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ENTREVISTO ERIK BRYNJOLFSSON UM TURBILHÃO VEM AÍ O professor do MIT afirma que o desenvolvimento da inteligência artificial levará a humanidade a uma transformação só comparável à provocada pela Revolução Industrial PIETER ZALIS DURANTE SÉCULOS, a força dos músculos humanos era a única fonte de energia capaz de produzir coisas. Com a Revolução Industrial, a energia passou a vir da potência de uma in- venção maravilhosa: as máquinas. Foi a primeira era das máquinas. O ganho de produtividade provocou um salto inédito na história da humanidade e lançou as bases do mundo tal qual o conhecemos hoje. Agora, diz o econo- mista americano Erik Brynjolfsson, estamos no alvorecer de uma nova re- volução: depois dos braços do homem e da máquina a vapor, chegamos aos avanços da tecnologia e da inteligên- cia artificial. São elas que vão poten- cializar a capacidade humana de ma- neira a mudar mais uma vez a forma como vivemos. Nesta entrevista, reali- zada de Londres por Skype, Bryn- jolfsson, diretor do Centro de Negócios Digitais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), fala sobre como será o mundo no futuro próximo. O senhor diz que o mundo vive "a se- gunda era das máquinas". Como a definiria? Chamo assim o momento atual porque o que as tecnologias da computação e os avanços digitais es- tão fazendo pelo nosso cérebro é o mesmo que as máquinas a vapor fize- ram pelos nossos braços na época da Revolução Industrial, a primeira era das máquinas. Que mudanças a segunda era das máquinas trará? A história da hu- 2 DE NOVEMBRO. 2016 15 ENTREVISTA ERIK BRYNJOLFSSON manidade é marcada por longos pe- ríodos de estabilidade, tanto no que se refere ao crescimento da econo- mia como em relação à melhoria do padrão de vida. Uma das poucas ex- ceções foi justamente a Revolução Industrial, quando houve crescimen- to anual médio na Inglaterra de 2% ao ano. Agora, o potencial é muito maior. Nos últimos anos, computa- dores começaram a diagnosticar doenças, dirigir carros e escrever prosa — algumas de alta qualidade — sem nenhuma orientação huma- na. Também já conseguem escutar e falar como seres humanos. Essas transformações estão criando um novo impulso para o crescimento da economia global. Quando se compa- ram as taxas de aumento de produti- vidade no mundo desde a década de 70, vemos que em nenhum período elas foram tão altas quanto entre 2000 e 2010. E o principal responsá- vel por isso é o uso da tecnologia. Qual é o marco zero dessa revolu- ção? O ano de 1997, quando o com- putador Deep Blue, da IBM, venceu pela primeira vez o russo Garry Kas- parov, campeão mundial de xadrez. Esse foi o primeiro momento de que se tem registro de um computador conseguir ser melhor que um huma- no em um jogo de estratégias extre- mamente complexas. Mas, de lá para cá, essa situação de superioridade das máquinas mudou, não? Sim. A capacidade humana ain- da faz diferença, e no xadrez isso fi- cou claro com a invenção dos tor- neios denominados freestyle (em que competem três categorias: computa- dores, enxadristas e enxadristas que jogam com a ajuda de computado- res). O próprio Kasparov relata uma disputa realizada em 2005, a primei- "As tecnologias da computação e os avanços digitais estão fazendo pelo nosso cérebro o mesmo que as máquinas a vapor fizeram pelos nossos braços na Revolução Industrial" rã desse tipo. O vencedor do torneio não foi um computador, tampouco um mestre do xadrez. Quem ganhou a competição foi uma equipe de joga- dores amadores que ut i l izou três computadores comuns. A capacidade de fazer com que as máquinas calcu- lassem para eles a efetividadc de ca- da posição no tabuleiro e suas conse- quências foi definitiva para o resulta- do. Isso mostrou que a combinação mais eficaz era a de humanos que, mesmo não sendo excepcionais no jogo, sabiam usar as máquinas a seu favor. Hoje, os "centauros" derrotam tanto os supercomputadores quanto grandes enxadristas que não têm su- ficiente habilidade para fazer a tec- nologia trabalhar para eles. O que são os centauros? É como chamamos a combinação entre ho- mens e máquinas. Na mitologia, o centauro é metade homem, metade cavalo. Economistas como Robert Gordon afirmam que já esgotamos a capaci- dade de inovar com a tecnologia e que os avanços que o senhor tem previsto jamais se concretizarão. A diferença entre as nossas visões está no que entendemos ser o conceito de inovação. Economistas como Robert Gordon — e preciso dizer que ele é um bom amigo — enxergam a inova- ção como uma árvore frutífera: à me- dida que as frutas localizadas nas partes mais baixas são coletadas, fica mais difícil pegar as outras. Em de- terminado momento, as frutas da ár- vore se acabam. Já eu acredito que inovação é como montar um bloco de Lego, em que combinamos e recom- binamos as peças para criar novas estruturas. E, quanto mais peças existirem, mais opções haverá como resultado final. Por isso, acredito que não esgotamos nosso potencial de inovação. Na verdade, acredito que mais do que nunca temos um am- biente propício para criar soluções inovadoras. A internet está prestes a atingir 5 bilhões de pessoas. É muito mais do que qualquer tecnologia já alcançou. Todos esses bilhões de pessoas não apenas terão mais aces- so à informação como também, e o mais importante, serão capazes de criar mais peças de Lego — ou seja, de acrescentar novos conhecimentos ao mundo. Além de vantagens, a segunda era das máquinas trará problemas? Na- da preocupa mais do que a questão do emprego. Não dá para desprezar o fa- to de que diversas atividades hoje rea- lizadas por homens serão substituídas por máquinas. Teremos uma massa de desempregados. Um estudo produ- zido pela Universidade de Oxford prevê que metade dos trabalhos que existem hoje deverá desaparecer no 18 2DF. NOVKMIIUO. 