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127 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO Unidade III 7 PLANEJAMENTO E PROCESSO ORÇAMENTÁRIO Os orçamentos públicos são vistos, em geral, como uma impenetrável linguagem contábil que classifica as ações do Estado em números frios, que são fonte de trabalho para técnicos especializados. Até a crise de 1929, os orçamentos públicos eram uma peça estritamente contábil que registrava as despesas e as receitas do governo e que deveriam estar em equilíbrio em todos os casos. Porém, após a crise de 1929 e a difusão de ideias associadas ao keynesianismo de que o Estado devia intervir de modo anticíclico na economia, o orçamento público ganha um novo conteúdo (OLIVEIRA, 2009). Com a atuação do Estado, o orçamento público passa a ser um instrumento por meio do qual se podem compreender os caminhos da política fiscal dos Estados, quais os objetivos dos seus gastos, sua política tributária, quais setores da sociedade foram beneficiados com subsídios, entre outros fatores. Por isso, a elaboração do orçamento público é palco de conflitos políticos das diferentes agendas dos muitos atores sociais. Há várias formas e técnicas de realizar orçamentos, e cada país possui a sua. Trataremos do processo orçamentário brasileiro, de suas normas, das técnicas de orçamentação por programas e do ciclo orçamentário brasileiro. 7.1 Planejamento Orçamentário e Orçamento Público As peças orçamentárias podem ser de atribuição do Legislativo, do Executivo ou de tipo misto; este último é o praticado no Brasil. A proposição do orçamento é de atribuição do Poder Executivo e cabe ao Legislativo aprová‑lo ou não e/ou sugerir alterações. O Executivo, ao encaminhar sua peça orçamentária ao Legislativo, deve deixar claros os objetivos de suas despesas e a política de financiamento delas para que o Poder Legislativo possa se debruçar sobre a proposta orçamentária e realizar possíveis alterações. Lembrete Poder Executivo: é o responsável por governar e pôr em prática as ações de governo. Poder Legislativo: responsável por elaborar as leis e supervisionar o trabalho do Executivo. Poder Judiciário: exerce julgamentos norteados pelas leis. 128 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III O orçamento misto é uma forma de garantir legitimidade e representatividade política à peça orçamentária. O representante do Poder Executivo, eleito democraticamente, deve elaborar o seu orçamento tendo como base o plano de governo que o levou a se eleger, e o Poder Legislativo, representante da sociedade em geral, deve aprová‑lo. Ao Legislativo cabe ainda acompanhar a execução do orçamento, garantindo a sua aplicação, além de avaliar periodicamente a situação financeira do governo e avaliar os relatórios de auditorias dos gastos públicos. O orçamento público deve, ainda, seguir determinados princípios (OLIVEIRA, 2009): a) Princípio da unidade, da totalidade e da universalidade: segundo o qual, orçamentos das unidades governamentais devem englobar todas as receitas, de um lado, e todas as despesas, de outro, e serem consolidados em uma única peça. b) Princípios da anualidade: segundo o qual, a autorização do orçamento [é] por um período determinado, que geralmente é de um ano; c) não afetação das receitas, que visa impedir o comprometimento de receitas com o estabelecimento de vinculações; d) equilíbrio, a partir da lógica contábil das partidas dobradas em que a despesa não deve superar a receita. e) exclusividade, que restringe o tratamento da lei orçamentária à matéria estritamente financeira, dela excluindo outros dispositivos estranhos à estimativa de receitas e à fixação das despesas para o exercício fiscal; e f) os princípios da clareza (transparência), da publicidade (divulgação do orçamento) e da exatidão da peça orçamentária, indispensáveis para que a sociedade se inteire e acompanhe os movimentos do Estado na gestão dos gastos públicos. O conjunto de normas que regulam o planejamento orçamentário inicia‑se com a Lei nº 4.320, de 17 março de 1964, que regulamenta o direito financeiro para União, estados, municípios e Distrito Federal. No art. 22 e no art. 33, a lei estabelece três peças orçamentárias: orçamento plurianual, orçamento parcial e orçamento geral. Segundo Oliveira (2009), entre os anos 1881 (ano da elaboração do primeiro orçamento público do país) e 1964, o orçamento público consistia em peças de alcance limitado e calcadas no registro contábil das finanças públicas. De acordo com o autor, após 1964 e a instauração da ditadura militar no País, 129 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO o orçamento passou por um período de desestruturação, chegando a compreender apenas 20% dos recursos mobilizados pelo setor público – mesmo que a Lei nº 4.320 já regulamentasse a elaboração das peças orçamentárias. Isso ocorre porque, durante o período da ditadura militar, havia inúmeros orçamentos, fiscal, monetário, da Seguridade Social, entre outros, o que inviabilizava a consolidação das despesas públicas, bem como o seu acompanhamento e controle. Durante o período militar: [...] se esvaziou gradativamente o Orçamento Fiscal, ao mesmo tempo em que se criaram outros orçamentos – como o monetário, o das estatais, o do sistema financeiro habitacional. [...] Na parafernália orçamentária que se estruturou, o Executivo ainda se viu de mãos livres para decidir, à sombra do orçamento por ele próprio elaborado, sobre a distribuição de benesses para setores [que julgavam convenientes] [...]. Nessas condições, o orçamento não cumpria nenhum dos papéis anteriormente discutidos: absorvendo apenas 20% dos recursos mobilizados pelo setor público, não era capaz de refletir a verdadeira situação das contas públicas [...] (OLIVEIRA, 2009) Assim, é com a Constituição de 1988 que o planejamento orçamentário brasileiro ganha uma estrutura mais sólida. A estrutura fundamentada em três peças permanece com uma de vigência plurianual (Plano Plurianual) e duas de vigência anual (Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual). Todas as três peças são de iniciativa do Poder Executivo, que as encaminha para o Poder Legislativo, para que este possa realizar, ou não, sugestões e emendas, e, posteriormente, aprovar a peça ou não. As peças orçamentárias não são somente instrumentos de planejamento, são leis. Essa característica introduz um aspecto formal que dificulta o seu tratamento, como será demonstrado a seguir. Segundo o art. 165, § 1º da Constituição Federal, o Plano Plurianual estabelece “as diretrizes, objetivos e metas da administração pública [...] para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada” (BRASIL, 1988). A Constituição Federal determina que a Lei de Diretrizes Orçamentárias: [...] compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da Lei Orçamentária Anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (BRASIL, 1988). A Constituição Federal (BRASIL, 1988) diz ainda que a LOA deverá integrar os orçamentos de todos os poderes, órgãos, entidades, fundações públicas e investimento das empresas públicas e que não deve tratar de nenhum outro aspecto que não os relativos à estimação das receitas e à fixação das despesas. 130 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /12/ 20 16 Unidade III Além de definir as peças orçamentárias, a CF (BRASIL, 1988) diz que as três peças devem estar integradas de forma que o orçamento reflita as metas e os objetivos estipulados no PPA e também as metas e prioridades estabelecidas na LDO. Por fim, as três peças, ou leis orçamentárias, devem ser concatenadas no tempo. No primeiro ano de cada mandato, o Plano Plurianual é elaborado e deve traduzir do plano de governo os objetivos e as ações a serem executadas nos próximos quatro anos. Assim, o PPA tem uma extensão temporal que transcende o mandato do executivo, vigorando também no primeiro ano de cada novo mandato. Essa temporalidade pretende garantir a continuidade das ações públicas entre governos. A Lei de Diretrizes Orçamentárias deve refletir ano a ano o que foi estipulado no PPA, com os devidos ajustes e correções tanto de previsão de receitas quanto de variação nos custos. Por fim, a LOA é composta por metas, objetivos e indicadores previstos na LDO, que podem sofrer certos ajustes de previsão de receita e de despesas, além de possuir um grau de detalhamento contábil mais elevado do que a LDO. Na LOA, devemos classificar as despesas segundo o seu objeto, dividindo as despesas correntes, aquelas destinadas a gastos com manutenção da máquina pública, contratação de consultorias, pagamento de pessoal, entre outras, daquelas despesas com investimento, que acrescem os bens disponíveis, como a construção de uma escola. Há, ainda, as despesas com pagamento de juros e principal da dívida que devem ser identificadas. A representação contábil que unifica todas as classificações citadas é a dotação orçamentária. Em 2001, a Lei de Responsabilidade Fiscal dá um novo caráter à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A partir de então, é a LDO que consolida metas da administração pública no que diz respeito aos seus resultados fiscais; é nessa lei que são registradas as metas fiscais dos municípios, estados e da União. Além disso, na LDO, os entes devem estabelecer os limites e as compensações das suas renúncias de receitas. Observação Um dos anexos da LDO deve demonstrar, por meio de memórias de cálculo, qual a parcela do orçamento que será destinada ao pagamento da dívida pública (descontadas operações de refinanciamento da dívida, compra e venda de títulos), o superávit primário e a estimativa de ampliação/redução do estoque total da dívida pública do ente – o resultado nominal. Desse modo, a LDO, além de prever as metas e prioridades da administração pública para o ano seguinte, deve conter um compêndio de metodologias de previsão de receitas, previsão de gastos com a dívida pública, uma descrição do cenário macroeconômico utilizado em ambas as previsões e, por fim, uma avaliação comparativa entre as metas fiscais estipuladas nos últimos dois anos e as metas estipuladas para os dois anos seguintes. 131 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO Além desse arcabouço normativo, a elaboração das peças/leis orçamentárias deve, no caso dos municípios do estado de São Paulo, seguir as recomendações do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) e seu projeto de auditoria eletrônica (Audesp) instituído a partir de 2007. O Projeto Audesp transfere para a elaboração das peças/leis orçamentárias um conjunto de regras dos sistemas informatizados que dão suporte à auditoria eletrônica. Assim, após a instituição do projeto Audesp, padronizaram‑se os campos que cada peça/lei orçamentária deve conter. Com isso, cada elemento constitutivo dessas peças/leis passa a ser um campo em um sistema informatizado com tamanhos, tipos (texto ou número) etc. Além disso, existe um conjunto de campos mínimos a serem preenchidos. A partir disso, a normatização das peças/leis orçamentárias passa a levar em conta tanto questões formais da contabilidade pública quanto questões de preparação de bancos de dados. As peças/leis orçamentárias são compostas por mensagem do Poder Executivo ao Legislativo, texto da lei e anexos. Os anexos são um conjunto de classificações institucionais que organizam a receita e a despesa pública. No caso da despesa, o campo‑chave das peças orçamentárias é o Programa. O orçamento‑programa é uma técnica orçamentária que une o planejamento das finanças públicas aos objetivos das ações governamentais. Sua representação funcional‑programática, as classificações contábeis orçamentárias, enunciariam os responsáveis pelo programa, os objetivos, indicadores e metas dos programas, além de seu propósito. Com isso, o orçamento‑programa e os seus códigos contábeis representam três dimensões, conforme pode ser visto na figura a seguir. Observação O orçamento‑programa é uma técnica orçamentária criada nos EUA. A princípio dizia respeito à coordenação do esforço orçamentário e de planejamento de grandes empresas que, posteriormente, chega ao setor público. Fiscal – Meios e recursos Responsáveis – Classificação institucional Objetivos, metas e indicadores – Funcional‑pogramática Figura 31 – Representação tridimensional do orçamento‑programa 132 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III A classificação funcional‑programática é um conjunto de códigos e classificações que organizam a despesa pública segundo os elementos da figura anterior. Nela, as despesas são classificadas por unidades responsáveis, funções, subfunções, programas e ações. Responsável Propósito Objetivos 08 Órgão: Secretaria de Educação Função: Educação Sub função: Ensino Fundamental Programa: ampliação do acesso e melhoria da qualidade do Ensino Fundamental Projeto: ações pedagógicas complementares Unid. orçamentária: Departamento de Educação 002 12 361 0006 2.008 Institucional Port. 42 – STN Institucional Figura 32 – Classificação funcional‑programática No primeiro conjunto de códigos está a classificação institucional dos órgãos, departamentos, coordenações, fundos etc. de cada ente. No segundo, a classificação funcional da despesa, e, no último, as codificações de programas e ações. A classificação funcional segue a Portaria 42 da Secretaria do Tesouro Nacional, e as demais são de livre classificação pelo ente. Cada ente define os prazos da entrega de suas peças às casas legislativas por meio de dispositivos previstos em suas leis orgânicas. Na maioria dos casos, o PPA e a LDO são entregues no primeiro semestre do ano, e a LOA, no segundo. 7.2 Fundamentos do orçamento‑programa O Orçamento Público, como instrumento de ação estatal, é o meio pelo qual se viabilizam financeiramente todas as atividades do Poder Público, nas diversas instâncias governamentais, a partir do planejamento de receitas e despesas; no caso das primeiras, são estimadas, e das últimas, fixadas, para um determinado período. Suas especificidades e características fazem do orçamento um instrumento técnico, legal, jurídico, político, administrativo e de controle, e trazem tanto complexidade quanto multiplicidade de visões. A partir de uma análise aprofundada sobre qualquer orçamento público, é possível observar quais as relações de poder ali estabelecidas, as diretrizes ideológicas dos governantes e o alinhamento político e econômico, todas as nuances da relação entre Estado e sociedade predominantes naquela determinada localidade, que pode ser um município, uma autarquia estatal ou até mesmo um Governo Central. Isso ocorre porque, via de regra, o orçamento público segue as mesmas regulações para todos os níveis de governo e tipos de órgão da administração pública; a partir do orçamento público se consegue observar 133 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am ação : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO por quem, quanto e como as finanças públicas estão sendo oneradas e por que, com o que, como, quando, em quanto e sob mando de quem. O orçamento‑programa materializa as três funções básicas do orçamento para as quais cada um dos estágios da evolução e discussões acerca do orçamento e da orçamentação pública aponta: planejamento, gestão e controle. Eventualmente, conforme se comportam governos, economia, organismos multilaterais e pesquisadores, maior atenção pode trafegar entre as funções, que chegam a concorrer entre si nas reformas e inovações no sistema orçamentário. Para equilíbrio e benefício do sistema orçamentário, deve haver o balanceamento de cada uma das funções, alternando a cada grande reforma a ênfase nas características de planejamento, gestão e controle orçamentários (SHICK, 1966 apud CORE, 2001). Uma das grandes reformas, promovida no início dos anos 1960, atribuiu um caráter que daria mais ênfase à função de planejamento do orçamento público ao instituir o orçamento‑programa como marca de inovação, alinhando a elaboração do orçamento à das políticas e dos programas, tal como se fazia no sistema Planning, Programming, and Budgeting System (PPBS) do governo norte‑americano e nos manuais da Organização das Nações Unidas (ONU) para a adoção dessa metodologia de orçamentação. A estrutura de orçamentação das despesas públicas no orçamento‑programa é organizada a partir da classificação institucional, em que se identifica o órgão responsável pela despesa; da classificação econômica, em que se diferenciam as despesas em correntes (de manutenção das estruturas existentes) e de capital (em que se aumentam as estruturas do ente governamental e da classificação por elemento de despesa, definindo em que tipo de despesa foram executados os gastos com pessoal, material de consumo, obras, equipamentos etc.); e de uma classificação funcional‑programática, que permite a identificação de cada despesa quanto à função governamental e o estabelecimento de um programa desenhado para essa finalidade. Todas as classificações devem estar codificadas e registradas nas leis e nos sistemas de gestão dos orçamentos públicos. Lembrete Analisar uma peça orçamentária e seus respectivos relatórios de execução é uma forma bastante eficaz de analisar as condições políticas, técnicas e econômicas daquela esfera de governo, uma vez que a partir da codificação orçamentária é demonstrado quem, como, quanto e em que foi planejado e executado o gasto público. Nesse modelo, todas as instâncias governamentais devem planejar, gerenciar e controlar seus orçamentos a partir desta codificação, em que é possível identificar: o órgão ou a agência a que o orçamento se refere; a unidade orçamentária do órgão responsável pelas despesas; a função e a subfunção governamental, determinando quais áreas e subáreas a despesa procurará influenciar; o programa desenhado para essa interferência, com seus objetivos, metas, resultados e valores estipulados; a ação, que propõe uma divisão dos programas em atividades ou projetos específicos e necessários ao atingimento dos objetivos propostos; o elemento de despesa em que foi empreendido o gasto; além da demonstração da origem dos recursos que permitiram aquela ação. 134 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III A segunda metade do século XX foi de grande aprendizado para o Brasil no que diz respeito ao processo de planejamento, gestão e controle do orçamento público. A evolução do orçamento‑programa no País foi orientada, limitada e potencializada por essa evolução. Este livro‑texto pretende trazer alguns dos grandes movimentos que influenciaram a evolução do orçamento‑programa no Brasil, praticamente um por década, desde sua implantação até culminar nos desafios para sua efetividade, vividos atualmente. Inicialmente, busca‑se uma vinculação dos planos elaborados de forma autônoma anteriormente ao contexto orçamentário, conforme revela Core (2001, p. 20), afirmando que “as experiências [de planejamento] verificadas na administração pública brasileira, antes de 1964, tiveram como características a desvinculação com o processo orçamentário, bem como a ausência de maiores considerações macroeconômicas”. Outro processo de aprendizado, no período seguinte ao da implantação do orçamento‑programa por meio do Decreto‑Lei 200/67, foi o trazido em 1974, com a separação e o esclarecimento em relação às classificações funcional‑programáticas e econômicas, com uma linguagem única para o orçamento‑programa no Brasil, padronizando as classificações programáticas e definindo claramente os conceitos de projeto e atividade, com a edição da Portaria nº 09 de 1974. Na década seguinte, ao final dos anos 1980, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o principal incremento de inovação ao orçamento‑programa foi a obrigatoriedade na plurianualidade do orçamento na divisão das peças orçamentárias nos Planos Plurianuais (PPA), Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Leis Orçamentárias Anuais (LOA). Esse caráter plurianual da despesa (e da receita) pública, até então só obrigatório no campo dos investimentos, permitiu que houvesse uma maior integração do planejamento ao sistema e aos processos orçamentários. Nos anos 1990, há uma clara tentativa de fortalecer o aspecto gerencial do orçamento a partir de uma forte pressão do contexto macroeconômico e do enfrentamento de questões impostas pelos organismos financeiros internacionais para o equilíbrio das contas públicas, o aumento da austeridade fiscal e a melhoria da qualidade do gasto público. A pressão pelo ajuste das contas públicas, a balança de pagamentos e as taxas de juros que se elevaram significativamente ao longo da década – inclusive como instrumento de controle dos preços – influenciaram significativamente as condições de operação e gerenciamento dos orçamentos públicos no Brasil. Em se tratando do orçamento‑programa, porém, a principal novidade que a última década do século XX trouxe, no Brasil, foi o avanço da administração pública gerencial – em substituição ao modelo burocrático – capitaneado pelo então ministro Luís Carlos Bresser Pereira, que utilizou os Planos Plurianuais e os Orçamentos anuais como instrumentos de implantação dessa reforma, desde 1995. Contudo, esses reflexos são sentidos um pouco mais adiante, principalmente a partir do PPA 2000‑2003, elaborado pelo Governo Federal em 1999, em que tais mudanças gerenciais se tornaram mais perceptíveis. Isso por reforçarem os princípios da reforma implantada, que privilegiava outputs (produtos) e outcomes (resultados) no orçamento público pela primeira vez, mas também – e principalmente nesse momento de análise – pela mudança substancial na confecção dos programas, conforme demonstra Neiva (2011, p. 44), com “um direcionamento mais direto na tentativa de adoção de uma prática de gestão por programas e esforço de modernização adotando a realidade problematizada e uma gestão de resultados”. 135 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO Rescaldo do processo de ajustes fiscais nos países emergentes dos anos 1990, logo no início do século XXI, as principais mudanças que influenciaram a forma pela qual o orçamento‑programa fora executado no Brasil são relacionadas ao aspecto do controle. A Lei de Responsabilidade Fiscal (nº 101/2000) trouxe limitações de gastos em algumas despesas correntes e procurou retrair o endividamento público, além do gasto com pessoal e de regras fiscais que União, estados e municípios passaram a ser obrigados a respeitar, em um movimento de aumento do controle dos gastos. Ainda emrelação ao controle, já com impacto na segunda década do século XXI, mecanismos de aumento da transparência e do estímulo ao controle social do orçamento público trouxeram novos contornos à forma de tratar o orçamento‑programa no Brasil. A partir da Lei Complementar nº 131/2009, batizada de Lei da Transparência Orçamentária, os entes da administração pública brasileira passam a ser obrigados a manter informações acerca do orçamento publicadas em tempo real na internet, além de garantir acesso a todos os documentos e informações que quaisquer cidadãos desejem a partir de instrumentos específicos de comunicação e atendimento de prazos. Esse panorama das principais modificações na estrutura de orçamentação no Brasil, desde a implantação do orçamento‑programa, permite uma análise um pouco mais aprofundada do que se propõe aqui, em que os assuntos são as principais características e fundamentos do modelo de orçamento‑programa brasileiro. É possível identificar que cada uma dessas modificações, ou minirreformas, produziu efeitos mais significativos em uma ou outra função do orçamento – planejamento, gestão e controle; gerou impactos mais ou menos expressivos em como o orçamento‑programa tem sido implantado no Brasil; e provocou, mitigou ou evidenciou praticamente todos os problemas e desafios identificados no orçamento‑programa. Utilizando ainda a divisão proposta por Schick (1966 apud CORE, 2001) de que o orçamento público possui características de planejamento, gestão e controle, conseguimos condensar a análise crítica aqui apresentada, organizada por cada uma dessas funções. Assim, apresentamos o orçamento‑programa também sob o espectro de suas potencialidades e melhorias desejáveis em como é viabilizado, podendo servir de ponte para a adoção de instrumentos de inovação mais modernos e favoráveis à melhoria da gestão orçamentária no Brasil. O orçamento‑programa, como metodologia de orçamentação pública, antes de tudo, não deve ser visto como fracassado ou ruim, ainda que a sua viabilização no Brasil tenha sofrido inúmeros problemas desde a sua implantação. Para aqueles adeptos de outras metodologias orçamentárias tidas como mais inovadoras, o orçamento‑programa é condição basal para a sua implementação, uma vez que a estruturação por programas é pressuposto de algumas correntes que defendem a orçamentação por desempenho, por exemplo. Ocorre que o orçamento‑programa adotado no Brasil está mais alinhado à estrutura de apresentação do orçamento do que propriamente a uma forma de planejar e organizar as despesas públicas a partir de programas, com objetivos e propósitos de governo e formas de mensuração de resultados. Parte desses problemas de implantação da orçamentação por programas no Brasil recai sobre a dificuldade de se interpretar o que de fato é o tal orçamento‑programa. Diamond (2007) tenta 136 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III elucidar parte dessa confusão ao estabelecer, de uma forma mais clara, as diferenças entre o orçamento‑programa e o orçamento de desempenho instituído nos EUA. Para o autor, ambos pressupõem uma ação estatal com base em programas. O orçamento por programas seria aquele em que os governos agrupariam funções e subfunções, identificando seus custos e, a partir destes, decidiriam quais os produtos de cada unidade. Ao analisarmos o atual estágio que o Brasil vive em relação à sua forma de organizar o orçamento por programas, podemos avaliar algumas das críticas como próprias do sistema de orçamento e orçamentação brasileiros, uma vez que os problemas e desafios que se apresentam não são apenas intrínsecos à orçamentação por programas, mas também gerados ou influenciados pelos próprios problemas do orçamento e da gestão pública no Brasil. As críticas que podem surgir ao orçamento‑programa ou ao orçamento público na maioria dos casos podem se tornar extensíveis àquela que se pode atribuir ao atual panorama da administração pública brasileira. Ao presenciarmos uma situação em que se observam diversos conflitos entre a administração gerencial, a burocrática e até mesmo a patrimonial, os desafios que se impõem giram em torno das limitações institucionais, instrumentais, legais, políticas e gerenciais da administração e orçamentação públicas. Voltando à classificação das funções do orçamento proposta por Schick (1966 apud CORE, 2001), apresentamos os principais problemas e desafios, alguns com indicativos de soluções possíveis, e, ainda, potencialidades de aperfeiçoamento sob o ponto de vista das características do orçamento: planejamento, gestão e controle. Sob a perspectiva do planejamento, as principais críticas que podem ser levantadas são acerca da mera formalidade na apresentação de programas, e não uma visão sistematizada de gestão por programas; quando essa visão existe, encontra‑se uma baixa qualidade em sua elaboração, seus indicadores e na matricialidade de ações. Outro destaque é a presença marcante de uma tendência inercial de manutenção das ações governamentais que fogem ao ambiente de planejamento. Como último grande destaque, mas não esgotando o tema, há, ainda, a já mencionada forte tendência ao incrementalismo nos orçamentos brasileiros, que prejudicam a adoção do orçamento por programas. Em relação ao aspecto gerencial, há uma fragilidade na configuração plurianual do orçamento e dos programas em sua viabilidade no momento da execução orçamentária, aliada a uma tendência de ruptura ou de desvios entre o ambiente planejador e o ambiente executor, sobretudo quando há espaços muito grandes entre os formuladores da política pública – e potencialmente das decisões orçamentárias – e os implementadores, como tratam Pressman e Wildavsky (1973) já no subtítulo de seu livro: “como as grandes expectativas de Washington são esmagadas em Oakland”. Os autores referem‑se às dificuldades de implementação daquilo que é planejado dentro dos gabinetes no momento de formulação das políticas públicas e dos programas governamentais. Em geral, isso acontece, pois os orçamentos são desenhados para se organizarem em uma estrutura de meios (para se comprar e contratar o que se precisa) muito mais do que de fins (que determinam quais os resultados que se pretende atingir a partir da ação estatal). 137 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO Já sob a ótica do controle do orçamento, há uma clara obsolescência dos mecanismos instituídos para o acompanhamento da execução dos programas, o que acaba secundarizando a própria execução dos programas em determinados momentos. Há ainda uma insuficiente consideração por parte dos organismos que apoiam o Legislativo na fiscalização das contas públicas na avaliação e no controle de programas, em detrimento do controle fiscal, legal e contábil. Se pouco os organismos de controle têm contribuído para a pressão por um maior controle da execução dos programas, menos ainda há, por parte da sociedade, suporte em ferramentas de acompanhamento e controle social. 7.3 Processo Orçamentário O processo orçamentário representa, conforme mencionado, como se desenrola a maioria das ações estatais vistas: por sua força de lei, o orçamento precisa ser cumprido como tal, e toda ação que gera despesa deve estar prevista e ser executada como tal. Seu surgimento, em características e formas similares ao que se tem hoje, data do século XIII, no Reino Unido, a partir da insurgência dos nobres contra o volume dos tributos aos quais estavam submetidos para financiar a Coroa. Até o século XIX já era relativamente consolidado na Europa e em inúmeras outras regiões do mundo como a principal técnica de gestão dos recursos públicos. Ao longo do século XX, principalmenteem sua segunda metade, o processo orçamentário sofreu inúmeras transformações para se tornar o que temos hoje. O orçamento, porém, não nasce lei. Como todas as outras, ele é fruto de um Projeto de Lei (PL) encaminhado, neste caso, pelo Poder Executivo ao Legislativo, que deve analisá‑lo e aprová‑lo para que seja sancionado e posto em execução. Além de peça legal, é ainda um instrumento político. É por meio dele que são conduzidas e viabilizadas todas as políticas públicas, programas governamentais e manutenção de estruturas e serviços públicos financiados pelos tributos arrecadados. Por último, mas não menos importante, é uma peça técnica e gerencial: é necessário ler o orçamento como uma forma de organização dos recursos (as receitas públicas) para estruturar e financiar os projetos e a manutenção de atividades (despesas públicas). Observação A leitura das peças orçamentárias e de seus relatórios gerenciais deve ser feita sob três prismas distintos: político, técnico e legal. Para o mesmo documento há pelo menos três olhares diversos. O projeto de lei do orçamento, em si, já é uma peça importante o suficiente, pois já traz em si e em todos os seus anexos e documentos correlatos uma alta carga das diretrizes e políticas nas quais estão expressas a receita e a despesa pública. Como foi dito, além do documento a ser convertido em lei pelo Legislativo, há uma série de documentos acessórios e anexos ao projeto de lei que são tão importantes quanto a própria lei orçamentária (ou mais). A LOA, por exemplo, possui, além do primeiro artigo que, em geral, estima a receita e fixa a 138 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III despesa, e o do último, que trata da validade daquela lei em uma série de artigos, parágrafos e incisos que apresentam características do ano fiscal a que se refere, como apresenta Pires (2011): • apresentação dos grandes valores de cada tipo de despesa; • limite de alterações orçamentárias sem a aprovação prévia do Legislativo; • limite para operações de crédito por antecipação de receitas futuras; • eventuais limites para alguns tipos de despesa, como a de pessoal; • vinculações obrigatórias à educação e à saúde dispostas constitucionalmente; • algumas definições sobre memórias de cálculo, atualizações monetárias, entre outras. Todo projeto de lei orçamentária também é acompanhado de uma “mensagem” que contextualiza a situação fiscal e apresenta a peça orçamentária para a casa legislativa. Espera‑se que trate, pelo menos, das questões fundamentais para que a população (representada pelos legisladores) possa entender como serão tratados os recursos públicos. Deve conter, portanto, as expectativas de crescimento econômico e a conversão desse crescimento em benefício dos cidadãos, a metodologia de projeção de receitas e despesas, informações sobre o grau de endividamento e compromisso com a sua estabilização ou controle, despesas de investimento, entre outros. Cada peça orçamentária deve ser acompanhada por um conjunto de anexos que retratam, de acordo com a sua especificidade, o detalhamento das informações presentes no plano plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual. Esses anexos são obrigatórios, de acordo com os dispositivos legais aos quais a produção das peças está submetidos: a Constituição Federal, a Lei Federal nº 4.320/1964 e a Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101/2000, além de dispositivos como resoluções e instruções do Senado Federal, dos Tribunais de Contas e de manuais da Secretaria do Tesouro Nacional. O processo orçamentário, como vimos anteriormente, é muito facilitado quando se pressupõe o encadeamento natural temporal das ações. Isso pode ser indicado na formulação de um estruturado planejamento das ações programadas, de seus insumos e dos resultados que se pretende obter. A partir disso, estruturar as peças de planejamento plurianual e, delas, anualizar com os ajustes necessários as diretrizes orçamentárias e metas fiscais do ano seguinte e, por fim, a operacionalização do orçamento anual. Ocorre, porém, que, em virtude da pressão e do tempo exíguos entre o início do mandato executivo em janeiro e o envio das primeiras peças ao Legislativo, da estrutura burocrática defasada ou, ainda, da baixa importância conferida ao processo de planejamento das ações estatais que prima em muitos casos, pelo improviso e pelas adaptações às regras e procedimentos, as falhas apresentadas sobre o orçamento‑programa praticado no Brasil são reproduzidas e afetam consideravelmente o modelo de orçamentação no país. 139 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO Considera‑se aqui a proposta adotada pela Lei Federal nº 4.320/1964 de adotar o orçamento‑programa como técnica de elaboração dos orçamentos do Brasil. Isso foi feito com o intuito de enfatizar as finalidades do gasto e sua estruturação em atividades e projetos. Estes últimos configurarão os programas e seus resultados. Além dos meios para atingi‑los e de seus mecanismos de avaliação da eficiência, eficácia e efetividade, há uma pressuposição de que o País se organize a partir de programas. Nem sempre é assim. A proposta de organizar esses programas em projetos e atividades pressupõe que a ação governamental se estruture em dois tipos de esgotamento: com tempo e recursos definidos, ou seja, esgotados os resultados ou os recursos destinados àquela obra, contratação de serviço ou compra de item de consumo ou permanente, o projeto se encerra; ou com duração indefinida ou permanente por excelência, no caso de despesas que garantam a manutenção de serviços públicos administrados pelo governo. Em ambos os casos se configuram programas que estão previstos e destacados no plano plurianual, nas leis de diretrizes orçamentárias, nos orçamentos anuais e que possuem metas e objetivos específicos para o período em que estejam presentes no orçamento. Tomemos como exemplo o caso do desafio municipal de encarar a miséria por meio da geração de trabalho e renda. O governo que desejar atacar esse problema – e, portanto, aplicar o orçamento‑programa com excelência – precisa interiorizar esse objetivo e estabelecer, de acordo com os recursos disponíveis e as opções de políticas desejáveis, quais os resultados que se pretende atingir: diminuição de 20% da população que vive com menos de R$ 100,00 per capita mensais, o que representa 4.000 pessoas. Para enfrentar os problemas governamentais, é necessário ter visão de conjunto, transversal e matricial. Nesse sentido, o programa Combate à Pobreza Extrema poderia configurar‑se em projetos ligados a pesquisas de identificação da população beneficiária do programa; construção de polos de intermediação de mão de obra para aumentar a empregabilidade de pessoas mapeadas; cursos de capacitação profissional em áreas específicas que necessitem de mão de obra qualificada; atividades duradouras relacionadas à saúde das pessoas beneficiárias; elevação da escolaridade, bolsas e auxílios para complemento da renda básica familiar; regular funcionamento das unidades construídas para o atendimento, entre outros. Cada um deles com seus resultados individuais (cursos realizados, construção de unidades, número de atendimentos etc.) colaborando para os resultados e metas globais do programa: redução da população que vive com menos de R$100,00 mensais. Todas essas informações devem estar nos anexos dos projetos de leis que encaminham as peças orçamentárias do Executivo ao Legislativo dos três níveis da federação. O desafio colocado é converter o emaranhado de números que representam a codificação orçamentária apresentadas anteriormente em, de fato, objetivos, metas e resultados a partirdos insumos necessários que viabilizam os programas preconizados. A definição das políticas públicas, como se viu, antecede a elaboração dos projetos de leis orçamentárias, e não o contrário. Portanto, o discurso de que “não houve orçamento disponível” para a concretização de determinada promessa não deve ser aceito pela sociedade, a não ser que haja grandes modificações da estrutura de arrecadação ou mudanças significativas do cenário que orientem a modificação dos objetivos de governo, como a resolução antecipada do problema ou o surgimento de um novo, maior e mais urgente. Nesses casos ainda é indispensável a reprogramação orçamentária a partir de mudança das leis que autorizaram as despesas que foram modificadas, com as devidas justificativas. A mudança 140 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III da prioridade de se construir uma unidade básica de saúde para a reforma de um hospital não deveria ser permitida sem a devida alteração das leis orçamentárias, a não ser que estivessem dentro do limite autorizado de remanejamento por créditos adicionais abertos nas leis já aprovadas. Se pudéssemos pensar em um fluxo de elaboração das peças orçamentárias, ele seria semelhante ao apresentado a seguir: Estabelecimento das diretrizes globais Conversão em prioridades de governo Criação dos modelos e estruturas de programas Elaboração dos programas e definição dos custos e necessidades Definição das prioridades setoriais Estabelecimento de tetos e limites gerais Ajustes da receita e da despesa, gerando equilíbrio Hierarquização dos programas pelo núcleo decisório do governo Projeto de Lei para o Legislativo Figura 33 – Fluxo de elaboração de uma peça orçamentária Como se percebe, a boa prática do planejamento orçamentário requer a participação de todos os órgãos do Poder Executivo, com maior ou menor grau de engajamento. Há uma instância típica de decisão política de definição das diretrizes e prioridades lastreadas nos pleitos democráticos, uma instância técnica de desenho de políticas, novamente técnica na organização e compatibilização de receitas e despesas e, por último, uma participação do corpo político que compatibilizará todos os interesses, demandas e necessidades, hierarquizando‑os. Daí a caracterização da orçamentação como um processo tecnopolítico. Uma vez elaborados, dentro dos prazos legais estabelecidos em regramentos superiores, os projetos de lei são finalmente encaminhados ao Poder Legislativo, que deverá, como em todos os casos de legislação, apreciá‑los, discuti‑los e deliberar sobre eles. Eventualmente alterados e aprovados em plenário, os projetos passam pelos mesmos processos nas comissões instituídas pelos regimentos que variam em cada uma das instâncias e unidades federativas. Como se pode notar, não é um processo simples e isento de novas disputas e coalizão de interesses, ao passo que o Legislativo é, dentre os poderes constituídos, o que mais possui caráter representativo dos interesses da população, ainda que haja inúmeras críticas ao sistema político‑institucional brasileiro e às urgentes e necessárias reformas nos sistemas de representação existentes. 141 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO O que se tem, a partir do ingresso nas casas legislativas, é um processo de conversão do projeto em efetiva lei com condições de ser aplicada pelos interessados. Inicia‑se o processo com a aceitação do projeto pelo Legislativo, sendo raros e danosos os casos em que o projeto é sequer aceito. Uma vez que ingressou, trafega pelas comissões que avaliarão os aspectos legais e técnicos, verificando se fere dispositivos constitucionais ou de legislações que regulamentam o tema, além da materialidade e viabilidade de concretização. Em geral, determina‑se que sejam emitidos pareceres por membros dessas comissões, que são apreciados pelos demais componentes, que rejeitam ou aprovam o projeto, dando condições de seguir para as comissões posteriores ou para a fase posterior de emendas que antecede a apreciação pelo plenário geral. As emendas têm o caráter de permitir que os legisladores possam influenciar a orientação das peças orçamentárias e, consequentemente, as políticas públicas. A capacidade de penetração dessas emendas no orçamento final depende de inúmeros fatores, da estrutura técnica e financeira aos limites que são impostos às emendas e à própria densidade política do parlamentar em convencer seus pares a aprovarem seus pleitos que ainda estão sujeitos ao veto do Chefe do Executivo. Não é permitida uma série de emendas que infrinjam os princípios orçamentários, que estejam em desacordo com o planejamento plurianual (no caso das demais peças orçamentárias), que alterem despesas de manutenção ou custeio de serviços, que criem obras ou obrigações para serviços ainda não criados, entre outros casos mais específicos, com exceção daqueles em que haja erro ou inexatidão, mas as emendas têm a presunção de corrigi‑los. Muitas vezes, o processo torna‑se bastante tortuoso em virtude da baixa capacidade de entendimento da linguagem e das técnicas orçamentárias pelos parlamentares e seus assessores mais próximos, mas, uma vez incluídas as emendas, as discussões vão a plenário para que sejam processadas e inseridas na peça final. É comum que as casas legislativas possuam regras específicas para tramitação e aprovação das peças orçamentárias. Aprovadas as emendas e as propostas de lei, segue o rito tradicional de envio para que o Executivo as sancione, com poder de veto parcial ou total das emendas. Nesse caso, deve retornar ao Legislativo a apreciação dos vetos, que podem ser de ordem técnica, quando há incompatibilidade não verificada pelos legisladores, ou política, quando é apreciado e negado o mérito da emenda aprovada pelos parlamentares. Apesar de longo e complexo, o processo de elaboração e aprovação das peças orçamentárias, configurando‑as em leis municipais, estaduais ou federal, é apenas o começo de tudo. Uma vez promulgadas, inicia‑se o momento de execução orçamentária, geralmente orientado por um decreto que regulamenta como será aplicada aquela lei. Os decretos de execução orçamentária operacionalizam as leis orçamentárias anuais (LOA) e, geralmente, determinam regras de fluxos das operações de processamento da receita e despesa, eventuais contingenciamentos de recursos, os cronogramas de compatibilização dos ingressos de receitas com as cotas de despesa de cada mês e órgão, entre outros assuntos de maior ou menor relevância conforme o lugar e o momento. É a partir desse momento que as codificações funcionais programáticas que fazem parte do orçamento‑programa são convertidas em dotações orçamentárias disponíveis para as agências executoras do orçamento realizarem as despesas e seus respectivos programas. 142 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III Observação As dotações orçamentárias comumente são denominadas por gestores e analistas de orçamento de fichas orçamentárias. Apesar de atualmente estarem registradas em sistemas computadorizados, antigamente eram feitas em fichas de papel. Obviamente, só seria possível de se executar o orçamento de acordo com o que fora aprovado em lei. O direito administrativo nos ensina que, diferentemente da iniciativa privada, que está autorizada a fazer tudo o que a lei não proíbe, a administração pública, pelo contrário, só pode agir em plena conformidade com o que a lei obriga, ou seja, só agirá se houver dispositivo legal que a oriente previamente. Entretanto, como foi explicitadoanteriormente, o orçamento tradicionalmente se configurava como uma peça de meios, e não de fins e, associado à baixa materialidade e à alta generalidade dos programas, em alguns casos, torna‑se apenas uma forma de organização de receitas e despesas públicas, minimamente estruturadas por órgãos, funções e elementos de despesa. Diversas iniciativas por parte dos gestores e responsáveis pelo controle formal e a própria sociedade têm pressionado para que situações como essa sejam cada vez mais raras, e os programas sejam mais bem‑estruturados e levados adiante no momento da execução orçamentária. A partir da publicação dos decretos que autorizam a abertura do orçamento daquele período, os atos da execução orçamentária passam a ser administrativos, cada qual determinado por um responsável distinto. Estando de acordo com a programação orçamentária, ou seja, havendo recursos disponíveis em quantidade e características para atender àquele projeto ou atividade que compõe o programa, o ordenador de despesa emite um documento solicitando a reserva orçamentária. Esse ato administrativo garante que aquela dotação orçamentária não estará mais disponível para a execução de outra despesa. É bastante comum que uma mesma dotação orçamentária represe recursos para diversas despesas de determinado projeto ou atividade. Por exemplo: uma atividade de manutenção de uma unidade de saúde pode garantir desde a reposição de materiais de limpeza e escritório até médico‑hospitalares (gases, luvas descartáveis, seringas e agulhas etc.) destinados ao atendimento dos pacientes. Todos são tratados como materiais de consumo nesse caso. Depois de efetuada a reserva orçamentária, prossegue‑se com a realização da despesa com a compra ou contratação do serviço a partir de procedimento licitatório. Uma vez concluído esse processo, ou no caso de já se ter concretizado em momento anterior ao da declaração do ordenador de despesa que requisitou aquele item ou serviço, pode ser emitida a respectiva nota de empenho. Emitido em nome da empresa ou pessoa física responsável pelo fornecimento ou serviço, esse documento garante que aquele recurso está comprometido com aquela despesa e onera a dotação orçamentária, reduzindo‑a exatamente no mesmo volume que constar no documento. 143 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO O saldo de dotação orçamentária garante que o ordenador de despesa está autorizado a solicitar o comprometimento de parte ou todo daquele recurso com a ação orçamentária correspondente, bem como a nota de empenho garante ao fornecedor a autorização para entregar ou fornecer o serviço solicitado. Assim, nem o ordenador de despesa poderá solicitar despesa não prevista ou com recursos insuficientes em suas dotações orçamentárias, nem os fornecedores estarão autorizados a entregarem produtos antes de emitida a respectiva nota de empenho, ainda que tenham vencido o processo licitatório. Ambas as práticas implicam crime fiscal e de responsabilidade. Seguindo com as fases do processamento da despesa, após a emissão da nota de empenho e o devido cumprimento da obrigação pactuada pelo fornecedor, acompanhada da emissão de documento fiscal apropriado para o caso, é possível proceder à liquidação parcial ou total daquela nota de empenho, conforme o caso. Trata‑se do efetivo recebimento, por parte do Poder Público, daquilo consignado na medida e com as características contidas na nota de empenho; é o documento que garante o direito de recebimento, pelo item ou serviço, ao fornecedor em questão. Depois de liquidada parcial ou integralmente a respectiva nota de empenho, prossegue‑se com o processo de pagamento, respeitando a disponibilidade financeira e seguindo a ordem cronológica de pagamentos – uma despesa liquidada depois não poderá ser paga antes de outra liquidada em data anterior. A legislação brasileira obriga que os pagamentos sejam feitos em até trinta dias após a data de liquidação da respectiva nota fiscal, sendo absolutamente vedado o pagamento anterior ao recebimento dos serviços, a não ser em se tratando de termos de convênio, colaboração, contratos de gestão, entre outros instrumentos de parceria em que há um plano de trabalho a ser cumprido pelo detentor da respectiva nota de empenho. Nesses casos, ainda assim, procede‑se à respectiva liquidação antes do efetivo pagamento. Do ponto de vista da receita pública, o processo é relativamente mais simples, porém de igual ou maior importância, visto que sem receita pública não é possível concretizar por completo a despesa pública. Para a receita, as fases que se sucedem são a de previsão, com a determinação de quanto se pretende arrecadar com cada alínea de receita; de lançamento, apenas nos casos em que são feitas as individualizações dos contribuintes ou de impostos e taxas, além de outros tipos de receitas patrimoniais, por exemplo; de arrecadação, quando os contribuintes efetuam os pagamentos aos agentes arrecadadores diretos ou indiretos (quando se trata de instituições bancárias, por exemplo); e de recebimento, no momento em que os recursos arrecadados ingressam nas contas do Tesouro Público. Destaca‑se que nem todas as receitas passam por todas as fases, como as receitas transferidas compulsória ou voluntariamente de outros entes governamentais, em que após a previsão já é notado o recebimento no momento de seu ingresso, em geral por meio de operação bancária registrada. 144 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III A figura a seguir ilustra de maneira simples todas as fases de processamento da despesa: Fixação na Lei Orçamentária Reserva orçamentáriasolicitada pelo ordenador de despesa Empenho realizado após a seleção do fornecedor a partir de procedimento licitatório Liquidação após o recebimento do bem ou serviço pela administração pública Pagamento, encerrando o processo relativo àquela despesa Figura 34 – Fases do processamento da despesa Esse fluxo da despesa demonstra o nível de complexidade de gerir os recursos públicos e reforça ainda mais a necessidade de zelo no processo de planejamento das ações e decisões orçamentárias. Incorre também na necessidade de se compatibilizar, ao longo dos exercícios fiscais, a gestão orçamentária e financeira. É absolutamente raro que o ritmo de execução das receitas seja plenamente alinhado ao das despesas, ou seja, nem sempre os recursos ingressam no mesmo tempo e volume em que são geradas as despesas. Os recursos são muito condicionados aos regramentos tributários específicos e à dinâmica de movimentação econômica atrelada ao consumo, e as despesas, muito mais suscetíveis às programações e aos ritmos de execução das políticas e prestação dos serviços e entregas de bens. Por isso, é muito importante que sejam compatibilizadas ambas as gestões, para que esse descompasso não acarrete atrasos em pagamentos ou problemas de execução. Por exemplo, se todos os órgãos e unidades orçamentárias decidirem fazer suas compras e contratações no mesmo momento com cronogramas de desembolso e execução concomitantes, dificilmente haverá recursos para garantir todas as despesas, prejudicando a gestão. Por isso a importância da programação adequada e sincronizada, comumente orientada por órgãos centralizados, que devem acompanhar de perto e de forma longitudinal as despesas públicas. A execução orçamentária, como se vê, é bastante dinâmica e complexa, pois o exercício de planejamento não se configura com plena exatidão. Eventualmente há excedentes, nos casos em que não são necessários todos os recursos consignados para a execução dos projetos e atividades – quando boas contratações fazem que a concorrência diminua o preço inicialmente previsto– ou quando os recursos são insuficientes para consignar o projeto ou a atividade integralmente, necessitando de incremento. Nos casos em que é autorizado ao Poder Executivo alterar seu orçamento em determinado limite (geralmente uma porcentagem máxima) e havendo previamente as dotações que serão remanejadas, o próprio chefe do Executivo pode, por decreto, fazer a alteração por meio de crédito adicional suplementar. No entanto, caso não haja a dotação específica para a realização da nova despesa, é necessário criá‑la a 145 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO partir de crédito adicional especial, que da mesma forma promove o remanejamento. Há ainda outras formas de alteração do orçamento, todas com prévia necessidade de aprovação legislativa, como nos casos em que há um excesso de arrecadação confirmado, entre outros. A fim de resumir o entendimento dessa compatibilização da gestão orçamentária e da financeira, elaboramos o quadro a seguir, para reforçar o entendimento sobre a questão, no qual são apresentadas as três situações possíveis, a que os gestores orçamentários são expostos diariamente ao longo da execução orçamentária; uma situação ideal e duas situações problemáticas que requerem a resolução por parte, principalmente, dos tomadores de decisão daquele governo. Quadro 2 – Compatibilização entre a gestão orçamentária e a financeira Situação ideal Problema orçamentário Problema financeiro Há saldo em dotação orçamentária para o atendimento de determinada despesa acompanhada dos recursos financeiros disponíveis em caixa. Há saldo bancário no caixa em volume suficiente para a execução da despesa, porém não há saldo ou dotações disponíveis para a aplicação específica daquele recurso, havendo a necessidade de abertura de crédito adicional suplementar ou especial. Há saldo nas dotações orçamentárias que representam os projetos e ações em volume e características compatíveis com a despesa em questão, porém não há saldo financeiro que garanta o pagamento futuro dessa despesa, sendo necessário aguardar o ingresso de recursos a fim de evitar déficits. De uma forma simplificada, é preciso garantir que sejam cumpridos ao longo das execuções orçamentárias os requisitos legais e democráticos para serem executadas apenas despesas fixadas em lei e aprovadas pelos representantes da sociedade; os requisitos gerenciais e técnicos de garantia de que os meios (insumos) sejam aplicados para o atendimento dos fins (resultados) preconizados; e os requisitos financeiros de compatibilizar e disponibilizar os recursos no momento em que sejam arrecadados e demandados para o cumprimento das obrigações de pagamentos. Existem ainda os mecanismos e estruturas de controle e avaliação do orçamento público, das peças legais e seus respectivos relatórios de execução. Como apresentado anteriormente, a configuração atual dos sistemas de orçamentação brasileiros, por vezes, foram orientados por reformas que ampliaram os mecanismos de controle e avaliação, principalmente do gasto público. Merecem destaque as estruturas formais de controle interno e externo que se encarregam de garantir que os princípios orçamentários sejam cumpridos, além de zelar pela evolução dos sistemas de gerenciamento dos recursos públicos. No caso dos sistemas de controle interno, há a responsabilidade de se acompanhar, “do lado de dentro”, as regras e os procedimentos que devem ser seguidos em todas as fases de confecção e execução orçamentária. Esse controle paulatino, cotidiano e regular é fundamental para que os processos sejam corretos e aperfeiçoados sistematicamente. Contudo, como é realizado pelos membros da própria administração, faz‑se complementar o controle externo exercido pelos Poderes Legislativos apoiados pelas estruturas dos Tribunais de Contas, que acompanham e emitem pareceres sobre a regularidade das contas públicas remetidos aos parlamentares que, em última análise, aprovam ou rejeitam as contas dos governantes. Apesar das críticas aos mecanismos distantes e de meios – mais do que de fins – dos órgãos de controle, há de se destacar que o Brasil passa por um processo 146 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III evolutivo em que a participação do controle social é o grande diferencial; as pessoas diretamente afetadas pela ação estatal (ou pela falta dela) apoiam as estruturas de controle interno e externo. São mecanismos de controle social os conselhos de políticas públicas setoriais, regionais, orçamentos participativos e fiscalização ou denúncias específicas aos órgãos gestores ou do Judiciário e do Ministério Público. Amplia‑se e aperfeiçoa‑se a democracia quando as pessoas passam a participar efetivamente do cotidiano das decisões e políticas públicas. Nesse contexto, cabe especial reforço sobre as obrigações que impõe a Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101/2000 aos agentes públicos acerca da execução orçamentária. Tal lei é fruto de um movimento ostensivo dos órgãos de financiamento multilaterais que pregaram uma diminuição do tamanho do Estado (e de direitos sociais, eventualmente) em nome da estabilização financeira dos países emergentes, que, sobretudo, pululou em inúmeros países no final do século XX e início do século XXI. Não diferente no Brasil, a lei colocou à administração pública limites de endividamento, disponibilidades de recursos, gastos com pessoal e metas fiscais para mandatários, sobretudo nos finais de gestão, afim de estimular uma maior disciplina fiscal. Não se devem confundir, porém, os mecanismos de controle com aqueles desejáveis, e ainda menos presentes, de avaliação. Para além dos procedimentos de verificação de regras e processos típicos dos instrumentos de controle, a avaliação visa garantir que os objetivos e metas estabelecidos sejam verificados periodicamente e, ainda, se de fato aquelas prioridades deveriam estar presentes na agenda governamental e se estão sendo atacadas com as ferramentas apropriadas. Nesse caso, será difícil contar com apoio técnico dos órgãos de controle se os próprios Poderes Executivo e Legislativo não encorparem discurso e prática da busca de resultados. Mais uma vez, são urgentes e necessárias a pressão popular e a participação nas instâncias já instituídas de controle social e naquelas ainda a se reforçar e por se criar. O desafio é fazer que a sociedade e o cidadão passem a acreditar na atuação do Estado e que a sua participação não fará parte de (mais) uma estrutura demagógica de artificialidade democrática como ainda se reproduz no País. Atualmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal coloca luz sobre as principais questões fiscais e financeiras, mas pouco contribui para aperfeiçoar os mecanismos orçamentários propriamente. Seria o caso, por exemplo, de exigir relatórios sobre execução dos programas, atingimento de metas e resultados parciais e finais de cada um dos dispositivos orçamentários, entre outras formas de responsabilizar gestores pela efetiva entrega de mais e melhores políticas públicas aos cidadãos. Não se deve deixar de lembrar que o orçamento público é a forma pela qual é viabilizada a maioria das políticas públicas, portanto condicionante de promoção da cidadania. Deve‑se observar que olhar para o orçamento público significa olhar para as decisões de trajeto e destino das áreas para as quais os governos devem conduzir suas ações. Foram apresentados aqui os principais pontos que merecem destaque, havendo ainda muitos outros para os quais se recomenda o aperfeiçoamento. Apontamos as estruturas e o alinhamento dos sistemas de planejamento e orçamento, os fundamentos do orçamento‑programa com as suas principais característicase a sua evolução ao longo do tempo, reforçando suas especificidades de planejamento, gerenciamento e controle e, em seguida, apresentando o contexto e a configuração do processo orçamentário. 147 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO Saiba mais Existem diversos manuais de elaboração orçamentária e referências técnicas em sites que tratam de orçamento. Neles, é possível ficar atento a todas as novidades da área: Associação Brasileira de Orçamento Público (Abop): <www.abop.org.br>. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG): <www.planejamento.gov.br>. Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea): <www.ipea.gov.br>. Secretaria do Tesouro Nacional (STN): <www.stn.fazenda.gov.br>. Banco Central do Brasil (BCB): <www.bcb.gov.br>. 8 POLÍTICA FISCAL BRASILEIRA NOS ANOS RECENTES Serão apresentados aqui alguns dados estatísticos que ilustram como se deu a política fiscal brasileira nos anos recentes, dados do Governo Federal, dados de todos os governos somados e dados de estados e municípios. Antes de apresentá‑los, será preciso discorrer sobre as próprias bases de dados. A Constituição de 1988 estabeleceu um pacto entre os entes federados, e uma parte desse pacto diz respeito à partilha de recursos. As operações de transferências de recursos entre União, estados e municípios traz uma dificuldade para a produção de séries fiscais no Brasil. Caso queiramos saber quanto o Estado brasileiro arrecadou em determinado ano, como devemos proceder? Basta somar todas as receitas da União, estados e municípios? A resposta a esta última pergunta é não. Ao somarmos as receitas dos três entes federativos estaríamos contabilizando várias vezes as mesmas receitas. Isso porque determinadas receitas 148 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III que os estados arrecadam (por exemplo, ICMS) são, em parte, distribuídas para os municípios. Se somarmos tudo aquilo que os estados arrecadam com ICMS e o que os municípios recebem de ICMS podemos, dependendo, de como os dados estão registrados, contabilizar duas vezes a mesma receita. Isso acontece com um grande número de receitas e despesas públicas. Por isso, a Secretaria do Tesouro Nacional edita manuais para a consolidação de estatísticas fiscais. Os problemas de consolidação de dados fiscais levam os órgãos do governo a descontinuarem séries estatísticas, além de tornar várias séries pouco comparáveis. Lidaremos constantemente com esse problema, por isso as séries não possuem um padrão temporal. Para ilustrar a política fiscal brasileira, contaremos com uma seção que tratará dos dados agregados do governo, nos casos em que eles existirem, e uma sobre os dados do Governo Federal. 8.1 Carga Tributária e Endividamento Público no Brasil Qual o tamanho de um governo na economia da sociedade? Uma das formas de abordar essa questão é pela definição de carga tributária. Observação Carga tributária: é o total de tributos diretos e indiretos arrecadado por um Estado em um ano dividido pela produção total do país no mesmo ano: Σ Tributos / PIB Essa medida diz respeito à proporção de impostos arrecadados em relação ao esforço produtivo total da sociedade. Na figura a seguir, elaborada a partir de dados do Ipea, podemos verificar como a carga tributária brasileira evoluiu desde 2000 até 2015. 149 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO 30,36 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 31,87 32,35 31,9 32,82 33,83 34,12 34,71 34,86 33,7 32,37 32,53 33,44 32,75 32,74 32,49 Figura 35 – Carga tributária brasileira entre 2000 e 2015 Podemos dividir a série em três períodos: no primeiro, que vai de 2000 até 2008, ocorre um crescimento contínuo da carga tributária brasileira, com exceção do ano de 2003. No segundo período, entre 2008 e 2010, a carga tributária cai a patamares inferiores aos de 2004. Por fim, no terceiro período, que compreende o período que vai de 2010 até 2015, a carga tributária oscila por volta dos 32,5% do PIB. Pensando na definição de carga tributária, duas variáveis impactam seu crescimento e decrescimento: o PIB e o total de impostos arrecadados. Na figura a seguir, elaborada a partir de dados do Banco Central do Brasil, temos a variação do PIB para os anos de 2000 a 2015. No período que vai de 2000 até 2008, a média de crescimento do PIB brasileiro foi de 3,8%, com limites mínimos e máximos de 1,1 em 2003 e 6,1 em 2007. No período que compreende de 2008 a 2010, as comparações ficam prejudicadas por conta da crise internacional. Em 2008, o PIB cresceu 5,1; em 2009, recuou 0,1; o dado de 2010 é dúbio, uma vez que sua base de comparação é o PIB de 2009. No período que vai de 2011 até 2015, o crescimento do PIB brasileiro variou bastante, porém com viés de queda. A média do período foi de 1,0%. 150 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III –6,0 –4,0 –2,0 ... 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 4,4 1,4 3,1 1,1 5,8 3,2 4,0 6,1 5,1 –0,1 7,5 3,9 1,9 3,0 0,1 –3,8 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Figura 36 – Taxa de crescimento do PIB brasileiro para o período de 2000 a 2010 Portanto, podemos concluir que, durante o período de elevado crescimento da carga tributária, o PIB, ainda que de modo oscilante, estava crescendo. No período que circunda a crise internacional (2008 a 2010), a carga tributária se reduziu de modo acentuado. Já no período posterior a 2010, a carga tributária se estabilizou em torno de 32,5% do PIB, e o Brasil registrou baixo crescimento do PIB. O problema com essa análise é que o próprio volume arrecadado é impactado pelo crescimento do produto. Como visto anteriormente, o volume de tributos arrecadado é impactado pelo crescimento econômico. Essa pode ser uma das explicações para a elevação da carga tributária nos períodos iniciais de série, uma vez que não ocorreu a criação de nenhum novo tributo nesse período. De fato, em 2000, a Receita Federal brasileira arrecadou, em valores da época, cerca de 400 bilhões de reais, enquanto em 2007 arrecadou cerca de 719 bilhões de reais. Portanto, um dos reflexos do crescimento econômico brasileiro no início dos anos 2000 foi o aumento da carga tributária. A avaliação do tamanho da carga tributária de um país é complexa. Como determinar se a carga tributária do Brasil é “adequada”? Uma maneira seria verificar se a sociedade entende que o volume de tributos cobrados é maior do que ela estaria disposta a pagar. Como visto anteriormente, este é um dos determinantes teóricos do tamanho do Estado na economia. Contudo, não é possível dizer com certeza como a sociedade avalia o tamanho adequado da carga tributária. Uma maneira seria esperar que governantes eleitos com pauta de redução de tributos indiquem maior insatisfação da população com o tamanho da carga tributária. Ainda assim, essa seria uma afirmação hipotética. Outra maneira de averiguar a “adequação” da carga tributária é compará‑la com a de outros países. Segundo um estudo da Receita Federal Brasileira (BRASIL, 2015a) divulgado em 2015, a carga tributária brasileira, em 2013, encontrava‑se abaixo da média dos países da OCDE (35%). A carga tributária brasileira estaria acima da espanhola, turca, norte‑americana e chilena, que registraram no ano de 2013, respectivamente, 32,6%; 29,3%; 25,5% e 20,2%. 151Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO Ainda assim, é possível supor que a sociedade brasileira esteja insatisfeita com a sua carga tributária em virtude das comparações entre o esforço necessário para sustentá‑la e a oferta de serviços públicos, especulações que só demonstram como é difícil estimar a carga tributária “adequada” para uma sociedade. Uma vez que definimos o comportamento do tamanho do setor público no Brasil, vejamos alguns dados sobre a evolução de seus ingressos e saídas. Utilizando dados do Grupo de Monitoramento Macroeconômico do Mercosul, somos capazes de produzir uma série consolidada para as receitas e as despesas públicas. Tabela 7 – Gastos totais e ingressos totais do Governo Geral brasileiro, segundo a metodologia de harmonização de estatísticas fiscais do Mercosul – anos de 2007 a 2014 Ano Ingressos totais em proporção do PIB Gastos totais em proporção do PIB 2007 39,90% 41,91% 2008 36,33% 37,06% 2009 35,33% 38,74% 2010 36,47% 38,93% 2011 36,86% 38,54% 2012 36,92% 38,14% 2013 36,70% 38,76% 2014 35,47% 41,23% Entre os anos de 2007 e 2014, os ingressos totais do setor público decresceram continuamente. Isso se refletiu na queda da carga tributária, conforme o gráfico anterior. Em contrapartida, os gastos totais do governo brasileiro caíram de 41,91% do PIB em 2007 para 37,06% em 2008. Entre 2008 e 2013, os gastos estabilizaram‑se em torno de 38% do PIB. Já em 2014, atingiram novamente o patamar de 41,23% do total produzido no ano. Da tabela anterior podemos inferir que o setor público brasileiro, em todos os anos em destaque, gastou uma parcela maior do que aquela que arrecadou. Em geral, esse é um resultado comum aos governos: os gastos do governo precisam ser financiados. Esse financiamento é obtido pela emissão de dívida pública. A literatura técnica sobre estatísticas fiscais chama essa diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta de Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP). 152 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III Observação Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP): saldo líquido da dívida pública entre dois períodos descontado do custo de refinanciamento da dívida. Ou seja, no ano t = 0, a dívida total do governo, descontadas atualizações monetárias sobre a dívida, foi de 1.000, e no ano t = 1, a dívida se encontrava em 1.010. Assim, diz‑se que a necessidade de financiamento do setor público evoluiu em 10. O valor será negativo caso a dívida em t = 1 seja menor que em t = 0. O conceito de necessidade de financiamento do setor público, por vezes, é chamado de resultado acima da linha. Isso porque ele mede a variação da dívida, e não a variação da diferença entre despesas e receitas (abaixo da linha). O gráfico a seguir, elaborado a partir de dados do Banco Central do Brasil, mostra a variação da necessidade de financiamento do setor público em proporção do PIB entre os anos de 2000 e 2015. 4,25 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 4,52 1,42 (0,27) (1,41) (1,22) (0,91) 0,19 1,85 1,86 3,09 2,68 3,14 4,44 6,05 7,25 Figura 37 – Necessidade de financiamento do Setor Público em proporção – 2000 a 2015 Conforme o gráfico, entre os anos de 2001 e 2004, a variação da dívida pública foi negativa e decrescente. Entre 2004 e 2006, a variação da dívida foi negativa, ou seja, o governo necessitava de menos da expansão da dívida pública para financiar suas atividades. Contudo, desde 2005, a necessidade de expansão da divida pública para o financiamento das atividades do governo aumentou, atingindo 7,25% do PIB em 2015. O problema com o conceito de NFSP é que aumentos nas taxas de juros repercutem diretamente no montante atual da dívida pública. Isso porque boa parte das dívidas emitidas pelo Tesouro Nacional é pós‑fixada. 153 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO