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CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA PARA JOVENS E ADULTOS ENSINO FUNDAMENTAL – LEITURA - ATIVIDADE 04 ESPERANDO A Maruca trepou ao lugar mais alto daquela pedra e pôs-se a olhar o rio. O rio estava repontando� de uma vez e corria quase em silêncio: tinham-se-lhe encoberto as rochas das corredeiras, por sob as águas da última chuvarada. Um martim-pescador, sentado no guatambu� da ribanceira, olhava para o largo, tocaiando os peixes. E vulto do martim-pescador, fazendo sombra no rio, depois da sombra de Maruca, tinha jeito de estar de pé na cabeça. Padece, que sofre, quem ama desencontrando, é ‘toa lidar... A Maruca esperava uma canoa que havia de subir naquela horinha. Naquela horinha? Mas já fazia muitas horas que ela esperava. Paciência dela! Vontade de ver a canoa; desejo de ver quem vinha dentro da canoa; saudades do seu bem! Caía a tarde, num sossego e numa paz de sítio largado. Quando ao cabo de um dia quente e cheio de rumores, como foi esse, há calma tão completa assim, logo se pensa que a morte anda rondando as vizinhanças... Morreu alguém, morreu alguma coisa por aí fora... Foi a esperança da Maruca... Se não morreu ainda, está por quase. O Lico saiu desde cedo, passou por perto dela, fez certos amuos� de pouca conversa. Que poderia ser Nossa Senhora dos Aflitos? Ela era tão do Lico, tão fiel tão cativa, que teria então acontecido? O Lico, ao perpassar no porto, falou-lhe palavras que ela não entendeu direito. Ouviu direito só o final. O final era uma espécie de adeus. Dizer a adeus para quê? Ele negava sempre por essas estradas, ia e vinha, mas não só dizia nunca adeus esquisito assim... Caminha que eu ando, vira a cara pruma banda, pra não olhar... O Lico, nem bem acabou de dar aquele adeus, voltou-se para o outro lado e já não olhou para trás. Mas isso não era o seu costume: quando saía, fosse por terra ou por água, parava muitas vezes para olha-la. Na estrada, fazia o animal virar os pés; no rio, poitava� a canoa um pouco. Agora, não fez nada disso: a canoa foi rodando com uma pressa de espantar. Era cada varejoada�, que é o timburi� gemia, cortando pelos canais. Que história então é essa? Pois o Lico então não vinha? E a noite caiu de repente. Que noite, Deus do céu! – tão escura e tão quieta! Ainda se a Maruca tivesse certeza de que ele vinha, não era nada! Mas quem foi que perdeu certeza, para a acoitada achar? O rio principiava a marulhar macio, mas macio que nem veludo espremido. Uma estrelinha, muito pequenina, e que tinha jeito de muito fria, rompeu na direção do Piraju. Tudo mais dava a impressão de não ter vida. A Maruca, em voz abafada, cantava a moda catira�. Estava pensando, lá entre si, que lia à toa, à toa, quem ama desencontrado! Aquilo era um desencontro. Podia haver no mundo maior desencontro maior que esse, de o Lico ter descido o rio sem explicar para onde ia e quando estaria de volta? E um que sabe que é tão querido, como ele sabia, não peca, maiormente cometendo tão feita falta? Borbulhou outra luz de estrela, no rumo do Lageado; surgiu outra sobre o rio; com pouco, uma porção dela começou a brilhar. Já o céu ficou também mais claro. Uma coruja deu de piar junto à pedra onde a Maruca parava. Outra coruja respondia de ali de perto, e pegaram de brincar de modo tão extravagante, que cada pio que davam parecia uma gargalhada e cada gargalhada um gemido. Relaram afinal as tranças de Maruca, mas a Maruca não deu fé, porque estava olhando o reflexo dum candeeiro que se espichava na água. O rio quase chorava, porque ia baixando. E nada de o Lico voltar! Ela sentiu um nó na garganta, a modo que o coração lhe adivinhava qualquer sofrimento muito doído. Um curimbatá� plancheou� rentinho com a raiz da pedra. Uma lontra pulou para o cerne� que saía da margem, com os peixes nos dentes, e o corpo de curimbatá rebuliçava�, pranteando o sombrio do bicho e do cerne. A Maruca não via coisa nenhuma, senão muito longe. Via o quê? Via coisas que já tinham passado na lonjura do tempo, abraços e beijos, apertos de mão. Ouvia juramentos de amizade para toda a vida, trovas de amor, modinhas doloridas, tudo falando ou cantando por aquele que desceu o rio. O rio agora soluçava, esfrangalhando-se� nas corredeiras: vazava� duma vez. A Maruca não teve outro remédio senão soluçar também, muito mais angustiada que o rio – nem se fale! – porque as dores que tinha eram dores do fundo do coração. Foi nesse triste momento que nhá Rosa apareceu à porta da cozinha e gritou à filha: ― Ó Maruca! Isto são horas de você ‘tar banzando na veira d’água? E quando a Maruca chegou à porta da cozinha, falou-lhe nhá Rosa com toda amargura e dureza da verdade: ― Parece que ‘ocê ‘tá esperando seu Lico? É tempo perdido! Olha que foi pro Salto, do Salto vai para a barra do Tubagi, da terra do Tubagi vai, de certo, pro inferno! Vai pro inferno, não há dúvida, que aquele desgraçado veio lá só pra tentar a minha filha! Daí, depois do que a mão lhe contou, acabando entre prantos, a Maruca só escutava, no meio dos seus desatinos, o eco e o rumor que o costume de cantar a moda lhe fizera ouvidos: Padece, que sofre, quem ama desencontrado, é ‘toa lidar! Caminho, que eu ando, vira a cara pruma banda, pra não olhar... (VALDOMIRO SILVEIRA (IN ANTOLOGIA DO CONTO BRASILEIRO: DO ROMANTISMO AO MODERNISMO, SÃO PAULO: MODERNA, 1994, p. 50-52) ANÁLISE DO CONTO 1. Quais as personagens que figuram no conto? Qual é a personagem principal (protagonista) ? 2. Cite as características físicas e psicológicas da personagem principal:-físicas e psicológicas. 3. Caracterize com três adjetivos a personagem que mais lhe agradou. 4. Os fatos ocorrem em que ambiente? Ambiente físico, como: natureza, campo ou cidade - ou - Ambiente social, como: colégio, clube, família, fábrica. 5. O ambiente influi no comportamento das personagens? Como? 6. No decorrer do conto, você percebeu algumas expressões típicas do grupo social a que os personagens pertencem? Em caso positivo, transcreva as principais, juntamente com as frases em que aparecem. 7. Relacione cinco palavras novas que você aprendeu e dê o significado de cada uma delas (pesquise no dicionário) 8. Conte em poucas palavras a história do conto. 9. Como se dá o desfecho(final)? Era o esperado por você? Sim ou não? Por quê? 10. Em que sentido a mensagem do conto contribuiu para o seu enriquecimento cultural? Provocou-lhe reflexões ou foi um simples passatempo? RESPONDA EM SEU CADERNO! � EMBED MSPhotoEd.3 ��� � Cheio, alto (falando-se as águas de um rio). � Nome de uma árvore de cuja madeira se fazem cercas, cabos de enxada, etc. � Gesto de enfado, de mau humor � Fazer a canoa parar no meio do rio � Pancada ou impulso dado com o varejão � Árvore de cujo tronco se fazem remos, gamelas, etc. � Cateretê (espécie de dança) � Certo tipo de peixe � Cair de lado � Parte de um tronco submerso que aparece à flor da água � Agitar-se, mexer-se � Dilacerar-se � Baixar (falando-se do volume das águas do rio) _1138031914.bin
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