2010 prazo de uma ou duas décadas. Por que isso é inevitável? Vejamos o exemplo da Kodak e do Instagram. Os principais sócios do Instagram são, cada um deles, dez vezes mais ri- cos do que era George Eastman, o fundador da Kodak, empresa da pri- meira era. Só que essa companhia de super-ricos tem cerca de 5 000 fun- cionários — contra 145 000 que a Ko- dak teve em seu auge. Em compensa- ção, outras ocupações, mais ligadas ao raciocínio, como a de analista fi- nanceiro, ou mesmo predominante- mente manuais, como a de cabeleirei- ro, estão se saindo relativamente bem nessa era de transformações digitais. A questão principal não é a oposição entre o trabalho intelectual e o ma- nual, mas entre o repetitivo e o não repetitivo — é esse segundo tipo que tem conseguido sobressair. O senhor diria que a economia global tem se beneficiado da segunda era das máquinas, mesmo que ainda não se tenha recuperado totalmente da crise de 2008? Um dos principais pontos que precisamos repensar é como medimos a nossa economia. Veja o caso do produto interno bruto. De cálculos feitos no Inst i tuto de Tecnologia de Massachusetts, con- cluímos que o PIB, da forma que é medido hoje, já deixou de contabili- zar pelo menos 300 bilhões de dóla- res na economia global. Os bens digi- tais, que em grande parte são gratui tos, dificilmente são contabilizados. A leitura de uma revista na internet, por exemplo, pode ser de graça, mas, como o leitor não paga um dólar por isso, não entra na conta. O PIB fun- ciona bem para calcular quilos de aço e carros vendidos, que impulsio- naram a economia do século XX, mas tem limitações quando se trata do século XXI. Quando o impacto positivo da se- gunda era das máquinas poderá ser sentido na vida das pessoas? Sem- pre que há uma reorganização no sis- tema, como ocorre agora, o cresci- mento imediato sofre consequências. Veja o que aconteceu com a invenção da eletricidade, introduzida nas ope- rações de fábricas há cerca de 100 anos. Foramnecessários trinta anos até que os primeiros sinais de aumen- to de produtividade fossem sentidos na economia. O senhor estuda esse tema há mais de uma década. Nos últimos dez anos, avançamos mais ou menos do que o senhor esperava? No campo tecnológico, houve um avanço notá- vel. Técnicas como deep learning (em inglês, aprendizado profundo), em que modelos computacionais são de- senhados para seguir padrões do nosso cérebro, avançaram muito. Em alguns casos, como o da visão, os er- "A crescente substituição do trabalho humano pelas máquinas deverá fazer com que metade das ocupações que existem hoje desapareça no prazo de uma ou duas décadas" ros caíram de 30% para 10% nos últi- mos anos. Hoje, quando um compu- tador lê uma frase, ele acerta nove em dez palavras. São resultados mui- to superiores ao que se imaginava. Outro exemplo é o dos carros autó- nomos. Quando escrevi a primeira edição do livro A Segunda Era das Máquinas, em 2014, os carros do Google só trafegavam em estradas onde não havia grandes mudanças no percurso. Estive na sede da empresa recentemente e fiquei impressionado com a evolução. Agora, esses veículos conseguem transitar em ruas irregu- lares dos subúrbios, são capazes de reconhecer sinais de trânsito, virar à direita ou à esquerda. A palavra dro- ne mal existia há uma década. Hoje, um conjunto de pequenos drones consegue construir uma ponte sem controle humano. Onde faltam avan- ços é no campo institucional. Quais são os avanços institucionais mais urgentes? Deveríamos discutir novos marcos regulatórios para os ne- gócios, pensar na reinvenção que será necessária na educação para esse novo mundo em que profissões serão dizima- das pelas máquinas, e encontrar solu- ções para o problema da desigualdade, que tende a se acentuar. Nesse último quesito, detendo um "imposto de renda negativo". Quem ganha acima do míni- mo a partir do qual se tem de recolher imposto paga. Quem ganha abaixo po- deria receber um complemento ate atin- gir esse mesmo patamar mínimo. O que os computadores jamais con- seguirão resolver? Atualmente, está muito claro que os computadores são ótimos para encontrar respostas, mas ainda não são capazes de desenvolver questões. Essa habilidade até agora parece ser unicamente humana e tem alto valor. • 2 DE NOVEMBRO. 2016 19
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