva Caldeira Vogal: Professor Alexandre da Luz Pinto Setembro de 2011 AGRADECIMENTOS Dada a complexidade do tema abordado nesta tese e a relevância da sua componente laboratorial gostaria de agradecer a todos aqueles que colaboraram e contribuíram para o seu desenvolvimento. À Professora Doutora Laura Caldeira que, como orientadora, pelo Instituto Superior Técnico bem como pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, dispôs uma atenção e um acompanhamento constante. O esclarecimento de dúvidas fulcrais ao avanço do trabalho bem como as explicações subjectivas sobre os temas sucessivamente focados, foram uma contribuição essencial, não só ao cumprimento dos objectivos definidos, mas também à minha formação profissional. Agradeço também ao experimentador-chefe do laboratório de geotecnia (LNEC), o Sr. Joaquim Timóteo, bem como à sua equipa, a paciência e empenho mostrados nas respostas a todas as minhas questões, na explicação dos processos laboratoriais e na mostragem pormenorizada do equipamento utilizado. Um agradecimento ao Professor Paulo Teixeira pelo seu contributo à compreensão da componente ferroviária e da sua relação com as obras de aterro, bem como pela bibliografia científica e técnica que suportou a informação mais especializada apresentada nesta tese. RESUMO Com base nos planos estratégicos para o desenvolvimento da União Europeia e como parte da actualização da infraestrutura ferroviária Portuguesa, está em fase de projecto uma primeira linha de alta velocidade entre Poceirão e Caia, como parte integrante de uma futura ligação entre Lisboa e Madrid. A construção de aterros é essencial a esta, comprovando-se no trabalho a importância da definição de parâmetros dos materiais aplicados e da descrição do comportamento esperado, dada a utilização de misturas solo e enrocamento. Efectuaram-se vários ensaios laboratoriais essenciais ao projecto geotécnico destes aterros. A determinação da granulometria dos materiais foi essencial à sua classificação e à correlação entre a mesma e o comportamento registado. Permitiu também a análise do efeito da compactação. Determinou-se o peso volúmico máximo e o teor em água óptimo com recurso a ensaio de compactação pesada. Para a análise à deformabilidade e à resistência foram executados ensaios de deformação unidimensional e ensaios de corte em compressão triaxial, respectivamente. Após as determinações apropriadas, aplicaram-se os parâmetros obtidos à modelação computacional dos aterros. Com esta, pretende-se o estudo das deformações a curto prazo, corrigíveis, mas também as deformações a longo prazo, especialmente relevantes pelo impacte na manutenção e operação da via ferroviária. Outras questões relacionadas com o projecto foram também analisadas, como a estabilidade de taludes, o impacte da molhagem dos aterros e o pré-dimensionamento da sub-estrutura ferroviária. A modelação dos materiais foi sujeita a uma calibração face aos resultados registados em laboratório. Palavras-chave: Aterro, Mistura, Solo, Enrocamento, Deformabilidade, Ferrovia ABSTRACT Based on the strategic plans for the European Union’s development and with the common objective of updating the Portuguese railway infrastructure, proceedings are being taken for the design of a new high speed railway connecting Poceirão and Caia, as a section of the Lisbon-Madrid link. The construction of embankments is an essential part of the project, being confirmed throughout this paper the importance of an adequate definition of parameters and description of their behaviour, given the particular nature of soil-rockfill mixtures. Several laboratory tests were executed, due to their importance for the geotechnical design. The determination of the grain size distribution for these materials was crucial to their classification and understanding of the registered behaviour. It was also relevant on the analysis of material compaction and it’s influence on particle size. Through an heavy compaction test, the maximum dry unit weight and optimum water content were determined. The analysis for the deformability and strength was supported by a one- dimensional deformation test and a triaxial shear test, respectively. After the appropriate handling of results, the parameters obtained were applied on computer modelling of the embankments. This allowed an approximate determination of the short term strains, correctable, but specially the determination of long term strains which impose limitations on the maintenance and operation of the railway. Other subjects related to the design where also taken into account, such as the slope stability, the impact of inadequate drainage and the preliminary design of the railway’s sub-structure. The results for the modelling of the mixtures was subject to a calibration, given the results obtained experimentally. Key-words: Embankment, Mixture, Soil, Rockfill, Deformability, Railway i ÍNDICE Pág. 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1 2. ENQUADRAMENTO GERAL ............................................................................ 5 2.1. LINHAS FERROVIÁRIAS DE ALTA VELOCIDADE ............................................... 5 2.2. ATERROS DE GRANDE ALTURA ........................................................................ 15 2.3. MISTURAS SOLO-ENROCAMENTO .................................................................... 24 3. CARACTERIZAÇÃO DOS MATERIAIS COM BASE EM ENSAIOS LABORATORIAIS .................................................................................................. 29 3.1. CURVAS GRANULOMÉTRICAS .......................................................................... 30 3.1.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ........................................................................... 30 3.1.2. METODOLOGIA LABORATORIAL .................................................................. 31 3.1.3. ANÁLISE DE RESULTADOS .......................................................................... 31 3.2. ENSAIO DE COMPACTAÇÃO PESADA .............................................................. 35 3.2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ........................................................................... 35 3.2.2. METODOLOGIA LABORATORIAL .................................................................. 36 3.2.3. ANÁLISE DE RESULTADOS .......................................................................... 37 3.3. ENSAIO DE DEFORMAÇÃO UNIDIMENSIONAL ................................................ 40 3.3.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS .............................................................................. 40 3.3.2. METODOLOGIA LABORATORIAL ..................................................................... 41 3.3.3. ANÁLISE DE RESULTADOS ..............................................................................43 3.4. ENSAIO DE CORTE EM COMPRESSÃO TRIAXIAL ........................................... 52 3.4.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS .............................................................................. 52 3.4.2. METODOLOGIA LABORATORIAL ..................................................................... 53 3.4.3. ANÁLISE DE RESULTADOS .............................................................................. 56 4. ATERROS-TIPO PARA VIAS FERROVIÁRIAS ............................................. 61 4.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................................................................. 61 4.2. ESCOLHA DO MODELO CONSTITUTIVO ........................................................... 64 4.3. MODELAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS .................................................... 69 4.3.1. COMPORTAMENTO A CURTO PRAZO ......................................................... 69 4.3.2. ESTABILIDADE DE TALUDES ........................................................................ 76 4.3.3. COMPORTAMENTO A LONGO PRAZO ........................................................ 78 4.3.4. PRÉ-DIMENSIONAMENTO DA SUB-ESTRUTURA FERROVIÁRIA .............. 80 5. CONCLUSÕES E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS .................................. 85 5.1. CONCLUSÕES ...................................................................................................... 85 5.2. DESENVOLVIMENTOS FUTUROS ....................................................................... 87 ii BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 89 ANEXO 1 ................................................................................................................ 91 ANEXO 2 ................................................................................................................ 98 ANEXO 3 .............................................................................................................. 100 iii ÍNDICE DE FIGURAS Pág. Fig. 2.1 – Rede de Alta Velocidade na Europa (www.rave.pt). .............................................. 5 Fig. 2.2 – Passagem de um comboio de alta velocidade da SNCF que permitiu estabelecer a velocidade recorde de 574,8 km/h, em 3 de Abril de 2007. ................................................ 