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O PÓRTICO E A CRUZ: UMA ANÁLISE DO DIÁLOGO ENTRE O ESTOICISMO ROMANO E O CRISTIANISMO

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Anais do XI Encontro Regional da Associação Nacional de História – ANPUH/PR 
”Patrimônio Histórico no Século XXI” 
 
Jacarezinho, dos dias 21 a 24 de Maio de 2008. ISSN: 978-85-61646-01-1 Página 1 
 
O PÓRTICO E A CRUZ: UMA ANÁLISE DO DIÁLOGO ENTRE O ESTOICISMO 
ROMANO E O CRISTIANISMO 
 
Marcos Vinícius Fernandes Miranda 
Terezinha Oliveira 
 
Resumo: O cristianismo é um dos mais importantes legados do mundo antigo, não tão 
somente no que tange à religião, mas também na filosofia, nas artes, na cultural e na 
educação. Mesmo passados mais de dois mil anos, continua a influenciar de forma 
significativa o pensamento ocidental e, consequentemente, a construção histórica universal. 
Contudo, é mister ressaltar que foi a Roma – aristocratas, patrícios, plebeus, escravos, 
províncias - do séc. I que testemunhou nascimento e florescimento da „nova religião‟ que 
acabou ganhou força e vigor, reverberando por toda a civilização romana. Constantino I deu-
lhes a liberdade de culto, mas foi Teodósio quem transformou o cristianismo em religião 
oficial do império. O estoicismo, escola filosófica iniciada por Zenon, filósofo que, assim 
como Jesus, também era de origem semita, se fazia presente em Roma naquela época, 
principalmente entre os aristocratas. Legítimo representante do „mundo‟ helenístico, 
objetivava, assim como o cristianismo, conduzir o homem à uma nova condição. Daí 
depreende uma importante diferença entre as duas propostas. Enquanto a filosofia do pórtico 
prometia a felicidade aqui na terra, por meio de um intenso trabalho que o discípulo deveria 
empreender sobre si mesmo, a fé cristã preconizava a felicidade por meio da crença num 
paraíso futuro que só poderia ser conquistado após a morte. O objetivo deste trabalho é fazer 
uma reflexão sobre a influência recíproca entre a fé cristã, simbolizada pela cruz e a filosofia 
do estoicismo imperial, também chamada de Stoá, pórtico em grego. 
Palavras-chave: História da Educação, Cristianismo, Estoicismo. 
 
O cristianismo é, sem sombra de dúvidas, um dos mais importantes legados do mundo 
antigo, não tão somente no que tange à religião, mas também na filosofia, nas artes, na 
cultural e na educação. Mesmo passados cerca de dois mil anos, continua a influenciar de 
forma significativa o pensamento ocidental e, consequentemente, a construção histórica 
universal. O advento do cristianismo tem suas raízes em Jesus de Nazaré, judeu que viveu no 
 
 Mestre / UEM 
 Doutora / DFE / PPE / UEM 
Anais do XI Encontro Regional da Associação Nacional de História – ANPUH/PR 
”Patrimônio Histórico no Século XXI” 
 
Jacarezinho, dos dias 21 a 24 de Maio de 2008. ISSN: 978-85-61646-01-1 Página 2 
 
mundo sócio-político e espiritual do judaísmo helenizado. Suas obras miraculosas
1
 e suas 
prédicas se refletiram de tal modo no inconsciente religioso daquele contexto, que, mesmo 
após sua morte, alguns começaram a lhe atribuir a condição de Messias, ou seja, daquele que 
viria para libertar o povo judeu. Sua pregação teve por característica principal “el 
incondicional amor a Dios y um amor al prójimo que abraza a los hombres de toda raza” 
(JEDIN, 1966, p. 128). 
 Na visão de Rubim S. Leão de Aquino (1980), eles eram homens simples que se 
reuniam em catacumbas, em razão da proibição de culto, para discutir e estudar as idéias que, 
via de regra, contrastavam com a ordem política, econômica e social do mundo romano. Da 
mesma forma, para Guillermo Fraile (1986), o Cristianismo primitivo era constituído por 
pessoas humildes, que possuíam baixa cultura e que não tinha grandes preocupações quanto 
às coerências filosóficas. 
Nascido entre os hebreus, „filho pródigo‟ do judaísmo, o cristianismo encontrou 
condições favoráveis e que, num primeiro momento, propiciaram o seu avanço justamente no 
desespero dos pobres, camponeses e escravos com a situação em que viviam. O Cristianismo 
acabou por se converter em uma nova maneira de se conceber a realidade. 
Nessa perspectiva, foi por intermédio dos esforços de Paulo de Tarso que o 
cristianismo ganhou espaço em Roma, e foi lá que surgiu necessidade de estruturar a „nova fé‟ 
em consonância com a racionalidade e com o pensamento sofisticado daquele cenário. 
É mister ressaltar que foi Roma que testemunhou o seu nascimento e florescimento da 
„nova religião‟. Inicialmente perseguida pelos imperadores, acabou ganhou força e vigor, 
reverberando por toda a civilização romana. Constantino I deu-lhes a liberdade de culto, mas 
foi Teodósio quem transformou o cristianismo em religião oficial do império. 
O entendimento do Cristianismo está profundamente imbricado em seu contexto 
histórico-filosófico e é inegável a influência do mundo greco-romano helenizado e de suas 
principais correntes filosóficas. Assim, um destaque especial deve ser dado ao estoicismo. 
O estoicismo se fazia presente em Roma, principalmente entre os aristocratas e na 
corte neroniana. Legítimo representante do „mundo‟ helenístico, objetivava, assim como o 
cristianismo, conduzir o homem à uma nova condição. Daí depreende uma importante 
diferença entre as duas propostas. Enquanto a filosofia do pórtico prometia a felicidade aqui 
na terra, por meio de um intenso trabalho que o discípulo deveria empreender sobre si mesmo, 
 
1 De acordo com a fé cristã. 
Anais do XI Encontro Regional da Associação Nacional de História – ANPUH/PR 
”Patrimônio Histórico no Século XXI” 
 
Jacarezinho, dos dias 21 a 24 de Maio de 2008. ISSN: 978-85-61646-01-1 Página 3 
 
a fé cristã preconizava a felicidade por meio da crença num paraíso futuro que só poderia ser 
conquistado após a morte. 
Alguns pesquisadores da atualidade acreditam numa influência recíproca entre a 
filosofia estóica e o cristianismo, uma vez que alguns preceitos, como a fraternidade 
universal, a pureza de coração e a submissão à vontade, ao logos, ou Deus, eram comuns. Para 
Ullmann (1996), tal diálogo é irrefutável: 
 
No entanto, os cristãos encontraram, no Pórtico, não poucos pontos afins com a 
doutrina de Jesus. Afins não quer dizer plenamente idênticos. Há mesmo quem 
julgue ter Jesus conhecido a doutrina estóica [...] Comparando os ensinamentos da 
Estoá com os de Cristo, devem ter ficado pasmados, os seguidores de Zenon, com as 
profundas semelhanças, que os aproximavam, em não poucos aspectos. A seriedade 
da decisão existencial em submeter-se ao logos não dizia quase a mesma coisa que 
os cristãos designavam como “sujeitar-se à vontade divina”? Que o óbolo modesto 
da viúva valia mais do que a oferenda ostensiva do rico – não fora isso já pregado 
pelos mestres do estoicismo? O “Bem-aventurados os puros” não era familiar à 
pureza de coração, incluindo os mais recôndidos pensamentos, proposta por 
Sêneca? Que todos os homens eram irmãos, por terem um pai comum – o lógos ou 
Pai celeste - também não constituía novidade para os estóicos. (ULLMAN,1996, 
p.120). 
 
Destarte, tanto a doutrina cristã como a filosofia estóica reuniam condições para 
fortalecer e trazer alento aos súditos de um império instável e que começava a apresentar 
sinais de decadência. Assim, submeter-se à vontade seja do logos estóico seja do Pai celeste 
cristão parecia confortar e dar um norte aos homens e mulheres daquele período. Religião e 
filosofia apresentavam propostas semelhantes, contudo, o discurso cristão era dirigido às 
massas, ao passo que o estoicismo, conforme já mecionado, assumia um caráter elitista. 
Outro dado importante, indício de uma influência é que os primeiros pensadores 
cristãos da Antigüidade tinham Sêneca
2
, o maior representantedo estoicismo imperial, em 
alta conta. Segundo Urmeneta (1966), São Jerônimo (340 d.C. – 420 d.C.) não hesitou em 
situar a figura de Sêneca no Catalogus Sanctorum, ou catálogo dos santos. Tertuliano, outro 
ilustre representante da Patrística, costumava chamá-lo de “Seneca saepe noster”, ou seja, 
Sêneca, quase sempre nosso. Isso por considerá-lo “quase sempre cristão”. 
 
2 Lúcio Aneu Sêneca (4 d.C – 64 d.C), filósofo, político e escritor, uma das personalidades de grande expressão 
em Roma no alvorecer da era Cristã, foi o maior representante do estoicismo imperial. Quando jovem, seu 
interesse pela filosofia começou com o pitagorismo e ele se aproximou do filósofo Sotion. Posteriormente, 
recebendo os ensinamentos de Átalo, interessou-se pelo estoicismo. Escolhido como preceptor do imperador 
Nero Cláudio César (37 D.c. – 68 D.c.), esteve à frente do império romano por quase dez anos. Acusado de 
conspiração, foi condenado ao suicídio pelo mesmo imperador a quem devotou grande parte de sua vida. 
 
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Segundo Ullmann (1996), na época da patrística
3
, a possibilidade da troca epistolar 
entre Sêneca e Paulo de Tarso estava muito difundida. Na epístola 153 de Ad Macedonium, 
Agostinho, o Bispo de Hipona, consignou a existência de cartas trocadas entre Sêneca e o 
Apóstolo Paulo. Em São Jerônimo também são encontradas referências a essas cartas. 
 
De ahí nació la leyenda que atribuía autenticidad a unas pretendidas cartas 
cruzadas entre San Pablo y Séneca: en una de las cuales, por cierto, habría 
deseado el filósofo hispano ocupar entre los suyos una elevada autoridad, semejante 
a la ocupada por el apóstol romano entre los cristianos (URMENETA,1966, p.302). 
 
A despeito de serem consideradas apócrifas, as quatorze supostas cartas entre Sêneca e 
Paulo despertam o interesse daqueles que se dedicam aos estudos do „mundo romano‟, 
especialmente do cristianismo primitivo. Esses documentos são mais uma evidência da 
influência que a moral e a ética estóicas exerceram sobre os primeiros autores cristãos. As 
conexões recíprocas entre a fé professada pelos cristãos e os preceitos filosóficos dos 
seguidores do Pórtico são nítidos, mas, embora estejamos falando de reciprocidade, devemos 
levar em conta o fato de que o estoicismo é muito mais antigo e que provavelmente tenha tido 
maior contribuição no diálogo que se estabeleceu. Assim, quando se pretende pensar em 
Sêneca e em Paulo de Tarso deve-se levar em conta sua comum identificação moral e ética, 
identificação implícita e, possivelmente antecipada por Sêneca. 
Para UlImann, a possibilidade de existência dessas cartas se deve graças à semelhença 
de alguns elementos comuns às duas doutrinas e ao fato de tanto Paulo de Tarso como Sêneca 
se dirigirem ao mesmo público: 
 
Como teria surgido a idéia da correspondência epistolar entre Paulo e o filósofo 
romano? Supostamente, devido à doutrina de Sêneca. Com efeito, há pontos 
similares entre Paulo (At 17) e Sêneca (v.g., Carta 90). O discurso do Apóstolo, no 
Areópago, e o esquema metafísico de Sêneca tinham por endereço um auditório e 
leitores de formação semelhante: filósofos estóicos, que criam na Providência, 
epicureus e ateus. (ULLMAN,1996, p.15). 
 
Conforme observamos, parecia haver uma disputa na busca por prosélitos, 
principalmente entre os epicureus e os ateus. 
O excerto abaixo é uma das quatorze cartas que evidência a intenção de insinuar uma 
relação pessoal entre o filósofo e o apóstolo. Nela, Paulo teria solicitado a Sêneca, já converso 
 
3 Indica-se com este nome a filosofia cristã dos primeiros séculos. Consiste na elaboração doutrinal das crenças 
religiosas do cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos pagãos e contra as heresias. A patrística 
caracteriza-se pela indistinção entre religião e filosofia. Para os padres da Igreja, a religião cristã é a expressão 
íntegra e definitiva da verdade que a filosofia grega atingira imperfeita e parcialmente. (ABBAGNANO, 2003). 
Anais do XI Encontro Regional da Associação Nacional de História – ANPUH/PR 
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ao cristianismo, que se tornasse um arauto da fé, um evangelista, e que, valendo-se de sua 
capacidade de retórica, direcionasse seus esforços e sua prédica com vistas à conversão da 
aristocracia romana: 
 
PAULO PARA SÊNECA, Saudações 
Em tuas meditações te tem sido reveladas coisas que Deus tem concedido a poucos. 
Com confiança, portanto, eu semeio num campo já fértil uma semente mais 
prolífica; tal substância não está sujeita à corrupção, mas à palavra permanente, 
uma emanação de Deus que cresce para sempre. Essa tua sabedoria te tem 
edificado e verás que ela é infalível para repelir as leis dos gentios e israelitas. 
Podes se tornar um novo arauto, mostrando publicamente, com as virtudes da 
retórica, a irrepreensível sabedoria de Jesus Cristo. Tendo te aproximado dessa 
sabedoria, reunirás condições de apresentá-la à monarquia profana, aos seus 
servos e aos seus amigos íntimos. No entanto, persuadi-los será uma tarefa difícil e 
áspera, porque muitos dificilmente se inclinarão às tuas admoestações. Mesmo 
assim, se a palavra de Deus for instilada neles, será um ganho vital, produzindo um 
novo homem , incorruptível, e uma alma eterna que se dirigirá, conseqüentemente, 
para Deus. Adeus, Sêneca, mui querido para mim. Dado nas calendas de agosto. 
Leo e Sabinus, cônsules (BARLOW, 1938, p.2, tradução livre). 4 
 
Mesmo que haja um consenso entre os estudiosos de que essas cartas foram escritas 
por membros da igreja com vistas a legitimar a fé cristã, elas representam a expressão da 
influência que o estoicismo exerceu na estruturação do pensamento cristão. Essas cartas, 
voltadas ou não ao proselitismo, foram úteis à Igreja como instituição. Por ironia, ou até 
mesmo por uma reciprocidade do acaso, “essas cartas, que apresentam Sêneca como cristão 
iniciando Nero no conhecimento da religião, mediante a leitura das cartas de São Paulo [...] 
contribuíram eficazmente para a conservação dos escritos genuínos de Sêneca” (ULLMANN, 
1996, p.16), conforme veremos mais adiante. 
Para melhor exemplificarmos a semelhança doutrinária, pensando na teologia paulina, 
podemos verificar que o conceito da Igreja como o corpo de Cristo não era original e foi 
provavelmente do estoicismo que Paulo retirou essa figura: 
 
 
4 PAUL TO SENECA, greeting. To your meditations have been revealed those things which the Godhead has 
granted to few. With confidence, therefore, I sow in a field already fertile a most prolific seed, not such matter as 
is liable to corruption, but the abiding word, an emanation from God who grows and abides for ever. This your 
wisdom has attained and you will see that it is unfailing -so as to judge that the laws of heathens and Israelites 
are to be shunned. You may become a new author, by showing forth with the graces of rhetoric the unblameable 
wisdom of Jesus Christ, which you, having well nigh attained it, will instil into the temporal monarch, his 
servants, and his intimate friends, yet the persuading of them will be a rough and difficult task, for many of them 
will hardly incline to your admonitions. Yet the word of God, if it be instilled into them, will be a vital gain, 
producing a new man, incorrupt, and an everlastingsoul that shall hasten from hence to God. Farewell, Seneca, 
most dear to me. Given on the kalends of August; Leo and Sabinus consuls (BARLOW, 1938, p.2). 
Anais do XI Encontro Regional da Associação Nacional de História – ANPUH/PR 
”Patrimônio Histórico no Século XXI” 
 
Jacarezinho, dos dias 21 a 24 de Maio de 2008. ISSN: 978-85-61646-01-1 Página 6 
 
Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos os 
membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também 
acontece com Cristo. Pois fomos batizados num só Espírito para ser um só corpo, 
judeus e gregos, escravos e livres, e todos bebemos de um só espírito! O corpo não 
se compõe de um só membro, mas de muitos. Se o pé disser: “Mão eu não sou, logo 
não pertenço ao corpo”, nem por isso deixará de fazer parte do corpo. [...] Não 
pode o olho dizer à mão: “Não preciso de ti”; nem tampouco pode a cabeça dizer 
aos pés: “Não preciso de vós.” [...] Se um membro sofre, todos os membros 
compartilham o seu sofrimento; se um membro é honrado, todos os membros 
compartilham a sua alegria. Ora, vós sois o corpo de Cristo e sois seus membros, 
cada um por sua parte (Bíblia, N. T. 1 Coríntios, cap. 12, v. 12-27). 
 
Platão e Aristóteles já tinham usado essa figura e, em Sêneca, podemos ver a mesma 
analogia ao ler a seguinte passagem: 
 
Qué si quiseran danar lãs manos a los pies, a las manos los ojos? Igual que todos 
los miembros entre ellos concuerdan, porque preservar cada elemento interesa al 
todo, así los hombres miran por cada individuo, ya que para la convivencia han 
sido engendrados, verdaderamente salva no puede estar la sociedad a no ser 
mediante la tutela y el efecto de las partes (SÉNECA, 2004b, 471). 
 
Na passagem acima, o pensador nos induz a pensar em um corpo social do qual os 
indivíduos seriam os membros. Assim, se um dos membros se volta contra o outro, o corpo 
padece e o caos se instaura. No texto a seguir, Sêneca amplia sua perspectiva e, de um ângulo 
panteísta, passa a descrever uma consciência universal, um deus que tem como membros os 
seres viventes. Assim, para o filósofo, os homens tinham um aspecto divino e, descobrindo 
sua relação de unidade com o universo, o logos, deus, teriam condições de submeter suas 
partes instintivas ao domínio da razão. Como Sêneca, Paulo também descreveu a 
impossibilidade de que os membros do corpo de Cristo, a igreja, entrassem em conflito e 
discorreu sobre a unidade daquele corpo. 
 
E de resto, porque não admitir que há algo de divino num ser que é parte integrante 
da divindade? Todo esse universo que nos rodeia é uno, e é Deus. Nós somos 
participantes dele, somos como que os seus membros (SÉNECA, 2004a, p. 471). 
 
A passagem a seguir mostra que Sêneca recorreu a essa figura mais de uma vez: 
“Tudo quanto vês, este espaço em que se contém o divino e o humano é uno, e nós não somos 
senão membros de um vasto corpo.” (SÉNECA, 2004a). 
De volta às cartas, podemos afirmar que elas evidenciam a inegável valorização de 
Sêneca por parte dos primeiros autores cristãos, conforme já mencionado. Diferentemente de 
seus críticos, que na maioria dos casos se opunham ao seu pensamento e à sua prática política, 
os cristãos voltaram-se para as suas idéias, suas sentenças e sua doutrina. Essa orientação 
Anais do XI Encontro Regional da Associação Nacional de História – ANPUH/PR 
”Patrimônio Histórico no Século XXI” 
 
Jacarezinho, dos dias 21 a 24 de Maio de 2008. ISSN: 978-85-61646-01-1 Página 7 
 
gerou em alguns deles a idéia comum e aceita de um Sêneca pagão como precursor do 
cristianismo; em outros, a de um Sêneca às vésperas da conversão ao cristianismo. 
Para uma análise historiográfica, é mister que levemos em conta semelhanças e 
diferenças. Contudo, o diálogo parece evidente. Portanto, os legados são mútuos: se no século 
I d.C., Sêneca „emprestou‟ seu prestígio5 à fé cristã, provavelmente é a ela que ele deve sua 
„sobrevivência‟ e notoriedade até os nossos dias. 
 
Referências 
 
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 
AQUINO, Rubim S. Leão de. História das Sociedades: das comunidades primitivas às 
sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1980. 
BARLOW, C. W. Epistolae Senecae ad Paulum et Pauli ad Senecam “quae vocantur” (with 
full bibliography and with English translation Latin text printed in PL, Supplementum i, cols. 
673-8). Papers and Monographs of the American C. W. Academy in Rome, Rome, n. 10, 
1938. 
BÍBLIA. Português. BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1981. 
FRAILE, Guillermo. Historia de la Filosofía. El Cristianismo y ala filosofía 
patrística:Primeira Escolástica. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1986. 
JEDIN, Hubert. Manual de Historia de la Iglesia. Barcelona: Herder, 1966. 
SÉNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004a. 
SÉNECA, Lúceo Anneo. De la cólera. Madrid: Alianza Editorial, 2004b. 
ULLMANN, R. A. O estoicismo romano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. 
URMENETA, F. de. Estudios Sobre Seneca.In: Octava Semana Española de Filosofia. 
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas stituto Luis Vives de Filosofia, 
1966. 
 
5 Sêneca era um importante membro da corte de Nero. Assim, ao vincular o seu nome ao nome de Paulo, 
possivelmente os membros da igreja primitiva pretendiam fortalecer as bases políticas da nova fé.

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