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65LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância UNIDADE IV LEITORES E LEITURAS: DA AUTOAVALIAÇÃO PARA A FORMAÇÃO Professora Me. Débora Azevedo Malentachi Objetivos de Aprendizagem • Autoavaliar suas características enquanto leitor, com vistas ao aprimoramento das habilidades típicas de leitores competentes, experientes e proficientes. • Compreender a importância da leitura na formação humana e acadêmica, de modo a praticá-la com criticidade. • Conhecer as etapas e estratégias de leitura, para que possa aplicá-las de modo consciente. • Entender a leitura enquanto produção de sentidos, colocando-se como sujeito ativo diante dos textos. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Leitores: algumas características • Leitura: etapas, níveis e concepções • Estratégias de leitura 66 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância 67LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância INTRODUÇÃO (Salvador Felipe Jacinto Dali y Domenech – Sem título – óleo s/ tela – 1954 – 120 x 80cm) Fonte: <muraldosescritores.ning.com> Se alguém lhe perguntasse sobre como você se considera enquanto leitor, qual avaliação faria de si mesmo? Qual o significado da leitura para você e qual a sua concepção a esse respeito? Quais os motivos e objetivos que o conduzem nas suas leituras? O que busca a partir delas, como as realiza e qual seu nível de compreensão ao final de cada texto? Para que esta unidade lhe seja produtiva, é fundamental que você comece por uma autoavaliação acer- ca de suas características enquanto leitor. Este será o seu primeiro passo e as perguntas acima podem ajudá-lo a iniciar esse processo de autoconhecimento. Aliás, para que você seja, de fato, um leitor de su- cesso, é importante que esse passo seja parte de sua rotina acadêmica e, sobretudo, de sua vida pessoal. Todos nós somos leitores em processo e é sempre importante cuidar da QUALIDADE das nossas leituras, lançando-lhes um olhar crítico, avaliando nossas habilidades leitoras, de modo a lidar conscientemente com algumas dificuldades que podem interferir no desenvolvimento desse processo fascinante que é a leitura – de mundo, de imagens, de palavras, de pessoas, de tudo o que está disponível para atribuição de sentidos! Tudo o que você já sabe sobre textos e leituras certamente tem algum valor. Porém, é tempo de aprofundar seus conhecimentos e aperfeiçoar suas habilidades leitoras, de modo a acrescentar em sua formação humana, acadêmica e profissional todas as características de um leitor proficiente, experiente. Nesse sentido, visitaremos alguns estudiosos da linguagem que nos explicam as principais concepções de leitura. Vamos entender o porquê de sua importância, compreendê-la enquanto processo, analisar o encontro do leitor com o texto e averiguar as estratégias que constituem esse diálogo. Estudaremos suas etapas e níveis, concomitantemente passearemos por alguns textos e, na tarefa de interpretá-los, você perceberá que eles dizem muito mais do que está explícito em suas palavras. 68 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem. (Mário Quintana) LEITORES: ALGUMAS CARACTERÍSTICAS Já ouvimos muitos acadêmicos reclamando de suas dificuldades na leitura, e nossa maior satisfação enquanto professores é dizer-lhes que a leitura é um processo que pode ser aprendido. Ser alfabetizado, e muito bem alfabetizado, não basta para a formação de leitores críticos, experientes e proficientes. É necessário mais do que simplesmente decodificar signos ou códigos linguísticos. Então, se não basta saber ler em sua língua materna, o que é preciso para ser um bom leitor? Para pensar nisso juntos, começaremos com um texto de opinião que nos mostra outra face da moeda: O QUE É UM MAU LEITOR? Por Lizia Helena Hagel [...] o mau leitor precisa ser melhor especifi cado para que estratégias diversas para sua recuperação possam ser levantadas. Nesse detalhamento inclui-se, em primeiro lugar, a falta de curiosidade que ele apresenta sobre o que se lhe oferece como estímulo material para desenvolvimento de sua vida, para desenvolvimento de sua personalidade, ou para sua atuação como profi ssional. O desinteresse por algo fora dele mesmo é marcante; o mau leitor não consegue ter propósito ou vontade intencionalmente direcionada para além de seus interes- ses mais imediatos ou primários. [...] O mau leitor, na verdade, não se propõe a nenhum diálogo intermediado por outra coisa que não seja seus pró- prios desejos interiores. A letargia, ou a preguiça, acompanha e consagra o indivíduo que se mantém dominado por impulsos ou como joguete de estímulos os quais não controla. Ele não se pergunta, por exemplo, - o que sei sobre isso? O compromisso do aprendiz consigo mesmo, enquanto potencialmente um aprendiz, não se realiza. Como o aprendiz não se pergunta sobre o que sabe ou não sabe, não direciona sua atenção, muito menos se concentra em qualquer leitura. Com esse tipo de comportamento, não pode identifi car quais sejam a idéias principais de um texto, assinalar as partes mais importantes de um artigo ou confrontar os pontos de vista do autor com os seus. Impossível, conseqüentemente, analisar, avaliar, julgar por parâmetros defi nidos, externos, universais ou objetivos. No entanto, mesmo admitindo que está fazendo um curso porque sua formação não está fi nalizada, não aceita ter defi ciências ou limites na esfera do conhecimento, nas habilidades cognitivas. A imagem que tem de si mesmo