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A ESQUIZOFRENIA ATRAVÉS DOS OLHOS DE POE Heloisa Christina Mehl Gonçalves1 RESUMO Este trabalho objetivou submeter o personagem William Wilson, criado pelo escritor britânico Edgar Allan Poe (1809-1847), em 1839, a uma análise psicológica de suas atitudes e sentimentos. O método utilizado foi a revisão bibliográfica para verificar a existência de esquizofrenia no personagem, sendo que esta hipótese foi confirmada, e diagnosticado o subtipo esquizofrenia paranóide. Concluiu-se que certos conceitos de transtornos psicológicos antecedem a criação da Psicologia, visto que esta acontece em 1879; e que deve haver um maior enfoque a estes transtornos, sendo que a inserção da literatura no ensino da Psicologia é de extrema relevância para tal. PALAVRAS-CHAVE: Edgar Allan Poe, esquizofrenia, literatura, esquizofrenia paranóide. ABSTRACT This work aimed to submit the character William Wilson, created by the British author Edgar Allan Poe (1809-1847), in 1839, to a psychological analysis of his attitudes and feelings. The utilized method was the bibliographical inspection to verify the existence of schizophrenia in the persona, being that this hypothesis was confirmed, and the subtype of paranoid schizophrenia diagnosed. It was concluded that certain concepts of psychological disorders precede the creation of Psychology, since it occurs in 1879; and that there must be a larger focus to these disorders, since the insertion of literature in the teaching of Psychology is of extreme relevance for such. 1 Bacharelanda do Curso de Psicologia do Instituto Superior de Educação Sant'Ana – IESSA – PONTA GROSSA/PR – BRASIL; email: helo_90@hotmail.com Keywords: Edgar Allan Poe, schizophrenia, literature, paranoid schizophrenia. 1. INTRODUÇÃO 1.1 - O autor: Edgar Allan Poe nasceu em 19 de Janeiro de 1809, em Boston, onde seus pais trabalhavam como atores. Quando adulto, tendo uma vida permeada de vícios, mistérios e loucuras, o autor escreveu várias obras de caráter psicológico, patológicos e parapsicológicos, como “William Wilson”, “Berenice”, “Ligéia” e “O Gato Preto”, todos envolvidos por uma aura de mistério, muito diferente para os padrões da época, inclusive atualmente. Como afirma a autora Lúcia Santanella, nenhum escritor foi capaz de “levar tão longe o exame fenomenológico da perversidade humana” (SANTANELLA, 1985, p. 142). Sendo ainda considerado por muitos um gênio, as histórias de Edgar Allan Poe abrem portas para vastos trabalhos ideológicos. 1.2 – Esquizofrenia: A esquizofrenia é subdivida no DSM-IV (do inglês Diagnostical and Statistical Manual of Mental Disorders), de acordo com os sintomas apresentados pelos pacientes. O tipo paranóide caracteriza-se pela presença de alucinações e delírios auditivos freqüentes e discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou catatônico, ou afeto embotado ou inadequado. O tipo desorganizado possui discurso e comportamento desorganizado e afeto embotado ou inadequado (sintomas proeminentes). O tipo catatônico oscila entre atividade motora excessiva e imobilidade motora evidente por cataplexia, extremo negativismo, ecolalia ou ecopraxia e peculiaridades do movimento voluntário evidenciadas por posturas inadequadas e bizarras. O tipo diferenciado é diagnosticado quando os sintomas apresentados anteriormente se manifestam, mas não são satisfatórios para classificação em nenhum grupo. O tipo residual, onde há a ausência de delírios e alucinações proeminentes, desorganização no discurso e comportamento e evidente continuação de perturbações, indicada pela presença de dois ou mais sintomas relacionados. 1. 3 - Objetivos: Visto que o conto “Willian Wilson” de Edgar Allan Poe precede a psicanálise, possuindo fatores de interesse justamente por apresentar noções teóricas que só seriam vistas anos depois, pode-se analisar o caso de específico de Willian Wilson, pela teoria psicanalítica. Objetivou-se analisar se o personagem teria um distúrbio de personalidade como esquizofrenia ou transtorno maníaco-depressivo, ou se suas sensações seriam parte essencial de sua personalidade. Sendo assim, pretende-se verificar qual seria seu diagnostico psicológico e psiquiátrico, dentro da abordagem teórica da psicanálise. Conseqüentemente, objetivou-se mostrar a professores e acadêmicos que o estudo da literatura é algo interessante para a melhor compreensão de certos aspectos de diversas abordagens teóricas na Psicologia. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica de conceitos psicanalíticos e psiquiátricos. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1 - O conto - “William Wilson” O conto “William Wilson” passa-se na Inglaterra, sendo inteiramente narrado em primeira pessoa, sendo esta o próprio William, que, na realidade, é um nome fictício. Ele apresenta-se sempre como uma vítima de circunstâncias, tendo sofrimento por um homem que o perturbou durante toda sua vida. Tendo um temperamento difícil desde a infância, seus pais decidem mandá-lo, durante o final da infância – por volta dos dez anos -, até a metade da adolescência – aproximadamente quinze anos - para uma escola tradicional e austera, na qual se encontrou sozinho, com deveres e obrigações acima de sua capacidade mental. William possuía um grupo de amigos que o admiravam por sua natureza sem parâmetros, exceto certo garoto, cujo qual será de extrema importância para análise, que, de acordo com Wilson, embarca em um “capricho” de somente tornar sua vida desgastante e humilhante, envolvendo ambos em brigas constantes. Esta significância se dá pelos fatos apresentados pelo personagem em relação ao garoto: ambos possuem o mesmo nome e sobrenome, entraram no mesmo dia na escola, possuem a mesma data de nascimento, mesma altura e mesma fisionomia; a única diferença aparente era a de que o William Wilson homônimo possuía uma voz baixa e fraca, assemelhando-se a um sussurro. No entanto, o mais importante é que ninguém via este duplo que o atormentava, a não ser William. William irritava-se com os trejeitos de seu homônimo, sendo que este o imitava não só fisicamente, mas em traços de personalidade, gestos, palavras, jeito de andar e falar; Wilson irrita-se também com o fato de que ninguém via seu homônimo. No decorrer da história, William e seu homônimo se reencontram várias vezes, até que em uma festa a fantasia, ambos os personagens iniciam uma luta, que resulta na morte do homônimo de Wilson. É neste momento que o conto oferece uma reviravolta. Ao assassinar seu homônimo, Wilson olha-se horrorizado no espelho. Contudo, o reflexo não era ele, e sim, uma simbiose dele mesmo e de seu homônimo, ensangüentado e cambaleante, que naquele momento não mais sussurrava, mas sim falava, as palavras saindo da própria boca de Wilson. Wilson havia tirado sua própria vida acreditando que estava tirando a vida de outro. 2.2 – Discussão Analisando-se o conto, uma das hipóteses levantadas é a de que William Wilson seria portador de esquizofrenia paranóide. Wilson não apresenta todos os sintomas da esquizofrenia típica, cujos quais foram feitos como critérios para avaliação pelo DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais) como: comportamento desordenado, delírios, alucinações, discurso desorganizado, diminuição da afetividade, e disfunção social/ocupacional (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994). No entanto, apresenta sintomasda esquizofrenia paranóide, um subtipo que afeta a estrutura temporal, cuja qual possui dentre os sintomas: delírios, alucinações visuais e auditivas, crença de perseguição e melhor contato com a realidade do que outros tipos de esquizofrênicos, segundo Butcher. A esquizofrenia paranóide é caracterizada justamente por não possuir os sintomas da esquizofrenia catatônica e nem do tipo desorganizado, estes sendo, por exemplo, o discurso desorganizado e comportamento catatônico ou desorganizado. Sendo assim, pode-se notar a batalha interna do portador de esquizofrenia, ora em contato com seu Self, e ora em contato com seu oposto. Como afirma o CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), a esquizofrenia fornece à pessoa “um senso de individualidade, unicidade e de direção em si.” (OMS, 1993). Também dentro do CID-10, encontra-se os principais sintomas que confirmam a hipótese: “(...) percepção delirante; vozes alucinatórias comentando o comportamento do paciente (...)” (OMS, 1993). O sintoma mais importante de William Wilson envolve as alucinações e os delírios. Na esquizofrenia paranóide, o paciente tem “uma crença delirante, geralmente única e passa a achar que todas as coisas ou pessoas estão relacionadas a este delírio” (MESSAS, s/a); no caso de Wilson, ele acreditava que seu homônimo o seguia em todos os cantos. A hipótese sendo verdadeira e Wilson sendo portador de esquizofrenia paranóide, explicaria o fato de que somente ele podia ouvir e ver seu homônimo, exemplificando as alucinações presentes neste distúrbio. Além disso, pode-se ver como a relação do esquizofrênico com sua própria personalidade é repleta de altos e baixos, desejando tornar-se livre disto que o atormenta, mas, ao mesmo tempo, tendo conhecimento de que isto faz parte de quem ele é e de como ele se constituiu. 3. CONCLUSÃO Pode-se diagnosticar o distúrbio de William Wilson como sendo esquizofrenia paranóide, já que demonstrou, por vários episódios, alucinações e delírios vividos em paralelos com a realidade, em conjunção com seu histórico pessoal e familiar. Com as observações constatou-se que muito antes da estruturação e definição das teorias psicológicas, inclusive a criação em 1897 do primeiro laboratório de Psicologia, evento que marca a criação desta, autores como Edgar Alan Poe já retratavam suas percepções em relação à sintomatologia de certos distúrbios. Conclui-se também que professores do Ensino Superior, principalmente na área de Psicologia, poderiam dar mais ênfase ao uso da literatura em sala de aula para elaboração de instrumentos em estudos de caso, facilitando assim a compreensão por parte dos acadêmicos dos sintomas de diferentes síndromes, transtornos, distúrbios, fobias, traumas e patologias, as quais se manifestam corriqueiramente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIATION, American Psychiatric. DSM-IV. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 1994. BUTCHER, James Neal. Psicologia do Anormal. São Paulo: Cultrix Ltda, 1971. MESSAS, Guilherme. A Fenomenologia e sua abordagem estrutural. PSIQUE: Edição Especial. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 32-39, s/a. Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamentos da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: ARTMED, 1993. POE, Edgar Allan. Contos de terror, de mistério e de morte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. POE, Edgar Allan. William Wilson. http://vsites.unb.br/il/tel/Graduacao/romantismo/wilson.htm, visitado em 26 de setembro de 2009, às 19:40.
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