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69 REPLICA˙ˆO, REPARO E REARRANJOS DO DNA GENÔMICO Cap. 4 Apesar da enorme diversidade que existe entre os seres vivos que habitam a Terra, eles compartilham vÆrias propriedades bÆsicas e, talvez, a mais fundamental delas seja a capaci- dade de se reproduzirem. Todos os organismos herdam de seus pais a informaçªo genØtica que especifica sua estrutura e funçªo, e todos os seres vivos sªo formados por cØlulas, que sem- pre advŒm de cØlulas preexistentes. Mesmo no corpo humano, formado por trilhıes de cØlu- las, todas se originam de uma œnica cØlula a cØlula-ovo gerada pela fecundaçªo de uma cØlula feminina por uma masculina. Essa cØlu- la passa por mœltiplos ciclos de divisªo celular, dando origem aos trilhıes de cØlulas do orga- nismo adulto. Cada vez que a cØlula se divide, seu genoma inteiro deve ser replicado e passa- do às cØlulas-filhas. Portanto, a questªo de como a informaçªo genØtica Ø replicada e trans- mitida de cØlula para cØlula e de organismo para organismo Ø central em biologia. Um equipamento enzimÆtico complexo Ø necessÆrio para replicar as enormes molØculas de DNA que constituem os cromossomos pro- carióticos ou eucarióticos. AlØm disso, meca- nismos foram desenvolvidos para corrigir erros ou danos que eventualmente ocorram no DNA, Replicaçªo, Reparo e Rearranjos do DNA Genômico induzidos por fatores ambientais, como radia- çıes, por exemplo. Apesar da grande importância da replicaçªo precisa e da manutençªo do DNA, o genoma celular nªo Ø estÆtico. A recombinaçªo entre cro- mossomos homólogos durante a meiose Ø im- portantíssima para gerar variaçªo genØtica entre os indivíduos; acredita-se que rearranjos das se- qüŒncias de DNA tambØm tenham contribuído para a evoluçªo, atravØs da criaçªo de novas combinaçıes de informaçıes genØticas; alØm disso, alguns rearranjos sªo programados para regular a expressªo de genes durante a diferen- ciaçªo celular e o desenvolvimento do organis- mo. Um exemplo notÆvel desse œltimo caso, no homem, Ø o rearranjo dos genes que codificam anticorpos durante o desenvolvimento do siste- ma imune. REPLICA˙ˆO DO DNA A descoberta da complementaridade de ba- ses entre as duas fitas do DNA A-T, C-G imediatamente sugeriu a soluçªo para o pro- blema da replicaçªo do material genØtico: as duas fitas poderiam se separar e servirem de molde para a síntese de novas fitas complemen- Yara M. Michelacci Helena B. Nader MarimØlia A. Porcionatto, Lucia O. Sampaio Leny Toma 70 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 4 Fig. 4.2 Representaçªo esquemÆtica do experimento de Meselson e Stahl, demonstrando a replicaçªo semiconserva- tiva do DNA. Fig. 4.1 Replicaçªo semiconservativa do DNA. tares (Fig. 4.1). Esse modelo Ø chamado repli- caçªo semiconservativa porque uma das fitas parentais Ø conservada em cada molØcula-filha de DNA. Suporte direto para esse modelo da síntese de DNA foi apresentado por Matthew Meselson e Frank Stahl em 1958, atravØs de marcaçªo do DNA com isótopo que altera sua densidade (Fig. 4.2). Inicialmente, E. coli foi cultivada em pre- sença do isótopo 15N, mais pesado que o isóto- po normal 14N. O DNA pesado, marcado com 15N, pode ser separado do DNA normal por cen- trifugaçªo de equilíbrio em gradiente de densi- dade de CsCl. Em seguida, a E. coli que havia crescido em presença de 15N foi transferida para meio contendo 14N e replicou mais uma vez. O DNA foi extraído e verificou-se que sua densi- dade era intermediÆria, entre o DNA marcado com 15N e o DNA normal, contendo 14N. O isolamento de uma enzima de E. coli ca- paz de catalisar a replicaçªo do DNA in vitro, usando outro DNA como molde, mais uma vez demonstrou que o modelo estava correto. Ape- sar de essa enzima, chamada DNA polimerase, ser essencial para a síntese da nova fita de DNA, catalisando a incorporaçªo de nucleotídeos a uma molØcula de DNA complementar ao mol- de, o processo de replicaçªo Ø muito mais do que uma simples reaçªo enzimÆtica. Outras pro- teínas estªo envolvidas e mecanismos sªo neces- sÆrios para reduzir a freqüŒncia de erros. Processos especiais sªo necessÆrios para iniciar a replicaçªo e para replicar as extremidades dos cromossomos eucarióticos, lineares. Adenina Timina Guanina Citosina Fita parental molde Fitas novas Bactéria crescida em meio contendo 14N DNA híbrido (uma fita 15N e outra 14N) Bactéria crescida em meio contendo 15N Bactéria para meio contendo 15N para uma divisão Extração do DNA Extração do DNA Extração do DNA DNA leve (14N) DNA pesado (15N) E. coli 71 REPLICA˙ˆO, REPARO E REARRANJOS DO DNA GENÔMICO Cap. 4 DNA Polimerases DNA polimerase foi isolada pela primeira vez por Arthur Kornberg e col., em 1956, de extra- tos de E. coli. Ironicamente, entretanto, essa primeira DNA polimerase (hoje chamada DNA polimerase I) nªo Ø a principal enzima respon- sÆvel pela replicaçªo do DNA em E. coli. Atra- vØs do emprego de mutantes, demonstrou-se que existem trŒs DNA polimerases em E. coli, cha- madas DNA polimerase I (a primeira isolada), DNA polimerase II e DNA polimerase III. A prin- cipal responsÆvel pelo processo de replicaçªo Ø a DNA polimerase III, embora a DNA polime- rase I tambØm seja necessÆria. O papel da DNA polimerase II ainda Ø desconhecido. Portanto, o processo de replicaçªo em E. coli envolve duas DNA polimerases, cujos papØis discutiremos a seguir. CØlulas eucarióticas contŒm cinco DNA po- limerases, chamadas a , b , g , d e e . A polimerase g localiza-se nas mitocôndrias, catalisando a re- plicaçªo do DNA mitocondrial. As outras qua- tro enzimas localizam-se no nœcleo e sªo, portanto, candidatas a envolvimento no proces- so de replicaçªo do DNA nuclear. As DNA poli- merases a , d e e sªo mais ativas em cØlulas que estªo se dividindo, sugerindo que efetivamente funcionem na replicaçªo. A polimerase b , ao contrÆrio, Ø igualmente ativa em cØlulas em re- pouso e em divisªo, sugerindo que seu papel principal esteja relacionado aos mecanismos de reparo do DNA. AtravØs de duas abordagens experimentais replicaçªo de vírus em extratos de cØlulas e leveduras mutantes demonstrou-se a par- ticipaçªo das polimerases a e d no processo de replicaçªo do DNA. A polimerase e talvez funcione em alguma via de reparo essencial à sobrevivŒncia das cØlulas. Todas as DNA polimerases conhecidas apresentam duas propriedades em comum, que tŒm importantes implicaçıes no processo de replicaçªo (Fig. 4.3). Primeiro, todas as DNA polimerases polimerizam DNA apenas na dire- çªo 5 para 3, adicionando desoxinucleotídeos trifosfato (dNTP) à hidroxila 3 da cadeia nas- cente. Segundo, as DNA polimerases só adici- onam nucleotídeos a uma fita jÆ iniciada e ligada ao molde por pontes de hidrogŒnio, sendo in- capazes de iniciar a síntese de DNA a partir de dNTPs livres. A Forquilha de Replicaçªo A primeira vez que se viu uma molØcula de DNA no processo de replicaçªo foi num experi- mento realizado por John Cairns, no qual E. coli foi cultivada em presença de timidina radioativa e o DNA foi observado por auto-radiografia. As molØculas de DNA de procariotos sªo circulares e, durante a replicaçªo, essas molØculas contŒm duas forquilhas de replicaçªo, representando os pontos de síntese de DNA. Em cada forquilha, as duas fitas do DNA parental sªo separadas e duas novas fitas sªo sintetizadas (Fig. 4.4). A síntese de fitas de DNA complementares a ambas as fitas da molØcula parental impıe algu- mas dificuldades ao entendimento da bioquími- ca da replicaçªo do DNA. Como as duas fitas do DNA sªo antiparalelas, a síntese contínua de duas fitas na forquilha de replicaçªo exigiria que uma fita fosse sintetizada no sentido 5 fi 3 e a ou- tra, no sentido 3fi 5. Mas todas as DNA poli- merases conhecidas sintetizam apenas no sentido 5 fi 3. Como,entªo, Ø sintetizada a outra fita de DNA? Esse enigma foi resolvido por experimentos que demonstraram que apenas uma das fitas Ø sintetizada de modo contínuo, no sentido da re- plicaçªo do DNA; a outra Ø formada a partir de pequenos segmentos, pedaços descontínuos, que sªo sintetizados de trÆs para frente em relaçªo ao sentido do movimento da forquilha de repli- caçªo. Esses segmentos, chamados fragmentos de Okasaki, sªo posteriormente unidos por açªo da DNA ligase, formando uma fita inteira de DNA. A fita sintetizada de modo contínuo Ø cha- mada fita líder (leading strand), uma vez que sua síntese expıe o molde para a síntese dos frag- mentos de Okasaki (fita retardada ou lagging strand). Surge, entªo, outra questªo: uma vez que as DNA polimerases sªo incapazes de iniciar a sín- tese sem um iniciador (primer), como começa a síntese dos fragmentos de Okasaki? A resposta Ø que pequenos segmentos de RNA funcionam como iniciadores para a replicaçªo do DNA. Uma enzima chamada primase sintetiza pequenos seg- mentos de RNA (3 a 10 nucleotídeos) comple- mentares ao molde, na forquilha de replicaçªo. Os fragmentos de Okasaki sªo, entªo, sintetiza- dos como extensªo desses primers de RNA por DNA polimerases. 72 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 4 Fig. 4.3 Atividade de síntese da DNA polimerase. A DNA polimerase catalisa a polimerizaçªo de nucleotídeos na direçªo 5 fi 3, e necessitam de uma fita jÆ iniciada (primer ou iniciador) para sua atividade, sendo incapazes de iniciar a síntese de DNA a partir de dNTPs livres. Uma ligaçªo fosfodiØster Ø formada entre um grupo hidroxilar 3 livre da fita em elongaçªo e o deoxiribonucleosídeo 5-trifosfato. O pirofosfato Ø eliminado. Fig. 4.4 A forquilha de replicaçªo e sua natureza bidirecional. Para formar uma fita contínua de DNA, os primers de RNA devem ser removidos, substi- tuídos por DNA e os segmentos devem ser liga- dos entre si. Em E. coli, os primers de RNA sªo removidos pela açªo combinada de uma enzima chamada RNase H, que degrada o RNA de hí- bridos RNA-DNA, e de DNA polimerase I. A DNA polimerase I atua como exonuclease, hi- drolisando DNA e RNA tanto no sentido 3 fi 5 como no sentido 5 fi 3. A açªo da polimerase no sentido 5 fi 3 remove nucleotídeos da ex- tremidade 5 dos fragmentos de Okasaki, per- mitindo que sejam substituídos por desoxirribo- nucleotídeos (Fig. 4.5). Em seguida, a DNA ligase une os fragmentos. Em eucariotos, outras enzimas removem o RNA iniciador e a DNA polimerase d preenche as falhas. Como em procariotos, os fragmentos sªo unidos entre si pela DNA ligase. Portanto, as diversas DNA polimerases de- sempenham diferentes papØis na forquilha de replicaçªo. Em procariotos, a DNA polimerase Primer ou iniciador Fita molde DNA polimerases Direção do crescimento da cadeia Origem de replicação Forquilha de replicação Forquilha de replicação Fita parental Fita nova 73 REPLICA˙ˆO, REPARO E REARRANJOS DO DNA GENÔMICO Cap. 4 III Ø a principal polimerase na replicaçªo, fun- cionando tanto na síntese da fita líder como dos fragmentos de Okasaki, pela extensªo dos pri- mers de RNA. A DNA polimerase I remove os primers e preenche as falhas entre os fragmen- tos de Okasaki. Em cØlulas eucarióticas, vÆrias DNA polimerases tambØm sªo necessÆrias. A DNA polimerase a forma um complexo com a RNA primase e parece funcionar junto com a primase na síntese de fragmentos curtos de RNA- DNA, que funcionam como iniciadores (ou pri- mers) dos fragmentos de Okasaki. A DNA polimerase d pode, entªo, sintetizar ambas as fi- tas, estendendo os primers de RNA-DNA sinteti- zados pelo complexo primase-DNA polimerase a . AlØm disso, a DNA polimerase d Ø capaz de pre- encher as falhas entre os fragmentos de Oka- saki, após a remoçªo do RNA iniciador. A DNA polimerase e tem funçªo ainda desconhecida no processo de replicaçªo do DNA. AlØm das DNA polimerases e primase, ou- tras proteínas atuam na forquilha de replicaçªo. Uma classe de proteínas liga-se às DNA polime- rases, aumentando sua atividade e fazendo que se mantenham ligadas ao DNA molde. Tanto a DNA polimerase III de E. coli como a DNA po- limerase d de eucariotos estªo associadas a dois tipos de proteínas acessórias proteínas do sli- ding clamp e proteínas brace que reconhecem o ponto de junçªo primer-molde, ligam-se a ele e formam um anel em torno do DNA molde. Esse anel mantØm a associaçªo entre a polime- rase e o molde, permitindo a síntese ininterrup- ta de milhares de nucleotídeos. Outras proteínas desenrolam o DNA e esta- bilizam as regiıes de DNA fita œnica. As helica- ses sªo enzimas que catalisam o desenrolamento do DNA parental, adiante da forquilha de repli- caçªo, com hidrólise de ATP. Entªo, as SSBP (single-stranded DNA binding proteins) estabili- zam o DNA desenrolado, mantendo-o como fita œnica estendida, de modo que possa ser copiada pela polimerase. À medida que o DNA parental se desenrola, o DNA à frente da forquilha de replicaçªo Ø for- çado a girar. Essa rotaçªo poderia levar a molØ- cula a se enrolar sobre si mesma, bloqueando a replicaçªo. Esse problema Ø solucionado pelas topoisomerases, enzimas que catalisam a quebra e a religaçªo de fitas de DNA. HÆ dois tipos de topoisomerases: as do tipo I quebram apenas uma fita de DNA e as de tipo II catalisam quebras si- multâneas em ambas as fitas. Essas quebras per- mitem que as fitas girem livremente uma em torno Fig. 4.5 Síntese da fita retardada ou descontínua de DNA. Inicialmente, a primase sintetiza pequenos segmentos de RNA, que servem de primers para a DNA polimerase. Em seguida, a atividade exonucleÆsica 5-3 da própria DNA polime- rase remove o RNA iniciador e preenche a lacuna com DNA. Estes sªo unidos pela DNA ligase. RNA iniciador DNA polimerase I Remoção do RNA pela atividade exonucleásica 5’-3’ Preenchimento da falha com DNA DNA ligase União dos fragmentos de DNA 74 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 4 da outra, de modo que a replicaçªo possa ocorrer sem enrolar o DNA adiante da forquilha. Embo- ra os cromossomos eucarióticos sejam lineares, tambØm as topoisomerases sªo necessÆrias. Caso contrÆrio, o cromossomo todo teria que girar con- tinuamente durante a replicaçªo. As enzimas que participam da replicaçªo do DNA atuam de modo coordenado, sintetizan- do as fitas líder e retardada simultaneamente, na forquilha de replicaçªo. Forma-se um díme- ro da DNA polimerase replicativa (polimerase III em E. coli e polimerase d em eucariotos), cada uma com suas proteínas acessórias apro- priadas. Uma molØcula da DNA polimerase atua na síntese da fita líder e a outra, dos fragmen- tos de Okasaki. Acredita-se que o molde da fita retardada faça uma volta, de modo que a poli- merase engajada na sua síntese mova-se na mesma direçªo da outra subunidade, que sin- tetiza a fita líder. A Fig. 4.6 mostra um modelo da forquilha de replicaçªo. A fidelidade da síntese Ø garantida pelas pró- prias DNA polimerases, que ajudam a selecio- nar a base correta a inserir na nova fita. AlØm disso, as DNA polimerases tŒm atividade de re- visªo ou proofreading. As DNA polimerases tŒm atividade exonucleÆsica 3fi 5, que atua no sen- tido oposto ao da síntese do DNA e que partici- pa da revisªo do DNA recØm-sintetizado. Se uma base incorreta for incorporada, ela serÆ removi- da pela atividade 3 fi 5 exonucleÆsica, que re- conhece bases pareadas erroneamente na extremidade da cadeia em crescimento. Essa atividade, presente nas DNA polimerases I e III de E. coli e d e e de eucariotos, aumenta a pre- cisªo de replicaçªo de 100 a 1.000 vezes. A existŒncia da revisªo pode explicar o fato de o DNA só crescer pela extremidade 3. Quan- do DNA Ø sintetizado no sentido 5 fi 3, a ener-gia necessÆria à polimerizaçªo vem da hidrólise do grupo trifosfato de um desoxirribonucleotí- deo livre, que Ø adicionado ao grupo 3-hidroxi- la da cadeia nascente. Se o DNA crescesse pela extremidade 5, a energia para a polimerizaçªo viria da hidrólise do terminal trifosfato de um nucleotídeo jÆ incorporado ao DNA. Isso elimi- naria a possibilidade de revisªo, uma vez que a remoçªo de um nucleotídeo errado tambØm re- moveria o grupo trifosfato, necessÆrio como fon- te de energia para a elongaçªo subseqüente. A capacidade de discriminaçªo da base cor- reta, bem como com a atividade de revisªo das DNA polimerases, permite que ocorra apenas um erro a cada 109 pares de bases no processo de replicaçªo do DNA. Mecanismos