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ESCOPO DA EPIDEMIOLOGIA

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Capítulo
EscopodaEpidetniologia
2
~Iuitosdosproblemasdedoençascontem-
porâneospodemserresolvidospelainvestigação
depopulaçõesanimaisemvezdeindivíduos.
Ashistóriasnaturaisdasdoençasinfeccio-
saspodemserentendidaspeloestudodesuas
distribuiçõesemdiferentespopulações.A ava-
liaçãoda quantidadededoençasinfecciosas
e não infecciosasauxiliaa determinara im-
portânciae aeficáciadascampanhasdecon-
trole. O estudoemváriosgruposde animais
possibilitaaelucidaçãodedoençasdecausas
complexase desconhecidas.Os efeitos de
doençasna produçãopodemser estimados
de formamaisrealistaemrelaçãoaodecrés-
cimo de produçãona propriedadeou no re-
banho, em vez de em um único animal. O
impactoeconômicodadoençaedastentativas
de seucontrole tambémé muito maisbem
avaliadoemgruposdeanimais,desdefazendas
individuaisatéavaliaçãoemnívelnacional.A
investigaçãode doençasempopulaçõesé a
basedaepidemiologia.
DEFINIÇÃO DE EPIDEMIOLOGIA
A epidemiologiaéo estudodadoençaem
populaçõesedosfatoresquedeterminamsua
ocorrência;apalavra-chaveépopulações.A epi-
demiologiaveterináriaadicionalmenteinclui
apesquisaeavaliaçãodeoutroseventosrelacio-
nadoscoma saúdeanimal,emespeciala pro-
dutividade.Todasessasinvestigaçõesenvolvem
observaçãodepopulaçõesanimaiserealizações
deinferênciasa partirdessasobservações.
A traduçãoliteral da palana "epidemio-
logia",baseadaemsuaraizgrega,epi- (E7n-)=
acima,demo- (õrU.lO-) =povoe logo- (Àoyo-)=
estudo,seria,portanto,"estudodoqueestáaci-
madopovo"oumaismodernamente,"oestudo
dadoençanaspopulações".Tradicionalmente,
"epidemiologia"refere-seaosestudosempo-
pulaçõeshumanas,e "epizootiologia",dogrego
zoo- (çroo-)=animal,aestudosdepopulações
animais (excluindohumana) (por exemplo,
Karstad,1962).Surtosde doençaempopu-
laçõeshumanassãochamadas"epidêmicas",
emanimais,são"epizoóticas"e, empopula-
çõesaviárias,sãodenominadas"eporníticas",
dogregoornito-(opvt8-)=pássaro(porexem-
plo,MontgomeryetaI., 1979).Outrostermos
derivados,tais como "epidemia"("visitar a
comunidade"),fornecemevidênciasdaantiga
associaçãoentreepidemiologiaeasinfecções
20 - Epidemiologia Veterinária
que periodicamenteapareciamem uma co-
munidade,em contrastecom outrasdoenças
usualmentepresentesnapopulação.
Os váriosderivadospodemserusadosem
diferentescontextos.Umestudodeumadoença
queestápresenteemapenasumaúnicapopu-
laçãoanimal,comoainfecçãoporBruceUa000
dos ovinos,não envolveriaum estudosimul-
tâneoemhumanos;o termo"epizootiologia"
deveriaserusadopara indicar que o estudo
estariaconfinadoa animaisoutrosquenãoos
humanos.Muitasdoenças,chamadaszoono-
ses,podemsercompartilhadaspor humanos
eanimaisinferiores.Assim,quandoseestudam
doençastais comobrucelosee leptospirose,
umavezquesãoambaszoonoses,devemser
consideradososmecanismosdetransferência
dadoençaentreanimaisehumanos.Umfator
importantenaocorrênciadaszoonosesocupa-
cionais(emqueveterinários,magarefese fa-
zendeirossãoexemplos)éoníveldeocorrência
dedoençasanimais.A "epidemiologia"dabru-
celosee leptospiroseemfazendeirosproduto-
resdeleiteestáestreitamenteassociadacoma
"epizootiologia"dessasdoençasnosbovinos.A
diferenciaçãosemânticaentreestudosenvol-
vendodoençashumanase animais,portanto,
não é consideradanem desejávelnemlógica
(Dohooet al., 1994). Duranteo desenvolvi-
mentodestelivro,apalavra"cpidemiológica"
éportantousadaparadescreverqualquerpes-
quisarelacionadacom ocorrênciade doença
empopulação,sendoou nãopopulaçõeshu-
manas,deanimaisdomésticosou selvagens.
Usos da Epidemiologia
Há cinco objetivosnaepidemiologia:
1. Determinaçãoda origemda doençade
causaconhecida;
2. Investigaçãoecontrolededoençadecau-
sadesconhecidaoupoucocompreendida;
3. Aquisiçãode informaçõesdaecologiae
dahistórianaturaldadoença;
-1. Planejamentoe monitoramentode pro-
gramasdecontroledadoença;
- A\-aliaçãoeconômicadosefeitosdadoença
e doscustosebenefíciosdascampanhas
alternativasdecontrole.
Determinaçãodaorigemda
doençadecausaconhecida
Muitas das doençasde causaconhecida
podemserdiagnosticadasdeformaprecisape-
los sintomasexibidospelosanimaisafetados,
por testeslaboratoriaisapropriadose por ou-
trosprocedimentosclínicos,taiscomoexames
radiológicos.Por exemplo,o diagnósticode
salmoneloseemum grupodebezerrosé rela-
tivamentedireto (a infecçãofreqüentemente
produzsintomasclínicosdiferenciáveis).En-
tretanto,determinarpor queo surtoocorreu
e usaros procedimentoscorretosparapreve-
nir arecorrênciapodeserdifícil.Porexemplo,
umsurtopodesercausadopelacompradeani-
maisinfectadosou por alimentoscontamina-
dos.Investigaçõesfuturassãonecessáriaspara
identificara fonte de infecção.E, quandoo
alimentoé suspeito,deve-seressaltarque a
raçãopodeserconstituídaporvárioscompo-
nentes.Mesmoseumaamostradecadacom-
ponenteestivesseaindadisponível,seriamuito
caroe,possivelmente,antieconômicosubme-
tertodasaexameslaboratoriais.A consideração
do risco associadocom o consumode cada
componentedaraçãopodedirecionarainvesti-
gaçãodecampoa um sóou doisitens.
Há muitosexemplosde investigaçõesde
doençasde causasconhecidasque envolvem
respostasàsquestões"porqueocorreuo sur-
to?"ou "porqueo númerodecasosdadoença
aumentou?".Por exemplo,um aumentodos
casosdaactinobaciloseemum grupodebo-
vinos pode estar associadoao fato de esse
pastaremumadeterminadapastagemcom
restosdegramasecae queimada(atéo talo).
Talocorrênciapoderiaocasionarumaumento
deabrasõesnamucosabucal,o queaumen-
taria a suscetibilidadedos animaisa infec-
ções com Actinobacillus lignieresi. Um
númeroaumentadodecasosdedefeitosósseos
emcãezinhospodeserdevidoà publicidade
localdadaaousodesuplementaçõesvitamí-
nicas,resultandonaadministraçãodessasa
animaisquejá as haviamrecebidopela ali-
mentaçãocomdietasbembalanceadas,eque,
conseqüentemente,ficaramsujeitosà hiper-
vitaminoseDeàdistrofiaóssea(JubbeKennedy,-------••...--•...-.-----.
1971).Umaumentononúmerodecarcaçascom
altosvaloresdepH podeserassociadocomo
excessivolavardos animaisantesdo abate
(Petersen, 1983). Essas possíveisexplica-
ções podemser veriÍícadassó com investi-
gaçõesepidemiológicas.
Investigaçãoecontrolede
doençadecausadesconhecida
oupoucocompreendida
Em muitascircunstâncias,o controlede
doençabaseia-seem observaçõesepidemio-
lógicasantesda causadadoençaser identi-
ficada.A pleuropneumoniacontagiosabovina
foi erradicadadosEstadosUnidospelaobser-
vaçãodacaracterísticainfecciosadadoença,
antesqueseuagenteetiológico,Mycoplasma
mycoide,tivessesidoisolado(Schwabe,1984).
A políticadeLancisideabateparacontro-
lar apestebovina,mencionadanoCapítulo1,
foi baseadanasuposiçãodequea doençaera
infecciosa,mesmonãoseconhecendoo agen-
teetiológico.A observaçãoclássicadeEdward
Jenner da açãoprotetorada varíolabovina
contraavaríolahumananoséculoXVIII (Fisk,
1959),anteriorà descobertadosvírus,forne-
ceu a basequepermitiu a erradicaçãomun-
dial davaríola.
Mais recentemente,estudosepidemioló-
gicosnaGrã-Bretanhasugeriramqueaence-
falopatiaespongiformedos bovinos (bovine
spongiformencephalopathy,BSE) tivesseocor-
ridoemdecorrênciaaoconsumodealimentos
contendocarnee farinhade ossoscontami-
nadascom scrapie*(Wilesmithetal., 1988).
Issofoisuficienteparaaintroduçãodeumale-
gislaçãoproibindoa administraçãodealimen-
tospararuminantescontendoproteína,antes
doagenteetiológicotersidoidentificado.**
Apesardodesconhecimentodacausaexata
doshematomas(equimosesmusculares)em
carcaças,observaçõeslevarama conclusãode
havercorrelaçãodessedefeito com o uso do
métododeatordoamentoelétrico"nacabeça"
N. do T.: * "Scrapie",tambémassimconhecida em português,é
umadoençaneurológicadosovinos,causadaporumpríon.
** Na atualidade,o agentecausadorda BSEjá foi identi-
ficado, é um príon.
Escopo da Epidemiologia - 21
(Blackmore,1983);e a ocorrênciadessacon-
diçãopodeserreduzidapelaadoçãodeumcur-
to intervalode "atordoamentocom bastão",
atordoandocom arco cativoou usandoum
métodode atordoamentoelétrico,quecausa
uma imediata disfunçãocardíaca(Gracey,
1986).Similarmente,háumafortecorrelação
entrea "doençadaspastagens"e a pastagem,
e essapode ser totalmenteprevenidaao se
estabularoscavalosconsecutivamentedurante
aprimaveraeoverãoemboraacausadadoença
sejadesconhecida(Gilmour,1989).
A causado carcinomadascélulas esca-
mosasdoolho nogadoHereford("câncerdo
olho")édesconhecida.Estudosepidemiológicos
demonstraramqueaocorrênciaeramaiorem
animaiscom pálpebrasdespigmentadasque
naquelescompigmentação(Andersonetal.,
1957).Essainformaçãopodeserutilizadapor
criadores, procurando criar preferencial-
mentebovinoscoma baixasuscetibilidadea
essaneoplasia.
Os estudosepidemiológicossão também
usadospara identificaras causasde doenças
(muitasdasquaissãomultifatoriaise inicial-
mentepouco entendidas)e, dessaforma, a
maioriadastécnicasde controleapropriadas
podeseraplicada.Assim,o baixoconsumode
águaidentificadocomoumfatordecausaim-
portantede urolitíaseem felinos (\Vmeberg,
1981)facilitouo controledessasíndromepor
modificaçãodedieta.Pesquisassãotambémuti-
lizadasparaidentificarcaracterísticasdosani-
maisqueaumentamo riscodeocorrênciada
doença.Porexemplo,cadelasnãocastradascom
históricodeestrosirregularesepseudoprenhez
estãoparticularmenteemriscodedesenvolver
piometra(Fildleretcd.,1966);essainformação
é devalordediagnósticoparao clínico e é de
grandeauxílioparao aconselhamentodepro-
prietáriosnaestratégiareprodutiva.
Aquisiçãodeinformaçõesdaecologia
edahistórianaturaldadoença
Umanimalqueéinfectadocomumagente
infecciosoé hospedeirodesseagente.Hospe-
deiroseagentesexistememcomunidadesque
incluemoutrosorganismosquevivememde-
terminadosmeioambientes.Assim,o agregado
'!!!'!!'!!!'!!'!!!'!!~~~~~~~~!"""!'!!II'''''!''''''!!''''''!!''''''!!''''''!!''''''!_''''''!!O'!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!/~''''''''''''''''''''''''''''=====~-------------
22 - EpidemiologiaVeterinária
de todosos fatosrelacionadoscomanimaise
plantasformasuahistória natural.As comu-
nidadesinter-relacionadase seusambientes
sãodenominadosecossistemas.O estudodos
ecossistemasé denominadoecologia.
Umaboacompreensãodahistórianatural
dos agentesinfecciososé possívelsomente
quandoessessãoestudadosno contextodos
ecossistemasde seushospedeiros.Similar-
mente,ummelhorconhecimentodedoenças
não infecciosaspodeser obtidopelo estudo
dos ecossistemasem associaçãocom carac-
terísticasfísicascomasquaisosanimaisafeta-
dosestãorelacionados.A estruturageológica
deumecossistema,por exemplo,podeafetar
a composiçãomineraldasplantase, portan-
to, determinaraocorrênciadedeficiênciase
excessosdemineraisnosanimais.
O meioambientedeumecossistemaafeta
a sobrevivênciadeagentesinfecciosose seus
hospedeiros.Portantu,a infecçãocom o hel-
minto,Fasciolahepatica,éumsérioproblema
emáreascommádrenagem,poisosparasitas
passampartedeseuciclo devidaemumcara-
mujoquenecessitadeambienteúmido.
Cadaum dos200tiposantigênicos(soro-
tipos)deLeptospirainterrogamémantidoem
umaoumaisespéciesdehospedeiro.O sorotipo
copenhageni,por exemplo,é mantidoprinci-
palmenteemratos(Babudieri,1958).Assim
se esseestáassociadocom leptospiroseem
humanosourebanhosdomésticos,entãopar-
te do controle da doençadeveenvolverum
estudoecológicodaspopulaçõesde ratos e
controledosratosinfectados.Similarmente,
naÁfrica,umherpesvírusqueproduzinfecção
semsintomasemgnuséresponsávelpelafebre
catarralmalignadosbovinos(Plowrightetal.,
1960).Populaçõesdegnus,portanto,devem
ser investigadasquando se tenta controlar
essadoençaembovinos.
O climadoecossistematambémé impor-
tanteporquerestringeadistribuiçãogeográfica
dosagentesinfecciososquesãotransmitidos
por artrópodesaolimitar a distribuiçãodes-
sesartrópodes.Porexemplo,amoscatsé-tsé,
que transmitea tripanossomíase,é restrita
àsregiõesúmidasdaÁfricasubsaariana(Ford,
1971).
Agentes infecciosospodem se espalhar
para fora dos ecossistemasdos seushospe-
deirostradicionais.Issoocorreuembovinos
tuberculososnaGrã-Bretanha,ondeapopula-
çãodetexugospareceserumaalternativade
hospedeirospara o Mycobacteriumtubercu-
losis (Little et al., 1982; Wilesmith et al.,
1982). Também,em certas áreasda Nova
Zelândia,gambásselvagenssãoinfectadospor
essabactériae podemserfontesde infecção
paraosbovinos(ThornseMorris,1983).A rotina
deobservaçãode tais infecçõesforneceinfor-
maçõesvaliosasnasmudançasnoníveldeocor-
rênciadadoençae de fatoresecologicamente
relevantesepodem,portanto,indicarmudanças
necessáriasnasestratégiasdecontrole.
Doençasinfecciosasquesãotransmitidas
por insetos,carrapatose outros artrópodes,
pelosquaispodemsermantidasemvidaselva-
gem,apresentamrelaçõesecológicascomple-
xas,constituindoproblemasdedifícilcontrole.
Estudosepidemiológicosabrangentesdessas
doençasauxiliaramaesclarecerseusciclosde
vidae,portanto,aestabelecerosmétodosade-
quadosdecontrolá-Ias.
Planejamentoemonitoramentode
programasdecontrolededoença
A instituiçãodeprogramasdecontroleou
erradicaçãodeumadoençaemumapopulação
animaldeveserbaseadano conhecimentodo
nível de ocorrêncianessapopulação,assim
comoosfatoresassociadosàsuaocorrência,as
estruturasnecessáriasparaseucontrolee o
custo-benefícioenvolvidonaação.Essasinfor-
maçõessãoigualmenteimportantesparaum
programadecontroledemastiteaserinstituí-
doemumaúnicapropriedade,bemcomopara
o estabelecimentodeumprogramadeerradi-
caçãodebruceloseemâmbitonacional,envol-
vendo todas a as propriedadesdo país. As
técnicasepidemiológicasutilizadasincluema
coletadedadossobreadoençanaspopulações
(monitoramento e vigilância) para decidir
seasdiversasestratégiasestãosendoeficazes.
Vigilância tambémé necessáriapara se
determinarseaocorrênciadadoençaestásen-
do afetadapor novosfatores.Por exemplo,
duranteo esquemadeerradicaçãodatuber-
culosebovinanaNovaZelândia,gambásficaram
infectadosemcertasáreas.Novasestratégias
tiveramque ser introduzidaspara controlar
o problema(Julian, 1981).Durantea epide-
mia de febreaftosade 1967e 1968,na Grã-
Bretanha,programasdevigilânciaindicaram
a importânciadepartículasdevíruscarrega-
das pelo vento na transmissãoda doença
(Smith e Hugh-Jones,1969).Esseconheci-
mentoadicional foi relevanteparaa fixação
deáreasdentrodasquaishaviarestriçõesde
movimentaçãodeanimais,facilitando,assim,
a erradicaçãodadoença.
Avaliaçãoeconômicadosefeitos
dadoençaedeseucontrole
O custodo controlededoençasemuma
indústriadecriaçãoanimalnecessitasercon-
frontadocomaperdaeconômicaatribuívelà
doença.Portanto,é necessáriauma análise
econômica.Essaé uma parte essencialdos
programasmaismodernosdesaúdeanimal.
Apesardesereconômicodiminuiraaltaocor-
rência de uma doençaem um rebanho,às
vezesé antieconômicoreduzir aindamaiso
nível de uma doençaquejá tembaixonível
deocorrência.Se15%dasvacasemumreba-
nho estãoafetadaspor mastite,a produtivi-
dadeseráseveramenteafetadaeumprograma
de controledeveserestabelecidopararedu-
zir O prejuízoeconômico.Por outro lado, se
menosde 1%do rebanhoestiverafetado,o
custo de uma reduçãopara níveismenores
poderánãorepresentarumsuficienteaumen-
to na produtividadequejustifique e pagueo
gastopeloprogramadecontrole.
Essaintroduçãodosusosdaepidemiologia
indica que o objetivoé relevanteem muitas
áreasdaciênciaveterinária.Osindivíduosque
vivemdaagriculturaemgeralestãosetornando
cadavezmaispreocupadoscomasanidadedo
rebanho.Osclínicosdeanimaisdecompanhia
estãoenfrentandodoençascrônicasrefratárias,
taiscomodermatosesidiopáticas,quesãomais
bemcompreendidasanalisando-seos fatores
que sãocomunsa todosos casos.Os veteri-
nários do governonão podemcumprir suas
obrigaçõesderotinasemter referênciassobre
Escopo da Epidemiologia - 23
asdoençasdeocorrêncianacional.Os patolo-
gistasinvestigamaassociaçãoentrecausaeefei-
to (istoé,lesões),sendoqueesseéumenfoque
epidemiológico,quandoasinferênciassãorea-
lizadasdegruposdeanimais.Osveterináriosde
abatedourose de indústrias processadoras
decarnetentamreduziraocorrênciadecontami-
naçãoedefeitostentandocompreendereelimi-
narsuascausas.Aomesmotempo,osveterináriosdeindústriaslidamcomo delineamentodees-
tudosclínicos,comparandotaxasdeocorrência
dedoençaerespostaaotratamentoemgruposde
animais,aosquaissãoadministradosdiferentes
compostosterapêuticoseprofiláticos.
Tipos deInvestigações
Epidemiológicas
Háquatroenfoquesdapesquisaepidemio-
lógica que tradicionalmentetêm sido deno-
minados"tipos" deepidemiologia.Essessão
epidemiologia:descritiva,analítica, experi-
mental e teórica.
Epidemiologiadescritiva
Epidemiologia descritivaenvolveobser-
vaçãoe registrosdasdoençase os possíveis
fatorescausais.Normalmente,é a primeira
parte de uma investigação.As observações
são,algumasvezes,parcialmentesubjetivas,
mas,emcomumcomobservaçõesemoutras
disciplinas,podendogerarhipótesesquepo-
derãosertestadasposteriormentecommaior
rigor. A teoria de Darwin da evolução,por
exemplo,foi derivadaprincipalmentedeob-
servaçõessubjetivas,mas,com ligeiras mo-
dificações,foramtestadascomtodorigorpor
cientistasdeplantase animais.
Epidemiologiaanalítica
Epidemiologiaanalítica é a análisedas
observaçõespor testesdediagnósticoe esta-
tísticos adequados.
Epidemiologiaexperimental
Nesta, o epidemiologistaexperimental
observae analisadadosdegruposdeanimais
24 - EpidemiologiaVeterinária
queelepodeselecionare, nosquaiselepode
alterar,os fatoresassociadosaosgrupos.Um
componenteimportantedoenfoqueexperimen-
taléo controledegrupos.A epidemiologiaex-
perimentaldesenvolveu-senosanosde1920e
1930,usando-seanimaisde laboratóriocuja
curtaduraçãodavidapermitequeoseventos
sejamobservadosmaisrapidamentequeemhu-
manos(verCapo18).Um notávelexemploé o
trabalhodeTopley(1942)queinfectoucolônias
de camundongoscom vírus da ectromeliae
Pasteurellaspp.Os efeitosdeváriasta.'(asde
exposiçãodoscamundongosmantidosemgru-
posdeváriostamanhosserviramdebasepara
estudosdocomportamentodedoençasepidê-
micashumanas,taiscomosarampo,escarlatina,
coquelucheedifteria,asquaisseguirampadrões
semelhantesaosdasinfecçõesexperimentais
(MRC,1938).Essetrabalhodemonstroua im-
portânciadaproporçãode indivíduossuscetí-
veisnapopulaçãoemdeterminaro progresso
dasepidemias(verCapo8);atéentão,pensava-
se que mudançasna virulênciado microrga-
nismoseriamosfatoresmaisimportantesque
afetariamospadrõesepidêmicos.
Raramente,um experimento"natural"
podeserconduzidoquandodaocorrênciana-
turaldeumadoençaouemcircunstânciasfor-
tuitasqueseaproximamestreitamentedeum
experimentoidealmentedelineado.Porexem-
plo, quandoa BSE ocorreuna Grã-Bretanha,
surtosda doençanas Ilhas Chanel (Jerseye
Guernsey),quemantinhamaspopulaçõesde
bovinosisoladas,forneceramuma situação
idealparaestudaradoença,devidoàausência
dapossibilidadedetransmissãoporcontatocom
animaisinfectados(Wilesmith,1993).Issocor-
roboroucom a hipótesede quea doençaera
transmitidapor alimentoscontaminados.
Epidemiologiateórica
Consistenarepresentaçãodadoençausando
modelosmatemáticos,natentativadesimular
padrÔesnaturaisdaocorrênciadadoença.
SUBDISCIPLINAS EPIDEMIOLÓGICAS
Váriassubdisciplinasepidemiológicassão
atualmentereconhecidas.Essasrefletem,fun-
damentalmente,diferentesáreasdeinteresse,
mais que diferentestécnicas.Aplicam-sea
todosos quatro tipos de epidemiologia,an-
teriormente descritos e podem ser super-
postas,mas suasidentidadesseparadassão
consideradasjustificáveispor alguns.
Epidemiologiaclínica
A epidemiologiaclínica é o usodeprincí-
pios,métodose achadosepidemiológicosnos
cuidadosde indivíduos,com particularrefe-
rência ao diagnósticoe prognóstico (Last,
1988),etrazendo,portanto,umenfoquenumé-
ricoparaamedicinaclínicatradicional,quetra-
dicionalmentetemsidoanedóticae subjetiva
(Gruffermane Kimm,1984).Essaincluia fre-
qüênciae a causada doença,os fatoresque
afetamoprognóstico,avalidadedostestesdiag-
nósticos,aeficiênciadastécnicasterapêuticas
e preventivas(Fletcheretal., 1988).
Epidemiologiacomputacional
A epidemiologiacomputacionalenvolvea
aplicaçãodetécnicasdaciênciadacomputação
aosestudosepidemiológicos(Habtemariamet
al., 1988). Inclui a representaçãoda doença
pormodelosmatemáticos(ver"Investigações
Quantitativas",a seguir)e o usodesistemas
especializados.Essessistemassãocomumente
aplicadosao diagnósticoda doençae sãoin-
corporadosa um conjuntoderegrasparare-
solverproblemas,por exemplo,detalhesdos
sintomasclínicos,lesões,resultadosde labo-
ratórioe opiniõesdeespecialistas.A identifi-
caçãodacausadatosseemcães(Roudebush,
1984) e o diagnóstico de mastite bovina
(Hogeveenetal., 1993)sãoexemplosemque
essessistemastêm sido aplicados.Sistemas
especializadossãotambémusadosna formu-
laçãode estratégiasde controlede doenças
(porexemplo,afebredaCostaLeste:Gettinby
eByrom,1988),previsãodeprodutividade(por
exemplo,desempenhoreprodutivoemproprie-
dadesleiteiras:McKayetal., 1988),e, ainda,
para dar apoio às decisõesde manejo (por
exemplo,decisõesdereposiçãodematrizes
suínas:Huirneetal., 1991).
Epidemiologiagenética
Epidemiologia genética é o estudo da
causa,distribuiçãoe controlededoençasem
indivíduosrelacionados,ededefeitosherdados
em populações (Morton, 1982; Roberts,
1985).Ela mostraqueentreasdisciplinasde
epidemiologiaegenéticaa fronteiraétênue.
Muitasdoençasenvolvemambosfatoresgené-
ticosenãogenéticos(verCapo5) e genessão
incriminadoscadavezmais em doençasde
todos os órgãos(Fig. 1.3). Assim, os gene-
ticistase epidemiologistasestãoambospre-
ocupados com a interação entre fatores
genéticosenãogenéticos- incertosóo tempo
deinteraçãofreqüentementepodeserusado
paraclassificarumapesquisacomogenética
ou epidemiológica.
Epidemiologiamolecular
Novastécnicasbioquímicasagoracapaci-
tamosmicrobiologistasebiólogosmoleculares
a estudarpequenasdiferençasgenéticase an-
tigênicasentrevíruseoutrosmicrorganismos,
com um nívelde discriminaçãomaisalto do
queantesteriasidopossívelusando-seastéc-
nicassorológicasconvencionais.Os métodos
incluem mapeamentodos peptídeos, "im-
pressãodigital" de ácidosnucléicose hibri-
dação(Kellere Manak,1989;Kricka, 1992),
análisede enzimasde restrição,anticorpos
monoclonais (Oxford,1985; Goldspink e
Gerlach,1990;Goldspink,1993)e reaçãode
polimerase em cadeia (Belák e Ballagi-
Pordány,1993).Por exemplo,o seqüencia-
mentodenucleotídiosdovírusdafebreaftosa
da Europaindicouqueos recentessurtosda
doençaenvolveramcepasvacinais,sugerindo
que inativaçãoimprópriaou escapede vírus
deindústriasdeproduçãodevacinastenhasido
responsávelpor surtos da doença (Beck e
Strohmaier,1987). Similarmente,infecções
queatéentãotinhamsidodifíceisdeseiden-
tificar são agoraprontamentedistinguíveis
usando essasnovas técnicas moleculares;
exemplosdessassão a infecçãocom Myco-
bacteríumparatuberculosis(agenteetiológicoda
doençadeJohne) (Murrayetal.,1989)edoen-
çaslatentescomovírusdadoençadeAujeszky
Escopo da Epidemiologia - 25
(Beláketal.,1989).A aplicaçãodessasnovas
técnicasconstituiaepidemiologiamolecular.
A descriçãogeraldométodofoi fornecidapor
Persingetalo (1993).
Epidemiologiamolecularé partedo largo
uso demarcadoresbiológicos (Hulkaetal.,
1990), que sãoaIteraçõescelulares,bioquí-
micasoumoleculares,mensuráveisemmeios
biológicoscomotecidos,célulasefluidos.Po-
demindicarasuscetibilidadeaoagentecausal
ou uma respostabiológica, sugerindouma
seqüênciadeeventosdeexposiçãoà doença
(Pererae '\Teinstein,1982).Alguns têmsido
usadosporveterináriospor muitosanos,por
exemplo,o nível sérico de magnésiocomo
indicadordesuscetibilidadeparahipocalcemia
clínica (WhitakereKelly,1982;VandeBraak
etal., 1987),níveissoro transaminasecomo
marcadoresparadoençasdofígadoe anticor-
poscomoindicadoresdaexposiçãoaoagente
infeccioso(verCap.17).
Outrassubdisciplinas
Váriasoutrassubdisciplinasepidemiológicas
foramtambémdefinidas.A epidemiologiadas
doençascrônicasestáenvolvidacomdoenças
de longa duração (por exemplo, câncer),
muitas das quais não infecciosas.A epide-
miologiaambientaltemporobjetivoo estudo
darelaçãoentreadoençaeosfatoresambien-
tais, tais comopoluiçãoindustriale, name-
dicinahumana,riscosocupacionais.Animais
domésticospodemfuncionarcomomonitores
de riscos ambientaisfornecendoum alerta
precocedo risco de doençano homem (ver
Capo18).Microepidemiologiaé o estudoda
doençaempequenosgrupos de indivíduos,
comrespeitoaosfatoresqueinfluenciamsua
ocorrênciaem grandessegmentosda popu-
lação.Por exemplo,estudosdasíndromeda
imunodeficiência adquirida felina (jeline
acquiredimmunodeficiencysyndrome,FAIDS),
em um grupode gatinhos,propiciaramuma
visãodadoençadisseminadaemhumanos,AIDS
(Torres-Anjele Tshikuka,1988).A microepi-
demiologia,quefreqüentementeusamodelos
biológicos de doençasanimais,está estrei-
tamenterelacionadacom a epidemiologia
26 - Epidemiologia Veterinária
comparativa(verCapo18).Emcontraste,a
macroepidemiologiaé o estudodepadrões
nacionaisdadoençaedosfatoressociais,econô-
micosepolíticosqueosinfluenciam(Hueston
e Walker,1993).Outrassubdisciplinas,tais
comoa epidemiologianutricional(VI/illeu,
1990)e a epidemiologiasubclínica(Evans,
1987)podemtambémseridentificadaspara
refletirdeterminadasáreasdeinteresse.
Componentesda
Epidemiologia
Oscomponentesdaepidemiologiasãore-
sumidosnaFigura2.1.Oprimeiroestágioem
qualquerinvestigaçãoéacoletadedadosre-
levantes.Asprincipaisfontesdeinformações
serãoabordadasnoCapítulo10.Osmétodos
dearmazenar,recuperare divulgarasinfor-
maçõesserãodiscutidosnoCapítulo11.
As investigaçõespodemserqualitativas
e/ouquantitativas.
INFORMAÇÕES QUALITATIVAS
Histórianaturaldadoença
A ecologiadadoença,incluindoadistri-
buição,omododetransmissãoeamanutenção
dasdoençasinfecciosas,é investigadapor
observaçõesdecampo.Princípiosecológicos
serãodescritosnoCapítulo7.Métodosdetrans-
missãoe manutençãosãodescritosno Ca-
pítulo6eospadrõesdeocorrênciadedoença
serãodescritosnoCapítulo8.Observaçõesde
campotambémpodemrevelarinformações
sobrefatoresquepodemdiretamenteouin-
diretamentecausaradoença.Osváriosfatores
queatuamnaproduçãodadoençaserãodes-
critosnoCapítuloS.
Testedashipótesescausais
Seinvestigaçõesdecamposugeremque
certosfatorespodemser associadoscom
acausalidadedadoença,entãoessacausa-
lidadepodeseravaliadacomaformulação
deumahipótese.A causalidade(relaçãoen-
trecausaseefeitos)eaformulaçãodehipó-
tesesserãodescritasnoCapítulo3.
Investigaçõesqualitativasconstituíramas
principaiscaracterísticasda epidemiologia
antesdaSegundaGuerraMundial.Osepide-
miologistasestavampreocupadoscomaidenti-
ficaçãodecausasdesconhecidasdeinfecções
esuasfontes.Algunsexemplosinteressantes
deepidemiologistasagindocomo"detetives"
médicossãodescritosporRoueché(1991).
INVESTIGAÇÕES QUANTITATIVAS
Investigaçõesquantitativasenvolvemmen-
surações(porexemplo,onúmerodecasosda
doença)e, portanto,expressãoe análisede
valoresnuméricos.Métodosbásicosdeexpres-
saressesvaloresserãodescritosnosCapítulos
4 e12.Ostiposdemensuraçõesquesãoen-
contradosna medicinaveterináriaserão
descritosnoCapítulo9.Aspesquisasquanti-
tativasinclueminquéritos,monitoramentoe
vigilância,estudos,modelose avaliaçãodo
controlededoençabiológicaeeconômica.
Inquéritos
Uminquéritoéo examedeumagregado
deunidades(KendalleBuckland,1982).Um
grupodeanimaiséumexemplodeagregado.
Oexameusualmenteenvolvecontarmembros
deumagregadoe ascaracterísticasdesses
membros.Osinquéritosepidemiológicosdevem
incluirapresençadedeterminadasdoenças,
pesoeproduçãodeleite.Osinquéritospodem
serexecutadosemumaamostradapopulação.
Menoscomumente,umcenso,queexamina
a populaçãototal, podeser avaliado(por
exemplo,testedetuberculina).Uminquérito
transversalregistraeventosqueocorremem
umdadoponto,emummomento.Uminqué-
rito longitudinalregistraeventosqueocor-
rem duranteum períodode tempo.Esses
últimoseventospodemserregistradosem
prospecção,do presenteparao futuro;ou
podeserregistroretrospectivodeeventos
passados.
Umtipoparticulardeinquéritodediag-
nósticoé umatriagem.É a identificaçãode
casosnãodiagnosticadosdedoenças,usan-
do-setestesrápidosouexames.O objetivoé
Escopo da Epidemiologia - 27
Fontededadosveterinários
Avaliaçãoqualitativa
~
Histórianaturaldadoença
Ecologia Fatorescausais
Transmissãoe manutenção Hospedeiro, agentee meio
ambiente
Inquéritos
transversais
Estudos
experimentais
Ensaiosclínicos,
estudosde
intervenção
Estudos
Transversais Longitudinais/~
Caso-controle Coorte
~ E'7e;nqU\nQUéitO,
Estudoslis" ~ I"observaciona,/ t
--, I Monitoramento
Vigilância
Controle de doença
FIGURA 2.1 - Componentesdaepidemiologiaveterinária.(AdaptadodeThrusfield1985a.).
separarindivíduosqueprovavelmentetiveram
adoençadaquelesqueprovavelmentenãotive-
ram.Os testesdetriagemnãosãodestinados
aseremdefinitivos,assim,indivíduoscujoteste
temresultadospositivos(istoé,queforamclas-
sificadoscomodoentespelotestedetriagem)
necessitamdeinvestigaçãoadicionalparaum
diagnósticodefinitivo.
Testesdiagnósticos,incluindoinquéritos
sorológicos e triagem, serão estudadosno
Capítulo 17.O esquemados inquéritosem
geralserádescritono Capítulo 13.
Monitoramentoevigilância
O monitoramentoérealizadopor obser-
vaçõesde rotina de saúde,produtividadee
28 - EpidemiologiaVeterinária
fatoresdomeioambiente,porregistroetrans-
miçãodessasobservações.Assim,oregistrore-
gulardeproduçãodeleiteémonitorado,bem
comoa rotinaderegistrode achadosna ins-
peçãodecarneemabatedouros.A identificação
individualdeumanimaldoentenormalmente
nãoé registrada.
Vigilância é umaformamaisintensivade
registrosdedadosqueo monitoramento.Ori-
ginalmente,a Ügilânciaera usadaparades-
cre\'ero rastreare a obsermçãode pessoas
emcontatocomdoençasinfecciosas.O termo
agora é usado em um sentido mais amplo
(Langmuir,1965),paraincluir todosos tipos
dedoenças- infecciosase nãoinfecciosas- e
em'oh'era colaçãoe interpretaçãode dados
coletadosdurantcosprogramasdemonitora-
mento,usualmentecomregistrodeidentidade
de indivíduosdoentes,paradetectarmudan-
ças na saúdeda população.É normalmente
partedosprogramasde controlede doenças
específicas.O registrodelesõesdetubercu-
loseemumabatedouroeo rastreamentoaté
a fazcndade origemdosanimaisinfectados
é um exemplodevigilância.Anteriormente,
os termos "monitoramento"e -'\'igilância"
eramusadoscomosinônimos,mashoje em
dia sãoaceitasas distinçõesentre eles.As-
pectos do sistemade vigilância nacional e
internacional foram re\'isadospor Blajan
(1979),Davies(1980,1993), Ellis (1980) c
Blajan e "'elte (1988) e algunssistemasde
informações de doença em animais serão
descritosno Capítulo 11.
1Ionitoramentoevigilânciapodemincluir
todorebanhonacional.Ou,alternativamente,
poucas fazendas, abatedouros, clínicas
veterináriasou laboratóriospodemsersele-
cionados; essessão então referidos, como
unidades"sentinelas",porque são destina-
dos a manter uma doençasob obsen'ação.
Similarmente,cavalospodemserutilizados
como sentinelaspara infecção de vírus da
encefalite eqüina venezuelana(Dickerman
e Scherer,1983)e cãesderuasãosentinelas
de infecçãode parvovirosecanina (Gordon
e Angrick, 1985), sendoa infecçãoidentifi-
cadasorologicamente,Outras espéciesque
sãosuscetíveisaumagenteinfecciosopodem
serusadascomosentinelasparaasprincipais
populaçõesanimais.Por exemplo,pássaros
selvagenspodemserusadosparamonitorar
a atividadedo vírus da encefalitede Saint
Louis, fornecendoumainformaçãoprecoce
da atividadedo vírus a tempo, enquantoa
infecçãoaviáriaaindaestámuito baixapara
constituir risco à populaçãohumana(Lord
et al., 1974). Animais domésticos podem
tambémserusadoscomosentinelasderiscos
ambientais contra a saúde humana, tais
comocarcinógenose inseticidas;essetópico
seráabordadoem detalheno Capítulo 18.
Estudos
É o termogeralquesereferea qualquer
tipo de investigação.Entretanto,em epide-
miologia, um estudo usualmente envolve
comparaçãodegruposdeanimais,porexem-
plo,comparaçãodepesosdeanimaisquesão
alimentadoscom diferentesdietas.Assim,
apesarde o inquérito poderser classificado
comoumestudo,é excluídodosestudosepi-demiológicosporqueenvolvesó descriçãoe
nãocomparaçãoe análisequea comparação
requer.Háquatrotiposprincipaisdeestudos
epidemiológicos:
I, Estudosexperimentais;
2. Estudostransversais;
3. Estudosdo tipo caso-controle;
-1. Estudosdecoortes,
Em umestudoexperimentalo pesquisa-
dor tema capacidadedealocar animaisem
\'áriosgrupos,de acordocom fatoresqueo
pesquisadorpuder,aleatoriamente,determi-
nar paraosanimais(por exemplo,esquema
de tratamento, técnicas preventivas);tais
estudos são, portanto, parte da epidemio-
logiaexperimental.Um importanteexemplo
é o estudoclínico. O pesquisadoralocaani-
mais em um grupo onde serãosubmetidos
aumprocedimentoterapêuticoouprofilático
ou aumgrupodecontrole.É, portanto,pos-
sível avaliara eficiência do procedimento
comparandoosresultadosentreosdoisgru-
pos.Os estudosclínicos serãoanalisadosno
Capítulo 16.
Outrostiposdeestudos- transversais,
caso-controlee coorte - baseiam-sena
observação,sãochamadosde "observacio-
nais".Umestudoobservacionalésemelhan-
teaoexperimental:animaissãodistribuídos
emgruposdeacordocomalgumascaracte-
rísticas que possuem(traçosda doença,
etc.). Entretanto,nessesnão é possível
alocaros animaisaleatoriamenteporque
o pesquisadortempoucocontrolesobreos
fatoresqueestãosendoestudados,asca-
racterísticassãoinerentes(por exemplo,
pesooudietanormal).
Os estudos transversais investigam
conexãoentreadoença(ououtrosfatores
relacionadoscoma saúde)e fatorescau-
saishipotéticosem umapopulaçãoespe-
cífica. Os animais são classificados de
acordocom a presençae a ausênciada
doençaeosfatoresetiológicoshipotéticos;
inferênciaspodemser realizadassobrea
doençaeessesfatores,porexemplo,entre
incompetênciadaválvulacardíaca(adoença)
e raça(fatoretiológicohipotético).
Oestudocaso-controlecomparaumgrupo
dedoentescomumgrupodeanimaissadios,
comrelaçãoà exposiçãoaosfatoresetiológicos
hipotéticos.Porexemplo,umgrupodegatos
comurolitíase(adoença)podesercompara-
docomgruposdegatossemurolitíaserela-
cionadoaoconsumodealimentodessecado
paragatos(fator)paradeterminarseessetipo
de alimentotemefeitona patogêneseda
doença.
Em umestudodecoorteumgrupoex-
postoa determinadosfatoresé comparado
comgruponãoexpostocomrelaçãoaode-
senvolvimentodadoença.É, então,possível
calcularumnívelderiscodedesenvolvimento
dadoençacomreferênciaàexposiçãoaosfa-
toresetiológicoshipotéticos.
Os estudosdostiposcaso-controlee de
coortetêmsidofreqüentementeaplicadosem
medicinahumanaemquepesquisasexperi-
mentaisdecausasãousualmenteantiéticas.
Porexemplo,nãoseriapossívelinvestigara
toxicidadedeumadrogaporadministração
intencionaldadrogaemumgrupodepessoas,
paraserpossívelestudarosefeitoscolaterais.
Escopo da Epidemiologia - 29
Entretanto,sesintomasdetoxicidadeocorre-
ram,umestudodo tipocaso-controlepode
serusadoparaavaliaraassociaçãodossintomas
coma drogasuspeitadecausartoxicidade.
Há menosrestriçõeséticasna investigação
experimentalemmedicinaveterináriaquena
medicinahumanae,portanto,apesquisaex-
perimentalde sériascondiçõesé mantida.
Entretanto,estudos"observacionais"têmum
papelnaepidemiologiaveterinária,porexem-
plo,quandoasdoençassãoinvestigadasem
populaçõesdefazendaeemanimaisdecom-
panhia.Umapreocupaçãocrescentepelobem-
estardoanimalestátornandoessastécnicas
cadavezmaisusadasqueanteriormente.
Métodosbásicosdeacessaraassociação
entrea doençae a hipóteseetiológica,em
estudosobservacionaisserãodescritosnos
Capítulos14e 15.
Estudos"observacionais"formamamaioria
dosestudosepidemiológicos.Ciências"obser-
vacionais"e experimentaistêmsuaprópria
forçae fraquezaqueforamdiscutidasem
detalheporTrotter(1930).A maiorvantagem
deumainvestigação"observacional"éaquela
emqueosestudossãorealizadosdurantea
ocorrêncianaturaldadoença.A experimen-
tal podesepararfatoresassociadoscoma
doençadeoutrosfatores,quepodemconsti-
tuir umainteraçãoimportanteem surtos
naturaisdadoença.
Modelos
Dinâmicasdadoençaeefeitosdediferen-
tesestratégiasdecontrolepodemserrepre-
sentadosusando-seequaçõesmatemáticas.
Essarepresentaçãoé o "modelo".Muitos
métodosmodernosestãoconfiadosacompu-
tadores.Outrotipodemodeloéasimulação
biológicausandoanimaisexperimentais(fre-
qüentementeanimaisdelaboratório)parasi-
mularapatogeniadasdoençasqueocorrem
naturalmentenos animaise no homem.
Adicionalmente,aocorrênciaespontâneada
doençaemanimaispodeserestudadanocam-
po (por exemplo,usandoestudos"obser-
vacionais")paraaumentara compreensão
dedoençashumanas.Modelosmatemáticos
30 - Epidemiologia Veterinária
serãoapresentadosno Capítulo19emodelos
de doençasde ocorrênciaespontâneaserão
descritosno Capítulo 18.
Controlededoenças
o objetivodaepidemiologiaé melhoraro
conhecimentodeveterináriosparaqueasdoen-
çaspossamsercontroladasefetivamenteeapro-
dutividade,otimizada.Issopodeserconseguido
por tratamento,prevençãoou erradicação.A
avaliaçãoeconômicadadoençae seucontrole
serãodiscutidosno Capítulo 20. Esquemas
desaúdeserãodescritosnoCapítulo21.Final-
mente,os princípiosdecontrolesde doenças
estarãoapresentadosno Capítulo22.
Os diferentescomponentesdaepidemio-
logia aplicamos quatrosenfoquesemvários
graus. Inquéritos e estudos,por exemplo,
consistememumapartedescritivaeumaparte
analítica.No modelotambémsepodeincluir
um enfoqueteórico.
A Epidemiologiaé
umaCiência?
INTERAÇÃO DA
EPIDEMIOLOGIA COM OUTRAS CIÊNCIAS
DuranteaprimeirametadedoséculoXX,
a maioriadosepidemiologistasera treinada,
inicialmente,comobacteriologistas,refletin-
doo envolvimentoinicial nainvestigaçãodos
surtosdedoençasinfecciosas.O enfoqueepi-
demiológicoé, na atualidade,praticadopor
veterináriosdemuitasdisciplinas:oparasito-
logistaestudandoos ciclos devidae a dinâ-
micada infecçãodehelmintos,artrópodese
protozoários; os geneticistaspreocupados
comumdefeitohereditárionapopulação;eos
nutricionistasinvestigandoumadeficiênciaou
toxicidade.
Hoje,membrosdeváriasoutrasciênciastam-
bémparticipamdeestudosepidemiológicos:es-
tatísticosanalisandodadosdegruposdeanimais,
matemáticosmodelandodoenças,economistas
calculandooimpactoeconômicodestaeecolo-
gistasestudandoa suahistórianatural.Cada
uma dessasciênciasse ocupade diferentes
facetasda epidemiologia,variandoda pura-
mentedescritivaàepidemiologiaanalíticacom
enfoquequalitativoe quantitativo.Hávárias
definiçõesdeepidemiologia(Lilienfield,1978),
asquaisrefletemessasfacetas,quevariamda
ecológica,relacionadaapenascomas doenças
infecciosas("estudodaecologiadasdoençasin-
fecciosas":Cockburn,1963),àepidemiologia
matemática,referindo-sesóapopulaçõeshu-
manas("estudodadistribuiçãoe dinâmicadas
doençasnaspopulaçõeshumanas":Sartwell,
1973). Entretanto,todastêm em comumo
estudodepopulaçõese assimsãoenglobadas
pelaampladefinição que foi dadano início
destecapítulo.
Muitasdastécnicasusadasnainvestigação
epidemiológicaforamdesenvolvidasemoutras
ciências;sãoexemplosos testesestatísticos
paraavaliarassociaçãoemétodosdeamostra-
gemdepopulações.Isso levantoua questão:
seriaa epidemiologiaumaciênciaisoladaou
meramenteumamaneirade pensarem que
seaplicaumavariedadedemétodosempresta-
dosdeoutrasciências?(Terris,1962).Quando
se realiza um teste em campo, é o bacte-
riologistapraticandoumaciênciadistintade-
nominadaepidemiologia,ou estariausando
métodosestatísticosde amostragemmera-
menteparaadicionarcredibilidadeparaashi-
pótesesbacteriológicas,formuladasapartirde
resultadosexperimentaisderivadosdolabora-
tório?A diferençaentrea ciênciae o método
é maisqueumaquestãodesemântica:"Se o
epidemiologistaforvistomeramentecomoum
auxiliardapesquisaexperimental,seráalge-
madocomasmesmaslimitaçõese o assunto
teráamesmasperspectivasestreitas.E conti-
nuaráa sercomoum esporteamador- que
faráobservaçõessubjetivasno campoparale-
vantarhipótesesquepodemser examinadas
nabancadadelaboratório- ouexistirásimples-
menteparaadicionarmaisrespeitabilidadea
achadosexperimentaisque por si só seriam
poucoconvincentes?"(Davies,1983).Seaepi-
demiologiaéumaciência,entãotemumaiden-tidadeautônomaeélivreparadesenvolverseus
métodospróprios.
A distinçãoentreciênciaemétodopodenão
serfácil(Himsworth,1970).Haveráaquelesque
manterãoa opiniãoqueanovaciênciaproposta
nadamaisé queuma meravariaçãodasuames-
ma e, os quesentirão,com igual convicção,que
os conceitos e métodos tradicionaissão inade-
quadose que um alegadonovo campo poderá
ser adotadopor ter seupróprio mérito.
Trotter (1932) sugeriu duasconsiderações
ao sejulgar a individualidade de uma ciência:
qualidade e distinção. A qualidade dos dados
relacionados com a ciência deve ser tal que
essespoderiamseranalisadoscientificamente,
por métodosdeanálisedisponíveis.O campoda
experiência natural que estaria sendo investi-
gadopela ciência deveriatambém ser distinto
daquelesinvestigadospor outrasciências,para
ter uma extensãotal que somenteos métodos
da nova ciência poderiam ampliar o conheci-
mento naquele campo.
Desdeos anosde 1960, aepidemiologiave-
terináriapreencheuessesdoiscritérios (DmJies,
1983). Um exemplodissoé o campode investi-
gaçãoda febreaftosapor Smith e Hugh-Jones
(1969), mencionadosanteriormente nesteca-
pítulo. Essesautoresprojetaramadisseminação
da doençadurante a epidemiade 1967 a 1968
na Grã-Bretanha e concluíram que as partícu-
lasdovíruspoderiamserdisseminadaspeloven-
to. Osdetalhesepidemiológicosforamrefinados
por investigaçãolaboratorial dasviasde excre-
ção do vírus e, com dadosmeteorológicos,for-
mularamo modeloparapredizera dispersãodo
vírus,o quefoi degrandevalorno planejamento
dascampanhasdecontrole(Glosteretal.,1981).
Essetrabalhopreencheos doiscritérios dequa-
lidade e distinção; a qualidadedos dadosé tal
que puderamser analisadose a experiênciana-
tural de campo- disseminaçãoda doença,nes-
secaso- forneceuoconhecimentodiferenciado.
Os resultadosdessasinvestigaçõeseoconcomi-
tanteaumentodacompreensãodadoençaforam
possíveissomente por causa do amálgama de
diferentestécnicasdasváriasciênciasquecons-
tituem a epidemiologia.
RELAÇÃO ENTRE EPIDEMIOLOGIA E
OUTRAS DISCIPLINAS DE DIAGNÓSTICO
Asciênciasbiológicasformamumahierarquia,
quevaido estudodemoléculasnão replicantes
Escopo da Epidemiologia - 31
ao deácidosnucléicos, organelas,células, teci-
dos, órgãos,sistemas,indivíduos, grupos e, fi-
nalmente,todaacomunidadeeosecossistemas
(Wright, 1959).As váriasdisciplinasqueconsti-
tuemamedicinaveterináriaoperamemdiferen-
tes níveis nessa hierarquia. Histologistas e
fisiologistas estudama estrutura e a dinâmica
individual.Clínico epatologistaestãoconcentra-
dos nos processosde doençanos indivíduos;o
clínico diagnosticaadoençausandoossintomas
do paciente, o patologista interpreta as lesões
paraelaboraro diagnóstico.O epidemiologista
investigaas populações,usandoa freqüênciae
a distribuição da doença para chegar ao diag-
nóstico.Essastrêsdisciplinasdediagnóstico,ope-
rando em diferentes níveis na hierarquia, são
complementares(Schwabeetai.,1977). Epide-
miologistaslidam com omaisalto nível,devem
ter um conhecimentodasdisciplinashierarqui-
camente, "abaixo" - devem ter a capacidade
devertantoas"árvores"comoa"madeira".Isso
significaque,adotandoumaamplavisão,emvez
dadeespecialista,evitarãoosriscosdescritosum
pouco cinicamente por Konrad Lorenz (1977)
em seu livro sobrea história natural do conhe-
cimento humano:
"O especialistacomeçaa sabermaise
maissobremenosemenos,atéque,jinalmen-
te,saibatudosobrenada.Há umsériorisco
dequeo especialista,forçadoacompetircom
seuscolegasem adquirirmais e mais co-
nhecimentoespecializado,se tornemaise
maisignorantesobreoutrosramosdeconheci-
mento,atéserincapazdeformarqualquerjul-
gamentosobreo papeleaimportânciadesua
própriaesferadentrodocontextodoconheci-
mentohumanocomoumtodo."
Assim, o principal atributo necessárioaum
competente veterinário epidemiologista é ter
a natural curiosidade, a lógica, o interesse
geralno conhecimentodamedicinaveterinária
e a capacidadepara desenvolverum raciocínio
paralelo. Apesar das observações anteriores
sobre os especialistas, um interesse especial
eaespecializaçãoemalgumaesferadepesquisa
podem, entretanto, ser úteis em algumas in-
vestigações;por exemplo, um conhecimento
32 - Epidemiologia Veterinária
emeconomiaquandoserealiza umaavalia-
ção dosefeitoseconômicosdeumadoença.
A epidemiologiaestá se tornando mais
quantitativadoqueanteriormente.Umconhe-
cimentobásicodeestatísticaé,portanto,ne-
cessário.Entretanto,muitosproblemaspodem
ser resolvidossemse usarmétodosestatísti-
cos complexose os estatísticospoderãoser
consultadossenecessário;o epidemiologista
devesaberquandoprocurarconselho.
Oscapítulosseguintesdescrevemconcei-
tos, princípios e técnicasepidemiológicos.
Tambémincluemmaterialdeoutrasciências,
taiscomoestatística,imunologia,economiae
informática,queérelevanteparaapráticacon-
temporâneadeepidemiologiaveterinária.
Leitura Complementar
Davies,G. (1983)Developmentofveterinary epide-
miology. VeterinaryRecorcl,112,51 - 53
Ferris, D.H. (1967)Epizootiology.Aclvancesin Vete-
rinary Science, 11, 261- 320. (An early
clescriptionofveterinaryepiclemiology)
Riemann, H. (1982)Launching the new inter-
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Thrusfield, M. (1992)Quantitative approaches to
veterinaryepidemiology. lu: The Royal Veteri-
nary College Bicentenary Symposium Series:
The Aclvancement of Veterinary Science,
Lonclon1991.Volume1: VeterinaryMeclicine
Beyoncl2000.Ed. Michell, A.R., pp. 121-142.
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Farnham Royal

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