6 Fig. 2.3– Emissões de gases com efeito de estufa por meio de transporte – EU27 2007 (Eurostat; *** não são contabilizadas emissões indirectas por consumo de energia eléctrica). ................................................................................................................................ 6 Fig. 2.4 – Emissões de CO2 por meio de transporte – EU27 2007 (Eurostat; *** não são contabilizadas emissões indirectas por consumo de energia eléctrica). ................................ 6 Fig. 2.5 – Crescimento anual de passageiros por quilómetro - EU27 (Eurostat). .................. 7 Fig. 2.6 – Características gerais da PPP1 (www.rave.pt). ..................................................... 9 Fig. 2.7 – Perfil transversal tipo da: a) LAV e da b) LC (www.edifer.pt). .............................. 10 Fig. 2.8 – Perfil transversal tipo da LAV + LC (www.edifer.pt). ............................................ 11 Fig. 2.9 – Sequência de transmissão de cargas da composição para o aterro de fundação. ............................................................................................................................................. 12 Fig. 2.10 – Degradação de tensões na estrutura ferroviária (Teixeira, 2011). ..................... 12 Fig. 2.11 – Tensões verticais nas direcções: a) longitudinal e b) transversal na interface (Teixeira, 2010). ................................................................................................................... 12 Fig. 2.12 – Máquina de ataque (correcção das deformações na via – www.plassertheurer.com). .................................................................................................... 13 Fig. 2.13 – Densidade de trabalho de manutenção na linha Madrid-Sevilha em função da altura de aterro (Pita, 2006). ................................................................................................ 13 Fig.2.14 – Aterros de grande altura para rodovias com base: a) horizontal e b) de encosta .. (JAE/LNEC, 1997). ............................................................................................................... 15 Fig. 2.15 – Ensaio de carga com placa (JAE/LNEC, 1999). ................................................ 17 Fig. 2.16 – Ensaio “macro” – determinação de volume do poço (JAE/LNEC, 1999). .......... 18 Fig. 2.17 – Exemplo de análise de estabilidade de taludes (JAE/LNEC, 1997). .................. 18 Fig. 2.18 – Perfil transversal de aterro com recurso a degraus e maciço de estabilização de pé de talude (Cenor, 2001). ................................................................................................. 19 Fig. 2.19 – Adsorção de água pelas fracturas de blocos, responsável por fluência (Oldcop, 2000 apud Maranha das Neves, 2007, p.93). ...................................................................... 20 Fig. 2.19 – Tratamento impermeabilizante de solo com ligante hidráulico (Cardoso, 2010). ............................................................................................................................................. 21 Fig. 2.22 – Variação volumétrica em função do tempo – definição do parâmetro de fluência, Cα (Caldeira, 2010). .............................................................................................................. 22 Fig. 2.23 – Deformação da guarda lateral (IC16) devido a assentamento diferencial entre aterro e obra de arte (LNEC, 1999). ..................................................................................... 23 Fig. 2.24 – Passagem hidráulica sob aterro (JAE/LNEC, 1997). ......................................... 23 Fig. 2.25 – Tipos de materiais de aterro (JAE, 1998 apud Neves, 2011). ........................... 24 iv Fig. 2.26 – Exemplos de curvas granulométricas (Maranha das Neves, 2006) e limites que definem a mistura solo-enrocamento. .................................................................................. 25 Fig. 2.27 – Variação do ângulo de atrito com a tensão de confinamento (Veiga Pinto, 1983). ............................................................................................................................................. 26 Fig. 3.1 – a) Conjunto de peneiros ASTM e b) pormenor de peneiro. ................................. 31 Fig. 3.2 – Curvas granulométricas para as amostras de MSE1. .......................................... 33 Fig. 3.3 – Curvas granulométricas para as amostras de MSE2. .......................................... 33 Fig. 3.4 - a) Molde grande (Ø250 mm, altura 200 mm); b) sistema interno de controlo do pilão. ..................................................................................................................................... 36 Fig. 3.5 – a) Molde sobre a mesa rotativa móvel, pilão não normalizado e portas de segurança; b) painel de controlo do compactador. .............................................................. 36 Fig. 3.6 – Curvas de compactação dos ensaios Proctor pesado. ....................................... 38 Fig. 3.7 – Curvas de referência do Método de Hilf. ............................................................. 39 Fig. 3.8 – Equipamento para ensaiode deformação unidimensional para misturas solo- enrocamento. ....................................................................................................................... 42 Fig. 3.9 – Câmara de ensaio: pormenor do anel dinamométrico (sobre a câmara), dos LVDT e dos deflectómetros (LNEC). .................................................................................... 42 Fig. 3.10 – Calibração do edómetro de 225 mm de diâmetro – força absorvida pela câmara em função do deslocamento imposto (LNEC). ..................................................................... 42 Fig. 3.11 – Diagrama tensão vertical-deformação vertical para MSE1. ............................... 44 Fig. 3.12 – Diagrama tensão vertical-deformação vertical para MSE2. ............................... 45 Fig. 3.13 – Diagrama logaritmo da tensão vertical – índice de vazios: compressão normal para MSE1 após compactação. ........................................................................................... 46 Fig. 3.14 – Diagrama logaritmo da tensão vertical – índice de vazios: compressão normal para MSE2 após compactação. ........................................................................................... 47 Fig. 3.15 – Diagrama logaritmo da tensão vertical – índice de vazios: compressão normal e descompressão para MSE1 após submersão. .................................................................... 47 Fig. 3.16 – Diagrama logaritmo da tensão vertical – índice de vazios: compressão normal e descompressão para MSE2 após submersão. .................................................................... 48 Fig. 3.17 – Diagrama logaritmo do tempo - índice de vazios: fluência para MSE1 após compactação para diferentes tensões verticais. .................................................................. 48 Fig. 3.18 – Diagrama logaritmo do tempo - índice de vazios: fluência para MSE2 após compactação para diferentes tensões verticais. .................................................................. 49 Fig. 3.19 – Diagrama logaritmo do tempo - índice de vazios: fluência para MSE1 após submersão para diferentes tensões verticais. ...................................................................... 49 Fig. 3.20 – Diagrama logaritmo do tempo - índice de vazios: fluência para MSE2 após submersão para diferentes tensões verticais. ...................................................................... 50 Fig. 3.21 – Parâmetro de fluência (Cα) em função da tensão vertical, após compactação. 51 Fig. 3.22 – Parâmetro de fluência (Cα) em função da tensão vertical, após submersão. .... 51 v Fig. 3.23 – Equipamento para ensaio de corte com compressão triaxial para solos de granulometria de grande dimensão. ..................................................................................... 52 Fig. 3.24 – a) Molhagem de uma das camadas a compactar e b) compactação por vibração. ............................................................................................................................... 54 Fig. 3.25 – a) Camada por compactar e b) camada compactada após escarificação da superfície. ............................................................................................................................. 54 Fig. 3.26 – a) Desmolde do provete compactado e b) montagem final do provete. ............. 55 Fig. 3.27 – a) Colocação da câmara (em aço) e b) selagem da câmara e fixação do êmbolo. ................................................................................................................................. 55 Fig. 3.28 – a) Saturação e consolidação de provete a tensão isotrópica e b) execução de um ensaio de corte. .............................................................................................................. 56 Fig. 3.29 – Diagrama da tensão deviatórica em função da deformação axial. .................... 57 Fig. 3.30 – Diagrama da pressão intersticial em função da deformação axial. .................... 57 Fig. 3.31 – Trajectória de tensão deviatórica em função da tensão média, para MSE1. ..... 59 Fig. 3.32 – Trajectória de tensão deviatórica em função da tensão média, para MSE2. ..... 59 Fig. 3.33 – Volume específico em função da tensão isotrópica de consolidação para o ensaio de corte em compressão triaxial. .............................................................................. 59 Fig. 4.1 – Nós e pontos por elemento triangular gerado pelo Plaxis 2D (Brinkgreve, 2002). ............................................................................................................................................. 62 Fig. 4.2 – Abordagens de cálculo em função da inclinação da superfície do terreno (Brinkgreve, 2002). ............................................................................................................... 63 Fig. 4.3 – Solução exacta vs. solução numérica (Brinkgreve, 2002). .................................. 63 Fig. 4.4 – Simulação dos ensaios: a) unidimensional, b) triaxial (fase de consolidação) e c) triaxial (fase de corte). .......................................................................................................... 64 Fig. 4.5 – Modelação do Ensaio de Compressão Unidimensional para a amostra MSE1 (Seco). .................................................................................................................................. 65 Fig. 4.6 – Modelação do Ensaio de Compressão Unidimensional para a amostra MSE2 (Seco). .................................................................................................................................. 66 Fig. 4.7 – Modelação do Ensaio de Compressão Unidimensional (Submerso). .................. 66 Fig. 4.8 – Trajectória de tensões do Ensaio de Corte em Compressão Triaxial para MSE1 e deformações angulares (γxy) no provete próximo da rotura. ................................................ 68 Fig. 4.9 – Trajectória de tensões do Ensaio de Corte em Compressão Triaxial para MSE2 e deformações angulares (γxy) no provete próximo da rotura. ................................................ 68 Fig. 4.10 – Geometria do perfil de base horizontal (km 6+650). .......................................... 69 Fig. 4.11 – Geometria do perfil de encosta (km 18+425). .................................................... 70 Fig. 4.12 – Simulação do perfil de encosta, com enrocamento de pé de talude. ................. 72 Fig. 4.13 – Deslocamentos verticais totais no aterro horizontal (seco), para MSE1 acima e MSE2 abaixo. ....................................................................................................................... 73 Fig. 4.14 – Deslocamentos verticais totais no aterro de encosta com enrocamento de pé de talude (seco), para MSE1 acima e MSE2 abaixo. ................................................................ 73 vi Fig. 4.15 – Variação do estado de tensão (tensão deviatórica) no aterro de base horizontal. ............................................................................................................................................. 74 Fig. 4.16 – Variação do estado de tensão (tensão deviatórica) no aterro de encosta. ........ 74 Fig. 4.17 – Variação do estado de tensão (tensão média) no aterro de base horizontal. .... 75 Fig. 4.18 – Variação do estado de tensão (tensão média) no aterro de encosta. ................ 75 Fig. 4.19 – Aterro de base horizontal e de encosta, com molhagem das duas primeiras camadas (GeoStudio – Slope). ............................................................................................ 76 Fig. 4.20 – Comparação do resultado obtidopara MSE2 com 2 camadas submersas, através do Slope (acima – cunha com FS=1,05) e do Plaxis (abaixo – deslocamentos totais). ................................................................................................................................... 77 Fig. 4.21 – Assentamento médio por fluência, no topo dos aterros (secos). ....................... 79 Fig. 4.22 – Assentamento médio por fluência, no topo dos aterros (após molhagem das duas primeiras camadas). .................................................................................................... 80 Fig. 4.23 – Evolução da espessura necessária de balastro, associada à fluência nos aterros. ................................................................................................................................. 83 vii ÍNDICE DE TABELAS Pág. Tabela 2.2 – Limites para a qualidade geométrica da via, para velocidades de 200 a 300 km/h (Pita, 2006). 14 Tabela 2.3 – Valores típicos para o Módulo Edométrico Secante (JAE/LNEC, 1999). 25 Tabela 2.4 – Gama de valores típicos de parâmetros de resistência para solos (Maranha das Neves, 2006). 27 Tabela 2.5 – Valores típicos de parâmetros de resistência para enrocamentos e misturas solo-enrocamento. 27 Tabela 2.6 – Resumo da variação de propriedades nos materiais de aterro. 28 Tabela 3.1 – Diâmetro das partículas referentes ao respectivo peneiro (ASTM). 30 Tabela 3.2 – Nomenclatura e localização das amostras recolhidas. 32 Tabela 3.3 – Resultados de granulometria obtidos por peneiração. 32 Tabela 3.4 – Cálculo do número de pancadas por camada em função da energia de compactação. 37 Tabela 3.5 – Medições e resultados dos ensaios de compactação. 38 Tabela 3.6 – Características iniciais dos provetes do ensaio de deformação unidimensional. 43 Tabela 3.7 – Módulo edométrico secante para as amostras. 44 Tabela 3.8 – Índice de compressibilidade e índice de expansibilidade. 46 Tabela 3.9 – Parâmetro de fluência. 50 Tabela 3.10 – Dados de preparação dos provetes do ensaio de corte em compressão triaxial. 57 Tabela 3.11 – Parâmetros de resistência – ângulos de atrito de pico e na rotura. 58 Tabela 3.12 – Parâmetros de deformabilidade obtidos por compressão isotrópica. 58 Tabela 4.1 – Parâmetros adoptados no Plaxis para a modelação dos aterros. 67 Tabela 4.2 – Parâmetros adoptados no Plaxis para a modelação da fundação. 70 Tabela 4.3 – Pesos de materiais para vias ferroviárias (EC1 Parte 1-1: Acções Gerais, p.34). 71 Tabela 4.4 – Valores do assentamento médio na superfície dos aterros. 71 Tabela 4.5 – Factores de Segurança para a estabilidade de taludes. 77 Tabela 4.6 – Assentamento médio por fluência no topo dos aterros (secos). 78 Tabela 4.7 – Assentamento médio por fluência no topo dos aterros (após molhagem das duas primeiras camadas). 79 Tabela 4.8 – Nomenclatura para classificação do solo e capacidade resistente da plataforma (UIC, 2006 apud Teixeira, 2011). 81 Tabela 4.9 – Classificação do solo de plataforma (UIC, 2006 apud Teixeira, 2011) 81 Tabela 4.10 – Capacidade resistente da plataforma (UIC, 2006 apud Teixeira, 2011). 82 Tabela 4.11 – Parâmetros para determinação da espessura de balastro e sub-balastro (UIC, 2006 apud Teixeira, 2011). 82 viii Tabela 4.12 – Evolução da espessura necessária de balastro, associada à fluência. 83 1 1. INTRODUÇÃO No âmbito da Engenharia Civil e do sector da construção, o factor comum a todas as edificações humanas é a sua relação com o solo. A fundação de qualquer estrutura tem uma interacção directa, e por vezes especial, com o terreno que a suporta e rodeia. Daí a importância da sua definição. Por outro lado, quando a Engenharia trabalha com materiais como o betão e o aço, sujeitos a rigorosos controlos de produção e de qualidade, o comportamento dos mesmos é previsível, desde que convenientemente aplicados ao contrário do associado aos terrenos. Devido à longa história de formação, de carregamento e de alteração sob diferentes influências ambientais e pelo facto de ser um material natural heterogéneo, o estudo dos geomateriais é um tema complexo e alvo de permanente investigação. Com o impacte da revolução industrial na tecnologia de construção e os correspondentes avanços em termos de investigação, as obras de Engenharia tornaram-se cada vez mais desafiantes e exigentes, com reflexos evidentes na sua componente geotécnica. O elevado potencial de custo, quer monetário ou em vidas humanas, levou a que as grandes obras de engenharia passassem a exigir um especial cuidado e esforço de compreensão dos solos, com vista à previsão do seu comportamento, de modo a assegurar as necessárias condições de segurança e de funcionalidade. Desenvolveram-se, assim, uma série de estudos e avanços tecnológicos, que incluem a prospecção geotécnica, os ensaios laboratoriais, o comportamento real das obras geotécnicas com base na observação e tecnologias específicas de construção, de forma a assistir o projecto e a execução dos mesmos. Em obras de aterro, a importância da compactação revela-se no melhoramento da respectiva capacidade resistente, na minimização dos assentamentos resultantes e na previsibilidade das deformações a curto e a longo prazo. Uma vez que a rigidez das estruturas, face à dos solos, apresenta um valor elevado, a compatibilização entre ambos em estruturas de desenvolvimento linear é essencial para a garantia da correspondente funcionalidade. Em solos naturais com elevados índices de vazios o adensamento é provocado por fenómenos de consolidação, quando associado a materiais argilosos, ou por vibração, quando os solos afectados são granulares. Contudo, devido à lentidão do processo, a consolidação natural revelava-se economicamente inviável para a execução em tempo útil de infra-estruturas, sendo necessário recorrer a processos de melhoramento capazes de acelerar ou de conferir resistência e deformabilidade adequadas. Em aterros, para alcançar as propriedades necessárias, recorre-se a uma criteriosa selecção dos materiais e das técnicas construtivas. Quando estes aterros são projectados com grandes alturas, é importante garantir que o estado de tensão nos mesmos e nas respectivas fundações é 2 compatível com a sua resistência, isto é, que não surgem problemas de estabilidade, bem como que a sua deformação é compatível com a funcionalidade e a segurança das estruturas que suportam. Este tema será abordado com maior pormenor no capítulo 2. As vias de comunicação são uma obra essencial desde o início da civilização moderna. O transporte de mercadorias e de pessoas, ao longo dos tempos, tem sido uma prioridade das sociedades. Com o desenvolvimento de novos meios de transporte, como o automóvel ou o comboio, as respectivas infra-estruturas da via foram requerendo maiores exigências construtivas. O aumento das cargas por eixo levou a um aumento da capacidade resistente da mesma e a um aumento da sua rigidez. Assim, a interacção com o solo de fundação da via revelou-se crescentemente importante, uma vez que o mesmo tem a função de suportar e distribuir as cargas transmitidas pela via. Este trabalho incide sobre a optimização das condições de colocação de materiais para aplicação em aterros de grande altura, como fundação de uma linha ferroviária de alta velocidade. Em linhas ferroviárias, em geral, consideram-se relevantes os problemas associados a assentamentos diferenciais (sejam eles associados a uma deficiente compactação ou uma excessiva deformabilidade). Emgeral, não são expectáveis problemas associados à perda de capacidade resistente da mesma, excepto em condições muito desfavoráveis de implantação ou de drenagem. Assim, a influência da deformabilidade dos solos faz-se notar de várias formas e é a preocupação mais relevante neste tipo de infra-estruturas, como se poderá verificar também no capítulo 2, em que se resumem as exigências típicas da estrutura ferroviária de alta velocidade. Pretende-se dar uma contribuição para o estudo de dois materiais característicos de duas zonas distintas, cruzadas por um trecho da linha de alta velocidade Portuguesa (Poceirão/Caia), visando a sua aplicação em aterros de grande altura. Os materiais em estudo consistem numa primeira amostra de Xisto Devónico e uma segunda de Gnaisses e Migmatitos (de origem granítica). A particularidade destes materiais advém do facto da sua granulometria não ser a típica de um solo ou de um enrocamento, mas uma mistura destes materiais. Os modelos constitutivos em Engenharia Civil Geotécnica incidem sobre materiais de características bem diferenciadas, sejam solos (areias ou argilas) ou enrocamentos, que têm comportamentos distintos. Os materiais aqui em estudo, por possuírem partículas finas misturadas com outras mais grosseiras que condicionam as suas propriedades, assumem um comportamento misto. Considerando a importância da estrutura ferroviária em questão, é essencial uma modelação desse mesmo comportamento, com base em parâmetros geotécnicos devidamente avaliados. Com esse objectivo, o capítulo 3 inclui a descrição de ensaios efectuados no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, bem como a sua análise e interpretação. 3 O estudo do comportamento dos aterros não se limita à determinação de parâmetros constitutivos. A verificação das condições de segurança e de funcionalidade de uma estrutura, geotécnica ou não, centra-se sobre a sua estabilidade e resistência durante e imediatamente após a construção, bem como em condições de serviço. Os fenómenos de fluência dos materiais, levam a uma evolução das deformações, especialmente importante no desempenho e operação das vias ferroviárias. No passado, foram desenvolvidos diferentes métodos de cálculo para a determinação da resistência, deformabilidade e estabilidade de aterros. Com o crescimento da aplicação de soluções numéricas à engenharia civil, naturalmente estes métodos passaram a ser incorporados em programas de modelação, simulação e apoio ao projecto. Não obstante a necessidade de uma análise crítica sobre os resultados que estes produzem, reconhece-se que com o rigor e rapidez de cálculo, os mesmos são ferramentas de grande utilidade ao engenheiro. Assim, no capítulo 4, efectuar-se-á uma aplicação de programas informáticos da especialidade para a avaliação da fiabilidade geral dos materiais em estudo, aplicados aos dois aterros mais condicionantes da via. No mesmo capítulo, apresentar-se-á também um pré-dimensionamento da sub-estrutura ferroviária, como complemento ao tema deste trabalho. 4 5 2. ENQUADRAMENTO GERAL 2.1. LINHAS FERROVIÁRIAS DE ALTA VELOCIDADE A União Europeia há muito que pretende uniformizar o sistema de transportes na Europa. A criação da Agência Ferroviária Europeia, instituída pelo Regulamento (CE) n.º 881/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, teve como objectivo a contribuição da legislação comunitária por forma a aumentar a competitividade e a segurança do sistema ferroviário dos estados membros e a sua interoperabilidade. Assim, cria-se um sistema, que, em alternativa ou em complementaridade, ao sistema rodoviário, aéreo e marítimo, contribui para o desenvolvimento económico e social da União Europeia. Actualmente, a rede de alta velocidade europeia encontra-se em expansão (Fig. 2.1), sendo um projecto prioritário na área dos transportes. A velocidade máxima atingida por estas composições foi de 574,8 km/h, estabelecida pela Société Nationale des Chemins de Fer (SNCF), em 3 de Abril de 2007 (Fig. 2.2). Fig. 2.1 – Rede de Alta Velocidade na Europa (www.rave.pt). 6 Fig. 2.2 – Passagem de um comboio de alta velocidade da SNCF que permitiu estabelecer a velocidade recorde de 574,8 km/h, em 3 de Abril de 2007. Com as crescentes preocupações ambientais e a necessidade de transportes públicos mais limpos, mais rápidos e mais seguros, o comboio de alta velocidade revela-se cada vez mais uma opção competitiva. Por ser eléctrico, está menos sujeito às flutuações de mercado do preço dos combustíveis fósseis. Em conjunto com as restantes políticas europeias que apostam na produção de energia renovável e na redução da poluição, esta solução torna-se muito competitiva. Os dados da Eurostat são muito claros na elevada competitividade do comboio eléctrico como solução de mobilidade limpa, como se mostra na Fig. 2.3 e na Fig. 2.4. Fig. 2.3– Emissões de gases com efeito de estufa por meio de transporte – EU27 2007 (Eurostat; *** não são contabilizadas emissões indirectas por consumo de energia eléctrica). Fig. 2.4 – Emissões de CO2 por meio de transporte – EU27 2007 (Eurostat; *** não são contabilizadas emissões indirectas por consumo de energia eléctrica). 7 Segundo dados facultados publicamente pela Direcção Geral para a Energia e Transportes (Comissão Europeia) em parceria com a Eurostat, a afluência de passageiros às linhas de alta velocidade na Europa tem registado um crescimento médio de 11,1% por ano, de 1990 a 2008 (Tabela 2.1 e Fig. 2.5). Actualmente, 23,9% (2008-EU27) dos passageiros que recorrem ao sistema ferroviário fazem-no na alta velocidade. Devido a esta tendência, é assim compreensível o interesse no desenvolvimento da rede e na evolução desta tecnologia. Tabela 2.1 – Transporte em Ferrovia de Alta Velocidade – 1000 milhões pkm (Eurostat) BE CZ DE ES FR IT NL PT SI FI SE UK EU27 Δ [%] 1990 - - - - 14,92 0,30 - - - - 0,01 - 15,23 1991 - - 2,00 - 17,87 0,40 - - - - 0,09 - 20,36 33,7% 1992 - - 5,20 0,40 18,96 0,40 - - - - 0,15 - 25,11 23,3% 1993 - - 7,00 0,90 18,93 0,50 - - - - 0,27 - 27,60 9,9% 1994 - - 8,20 0,90 20,51 0,80 - - - - 0,31 30,72 11,3% 1995 - - 8,70 1,29 21,43 1,10 - - - - 0,42 32,94 7,2% 1996 0,32 - 8,85 1,10 24,79 1,30 0,03 - - 0,02 1,10 37,52 13,9% 1997 0,56 - 10,07 1,30 27,58 2,40 0,07 - - 0,05 1,33 43,36 15,6% 1998 0,79 - 10,16 1,52 29,98 3,64 0,09 - - 0,06 1,61 47,83 10,3% 1999 0,80 - 11,59 1,67 32,36 4,46 0,10 - - 0,05 1,81 52,86 10,5% 2000 0,87 - 13,93 1,94 34,75 5,09 0,11 - - 0,07 2,05 58,80 11,2% 2001 0,89 - 15,52 2,08 37,40 6,76 0,19 - - 0,06 2,23 65,13 10,8% 2002 0,91 - 15,26 2,18 39,86 7,08 0,20 - - 0,14 2,39 68,01 4,4% 2003 0,88 - 17,46 2,03 39,60 7,43 0,66 - - 0,20 2,40 70,66 3,9% 2004 0,94 0,00 19,60 2,09 41,44 7,93 0,66 0,44 - 0,16 2,42 0,44 76,11 7,7% 2005 0,98 0,01 20,85 2,32 43,13 8,55 0,69 0,49 - 0,31 2,33 0,45 80,11 5,3% 2006 1,00 0,15 21,64 2,70 44,85 8,91 0,73 0,51 - 0,44 2,49 0,90 84,32 5,2% 2007 1,02 0,33 21,92 2,59 47,97 8,82 0,80 0,51 - 0,58 2,78 1,39 88,70 5,2% 2008 1,08 0,25 23,33 5,48 52,56 8,88 0,87 0,53 0,01 0,62 2,99 0,99 97,60 10,0% Fonte: Union Internationale des Chemins de Fer, estatísticas nacionais, estimativas (em itálico) Nota: Nesta tabela, o transporte ferroviário de alta velocidade cobre todo o tráfico de alta velocidade rolante (incl. comboios pendulares capazes de atingir 200 km/h). Fig. 2.5 – Crescimento anual de passageiros por quilómetro - EU27 (Eurostat). 8Não sendo pretensão deste trabalho a avaliação da introdução deste sistema em Portugal, reconhece-se o seu valor e importância estratégica para o país como estado membro da União Europeia. A rede ferroviária Portuguesa possui já uma linha de alta velocidade, ainda que não esteja integrada na rede transeuropeia. Esta é composta por um traçado de Braga a Faro, passando por Porto e Lisboa, com material circulante denominado Alfa Pendular. Este equipamento permite atingir uma velocidade máxima de 220 km/h em bitola ibérica (1668 mm), e a sua gestão está a cargo da empresa CP – Comboios de Portugal. Com o objectivo de actualizar a rede nacional portuguesa, foi criada uma entidade gestora responsável pela implementação de vias ferroviárias de alta velocidade: a Rede Ferroviária de Alta Velocidade, S.A (RAVE). Esta foi criada em 2000, pelo Decreto-lei nº. 323-H, como uma empresa de capital público, onde, segundo esse mesmo decreto, tem por objecto o desenvolvimento e coordenação dos trabalhos e estudos necessários para a tomada das decisões de planeamento e construção, financiamento, fornecimento e exploração de uma rede ferroviária de alta velocidade a construir em Portugal continental e da sua ligação com a rede espanhola de igual natureza. Esta empresa tem um capital social de 2 500 000 euros, numa parceria entre o Estado Português (60%) e a Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E (40%). A RAVE tem ainda uma participação de 50% na Alta Velocidade Espanha-Portugal (AVEP), A.E.I.E. em parceria de igual participação com a Administrador de Infraestruturas Ferroviárias (ADIF), entidade espanhola para a gestão e projecto de linhas de alta velocidade. Segundo a RAVE, a AVEP tem a responsabilidade de efectuar os estudos necessários para as ligações de alta velocidade entre os dois países, e também a coordenação da aplicação e aquisição de fundos comunitários da União Europeia. A construção do primeiro troço de alta velocidade português, em bitola internacional e com integração na rede transeuropeia, foi já adjudicado pela RAVE ao Consórcio ELOS – Ligações de Alta Velocidade. Este projecto tem a característica de recorrer ao conceito de Parceria Público Privada (PPP) para a execução e exploração da linha, denominando-se a associada a este primeiro trecho por PPP1. O concurso à PPP1 tem como objectos: o projecto, construção, financiamento, manutenção e disponibilização do troço Poceirão – Caia, bem como a construção e exploração da Estação de Évora. A estação fronteiriça do Caia será objecto de um segundo concurso, de competência internacional entre Espanha e Portugal. Segundo a RAVE, a vantagem do recurso a uma PPP está na transferência do risco do investimento para o sector privado, concedendo ao mesmo as vantagens da estabilidade de contratação pública e a exploração concessionada das infra-estruturas ou serviços. O agrupamento ELOS é constituído por um conjunto de quinze entidades empresariais (duas delas, bancárias). O presente trabalho incide sobre o estudo de materiais para a execução de aterros de grandes dimensões em dois locais, com características geotécnicas diferenciadas, do traçado da PPP1, que atravessa a região do Alentejo, cruzando os distritos de Setúbal, Évora e Portalegre. Os dados gerais sobre a PPP1 encontram-se resumidos na figura 2.6. Os aterros mais condicionantes 9 deste troço, excluindo os que possam interagir com estruturas, encontram-se no troço Évora-Caia, onde os mesmos deverão permitir a operação de duas vias de alta velocidade associadas a uma convencional. Fig. 2.6 – Características gerais da PPP1 (www.rave.pt). Características de Projecto Para enquadramento geral do estudo desenvolvido na presente dissertação, seguidamente apresentam-se as características gerais da estrutura ferroviária, para a melhor compreensão do tema e da relação desta estrutura com as obras de aterro. O recurso a aterros é justificado pela necessidade de regularização do relevo e de minimização dos impactes ambientais, devido à natureza e particularidades do projecto ferroviário em análise, designadamente (Teixeira, 2011): - rampas: para alta velocidade, sem tráfego de carga, têm como valor máximo de declive habitual 0,035, mas as extensões elevadas podem reduzir a velocidade de circulação, pelo que o seu dimensionamento é um processo iterativo de acordo com as exigências da exploração da via; - raios de curvatura: estes condicionam a velocidade de exploração, por quanto menor for o valor, menor a velocidade em curva; são condicionados, principalmente, pela capacidade de compatibilização da escala (altura relativa entre carris) com o atrito travessa/balastro e pela aceleração transmitida à carruagem (conforto dos passageiros); têm como valores habituais (para uma velocidade de 350 km/h) 7000 m, não devendo a escala ultrapassar os 180 mm; - concordâncias (côncavas e convexas): têm como condicionantes o levantamento dos rodados, devido à rigidez das composições, e as acelerações verticais transmitidas aos passageiros e são adoptadas quando a variação de declive entre rampas for superior a 0,001; para velocidades até 200 km/h, os valores dos raios destas concordâncias são iguais a 20 000 m, quando convexas, ou a 10 000 m, se côncavas. 10 Em termos de secção transversal, é importante referir que a nova linha será executada com bitola internacional (1435 mm), resultado da iniciativa de uniformização da rede transeuropeia por parte dos estados membros da União Europeia. A secção transversal condiciona a definição da largura do coroamento dos aterros a construir, por forma a conter a super-estrutura (carris, travessa e balastro) e a sub-estrutura (sub-balastro e camada de coroamento). Na PPP1 poder-se-ão encontrar, com excepção das estações, três perfis transversais tipo, representados na Fig. 2.7, para via dupla de alta velocidade (LAV), via única convencional (LC) e, na Fig. 2.8, para via dupla associada a via única convencional. a) b) Fig. 2.7 – Perfil transversal tipo da: a) LAV e da b) LC (www.edifer.pt). 11 Fig. 2.8 – Perfil transversal tipo da LAV + LC (www.edifer.pt). 12 Este trabalho tem como um dos seus objectivos a obtenção de características de resistência e de deformabilidade adequadas dos materiais em estudo, sendo importante a definição das cargas actuantes sobre o aterro. Segundo Teixeira (2011), a carga por eixo para uma composição de transporte de passageiros de alta velocidade é de 17 toneladas por eixo (TGV - França) ou de 15 toneladas por eixo (ICE3 - Alemanha). A transmissão destas cargas verticais ao terreno de fundação da estrutura ferroviária dá-se pela ordem indicada na Fig. 2.9. Este processo é representado na Fig. 2.10, evidenciando a distribuição das tensões verticais em profundidade a partir da estrutura ferroviária até à base do sub-balastro (plataforma – aterro), considerando valores normais para os módulos de deformabilidade das diferentes camadas. De acordo com Teixeira (2010), a distribuição da tensão vertical na base do sub-balastro (na interface com a plataforma), nas direcções transversal e longitudinal, é a representada na Fig. 2.11. Nesta, a direcção longitudinal corresponde à do carril, e através da sua análise conclui-se que a tensão máxima provocada por um comboio de alta velocidade é aproximadamente 50 kPa. Fig. 2.9 – Sequência de transmissão de cargas da composição para o aterro de fundação. Fig. 2.10 – Degradação de tensões na estrutura ferroviária (Teixeira, 2011). a) b) Fig. 2.11 – Tensões verticais nas direcções: a) longitudinale b) transversal na interface (Teixeira, 2010). 13 De acordo com o mesmo autor, o carregamento cíclico e a incerteza da qualidade do material de fundação podem levar a uma deformação das linhas de alta velocidade. Ao contrário de outras estruturas, onde a recuperação do nivelamento inicial não é possível (por exemplo, pavimentos rígidos de rodovias ou fundações de edifícios), as ferrovias, por recorrerem ao balastro, têm a possibilidade de corrigir as deformações que possam ocorrer. Esta correcção processa-se com recurso à adição e re-compactação do balastro por vibração – processo denominado de “ataque da via” (Fig. 2.12). Ainda assim, é necessário garantir que o aterro não sofre assentamentos (totais ou diferenciais) expressivos, uma vez que o recurso ao ataque da via além do previsto acarreta um aumento das despesas de manutenção e a ocupação temporária da linha pelo equipamento de ataque. Fig. 2.12 – Máquina de ataque (correcção das deformações na via – www.plassertheurer.com). Segundo Pita (2006), o estudo da linha de alta velocidade Madrid – Sevilha levou à conclusão de que, nas zonas onde a mesma se situa sobre aterros de grande altura, as necessidades de manutenção eram consideravelmente superiores (Fig. 2.13). Esta conclusão foi obtida através da comparação de secções da linha em aterro com secções em condições normais, em que ambas estariam sujeitas ao mesmo volume de tráfego e velocidade de exploração. Fig. 2.13 – Densidade de trabalho de manutenção na linha Madrid-Sevilha em função da altura de aterro (Pita, 2006). 14 A União Internacional de Caminhos-de-Ferro (UIC) estabelece no regulamento 518 (4ª edição) os diferentes parâmetros que permitem a definição da qualidade geométrica da via. Os níveis de qualidade são definidos pela seguinte nomenclatura: - QN1: quando as deformações não são significativas, podendo-se proceder à sua correcção durante os procedimentos habituais de manutenção e devendo-se monitorizar o seu desenvolvimento; - QN2: quando as deformações levam à execução de operações de manutenção extraordinárias a serem executadas a curto prazo; - QN3: as deformações, ainda que aceitáveis, não correspondem aos valores adequados à velocidade de exploração da linha. No âmbito das linhas de alta velocidade, segundo Pita (2006), as características geométricas mais importantes são o nivelamento longitudinal e o alinhamento, as quais permitem o estabelecimento dos limites de definição dos níveis de qualidade referidos na Tabela 2.2 para velocidades entre 200 e 300 km/h. Tabela 2.2 – Limites para a qualidade geométrica da via, para velocidades de 200 a 300 km/h (Pita, 2006). QN1 (mm) QN2 (mm) Valores máximos de defeito (trecho de 200 m) Nivelamento longitudinal 4,0 8,0 Alinhamento 4,0 6,0 Valores padrão de defeito (trecho de 200 m) Nivelamento longitudinal 1,0 1,3 Alinhamento 0,7 1,0 Nota: consideram-se os valores de QN3, 130% dos valores de QN2. A via poderá ainda exigir o recurso a estruturas especiais, como passagens inferiores/superiores, pontes, viadutos, túneis, entre outras. Estas são seleccionadas de acordo com as vantagens económicas sobre outras soluções ou pela necessidade de transposição de obstáculos naturais ou criados pelo Homem. 15 2.2. ATERROS DE GRANDE ALTURA Uma característica típica do dimensionamento de infra-estruturas de vias de comunicação é o recurso a aterros. Estes, frequentemente, são efectuados com recurso aos materiais de escavação. Quando o solo escavado não é mecanicamente competente ou é em quantidade insuficiente, é necessário o recurso a materiais de empréstimo. Estes são habitualmente obtidos na zona de implantação do projecto, por ser economicamente e ambientalmente mais viável, com a redução associada dos custos de transporte. A adaptação do traçado à topografia do terreno leva à utilização de aterros com diferentes características geométricas e mecânicas, características essas que poderão comprometer o seu desempenho. De acordo com a Fig.2.14, considera-se importante distinguir os aterros de acordo com as seguintes características: grande ou pequena altura e/ou base horizontal ou de encosta. a) b) Fig.2.14 – Aterros de grande altura para rodovias com base: a) horizontal e b) de encosta (JAE/LNEC, 1997). Segundo relatórios elaborados pela Junta Autónoma de Estradas (JAE) em parceria com o LNEC (JAE/LNEC, 1997, 1999 e LNEC, 1999), verificam-se, com maior frequência, problemas relacionados com deformabilidade em aterros de grande altura e/ou de encosta. Esta problemática está associada às propriedades dos diferentes materiais aplicados, ao desrespeito pelas prescrições construtivas e à ausência de elementos construtivos essenciais (drenagem, por exemplo), ou a fenómenos locais associados à interacção com estruturas rígidas presentes no traçado (como passagens inferiores ou hidráulicas). Outro fenómeno responsável por estes problemas é a fluência dos solos, isto é, a variação da deformação sob um estado de tensão constante. 16 É também importante destacar a diferença entre assentamentos diferenciais e totais. Os assentamentos diferenciais surgem frequentemente em zonas onde a construção dos aterros foi indevidamente executada, onde foram aplicados materiais de empréstimo com características diferentes do restante aterro (em especial em enrocamentos ou misturas solo-enrocamento), onde há uma variação brusca da altura de aterro, onde prevalece uma concepção ou funcionamento indevido dos sistemas de drenagem (permitindo o acesso da água ao material), zonas de interacção local com estruturas rígidas existentes, ou ainda (em casos excepcionais) induzidos pela instabilidade de taludes ou perda de capacidade resistente das fundações. Já os assentamentos totais são principalmente associados a fenómenos de fluência. Outra conclusão fundamental é a necessidade e a importância da instrumentação e observação deste tipo de obras, tanto em fase de construção como de serviço. Considera-se que o conhecimento prévio do comportamento dos materiais é essencial para a redução dos custos de manutenção, ganhando assim a instrumentação um carácter preventivo e de controlo da segurança. Complementarmente, a observação de obras executadas com determinado material visa a obtenção de um melhor conhecimento do seu comportamento, de forma a desenvolver técnicas construtivas adequadas, com redução da deformabilidade e aumento da capacidade resistente. Os ensaios “in situ”, em particular na fase de construção, são também uma técnica eficaz de controlo da qualidade das características dos materiais utilizados, sobretudo quando o comportamento real se pode afastar do avaliado com base em ensaios de laboratório e envolve um grande volume de material de características variáveis. Estes são, habitualmente, executados nos aterros experimentais executados para o efeito e no controlo de execução das obras. Para avaliação da deformabilidade das camadas de aterro executam-se ensaios de carga em placa e para avaliação das condições de compactação determinações do peso volúmico e do teor em água, em solos e misturas de solo-enrocamento, e do índice de vazios, em enrocamentos. Os ensaios de carga em placa permitem avaliar o módulo de deformabilidade vertical do material, através da medição da relação entre a deformação e a tensão imposta, através da placa, por um conjunto de macacos hidráulicos que reagem contra um objecto de elevada massa, frequentemente um veículo pesado (Fig. 2.15). Este ensaio tambémpermite avaliar as deformações por colapso e por fluência, através do encharcamento do material e da imposição de um estado de tensão constante, durante um longo período de tempo (JAE/LNEC, 1999). 17 Fig. 2.15 – Ensaio de carga com placa (JAE/LNEC, 1999). A determinação do peso volúmico e do teor em água é efectuada com recurso a métodos que variam consoante o geomaterial: - Solos – os métodos mais comuns são o da garrafa de areia, para a determinação do peso volúmico, os métodos de secagem em estufa, com recurso a micro-ondas ou o speedy, para determinação do teor em água, e o gamadensímetro, que permite a avaliação de ambas as grandezas. Este último equipamento é não intrusivo e está associado a fontes de emissão de raios gama e de neutrões para a determinação, respectivamente, do peso volúmico e do teor em água. - Enrocamentos – a determinação do índice de vazios baseia-se na avaliação do teor em água dos blocos e no seu peso volúmico. Dadas as grandes dimensões das partículas, o peso volúmico é determinado com base na execução de ensaios “macro”. O ensaio consiste na abertura de uma cavidade cilíndrica ou prismática, com dimensões em planta superiores a 5 vezes o diâmetro da maior partícula e altura igual à espessura da camada. O material retirado é pesado e determinado o teor em água por secagem em laboratório. O volume da cavidade é medido através do seu enchimento com água e por medição do volume de água introduzido, com recurso a uma membrana de polietileno impermeável (Fig. 2.16). - Misturas Solo-Enrocamento – para este tipo de materiais é utilizado o ensaio designado por “mini-macro”, assim designado por ser um ensaio macro de menores dimensões, para a determinação do peso volúmico, conjuntamente com os métodos de determinação do teor em água indicados para os solos. Complementarmente, a caracterização destes materiais na fase de projecto e na fase de construção para validação dos parâmetros assumidos no projecto é obtida através de ensaios de laboratório. Destes ensaios, aqueles que são objecto desta tese, serão descritos no capítulo 3. 18 Fig. 2.16 – Ensaio “macro” – determinação de volume do poço (JAE/LNEC, 1999). Outros problemas associados ao dimensionamento de um aterro, surgem na interacção com a sua fundação. Em qualquer tipo de aterro é necessária a verificação da capacidade resistente e da deformabilidade do solo de fundação, devido à carga imposta pelo primeiro. Adicionalmente, no caso de aterros de encosta, é necessário garantir a sua estabilidade global, assegurando uma adequada resistência ao deslizamento (Fig. 2.17). Adicionalmente, para garantir uma adequada ligação do aterro com a sua fundação é necessário o saneamento dos terrenos orgânicos e de cobertura recente e de zonas do maciço rochoso se descomprimidas ou muito alteradas e fracturadas. Fig. 2.17 – Exemplo de análise de estabilidade de taludes (JAE/LNEC, 1997). Na fase de construção, deverão ser respeitados os fusos granulométricos previstos no Projecto e verificado que os materiais aplicados não se encontram contaminados por outros materiais. Na escolha da granulometria devem ser privilegiadas granulometrias extensas, não sendo recomendadas, em regra, granulometrias demasiado uniformes, excepto em sistemas de drenagem. 19 Quando há limitações de espaço, é possível recorrer ao reforço dos taludes com geossintéticos, que permite construir taludes de maior inclinação (até verticais). É importante referir que esta solução é onerosa, pelo que deve ser evitada. Em aterro sobre solos moles, de fraca resistência ou elevada deformabilidade, existem soluções de reforço, como a aplicação de colunas de brita, jet-grouting ou deep mixing, conjuntamente com geogrelhas para a distribuição da carga aplicada pelo aterro. Estes últimos, consistem na adição de calda de cimento à estrutura do solo de fundação. Os efeitos associados ao deslizamento, podem não só colocar em causa a integridade do aterro, mas poderão gerar deformações no coroamento que condicionem a sua exploração. Assim, recorrem-se a várias métodos para a sua estabilização (JAE/LNEC, 1997): - Reforço do pé de talude com bermas estabilizadoras, usualmente de enrocamento, de granulometria devidamente seleccionada (Fig. 2.18); - Muros de suporte, com a possibilidade de associação a cortinas de estacas e/ou ancoragens. Esta solução, sobretudo pela sua complexidade de execução por requerer equipamentos de especialidade, é utilizada apenas como medida de reforço ou devido à presença de outras infra-estruturas na base do aterro. Fig. 2.18 – Perfil transversal de aterro com recurso a degraus e maciço de estabilização de pé de talude (Cenor, 2001). A compactação de um aterro é essencial em termos de deformabilidade e de garantia da sua capacidade resistente, produzindo-se uma redução do índice de vazios através da minimização do volume de vazios ocupados pelo ar, e com o consequente aumento do peso volúmico seco do solo. Este adensamento está relacionado com o teor em água do material e com a energia de compactação aplicada. Em aterros ferroviários e rodoviários, a determinação do peso volúmico seco máximo de referência e do correspondente teor em água óptimo, é obtida através do ensaio de Proctor pesado. Estes valores permitem definir, na fase de projecto, as condições de aceitabilidade das camadas compactadas, através da imposição de intervalos de variação do desvio do teor em água e do grau de compactação, e controlar, na fase de construção, a execução dos aterros. 20 Para promover uma adequada ligação entre o aterro e a encosta, o cilindro compactador deve passar sobre a interface entre o aterro e a encosta de forma a compactar zonas descomprimidas do maciço confinante e a solidarizar a superfície de contacto. O processo de compactação poderá ter um efeito particular sobre os enrocamentos e as misturas solo-enrocamento, que consiste na ocorrência simultânea de fracturação dos blocos rochosos e consequente rearranjo das partículas, adquirindo deste modo uma grande importância. Caso os solos ou as misturas solo-enrocamento, no seu estado natural, não tenham o teor em água óptimo, será prescrita a sua molhagem ou secagem. Nos enrocamentos, recomenda-se que a sua compactação seja acompanhada com uma abundante molhagem. Segundo Maranha das Neves (2007), a água instalada em fendas e fissuras dos blocos de rocha tem um efeito semelhante ao de um agente corrosivo, promovendo a fracturação dos mesmos, o seu rearranjo e a correspondente diminuição do índice de vazios durante a construção do aterro. Fig. 2.19 – Adsorção de água pelas fracturas de blocos, responsável por fluência (Oldcop, 2000 apud Maranha das Neves, 2007, p.93). Em materiais muito sensíveis à acção da água, a drenagem e a impermeabilização dos taludes assumem um papel importante, evitando a entrada de água. Nos aterros de encosta deverá ser incluído um sistema de drenagem interna ao longo da superfície de contacto com a fundação, de forma a evitar a percolação das águas do maciço para o interior do aterro, responsável por uma diminuição das condições de estabilidade do talude por redução da resistência da resistência do solo. Neste tipo de aterros, o enrocamento de pé de talude, além da função estrutural estabilizante, permite também um rápido escoamento da água dada a sua elevada permeabilidade. Em aterros de fundação aproximadamente horizontal, caso se encontrem em zonas inundáveis ou sobre solos com nível freático elevado, é igualmente recomendada a construção de uma camada drenante na base do aterro.Quando os aterros são compostos por enrocamentos a drenagem é garantida por estes materiais, não sendo necessário adoptar qualquer sistema de drenagem específico. 21 No que se refere à impermeabilização, se necessário, a mesma é garantida no coroamento através do recurso a uma camada compactada de baixa permeabilidade. Nas ferrovias, é atribuída uma inclinação à camada de sub-balastro para que a mesma encaminhe as águas pluviais aos elementos de drenagem superficial (Teixeira, 2011). Para protecção contra a erosão superficial provocada pela água das chuvas, as faces do talude são frequentemente cobertas por vegetação (através de hidro-sementeiras), que além de absorverem alguma da água superficial, reduzem a velocidade de escoamento da mesma ao longo da face do talude, permitindo que esta seja devidamente recolhida pelos elementos de drenagem (valetas de pé de talude ou de banqueta). Nos casos em que a impermeabilização da face do talude seja imperativa, a mesma é realizada com recurso ao tratamento da superfície com solo-cimento ou solo-cal. Os materiais margosos são um exemplo de materiais com sensibilidade à água, apresentando expansibilidade quando em contacto com esta, pelo que a impermeabilização ganha especial importância nestas situações. Alguns trabalhos recentes sobre a aplicação de ligantes hidráulicos (cal) a aterros deste material (Fig. 2.20), comprovam que é possível minimizar a expansibilidade destes materiais através da absorção da água pelo ligante, criando assim um camada exterior de protecção ao interior do aterro, não tratado (Cardoso, 2010). Fig. 2.20 – Tratamento impermeabilizante de solo com ligante hidráulico (Cardoso, 2010). Com a construção dos aterros, a sucessiva aplicação de camadas às quais é transmitida energia de compactação, com o aumento do peso próprio, leva a um processo de consolidação do material já compactado. Isto é, com o aumento do estado de tensão, através da relação com o índice de compressibilidade do solo, verifica-se uma diminuição do índice de vazios. Tal fenómeno leva à ocorrência de deformações a curto prazo, que podem ser corrigidas em fase de construção. 22 Nos enrocamentos adicionalmente ocorrem fenómenos de colapso, associados à variação do seu teor em água. Estes poderão ocorrer para estados de tensão constante e a sua ocorrência poderá não ser previsível, pelo que se opta pela sua indução no decurso na fase de construção, surgindo, assim, a importância da molhagem adequada na compactação dos mesmos, por forma a reduzir este efeito na fase de serviço, através da fracturação dos blocos (Maranha das Neves, 2007). O equilíbrio é atingido através do contacto entre blocos, pelo que a compactação é também responsável pelo deslizamento relativo dos mesmos, pela redução do seu tamanho médio por fracturação e pelo esmagamento localizado, criando mais superfícies de contacto. Na Fig. 2.19 esquematiza-se a adsorção de água pelos blocos, no interior das fracturas. Sendo a humidade relativa do ar, por si só, um factor importante, considera-se útil reafirmar a importância da molhagem e drenagem dos aterros. Tal como no colapso, os fenómenos de fluência ocorrem para um estado de tensão efectiva constante, sendo que a deformação é função do tempo (Fig. 2.21). Regista-se uma taxa de deformação decrescente, associada a um comportamento viscoso do solo (Caldeira, 2010). Este tem impacto sobre as vias de comunicação, já durante a sua fase de exploração, pelo que existem custos associados à sua correcção. É importante referir que a evolução no tempo é descrita em função logarítmica de base 10. Fig. 2.21 – Variação volumétrica em função do tempo – definição do parâmetro de fluência, Cα (Caldeira, 2010). Aquando da execução do projecto das vias que recorrem a aterros, é necessário identificar possíveis obstáculos ao traçado, que influenciem o seu dimensionamento. Estes pontos de interacção poderão ser estruturas, vias pré-existentes ou linhas de água. Há também os casos em que os aterros servem de plataforma de acesso a estruturas que fazem parte da via em projecto, nomeadamente, a obras de arte. Nestes pontos singulares, mostra a experiência (JAE/LNEC, 1997) que existem problemas associados a assentamentos diferenciais. Junto das estruturas de betão armado (encontros) é efectuado um preenchimento em aterro que, quando não devidamente compactado, se deforma após a execução do aterro de aproximação à estrutura. Este efeito, conjuntamente com a transferência de tensões entre o aterro e a estrutura rígida, provoca assentamentos diferenciais (Fig. 2.22). Para estas ocorrências contribui, de um modo determinante, a concepção de superfícies de contacto praticamente verticais. 23 Por outro lado, quando o aterro é construído sobrejacente a outras vias ou linhas de água, surge a necessidade de construir passagens inferiores ou passagens hidráulicas, respectivamente. Estas recorrem a box-culverts, túneis de pequena extensão, ou condutas enterradas, frequentemente, em betão armado (Fig. 2.23). No contacto entre estas estruturas e o aterro, há uma dificuldade inerente à compactação e a necessidade de recorrer a métodos menos eficazes que não provoquem danos nas estruturas, como os compactadores manuais (“saltitão”). Também, a compactação sobre estas estruturas, com cilindros compactadores pesados, pode levar à sua rotura, sendo usados cilindros menos potentes. Estas dificuldades levam a camadas de aterro de diferente rigidez no interior do aterro, provocando assentamentos diferenciais. A utilização de geossintéticos bem como o tratamento dos solos com ligantes, poderá ser utilizada como forma de mitigar a influência destes fenómenos. Fig. 2.22 – Deformação da guarda lateral (IC16) devido a assentamento diferencial entre aterro e obra de arte (LNEC, 1999). Fig. 2.23 – Passagem hidráulica sob aterro (JAE/LNEC, 1997). Os aterros objecto de estudo na presente tese são constituídos por misturas de solo-enrocamento, materiais pouco utilizados neste tipo de infra-estruturas, e cujo comportamento ainda hoje é objecto de investigação a curto e a longo prazo. Apresentam-se, seguidamente, as principais características destes materiais, devidamente enquadradas pelas correspondentes características dos solos e dos enrocamentos. 24 2.3. MISTURAS SOLO-ENROCAMENTO Como já referido anteriormente, os aterros podem ser executados com recurso a solos, misturas solo-enrocamento ou enrocamentos. O comportamento destes materiais difere entre si, dadas as propriedades impostas pela extensão da granulometria, pela permeabilidade e pela própria natureza das partículas (lamelar, granular ou em bloco, no caso dos enrocamentos). Os limites granulométricos das misturas solo-enrocamento estão representados na Fig. 2.24. As normas da Junta Autónoma das Estradas (JAE, 1998) consideram materiais com características de solo-enrocamento os de granulometria contínua que obedeçam às seguintes condições granulométricas: (i) material retido no peneiro de 19 mm (¾” da ASTM) compreendido entre 30% e 70%, (ii) material passado no peneiro 0,074 mm (nº 200 da ASTM) compreendido entre 12% e 40% e (iii) dimensão máxima dos blocos (Dmáx) não superior a 2/3 da espessura da camada depois de compactada, nem a 0,40 m. Neste trabalho comparar-se-ão as curvas obtidas no campo com as obtidas através destes limites teóricos (Fig. 2.25), sendo que é recomendável uma granulometria do tipo extensa e bem graduada. É importante referir que se tratam de materiais evolutivos com o processo de compactação, pelo que a curva após a mesma deverá situar-se maisacima e à esquerda que a obtida previamente à compactação, registando-se, em regra, um aumento da quantidade que passa no peneiro 3/4” e um aumento da quantidade de finos. Fig. 2.24 – Tipos de materiais de aterro (JAE, 1998 apud Neves, 2011). No que se refere à deformabilidade, as misturas solo-enrocamento têm também valores característicos do coeficiente de compressibilidade (Cc) e do coeficiente de expansibilidade (Cs). Estes permitem o cálculo dos assentamentos primários, induzidos pela variação do estado de tensão efectiva. Como foi referido anteriormente, para além destes efeitos ocorrerá ainda o fenómeno de fluência, quantificado pelo parâmetro de fluência (Cα). 25 Dados os métodos de cálculo associados ao ensaio de deformação unidimensional ou edométrico, a relação tensão-deformação pode também ser traduzida pelo módulo edométrico (M). É importante referir que, com o carregamento do solo (em condições de compactação óptimas, submergido ou saturado), a progressão de deformação varia com o com o aumento do estado de tensão. Fig. 2.25 – Exemplos de curvas granulométricas (Maranha das Neves, 2006) e limites que definem a mistura solo-enrocamento. Na tabela 2.3 apresentam-se valores típicos para o módulo edométrico, obtidos com base em ensaios laboratoriais de enrocamentos e de misturas solo-enrocamento resultantes da escavação de maciços com diferentes características geológicas, utilizados na construção de diferentes troços de estradas. Tabela 2.3 – Valores típicos para o Módulo Edométrico Secante (JAE/LNEC, 1999). Tipo de Material Classificação Geológica Origem Módulo Edométrico Secante - E [MPa] Tensão Axial ( !1 ) Mistura solo- enrocamento Xisto Grauváquico IP3: Régua - Reconcos 87 500 kPa Granito 81 Enrocamento Xisto Grauváquico 142 Granito 140 Enrocamento 60% Corneanas / 40% Calcário Ferruginoso IP7: Vila Boim - Norte de Elvas 173 / 67 (seco/submerso) 400 kPa Mistura solo- enrocamento Xisto Grauváquico e Granito IP3: Régua - Reconcos 22 – 46 220 kPa; (ensaio de carga com placa) Enrocamento 44 – 90 26 Analisando esta tabela, conclui-se que a deformabilidade das misturas solo-enrocamento é superior face aos enrocamentos, para o mesmo nível de tensão aplicado. Complementarmente, os maciços xistosos grauváquicos e os graníticos parecem produzir materiais com deformabilidades semelhantes. Apenas são apresentados valores correspondentes aos materiais nos estados após a compactação e submerso para o enrocamento constituído por corneanas e calcário, verificando-se uma redução do valor do módulo para 60% após a molhagem, uma vez que a submersão promove a fracturação nos enrocamentos. Os parâmetros de resistência também têm valores característicos, consoante a natureza do material aplicado em aterro. Estes variam de acordo com a resistência ao esmagamento, a forma das partículas, o seu tipo litológico, a compacidade, a dispersão granulométrica, o teor em água e a presença de finos. Devidos aos fenómenos de fracturação a envolvente de rotura é curva, podendo-se, no entanto, para cada nível de tensão de confinamento, definir a recta que passa pela origem e pelo ponto representativo da rotura, definindo-se consequentemente o correspondente valor do ângulo de resistência ao corte. O seu valor diminui com o aumento da tensão de confinamento, de acordo com (Veiga Pinto, 1983) a equação 2.1 e a Fig. 2.26. ! = !0 !"! # log " 3 pa $ % & ' ( ) (2.1) !0 - ângulo de atrito interno para ! 3 igual a 1 atmosfera (aprox. 100 kPa) !! - decréscimo do ângulo de atrito para um aumento de 10 vezes ! 3 Fig. 2.26 – Variação do ângulo de atrito com a tensão de confinamento (Veiga Pinto, 1983). Na tabela 2.4 estão descritos valores típicos dos parâmetros de resistência para alguns solos, dos quais se pode concluir que uma maior percentagem de granulometrias mais finas na constituição de uma mistura irá influenciar negativamente a sua resistência drenada. 27 Na tabela 2.5 apresentam-se valores típicos dos parâmetros de resistência para misturas solo- enrocamento e enrocamentos. A análise deste permite concluir que os enrocamentos têm, em geral, maior resistência quando comparados com as misturas, sendo esta menor no caso da saturação ou molhagem do aterro. Os ensaios triaxiais descritos neste trabalho foram executados com um grau de saturação próximo dos 100%, por forma a avaliar conservativamente a resistência dos materiais. Tabela 2.4 – Gama de valores típicos de parâmetros de resistência para solos (Maranha das Neves, 2006). Tipo de Solo Φ’p [º] Φ’f [º] Cascalho 35 – 30 25 – 35 Mistura de cascalho e areia com solos finos 30 – 40 28 – 33 Areia 32 – 50 27 – 37 Silte ou areia siltosa 27 – 35 24 – 32 Argilas 20 – 30 15 – 30 Φ’p – ângulo de resistência ao corte drenado de pico Φ’f – ângulo de resistência ao corte drenado de rotura Tabela 2.5 – Valores típicos de parâmetros de resistência para enrocamentos e misturas solo- enrocamento. Tipo de Material Classificação Geológica !0 [º] !! [º] Condições de ensaio Enrocamento são* Grauvaque 57,0 14,0 Seco 51,1 11,6 Submerso 40,0 0 Submerso ( ID = 80% ) Enrocamento alterado* 60% Xisto rochoso e 40% de Grauvaque 49,9 13,4 Seco 39,6 13,8 Submerso (! 3 ! 350kN /m2 ) 41,8 20,1 Submerso (! 3 ! 350kN /m2 ) Enrocamento** Xisto Grauváquico 53 20 - Granito 56 16 - Mistura solo-enrocamento** Xisto Grauváquico 48 23 Seco Granito 53 21 Seco * Veiga Pinto (1983) ** JAE/LNEC (1997 e 1999) Conclui-se assim que as misturas solo-enrocamento, por se encontrarem no limiar do comportamento entre solos e enrocamentos, ganham uma natureza algo imprevisível (Tabela 2.6). Esta requer o devido estudo deste tipo de material, uma vez que o mesmo adopta características mistas, representando um desafio relativamente recente à engenharia geotécnica. Face aos modelos de cálculo, a natureza mista deste material faz com que a escolha dos mesmos tenha de ser cuidadosa e adequada, ou até que estes sejam criados especificamente para a descrição do comportamento registado. 28 Tabela 2.6 – Resumo da variação de propriedades nos materiais de aterro. Material Granulometria Deformabilidade (em serviço) Resistência Solo Fina Elevada Baixa Mistura Solo-Enrocamento Enrocamento São Grossa Baixa Elevada 29 3. CARACTERIZAÇÃO DOS MATERIAIS COM BASE EM ENSAIOS LABORATORIAIS A execução de um projecto de engenharia, requer a definição de parâmetros a aplicar no dimensionamento das estruturas, no presente caso de natureza geotécnica. A legislação em vigor refere que estes poderão ser obtidos mediante uma análise estatística ou com recurso a ensaio laboratoriais e/ou de campo. Claramente, dada a variabilidade de características dos geomateriais, é recomendável a execução de ensaios. A qualidade relativa destes e a quantidade deverá ser definida em função da importância da obra. Dadas as grandes exigências de qualidade envolvidas na construção e operação de uma linha ferroviária de alta velocidade, o projecto geotécnico da sua fundação/plataforma é da maior importância. Seguidamente descrever-se-ão os ensaios adoptados para a determinação dos diferentes parâmetros. Começa-se por apresentar as curvas granulométricas, dada a sua importância para a execução de todos os ensaios, bem como para a classificação do material de acordo com a sua granulometria.
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