não confere com seu desempenho afetivo e intelectual. Seu sentir e seu pensar apresentam-se desconectados. Não reconhece o tipo de energia que lhe move e, por isso mesmo, terá imensa difi culdade em tornar-se um bom leitor. Para se tornar um bom leitor, o sujeito, de qualquer faixa etária, precisaria buscar sempre dominar a própria 69LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância língua e, particularmente, o seu vocabulário. O vocabulário, no entanto, só é enriquecido pelo hábito de ler. Para essa dinâmica começar a funcionar é preciso modifi car o próprio comportamento. Fonte: <http://www.espacoacademico.com.br/032/32cnagel.htm>. Acesso em: 14 mar. 2012.Fonte: <http://www.espacoacademico.com.br/032/32cnagel.htm>. Acesso em: 14 mar. 2012. Ótimo texto para reflexão, não é mesmo? Você poderia resumi-lo em algumas poucas frases, usando suas próprias palavras? Ou apenas sintetizar de imediato qual seu assunto geral e o ponto de vista defendido pela autora? Ou seria necessário realizar outra leitura? Se sua resposta para esta última pergunta for sim, muito bem! Faça-o sem nenhum constrangimento, pois alguns textos, mais que outros, exigem mais leituras, e RELEITURAS FAZEM PARTE NATURAL DO PROCESSO. Agora, não vamos simplesmente parafrasear ou dizer com outras palavras o que a autora tão claramente explicou e argumentou. Faremos a leitura daquilo que está dito por trás das linhas, as ideias implícitas. Se um mau leitor é tudo o que afirma a autora, então podemos inferir que: - Um bom leitor é curioso, interessado, ávido por conhecimento. - Um bom leitor não espera que as motivações para a aprendizagem venham de fora, pois nele mesmo há volição, ou seja, vontade de aprender. - Um bom leitor estuda não por mera obrigação ou simplesmente para concluir o que começou. Estuda porque reconhece suas limitações e objetiva superá-las. - Um bom leitor é e se comporta como um aprendiz em potencial. - Um bom leitor não vive imerso em uma ilha, escravizado e limitado em seus desejos interiores. Ele dialoga com o mundo da leitura, com a leitura do mundo, com os desejos de outras pessoas, impressos em uma folha de papel ou expressos em um simples olhar. - Um bom leitor nunca se sente vazio, porque busca concentrar suaatenção e seus interesses de fora (outros textos) para dentro (seus próprios textos), e de dentro para fora, interagindo com conteúdos que enriquecem e enchem sua alma de conhecimento. O que fi zemos aqui foi um diálogo com a autora do texto. Ainda com base em suas ideias, propomos que dê continuidade a esse diálogo, às inferências: se a autora diz que um mau leitor não se pergunta “o que sei sobre isso?”, um bom leitor faria o quê? Vamos lá! INFERIR é uma das ações ou estratégias de leitura sobre as quais abordaremos mais adiante. 70 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância Para dar continuidade à temática, vamos apreciar um poema de Drummond. A PALAVRA MÁGICA Certa palavra dorme na sombra de um livro raro. Como desencantá-la? É a senha da vida a senha do mundo. Vou procurá-la. Vou procurá-la a vida inteira no mundo todo. Se tarda o encontro, se não a encontro, não desanimo, procuro sempre. Procuro sempre, e minha procura ficará sendo minha palavra. (Carlos Drummond de Andrade, in: “Discurso da Primavera”) Esse poema permite algumas interpretações... É possível que o eu lírico, isto é, a voz que fala no poema, simbolize um leitor convicto não apenas do valor e poder contido nas palavras, mas, sobretudo, de seu próprio valor diante delas. O mundo da linguagem está à disposição dos escritores que, por sua vez, escrevem para serem lidos, compreendidos e, até mesmo, contestados. O leitor do mundo real tem a seu favor todo o universo da linguagem e, assim como acontece com o eu lírico, vive à procura da palavra que melhor traduza seus pensamentos, que da melhor forma possível expresse seus sentimentos. De modo consciente ou não, cada um dos leitores é a razão de ser de cada palavra. É quem deixa para sempre as palavras esquecidas e apagadas nos livros da estante, empoeirados; ou quem, espontânea ou obrigatoriamente retira as relíquias do armário e leva às palavras Fo nt e: P ho to s. co m 71LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância um sopro de vida. É fundamental, caro(a) aluno(a), que você compreenda que existe em cada leitura uma relação dialógica entre autor e leitor. Ambos interagem por meio da palavra escrita. De um lado da ponte está o autor, que escreve para ser lido (não para que suas palavras fiquem eternamente à mercê da poeira...). Do outro, o leitor que não é (ao menos não deveria ser) mera vítima do poder que há nas palavras do autor. Cabe ao leitor encontrar o autor ausente (porém presente em suas palavras) e, neste diálogo, manter-se crítico e atento, de modo a propor a sua contrapalavra (sua opinião, seus argumentos). Um leitor crítico não cai na armadilha da alienação e da manipulação. A ideia “palavra mágica”, no poema, também nos sugere a constatação de que, por ser tão mágica, uma mesma palavra ou texto pode gerar mil e uma interpretações. Isso porque nenhum leitor é igual ao outro e, por isso, cada qual faz de um mesmo texto leituras diferentes! Isso não significa que todas as interpretações estarão corretas, adequadas ou coerentes. Cada texto traz as pistas para que o leitor faça interpretações coerentes, e não aleatórias. Até aqui, prezado(a) aluno(a), é importante que você compreenda, principalmente, a importância de seu posicionamento crítico frente