adicionais atuam na correçªo de erros que eventualmente ocorram (ver Reparo do DNA, mais adiante). Origem de Replicaçªo Tanto em procariotos como em eucariotos, a replicaçªo tem início em seqüŒncias específi- cas chamadas origem de replicaçªo (Fig. 4.7). Essas seqüŒncias sªo reconhecidas por proteí- nas que se ligam a elas e que iniciam o processo. A primeira origem de replicaçªo definida foi a de E. coli e Ø uma seqüŒncia œnica no cromos- somo da bactØria. Consiste de 245 pares de ba- ses, às quais se liga, inicialmente, uma proteína iniciadora, que reconhece seqüŒncias específi- cas dentro da origem. Essa proteína começa a desenrolar o DNA e recruta outras proteínas en- volvidas na replicaçªo. Helicase e SSBP conti- nuam a desenrolar o DNA, expondo o molde, e Fig. 4.6 Representaçªo esquemÆtica da forquilha de replicaçªo mostrando a formaçªo da fita retardada. Etapa 1 5’ 3’ 3’5’ Etapa 2 3’ 5’ 3’ 5’ 3’ 5’ Complexo de replicação Fragmento de Otasati RNA iniciador Etapa 3 5’ 3’ Etapa 4 3’ 5’ 5’ 3’ Polimerase e ligase 5’5’3’ 3’3’ 5’ Fragmentode Otasati 75 REPLICA˙ˆO, REPARO E REARRANJOS DO DNA GENÔMICO Cap. 4 Fig. 4.7 Origem de replicaçªo em procariotos e eucariotos. a primase inicia a síntese da fita líder. Duas for- quilhas de replicaçªo se formam e migram em sentidos opostos, ao longo do cromossomo cir- cular de E. coli. Em vírus SV40, a replicaçªo inicia-se por uma proteína codificada pelo vírus chamada antígeno T, que se liga à origem e tambØm funci- ona como helicase. SSBP Ø necessÆria para es- tabilizar o molde desenrolado e o complexo DNA polimerase a -primase inicia a síntese do DNA. Em cromossomos eucarióticos, ao contrÆ- rio do que ocorre com genomas virais ou bacte- rianos, onde existe apenas uma origem de replicaçªo, existem muitas origens de replicaçªo. Em cØlulas de mamíferos, as origens estªo espa- çadas a intervalos de 50 a 300kb. Portanto, o ge- noma humano tem cerca de 30.000 origens de replicaçªo. O segmento do cromossomo servido por uma origem Ø chamado de replicon. As ori- gens de replicaçªo eucarióticas mais bem estuda- das sªo as de levedura e sªo chamadas ARSs ou autonomously replicating sequences. Replicando as Extremidades dos Cromossomos: Telômeros e Telomerases Como as DNA polimerases atuam sobre pri- mers apenas no sentido 5 fi 3, elas sªo inca- pazes de copiar a extremidade 5 de molØculas lineares de DNA atØ o fim. Uma vez que os cro- mossomos eucarióticos sªo lineares, sempre um segmento da extremidade 5 nªo seria replica- do. Como conseqüŒncia, em ciclos sucessivos de replicaçªo, o cromossomo iria se encurtan- do progressivamente. Para evitar esse proble- ma, um mecanismo especial evoluiu para replicar as extremidades dos cromossomos li- neares das cØlulas eucarióticas. Essas extremi- dades, chamadas telômeros, consistem em seqüŒncias simples repetidas (tandem repeats). A enzima capaz de catalisar a síntese dos telô- meros chama-se telomerase e Ø composta por RNA e proteína. Essa enzima Ø uma transcrip- tase reversa, uma classe de DNA polimerases que sintetizam DNA a partir de um molde de EUCARIOTOS: vários cromossomos lineares, cada um com várias origens de replicação Origens de replicação PROCARIOTOS: um cromossomo circular e DNA extracromossômico, cada um com uma só origem de replicação. Origem de replicação Cromossomo DNA extracromossômico Origem de replicação 76 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 4 RNA. A telomerase carrega seu próprio molde de RNA, que Ø complementar à seqüŒncia re- petitiva do telômero. O RNA pareia com a ex- tremidade da molØcula de DNA, servindo de molde para gerar uma nova seqüŒncia repeti- da. Em seguida, a enzima move-se ao longo do DNA, pareando com a nova extremidade gera- da. Depois, a fita complementar Ø sintetizada. Outros Mecanismos de Replicaçªo do Genoma: Círculo Rolante e Transcriçªo Reversa O bacteriófago l tem um capsídeo icosaØ- drico acoplado a uma cauda que termina em fi- bras adesivas. Seu genoma Ø constituído por uma molØcula de DNA fita dupla, linear, de 48kb, com 12 nucleotídeos fita simples, nas duas extremi- dades. Estas regiıes sªo chamadas regiıes ou sítios cos. Quando o fago infecta uma cØlula de E. coli, a molØcula cicliza pelos sítios cos, for- mando uma molØcula de DNA circular. Para replicar, o fago usa as enzimas da bactØ- ria e duas enzimas codificadas por ele, que reco- nhecem a origem de replicaçªo do fago. Essas proteínas fazem papØis anÆlogos aos das proteínas que reconhecem a origem de replicaçªo do cro- mossomo de E. coli. A replicaçªo, entªo, prosse- gue pelo mecanismo do círculo rolante (Fig. 4.8). Resultam daí formas multimØricas de DNA, uni- das pelos sítios cos, chamadas concatâmeros. Es- tes sªo, entªo, quebrados no sítio cos e as partículas virais podem ser organizadas novamente. JÆ os retrovírus sªo vírus cujo genoma Ø cons- tituído por RNA. Quando o genoma do vírus invade uma cØlula, inicialmente deve ser feita uma cópia em DNA do RNA viral. A síntese do DNA usando RNA como molde Ø catalisada por uma enzima codificada pelo vírus chamada transcrip- tase reversa. Em seguida, o RNA Ø degradado e uma segunda fita de DNA, complementar à pri- meira, Ø sintetizada e o DNA dupla fita inte- gra-se ao genoma do hospedeiro. MolØculas de RNA sªo transcritas, dando origem a novas par- tículas virais. MUTA˙ÕES Mutaçıes sªo modificaçıes sœbitas e here- ditÆrias que ocorrem no material genØtico. Mu- tante Ø o organismo que apresenta forma ou funçªo alterada, como resultado da ocorrŒncia de uma mutaçªo. A maioria das mutaçıes que ocorrem sªo deletØrias. No entanto, acredita-se que as muta- çıes sejam, tambØm, a base da variabilidade, que permite a seleçªo de indivíduos mais adaptados a determinado ambiente, levando ao processo de seleçªo natural. Todos os organismos sofrem um determina- do nœmero de mutaçıes chamadas espontâneas. A taxa de ocorrŒncia de mutaçıes espontâneas depende da espØcie, mas pode ser aumentada pela presença de agentes mutagŒnicos, que cau- sam mutaçıes induzidas. As mutaçıes podem ser tªo sutis a ponto de só poderem ser detectadas por anÆlise genØtica ou bioquímica, mas tambØm podem ter conse- qüŒncias graves, levando a alteraçıes morfológi- cas grosseiras ou, atØ, letais. As mutaçıes œteis para estudo da genØtica dos processos biológicos sªo as mutaçıes condicionais, isto Ø, mutaçıes Fig. 4.8 A replicaçªo do DNA em fago lambda atravØs do círculo rolante. Novas moléculas de DNA unidas pelos sítios cos formando um concatâmero 77 REPLICA˙ˆO, REPARO E REARRANJOS DO DNA GENÔMICO Cap. 4 que sªo letais em determinada condiçªo do am- biente, como falta de um nutriente ou mudança de temperatura, mas sªo viÆveis em outra condi- çªo, as chamadas condiçıes permissivas. AlØm disso, as mutaçıes podem ocorrer tan- to nas cØlulas germinativas, o que significa que serªo transmitidas à descendŒncia, como nas somÆticas, quando só afetarªo aquele indivíduo. Modificaçªo TautomØrica e Pareamentos Raros entre as Bases As quatrobases nitrogenadas que aparecem no DNA podem apresentar, alØm de suas for- mas mais estÆveis, formas tautomØricas mais raras. Assim, a timina e a guanina podem apa- recer na forma ceto, mais estÆvel, ou na forma enol, mais rara. Por sua vez, a citosina e a adeni- na podem ocorrer na sua forma amino, mas tam- bØm na forma tautomØrica imino, rara (Fig. 4.9). Se alguma dessas bases estiver na forma tauto- mØrica rara no momento da replicaçªo do DNA, um pareamento errado de bases pode ocorrer: a citosina, na sua forma imino, pode parear com adenina (o par correto seria citosina com gua- nina) e a guanina, na forma enol, pode parear com a timina (Fig. 4.10). Isto levaria a uma mutaçªo. Fig. 4.9 As bases nitrogenadas e suas formas tautomØricas. 78 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 4 Tipos de Mutaçıes Esse tipo de mutaçªo que acabamos de des- crever Ø uma mutaçªo puntual, que afeta um só par de bases. Pode haver, tambØm, uma mu- taçªo que seja decorrente da adiçªo ou da de- leçªo de um nucleotídeo. Se isto ocorrer no meio de uma seqüŒncia que codifica uma pro- teína, pode haver um deslocamento na leitura (frameshift), de modo que toda a estrutura da proteína fica alterada, a partir do ponto onde ocorreu a mutaçªo. As mutaçıes tambØm podem ser silenciosas ou neutras. O código genØtico Ø degenerado, isto Ø, para a maioria dos aminoÆcidos hÆ mais de um có- don. Se houver uma mutaçªo puntual com troca de uma base mas o novo códon continuar codificando o mesmo aminoÆcido, dizemos que houve uma mutaçªo silenciosa. Se mudar o aminoÆcido mas isto nªo afetar as propriedades da proteína, dize- mos que houve uma mutaçªo neutra. Mutaçıes Induzidas por Radiaçªo Radiaçıes ionizantes e radiaçªo ultravioleta sªo capazes de induzir mutaçıes. As radiaçıes ionizantes sªo os raios X, raios cósmicos e ra- diaçıes emitidas por isótopos radioativos de vÆ- rios elementos: radiaçªo alfa, beta e gama. Sªo radiaçıes de alta energia que interagem com os Ætomos da matØria atingida por elas e remo- vem elØtrons, transformando os Ætomos em íons. Os efeitos das radiaçıes ionizantes sªo proporcionais à dose de radiaçªo. A mesma dose pode ser obtida num tempo curto, com uma ra- diaçªo intensa, ou num tempo prolongado, com radiaçªo baixa. A radiaçªo ultravioleta (UV) nªo Ø tªo po- tente. Ela atinge apenas as camadas mais expos- tas à fonte de UV e nªo promovem ionizaçªo, mas sªo capazes de gerar radicais livres, alta- mente reativos. A radiaçªo UV atinge o DNA e estimula alguns tipos de reaçıes. Por exemplo, Fig. 4.10 Pareamento de bases com formas tautomØricas. 79 REPLICA˙ˆO, REPARO E REARRANJOS DO DNA GENÔMICO Cap. 4 Fig. 4.11 Mutaçªo induzida por radiaçªo UV. entre timinas adjacentes podem se formar liga- çıes covalentes entre C5 e C6, gerando dímeros de timina numa cadeia do DNA. Entre uma ti- mina e uma citosina adjacentes tambØm pode ocorrer reaçªo, com formaçªo de um produto ligado covalentemente (Fig. 4.11). O DNA, neste ponto, apresenta uma lesªo. Mutaçıes Induzidas por Agentes Químicos Entre os agentes químicos que induzem mutaçıes, podemos destacar os anÆlogos às ba- ses nitrogenadas, os agentes que provocam mo- dificaçıes químicas no DNA, os corantes aromÆticos, como a acridina, que se encaixam no DNA e provocam uma deformaçªo e os agen- tes alquilantes, que modificam as bases. O 5-bromouracil Ø um anÆlogo da timina e, como ela, pode ocorrer na forma ceto e na for- ma enol. A diferença Ø que a forma enol do 5- bromouracil Ø mais estÆvel e permanece mais tempo nessa forma, pareando com guanina, e nªo com adenina. Assim, se 5-bromouracil for incorporado ao DNA no lugar da timina, au- menta a incidŒncia de mutaçıes puntuais. Outro agente mutagŒnico Ø o Æcido nitroso. Ele reage com as bases que tŒm grupamento amino: citosina e adenina. A partir da citosina, forma-se uracil e, a partir da adenina, forma-se hipoxantina. A hipoxantina pareia com citosina e uracil pareia com adenina, induzindo troca de bases. Os corantes que se inserem no DNA provo- cam a inserçªo de nucleotídeos, induzindo mu- taçıes por deslocamento na leitura (frameshift). As nitrosaminas e a nitrosoguanidina sªo agentes alquilantes, isto Ø, agentes que transfe- rem grupos metil ou etil para as bases do DNA. Por exemplo, a guanina pode ser convertida em 6-O-metilguanina que, em vez de parear com citosina, pareia com timina. REPARO DO DNA Portanto, muitos tipos de mutaçıes podem ocorrer no DNA. VÆrios desses erros, naturais Ligações duplas reativas Radiação UV Ligações através dos C5 e C6 de cada anel Dímeros de timina (TT)Timinas adjacentes Grupos reativos Radiação UV Timina adjacente a citocina Produto 6-4 timina-citosina 80 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 4 ou induzidos por radiaçıes ou agentes quími- cos, podem ser corrigidos, usando os recursos do reparo do DNA. Os mecanismos de reparo podem ser dividi- dos em duas classes gerais: a) reversªo direta da reaçªo química responsÆvel pelo dano ao DNA; b) remoçªo das bases danificadas e sua substitui- çªo por DNA novo. Reversªo Direta da Lesªo ao DNA Algumas lesıes no DNA podem ser reparadas pela correçªo direta do erro, particularmente a for- maçªo de dímeros de pirimidinas, que resultam da exposiçªo a radiaçªo ultravioleta (Fig. 4.11), e resíduos de guanina alquilados, que resultam da adiçªo de grupos metil ou etil à posiçªo O6 do anel da purina por agentes alquilantes. O fato de a exposiçªo à irradiaçªo UV solar ser a principal causa de câncer de pele humano ilustra a importância das lesıes causadas ao DNA por esse tipo de radiaçªo. A formaçªo dos díme- ros de pirimidina deforma a estrutura do DNA e bloqueia tanto a transcriçªo como a replicaçªo. Um mecanismo de reparo dessa lesªo Ø a rever- sªo direta da reaçªo de dimerizaçªo. O processo Ø chamado fotorreativaçªo enzimÆtica porque a energia utilizada para a reaçªo Ø luz visível. As- sim, os dímeros de timina e os produtos da rea- çªo de timina com citosina vizinhas sªo revertidos a sua forma original, pela açªo de uma enzima chamada fotoliase. Curiosamente, entretanto, esse mecanismo nªo Ø universal. Muitas espØcies, incluindo a humana, nªo apresentam esse me- canismo de reparo do DNA. Outra forma de reparo direto envolve o dano resultante da reaçªo entre agentes alquilantes e o DNA. A formaçªo de O6-metilguanina pode ser reparada por uma enzima chamada O6-me- tilguanina-metiltransferase, que reconhece a O6- metilguanina na fita dupla do DNA e remove o grupamento metil, transferindo-o para uma cis- teína do seu sítio ativo. TambØm remove grupos metil de resíduos de fosfato da cadeia de DNA. Contudo, nªo hÆ meios de remover o metil da enzima, de modo que uma molØcula de enzi- ma Ø gasta para cada grupo metil removido. Enzimas que catalisam esse tipo de reparo sªo amplamente distribuídas entre procariotos e eu- cariotos, incluindo o homem. Reparo Por Excisªo Apesar de os mecanismos de reversªo direta serem eficientes para tipos específicos de danos ao DNA, o reparo por excisªo Ø mais geral e permite reparar muitos tipos de alteraçıes quí- micas no DNA. Os mecanismos de reparo por excisªo sªo os mais importantes, tanto para cØ- lulas procarióticas como eucarióticas. O DNA danificado Ø reconhecido e removido, seja como bases livres ou nucleotídeos, e a falha resultante Ø preenchida com DNA novo. TrŒs mecanismos sªo incluídos no reparo por excisªo: reparo por excisªo de base, reparo por excisªo de nucleotí- deo e reparo de pareamento errado (mismatch). O reparo do DNA contendo uracil Ø um bom exemplo de reparo por excisªo de base. Uracil pode aparecer no DNA por incorporaçªo em lugar da timina ou por desaminaçªo de citosina. A excisªo de uracil Ø catalisada pela DNA-glico- silase, capazde reconhecer o uracil e removŒ-lo. A enzima tambØm Ø capaz de reconhecer outras bases anormais, como hipoxantina (formada por desaminaçªo de adenina), dímeros de pirimidi- na e purinas alquiladas. Essa reaçªo gera base livre e um sítio apirimidínico ou apurínico (AP) um açœcar sem base ligada. O sítio AP Ø re- parado por uma enzima chamada AP endonu- clease, que quebra a ligaçªo fosfodiØster do nucleotídeo sem base e a falha Ø preenchida por DNA polimerase e DNA ligase. O reparo por excisªo de nucleotídeo Ø usado para corrigir uma gama de danos ao DNA ainda maior. Nesse caso, a base danificada (por exemplo, um dímero de timina) Ø removida como parte de um oligonucleotídeo, contendo a lesªo (Fig. 4.12). O espaço, entªo, Ø preenchido por DNA poli- merase e DNA ligase. Esse Ø, talvez, o mais im- portante dos mecanismos de reparo do DNA e depende de vÆrias enzimas e proteínas. No ho- mem, os genes do reparo por excisªo de nucleo- tídeos foram identificados, em grande parte, em indivíduos que sofrem de doenças genØticas em que os mecanismos de reparo do DNA estªo afetados, especialmente o xeroderma pigmento- so, uma doença que afeta uma a cada 250.000 pessoas. Os indivíduos sªo extremamente sensí- veis à radiaçªo UV e desenvolvem mœltiplos cân- ceres de pele em regiıes do corpo expostas ao sol. Em 1968, J. Cleaver demonstrou que, nes- ses pacientes, o reparo por excisªo de nucleotí- deos estÆ deficiente. Sete genes de reparo 81 REPLICA˙ˆO, REPARO E REARRANJOS DO DNA GENÔMICO Cap. 4 diferentes foram jÆ encontrados mutados em casos de xeroderma pigmentoso, bem como em outras patologias, como a síndrome de Cockay- ne e a tricotiodistrofia. Um terceiro tipo de sistema de reparo por excisªo reconhece bases pareadas erroneamen- te, incorporadas durante a replicaçªo do DNA. O sistema percorre o DNA em busca de pares errados e os corrige, restaurando a seqüŒncia original. Em E. coli, a fita recØm-sintetizada Ø diferenciada da fita parental pela metilaçªo de resíduos de adenina na seqüŒncia GATC. A fita nova ainda nªo foi metilada e pode ser reconhe- cida. Uma proteína, chamada MutS, liga-se à base pareada erroneamente. Em seguida, liga- se MutL. A ligaçªo de MutL ativa a ligaçªo de MutH, que cliva a fita nªo metilada no lado opos- to a um sítio de metilaçªo. MutS e MutL, junta- mente com helicase e exonuclease, removem a porçªo da fita nªo-metilada que contØm a base errada. A falha Ø, entªo, preenchida pela DNA polimerase e selada pela ligase. Em eucario- tos, existe um sistema semelhante, embora o mecanismo de identificaçªo da fita recØm-sin- tetizada ainda nªo seja conhecido. A impor- tância desse sistema de reparo Ø ilustrada pelo fato de mutaçıes nos genes humanos homó- logos de MutS e MutL serem responsÆveis por um tipo comum de câncer de cólon (hereditary nonpolyposis colorectal cancer ou HNPCC), uma das doenças hereditÆrias mais comuns, afetan- do uma a cada 200 pessoas. A relaçªo entre HNPCC e reparo de pareamento errado foi des- coberta em 1993. Fig. 4.12 Reparo por excisªo de nucleotídeo. 82 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 4 Reparo após a Replicaçªo Se houver um dímero de timina na fita-molde de DNA que nªo foi reparado, o sistema de repli- caçªo Ø bloqueado e só recomeça bem depois, dei- xando uma falha, com um segmento de DNA fita œnica. Uma proteína chamada RecA liga-se a essa seqüŒncia. Nesse caso, nªo hÆ mais fita comple- mentar para servir de molde para o reparo e um dos mecanismos utilizados pela cØlula Ø o do repa- ro por recombinaçªo, que utiliza outra molØcula de DNA homóloga como molde. Em procariotos em rÆpida divisªo, normal- mente hÆ mais de uma molØcula de DNA por cØlula, uma vez que o DNA estÆ replicando mais rÆpido que a divisªo celular. Assim, uma molØcula pode servir de molde para a outra. Em eucariotos, a maioria das cØlulas Ø diplóide, con- tendo duas cópias de cada cromossomo, com seqüŒncias homólogas ou quase. A regiªo do DNA lesado, fita œnica, pareia com um segmen- to da seqüŒncia homóloga na outra molØcula de DNA. Uma nuclease, entªo, corta a outra molØ- cula e um anelamento extenso entre a molØcula lesada e a outra pode acontecer. A ramificaçªo migra, ultrapassando o ponto da lesªo. A lesªo pode, agora, ser reparada por excisªo e a fenda na outra molØcula Ø preenchida pela DNA poli- merase. Outro mecanismo possível Ø o reparo passí- vel de erro. Nesse caso, a falha oposta ao DNA danificado Ø preenchida por DNA recØm-sinte- tizado. Como esse DNA Ø sintetizado sobre um molde danificado, essa forma de reparo Ø pouco precisa e leva a mutaçıes freqüentes. Só Ø usa- do por bactØrias submetidas a condiçıes letais, como exposiçªo à radiaçªo, por exemplo. RECOMBINA˙ˆO E TRANSPOSI˙ˆO Recombinaçªo Recombinaçªo genØtica Ø a troca de seqüŒn- cias entre duas molØculas de DNA. Existem dois tipos bÆsicos de recombinaçªo: Recombinaçªo homóloga geral pode ocor- rer em qualquer local do DNA e exige homo- logia entre as duas molØculas que vªo trocar pedaços. O melhor exemplo deste tipo de re- combinaçªo Ø o crossing-over que acontece na meiose. Recombinaçªo sítio-específica: ocorre em seqüŒncias específicas. Nªo hÆ necessidade de homologia e um exemplo Ø a inserçªo e a excisªo de um fago no genoma de uma bac- tØria. Mas como duas molØculas de DNA podem ser quebradas e unidas sem que ocorram muta- çıes devido a perda ou ganho de nucleotídeos no ponto da quebra? Na recombinaçªo homóloga, como era de se esperar, esse alinhamento Ø feito por pareamento de bases entre fitas complemen- tares de DNA. Fitas œnicas sªo trocadas entre molØculas de DNA homólogas. O anelamento pode prosseguir por longas distâncias e pode acontecer de a segunda fita tambØm se romper e trocar de uma molØcula para outra ou nªo. A recombinaçªo requer enzimas específicas alØm de outras proteínas que tambØm participam de outros processos do metabolismo do DNA. Em E. coli, a proteína central envolvida na recombi- naçªo homóloga, chamada RecA, liga-se a DNA de fita œnica, formando um filamento de DNA- proteína. Como essa proteína tem dois sítios de Fig. 4.13 Papel da proteína Rec A nos mecanismos de recombinaçªo. DNA fita única DNA recoberto por RecA Ligação de RecA Ligação ao DNA dupla-fita Complexo sem pareamento de bases Alinhamento de regiões homólogas Troca de fitas 83 REPLICA˙ˆO, REPARO E REARRANJOS DO DNA GENÔMICO Cap. 4 ligaçªo ao DNA, a RecA que recobre o DNA de fita œnica liga-se, entªo, a uma segunda molØcula de DNA de fita dupla e forma um complexo sem pareamento de bases. Segue-se a formaçªo de pares de bases complementares, com geraçªo de um heterodœplex. Vemos na Fig. 4.13 o papel da proteína RecA nos mecanismos de recombinaçªo. A maior parte dos eventos de recombinaçªo em E. coli tambØm requer a enzima RecBCD, formada por um complexo de trŒs proteínas. O complexo de proteínas RecBCD migra sobre o DNA. Quando encontra uma seqüŒncia chama- da sítio Chi (5-GCTGGTGG-3), provoca uma quebra na cadeia. A proteína RecA, entªo, com- plexa com o DNA fita œnica e promove seu ane- lamento com outra molØcula de DNA homóloga. Ao contrÆrio do que ocorre na recombina- çªo homóloga geral, a recombinaçªo sítio-espe- cífica ocorre entre seqüŒncias específicas de DNA que, geralmente, só sªo homólogas num trecho pequeno do DNA. A interaçªo principal nesse processo Ø mediada por proteínas que reconhe- cem as seqüŒncias-alvos específicas no DNA, e nªo por pareamento de bases complementares. O protótipo da recombinaçªo sítio-específica Ø o bacteriófago l . A infecçªo de E. coli inicia-se pela injeçªo do DNA do fago que, depois, torna- se cíclico no interior da cØlula hospedeira. Na in- fecçªo lítica, o DNA replica e dirige a síntese das proteínas do fago. O DNA viral Ø empacotado e as partículas virais sªo liberadasapós a lise da cØlula. Na infecçªo lisogŒnica, o DNA se recom- bina com o genoma do hospedeiro formando um profago integrado ao cromossomo de E. coli. O DNA do l integrado nªo dirige a síntese das pro- teínas virais, mas se replica juntamente com o res- tante do genoma bacteriano. A integraçªo resulta de recombinaçªo sítio-específica entre seqüŒnci- as específicas nos genomas do fago l e de E. coli chamadas attP e attB, respectivamente. O pro- cesso Ø catalisado por uma enzima codificada pelo vírus chamada integrase, que reconhece ambas as seqüŒncias attP e attB. A integrase cliva em pon- tos específicos dentro dessa seqüŒncia, gerando caudas de DNA de fita œnica desencontradas. De- pois, ela catalisa a troca de fitas e a ligaçªo, que resulta na recombinaçªo e integraçªo do DNA do fago l . Em vertebrados, recombinaçªo sítio-espe- cífica Ø crítica para a produçªo de imunoglo- bulinas pelo sistema imune, responsÆvel pelo reconhecimento de substâncias estranhas e pela proteçªo contra agentes infecciosos. Por exemplo, cada gene de cadeia leve de imuno- globulina consiste em uma regiªo constante (C), uma regiªo de ligaçªo (J, de joint) e uma regiªo variÆvel (V). HÆ cerca de 250 regiıes V, que sªo separadas de J e C por 20 kb no DNA da cØlula precursora. Durante o desen- volvimento dos linfócitos B, recombinaçªo sí- tio-específica une uma regiªo V a uma das quatro regiıes J. Esse rearranjo ativa a trans- criçªo, resultando na formaçªo do transcrito primÆrio contendo a regiªo VJ, juntamente com as demais regiıes J e a C. As regiıes J remanescentes (que nªo serªo utilizadas) e o íntron entre J e C sªo removidos por splicing do RNA, gerando o mRNA funcional. Transposiçªo A descoberta que os genes eucarióticos podem mudar de lugar veio de estudos reali- zados por Barbara McClintock, na dØcada de 1940, em milho. Foram descritos elementos genØticos que podiam mudar de uma localiza- çªo para outra no genoma, alterando a expres- sªo de genes adjacentes. Quase trŒs dØcadas se passaram, entretanto, antes das bases físi- cas do trabalho de McClintock serem elucida- das pela descoberta de elementos transponíveis em bactØrias. Ao contrÆrio da recombinaçªo, que requer ao menos um pequeno segmento homólogo, a transposiçªo envolve o movimento de seqüŒn- cias pelo genoma, sem nenhuma exigŒncia de homologia. Em procariotos, alguns plasmídeos tŒm ca- pacidade de se inserirem no cromossomo da bactØria e, depois, podem sair novamente. Esses plasmídeos codificam enzimas, chamadas trans- posases, que promovem sua inserçªo no cromos- somo. HÆ dois grupos de plasmídeos desse tipo: os que carregam apenas os genes responsÆveis pela transposiçªo e os que carregam esses genes mais outros genes, por exemplo, que codificam resistŒncia a antibióticos. Elementos de eucariotos que se movem por transposiçªo sªo chamados elementos transpo- níveis ou transposons. PorØm, em eucariotos existem vÆrios tipos diferentes de elementos 84 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 4 transponíveis, classificados de acordo com sua estrutura. HÆ transposons anÆlogos aos de procariotos, que codificam enzimas e proteínas responsÆveis por sua transposiçªo. Essa transposiçªo pode ser replicati- va, quando uma nova cópia da seqüŒncia Ø feita e inserida num novo local, ou nªo-replicativa, quan- do a seqüŒncia Ø removida de um local e inserida em outro. Outros transposons propagam-se atravØs de RNA e sªo chamados retrotransposons ou retroposons. Alguns deles sªo semelhantes a re- trovírus porque apresentam seqüŒncias LTR. Outros nªo apresentam seqüŒncias LTR, mas apresentam seqüŒncias de poli-A, indicando que sªo derivados de mRNAs celulares. Nesse œltimo grupo incluem-se seqüŒncias muito fre- qüentes no genoma eucariótico, como as se- qüŒncias LINES (long interpersed sequences) e SINES (short interpersed sequences) e os pseudogenes processados. As seqüŒncias LI- NES e SINES sªo capazes de codificar sua própria transposiçªo e existem muitas cópias no genoma. Os pseudogenes processados, ao contrÆrio dos pseudogenes, nªo apresentam seqüŒncias intervenientes. Existem em poucas cópias no genoma e nªo codificam sua pró- pria transposiçªo. BIBLIOGRAFIA 1. Cooper GM. The Cell: A Molecular Approach. ASM Press and Sinauer Associates, Inc, 1997. 2. Lodish H, Baltimore D, Berk A, Zipursky SL, Matsudaira P, Darnell J. Molecular Cell Biology. Third Edition. Scientific American Books, 1995. 3. Purves WK, Orians GH, Heller HG. Life. 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