às leituras, de modo que você entre em cada texto de um jeito e saia dele uma nova pessoa: cada vez mais crítica, prudente, perspicaz e experiente; com uma roupagem nova em sua visão de mundo, com pontos de vista e conhecimentos enriquecidos. Para o bem ou para o mal (e, como nos contos de fada, torcemos para que o bem sempre prevaleça...), os textos produzem efeitos em leitores atentos. Caso contrário, o que ocorre é uma leitura desatenta, aleatória, sem objetivos. Uma pseudoleitura! Na pseudoleitura, o sujeito lê o texto e, ao final dele, resta-lhe apenas um grande ponto de interrogação sinalizando sua completa falta de compreensão do que foi lido. Isso ocorre, basicamente, porque algo inadequado, involuntário e não consciente ocorreu no processo dessa leitura. Seja o cansaço que limita a concentração e, consequentemente, a compreensão do texto; ou a preguiça de processar com o cérebro o que está sendo lido com os olhos; ou, ainda a pressa de concluir a leitura simplesmente para dizer a quem quer que seja que leu o texto “in-tei-ri-nho”. Lamentavelmente, existem leitores muito mais preocupados com a quantidade do que com a qualidade de suas leituras. Para valer de fato a pena, a quantidade de leituras deve estar de mãos dadas com a qualidade! Todo homem que lê demais e pensa de menos adquire a preguiça de pensar. Albert Einstein Existem outros fatores, de ordem pessoal, física, emocional ou cognitiva, que podem interferir nas leituras, 72 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância e você mesmo poderia elencar ao menos um deles, tomando como ponto de partida circunstâncias em que, ao final de um texto, a temerosa pergunta lhe surgiu espontaneamente: “O que eu li mesmo?”. Já passou por situação semelhante? Se já, certamente não é o único e, ainda nesta unidade, trataremos sobre algumas estratégias fundamentais para evitar esse grande ponto de interrogação. Agora, vamos retomar o poema de Drummond e acrescentar outro rumo ao tema. O sentido que lhe atribuímos pode se estender aos signos não verbais, como, por exemplo, as imagens. Por alguns segundos, olhe a imagem a seguir: Fonte: <iplay.com> Esta imagem está na internet e aparece com os dizeres: “um novo piercing para mulheres”. É importante que façamos a observação de todos os detalhes que a compõem: o que pode nos sugerir, por exemplo, o olhar dessa mulher, seu rosto sem maquiagem e o fundo escuro da foto? Certamente, cada um dos aspectos, em separado ou em conjunto, pode suscitar várias impressões de leitura e interpretações muito pessoais. Depende das experiências de cada leitor e de seu contexto sócio-histórico-cultural. Vamos refletir... Que tipo de leitura faria dessa imagem uma mulher que sofreu violência doméstica? Qual seria o sentido dessa imagem para uma senhora que viveu no período da ditadura? Teria o mesmo sentido para uma jovem socialite contemporânea que vive conectada com o consumismo e interessada apenas em dinheiro? Qual interpretação faria um homem que considera admirável a natureza comunicativa da mulher? O que diria dessa imagem um homem que se considera senhor da verdade e que não tolera ser contrariado, 73LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância principalmente por mulheres? O que diria uma cidadã comum e bem esclarecida acerca de seus direitos frente a uma imagem dessas? Enfi m, qual o sentido dessa imagem para você, e o que lhe faz pensar assim? É possível estabelecer algum tipo de relação entre o poema de Drummond e a imagem? Enquanto o poema nos sugere a leitura da palavra “que dorme na sombra de um livro raro”, a mulher da imagem suscita que tipo de refl exão acerca da palavra? Em suma, você percebeu como não existe mesmo um sentido único para cada palavra, texto ou imagem? LEITURA: ETAPAS, NÍVEIS E CONCEPÇÕES De modo geral, a leitura consiste em quatro etapas: Decodificação – é o reconhecimento das letras, suas ligações com outras e com os seus significados. Decodificar é apenas o início do processo de leitura. Compreensão – é assimilar as informações de um texto, captar suas ideias principais. Nessa etapa, é importante que o leitor tenha conhecimentos prévios sobre o assunto tratado no texto, para que tenha condições de atribuir significação às palavras decodificadas. Interpretação – é a capacidade de análise crítica do leitor frente ao texto e só ocorre depois da compreensão. Se não há compreensão, não é possível ao leitor interpretar o que leu. Nesta etapa, o leitor recupera todas as informações e conhecimentosprévios sobre o assunto, estabelece a intertextualidade entre os textos, questiona, julga e tira conclusões a respeito do que leu, concorda com as palavras do autor ou as contesta. Retenção – nesta etapa, ocorre a memorização das informações mais importantes, as quais ficam arquivadas na memória de longo prazo do leitor, seu repertório de conhecimentos. Desse repertório, o leitor resgata seus conhecimentos internalizados para dialogar com as novas leituras que realizará. É importante considerar cada uma das etapas de leitura no processo de autoavaliação que combinamos no início desta unidade. Seu desempenho nessas etapas depende do nível de suas leituras. São, basicamente, três níveis: Leitura superficial – neste nível, o leitor fica preso na superficialidade das palavras, decodifica-as, relaciona cada uma delas ao seu significado; se não conhece o significado de alguma, simplesmente a ignora, em vez de consultar um dicionário. O leitor não consegue depreender o assunto geral do texto, muito menos compreendê-lo em sua totalidade. 74 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância Leitura adequada – já neste nível, o leitor extrapola a mera decodificação e não fica preso na superfície das linhas textuais. Ele consegue compreender o assunto geral e atribuir, ao menos, um significado ao texto, fazendo uso de seus conhecimentos prévios (de mundo, textuais e linguísticos, abordados mais adiante). Leitura complexa – neste nível, além de ler e compreender o que está escrito nas linhas do texto, o leitor lê nas entrelinhas e por trás delas. Ele produz vários sentidos para o texto e estabelece intertextualidades nesse processo. É um leitor crítico. Tão importante quanto conhecer e refletir sobre as etapas e níveis de leitura, importa retomar, aqui, a tese – ler é um processo que pode ser aprendido. Por isso, o avanço de uma etapa para outra e de um nível para outro é perfeitamente possível para qualquer pessoa, de qualquer idade, desde que haja vontade e empenho. Importa, também, considerar o fato de que teorias linguísticas não bastam para aperfeiçoar habilidades leitoras. Somente as desenvolvemos mediante a convicção do quanto a leitura é importante e do quanto precisamos dela para a nossa formação, não apenas profissional, mas humana. Nesse sentido, quem já não ouviu de pais, professores e até mesmo da mídia os famosos clichês: “a leitura é importante”, “leia mais”, “ler é viajar” etc.? Pois bem! Que a leitura é importante todo mundo já sabe. Que muitas leituras nos possibilitam conhecer e viajar por tantos outros mundos, contextos e situações, também sabemos. Entretanto, poucos sabem qual é, de fato, a verdadeira leitura, aquela capaz de formar, completar e transformar meros sujeitos passivos inseridos em uma sociedade em sujeitos ativos nela, isto é, cidadãos – no sentido pleno da palavra! Em que consiste, afinal, a verdadeira leitura? O texto a seguir sugere reflexões muito pertinentes a esse respeito. Foi escrito pela historiadora, filósofa, dramaturga e escritora mineira Guiomar de Grammont. Vale a pena conhecer, na íntegra, as sábias palavras da autora. 75LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido. Afi nal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos. Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afi nal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afi nco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação. Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfi m, é fazer o que dele esperam e nada mais? Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, neces- sariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido. Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfi ar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas. Não, não deem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus fi lhos, pode levá-los a desenvolver esse gos- to pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro. Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma fi cção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se puses- sem a articular bem suas demandas, a fi ncar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade. O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas leem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as fi las, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. É esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura? É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio conce- dido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em fi las, em metrôs, ou no silêncio da alcova… Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um. Afi nal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos. Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra 76 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância é inútil. Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos… A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identifi car sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida. Ler pode tornar o homem perigosamente mais humano. Fonte:In: PRADO, J. & CONDINI, P. (Orgs.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999, pp.71-3. A leitura caracteriza-se como um dos processos que possibilita a participação do homem na vida em sociedade, em termos de compreensão do presente e passado e em termos de possibilidade de transformação sociocultural futura. Ezequiel T. da Silva Impressionante o poder trans(formador) da leitura, não é mesmo? Sociedades inteiras podem ser modificadas se forem compostas por multidões de leitores críticos. Leitores críticos são “perigosamente” mais humanos. Percebeu que ser perigoso, no sentido sugerido pelo texto, não consiste em algo destrutivo? Muito pelo contrário! Consiste na construção de uma sociedade mais justa e solidária, feita por pessoas muito mais conscientes de seus deveres, muito bem preparadas para exigir seus direitos. A “pensar fundo na questão”, o que mais você diria sobre a LEITURA? Qual a sua opinião sobre as ideias da autora? Você percebeu o quanto seus exemplos e argumentos estão carregados de ironia? Você conseguiu fazer a leitura nas entrelinhas? Você está satisfeito com a leitura que realizou desse texto? Se não, sugerimos que leia-o de novo. Experimente-o mais uma vez. FAÇA SUAS ANOTAÇÕES ÀS MARGENS. Pelo computador, você pode utilizar o ícone inserir comentários. É ótimo! Se, no decorrer das suas leituras, você tiver por hábito registrar seus argumentos, suas ideias, questionamentos e conclusões, então você já não será mais um sujeito passivo diante dos textos e, por isso, a cada leitura será uma nova pessoa.isso, a cada leitura será uma nova pessoa. Para Leffa (1996, p. 10) “ler é [...] reconhecer o mundo através de espelhos”, “é, na sua essência, olhar uma coisa e ver outra”. Como, por exemplo, fixar os olhos em um montante de dinheiro e ver uma casa luxuosa. Trata-se de um processo de “triangulação”. Segundo o autor, “sem triangulação não há leitura”, há somente uma tentativa de leitura. O leitor lê, mas não entende; olha, mas não vê. Em termos mais específicos, existem três linhas teóricas a respeito da leitura: alguns teóricos acreditam que ler é extrair significado do texto; para outros, atribuir-lhe significados; para o terceiro grupo, ler é interagir. 77LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância Fonte: Photos.com Na primeira concepção, o texto tem maior importância, tem um fim em si mesmo, é a voz absoluta e precisa do leitor apenas para ser decodificado. O significado, exato e completo, está contido nas palavras do autor, cabendo ao leitor, simplesmente, a árdua tarefa de compreendê-las integralmente e, assim, descobrir esse significado. Na segunda concepção, o leitor ganha importância. Nessa acepção, a origem do significado de um texto está no leitor. “O mesmo texto pode provocar em cada leitor e mesmo em cada leitura uma visão diferente da realidade” (LEFFA, 1996, p. 14). Por fim, na terceira concepção, o sentido da leitura consiste, exclusivamente, da relação entre leitor e texto. Este não é mais importante que aquele, ou vice e versa. Ambos dependem um do outro e da interação entre eles para que a atribuição de sentidos ocorra de modo eficaz. A leitura é, portanto, um processo de interlocução entre leitor e autor, mediado pelo texto. Não se trata apenas de extrair informações da escrita, decodificando-a palavra por palavra. É um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção de significados do texto. Ainda com o intuito de pensar a leitura em seu sentido pleno, nos Parâmetros Curriculares Nacionais encontramos a seguinte definição: “A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc.[...]” (Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998, pp. 69-70). Observe que, de fato, tal como nos ensinou Paulo Freire, “a leitura do mundo precede a leitura da 78 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância palavra”. Isto é, toda a leitura de mundo e outros elementos prévios que o leitor traz consigo contribuem, e muito, para que ele compreenda os conteúdos lidos. A partir da definição supracitada, vamos esmiuçar alguns desses elementos e acrescentar outros. Conhecimento sobre o assunto Sem conhecimento prévio sobre o assunto a ser lido, as dificuldades de compreensão são gigantescas, mas não intransponíveis. Se em um curso de oratória somos convocados para falar ao público e altamente surpreendidos com o assunto sorteado, algo que desconhecemos totalmente ou sobre o qual temos pouco domínio, a situação seria embaraçosa, não é mesmo? Não teríamos nenhuma chance, nem mesmo tempo, para buscarmos informações a respeito, a fim de conseguirmos, ao menos, meia dúzia de palavras para dizer. Por outro lado, se nos for proposta a leitura de conteúdos sobre os quais não temos prévio conhecimento, a situação não será tão embaraçosa quanto a mesma circunstância no curso de oratória, porque teremos tempo e condições para suprir essa lacuna por meio de uma série de leituras. Não há leitura qualitativa no leitor de um livro. A qualidade (profundidade?) do mergulho de um leitor em um texto depende – e muito – de seus mergulhos anteriores. Geraldi O conhecimento prévio sobre o assunto possibilita ao leitor colocar em prática uma estratégia de leitura fundamental: inferir ou levantar hipóteses sobre o que será dito no texto antes mesmo de iniciar sua leitura. No percurso da leitura, caberá ao leitor confirmá-las ou refutá-las. Quanto mais leituras qualitativamente realizadas sobre conteúdos diversos – não apenas os exigidos pela academia – maior o repertório de conhecimentos do leitor, tanto o de mundo quanto o linguístico. Consequentemente, maiores as possibilidades de compreensão e interpretação de textos. É mais do que natural e até mesmo necessário ao nosso crescimento, em alguns momentos da vida, sermos desafiados a compreender algum texto que nos apresente assuntos completamente novos, ou velhos assuntos tratados sob um viés completamente inusitado. Isso significa que, provavelmente, aquele texto exigirá mais que uma leitura para que possamos compreendê-lo em sua totalidade. Como já dissemos, releituras fazem parte do processo. Depende do grau de complexidade não apenas decorrente da novidade do assunto, mas, também, do estilo de quem o produziu. Alguns escritores utilizam uma linguagem bastante rebuscada, períodos muito extensos, inversão de classes gramaticais e outros fatores que podem, sim, exigir muito mais o empenho de seus leitores. 79LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância Conhecimento linguístico Nas aulas de gramática, em que o estudo da língua ocorre de modo completo, sistemático e minucioso, adquirimos um repertório linguístico importantíssimo e essencial para o nosso desempenho enquanto leitores e, também, produtores de texto. Entretanto, para que seja ampliado, esse repertório requer a prática de muitas leituras realizadas de modo crítico e consciente. Portanto, na leitura dos tantos materiais sobre os quais você se debruça, lance-lhes um olhar de detetive. Seja um detetive de palavras. Observe o estilo do autor, o emprego de regências e concordâncias. Atente para o modo como ele usa os pronomes. Olhe atentamente para a escrita de palavras que você não considera fáceis. Memorize-as e comece a usá-las com certa frequência, nas situações que julgar convenientes, seja na fala ou na escrita. Identifique as figuras de linguagem utilizadas pelo autor, como, por exemplo, as ironias e metáforas. Se não se lembra das figuras de linguagem, busque revisá-las e aplicá-lasna produção de seus próprios textos. Além de um dicionário da língua portuguesa em mãos, tenha também uma gramática e a estude de vez em quando. Fonte: Photos.com Conhecimento sobre o autor O conhecimento prévio sobre o autor – seu estilo de escrita, as ideias que defende ou que contesta, suas crenças ou descrenças, seu posicionamento político e outros fatores – também garante ao leitor bagagem para inferir, por exemplo, o ponto de vista defendido por ele, suas prováveis ideias e seus possíveis argumentos ou conclusões. Caso o leitor conheça, por exemplo, boa parte das obras de Cecília Meireles, uma das grandes representantes da literatura brasileira, e, certo dia, depara-se com um poema de sua autoria que antes não conhecia, já a partir de seu título poderá inferir algumas hipóteses-temáticas: talvez o poema aborde a transitoriedade das coisas e da vida, ou então a fantasia; talvez, a solidão; quem sabe, seja um poema marcado por apelos sensoriais. Enfim, as hipóteses antecipam possibilidades e, como consequência, auxiliam na compreensão leitora. 80 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância Conhecimento sobre o gênero Uma bula de remédios exige uma leitura específica. Um gibi requer outra postura completamente diferente por parte do leitor. Não é possível ler um texto científico da mesma forma como se lê uma receita caseira. É fundamental considerar as características específicas de cada gênero, pois esse tipo de conhecimento auxilia na compreensão. Ao ler um projeto acadêmico, por exemplo, é importante que o leitor conheça não apenas as especificidades do gênero e as partes que o compõem, mas, também, a função de cada uma dessas partes. Se não souber, por exemplo, em que consiste a introdução, a justificativa e os objetivos do projeto, encontrará grandes obstáculos para dialogar com o autor do projeto – via texto – e, por fim, terá sérias dificuldades para prosseguir a leitura, tornando-se impossível compreender o conteúdo em sua totalidade. Motivação e intenção É muito importante que o leitor esteja motivado para realizar a leitura com a intenção de fazê-la da melhor forma possível, mesmo quando tratar-se de uma leitura obrigatória, imposta por um sistema que requer a devolução de resultados para que lhe seja atribuído algum tipo de conceito ou nota. Se lhe faltar motivação, será mais difícil (não impossível) colocar os neurônios para trabalhar, já que, em se tratando de leitura, esta consiste em um “trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto”. Porém, mesmo sem motivação, a intenção de ler pode fazer a diferença e ajudá-lo a cumprir suas tarefas. Ainda assim, a motivação não perde a sua relevância. Como encontrar motivação, por exemplo, para fazer a leitura de textos exigidos pela faculdade e que, embora abordem assuntos importantes para a sua formação acadêmica e profissional, não correspondem às suas preferências literárias? Se a motivação não vem de dentro, terá que buscá-la do lado de fora: nos objetivos! Objetivos Antes de iniciar qualquer leitura, é fundamental que tenhamos muito bem definido ao menos um objetivo para realizá-la. E, mais uma vez, a ideia da intenção vem à tona. A intenção de ler para cumprir determinado objetivo. Nossa postura frente aos textos, e também nossa motivação, dependerá disso. Sem motivação não saímos do lugar e sem objetivos não chegamos a lugar algum! Fonte: Photos.com 81LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância Seu sucesso enquanto leitor requer, pois, a soma de vários fatores, mas, sobretudo, de objetivos específicos pré-determinados antes da leitura, com vistas ao cumprimento de algum objetivo geral. Citamos, por exemplo, as leituras realizadas com fins para uma pesquisa acadêmica. Se, por solicitação do professor, o objetivo geral de uma pesquisa for investigar o nível de leitura dos brasileiros, o acadêmico terá como objetivo específico coletar informações nos textos que, previamente selecionados para a realização da pesquisa, apresentam os dados necessários. Nem sempre é o professor quem determina o objetivo geral. Na graduação, em especial, muitas vezes é o aluno quem terá que tomar todas as decisões: qual será a temática da sua pesquisa dentro de determinado eixo do conhecimento, qual será o objetivo geral, quais os objetivos específicos, quais livros deverá selecionar e assim por diante. Geraldi (1999) aponta alguns objetivos possíveis para a leitura: busca de informações, estudo do texto, fruição do texto e texto como pretexto. Muitos exemplos serviriam de ilustração para cada um desses objetivos, porém vamos elencar apenas alguns. Busca de informações – esse objetivo ocorre na realização de pesquisas acadêmicas ou muitas outras situações, como, por exemplo, quando o leitor, por curiosidade, quer ampliar seu conhecimento a respeito de qualquer tema de seu interesse. Quando precisa resolver alguma situação-problema e busca, nas fontes específicas, as informações certas para solucioná-la. Quando um candidato entra no site de uma empresa de grande porte e, de posse das informações ali apresentadas, elabora seu curriculum de modo a convencer a empresa de que suas qualificações correspondem às suas exigências. Estudo do texto – esse objetivo pode ser a prioridade do leitor frente aos textos que apresentam conteúdos que serão cobrados em avaliações acadêmicas ou em concursos etc. Tal objetivo ocorre, também, quando o leitor quer apenas ganhar conhecimento sobre o conteúdo apresentado no texto e sua forma, analisando o estilo do autor, bem como os detalhes linguísticos, sintáticos e estilísticos que o compõem. Fruição do texto – esse objetivo advém das leituras-prazer, das leituras que visam, exclusivamente, o entretenimento. A leitura sem compromissos pré-determinados. Texto como pretexto – se o leitor vai ao texto com a intenção de parafraseá-lo ou produzir outro a fim de contestar seu conteúdo, então seu objetivo será usá-lo como pretexto; se o leitor tem que produzir um texto de opinião na academia e carece de conteúdo para fazê-lo, pode usar bons textos como pretexto para citá-los em sua produção, de modo a atribuir mais credibilidade aos seus argumentos. ESTRATÉGIAS DE LEITURA Observe, prezado(a) aluno(a), que DEFINIR OBJETIVOS IMPLICA NA ESCOLHA DE ESTRATÉGIAS. E, isso, é claro, não vale apenas para a leitura. Se você pretende alcançar o objetivo X, precisará das estratégias W, Y e Z. Escolhidas as estratégias, faça delas seu norte. Se perceber que alguma delas não foi uma escolha adequada, faça mudanças! Empenhe-se nas estratégias que funcionam, de modo a atingir seu objetivo da melhor forma possível. 82 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância Vamos conhecer algumas das principais estratégias de leitura à sua disposição? Façamos isso a partir da citação a seguir: “Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verifi cação, sem as quais não é possível profi ciência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de difi culdades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas” (Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998, pp. 69-70). Em suma, um leitor competente coloca em prática as estratégias supracitadas: Selecionar – é uma das estratégias primordiais na vida de qualquer leitor. Afinal, em determinadas situações mais que outras, é impossível ler tudo o que queremos ou todos os títulos que nos mandam ler em tão pouco tempo para cumprir certa tarefa. Para nos manter informados, não precisamos ler todos os jornais ou assistir a todos os telejornais;basta selecionar os de boa qualidade. Para atingir certo objetivo em determinada leitura, basta selecionar os trechos mais importantes. Qualquer indivíduo já é seletivo por natureza (você não lê, por exemplo, todos os e-mails que caem em sua caixa de entrada, não é mesmo? Você não tem tempo nem paciência para isso, sem contar as ameaças de spam...) e um leitor competente aperfeiçoa ainda mais suas habilidades leitoras, de modo consciente. Antecipar e inferir – a primeira consiste em fazer previsões ou levantar hipóteses do que será lido, a partir do título do texto, de seu conhecimento sobre o autor, sobre o assunto etc.; na segunda, o leitor lê o que está nas entrelinhas ou por trás das linhas do texto, a partir de seu raciocínio lógico, das pistas textuais e das advindas de outras leituras, bem como da relação que estabelece entre os textos (intertextualidade). Inferir também consiste em deduzir, por exemplo, o significado de uma palavra desconhecida a partir do contexto em que está inserida. Ambas as estratégias são importantes, pois permitem ao leitor atribuir vários sentidos ao texto ativamente e ler o que não está explícito, de modo a identificar as informações ou ideias implícitas no texto. Verificar – é a estratégia que permite ao leitor avaliar, confirmar ou refutar as previsões feitas e, também, ter a certeza de que suas inferências estão coerentes e de acordo com o texto, considerando suas pistas textuais e outros fatores extratextuais necessários à sua interpretação como, por exemplo, o momento e o contexto histórico em que foi produzido. São estratégias básicas e todas de igual importância. Ao praticá-las, de modo consciente e frequente, o leitor desenvolve características que demonstram sua competência leitora. Ler nas entrelinhas do texto é uma arte. Em alguns momentos deste curso de nivelamento, realizamos e 83LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância sugerimos algumas leituras nas entrelinhas dos textos apresentados. Mais uma vez, vamos juntos praticar um pouco mais dessa arte. Leia a tirinha a seguir: Qual a informação implícita que se pode inferir da tirinha da Mafalda? Com base em que pistas ou elementos textuais da tirinha você fez essa inferência? E que tipos de conhecimentos você utilizou para chegar a essa conclusão? Com base nessa tira, exemplificamos um nível de leitura realizado por leitores atentos que leem nas entrelinhas do texto. Na tirinha, encontramos pistas não verbais que nos permitem inferir esta informação: a democracia que se vê na realidade não está de acordo com a definição apresentada no dicionário. Essa informação não está explícita na tira. Em nenhum momento a Mafalda, ou qualquer outro personagem ali apresentado, disse isso. Porém, a atitude da menina, quando cai na gargalhada após ler a explicação de tal vocábulo no dicionário, e por passar o dia todo nessa condição do riso, leva-nos a inferir, então, a informação implícita. Temos, portanto, uma informação subentendida. Não existem marcas linguísticas que a comprovem, por isso pode ser contestada. Se vivenciássemos essa experiência ao vivo e a cores, Mafalda poderia negar a nossa inferência, alegando, por exemplo, que leu o significado da palavra democracia no dicionário, mas suas gargalhadas justificam-se por outro motivo: algo que se lembrou, um episódio engraçado que aconteceu na escola e que, de repente, veio à sua lembrança. Entretanto, conhecendo a natureza crítica da Mafalda e a partir do conhecimento de mundo que temos acerca da democracia em nosso país, estabelecemos a relação entre as pistas da tira e, por fim, atribuímos-lhe uma inferência coerente. A seguir, apresentamos uma frase que foi pronunciada há alguns anos por uma personalidade política, 84 LÍNGUA PORTUGUESA| Educação a Distância e com este exemplo demonstramos a importância de cuidar das palavras que usamos para expressar nossas ideias. Ela é inteligente, apesar de ser mulher. (Mário Amato, referindo-se à Dorothéa Verneck) Quais as informações explícitas nessa frase? Qual a informação implícita? Na época em que pronunciou essa frase, Mário Amato, autor de tantos outros dizeres polêmicos, conquistou a antipatia das mulheres. Ele disse, explicitamente, que Dorothéa é mulher e que é inteligente. Temos, então, duas informações escritas na linha do texto. Por outro lado, pode-se inferir outra informação, a que está implícita: as mulheres não são inteligentes. Diferente do que ocorre na tira da Mafalda, esse tipo de informação não pode ser negada. Trata-se de uma informação pressuposta, implícita no conectivo “apesar de”. Em entrevista posterior ao evento em que essa frase foi registrada por jornalistas, Mário Amato explicou-se: “aquilo foi brincadeira” (<http://veja.abril. com.br/210802/entrevista.html>). Entretanto, mesmo que tenha sido uma brincadeira (aliás, extremamente inadequada e infeliz), em seu dizer existe uma marca linguística que denuncia a sua indelicadeza. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de vários aspectos relacionados à leitura, sobre os quais discutimos nesta unidade, você teve a oportunidade de se autoavaliar enquanto leitor. Por fim, gostaríamos de sintetizar algumas das principais características do leitor competente estudadas: • constrói vários sentidos possíveis e coerentes com o conteúdo do texto; • compreende a mensagem que o autor pretendia e propõe outras leituras não previstas pelo autor; • é leitor ativo (agente) que busca atribuir significados ativamente; • a cada nova leitura, altera o significado de tudo o que já leu; • delimita objetivos e analisa sua própria leitura; • emprega as estratégias de leitura; • controla o que lê e toma decisões diante de dificuldades de compreensão; 85LÍNGUA PORTUGUESA | Educação a Distância • tem iniciativa própria para selecionar o texto ou trechos desse texto que atendam ao objetivo daquela leitura; • compreende o que lê e, também, o que não está escrito; • estabelece relações entre o texto que lê e outros já lidos (construção de intertextualidade). Vale a pena retomar a primeira pergunta que abriu nossa introdução: como você se considera enquanto leitor? E acrescentamos esta: onde você quer chegar enquanto leitor? Esperamos que nossas discussões a respeito de leitores e leituras tenham contribuído para a sua aprendizagem e seu crescimento, e que sua autoavaliação não pare por aqui. Não desista nunca diante das dificuldades de compreensão em razão das peculiaridades e complexidades de cada texto. E lembre-se: somos todos leitores em processo. Não se esqueça de colocar em prática as estratégias que ensinamos, não deixe de considerar a importância de interagir com o autor, mediante a palavra escrita, questionar o que é lido e reler os textos quantas vezes se fizer necessário. Aprimore suas habilidades leitoras mediante a prática diária de leituras, as que fazem parte da academia e as que você realiza por iniciativa própria. Sua dedicação, autonomia e iniciativa nesse processo serão sempre fundamentais para seu sucesso! Seja um leitor experiente, proficiente, ativo, atuante, competente! ATIVIDADE DE AUTOESTUDO 1. Cite as principais etapas de leitura, explique cada uma delas, comente qual(is) você considera mais importante(s) e justifique sua escolha. 2. Comente sobre as diferenças existentes entre os níveis de leitura e explique em qual desses níveis o leitor crítico está inserido. 3. Cite as principais estratégias de leitura e explique de que modo elas contribuem para a realização de leituras eficientes. 4. Explique e exemplifique as diferenças entre as informações implícitas de modo subentendido e as implícitas de modo pressuposto. 5. Cite quais os elementos prévios indispensáveis ao leitor para que suas leituras sejam plenamente satisfatórias e explique-os. 86 LÍNGUA PORTUGUESA|Educação a Distância Título: Estratégias de Leitura Autor: Isabel Sole ISBN: 9788573074093 Páginas: 194 Edição: 6ª Editora: Artmed Ano: 1998 Assunto: Pedagogia Idioma: Português O livro escrito por Isabel Solé aborda diferentes formas de trabalhar com o ensino da leitura. Seu propósito principal é promover nos alunos a utilização de estratégias que permitam interpretar e compreender de forma autônoma os textos lidos. Enfatizando sempre que o ato de ler é um processo complexo, a autora, utilizando um texto simples e agradável de ser lido, explicita-o dentro de uma perspectiva construtivista da aprendizagem.
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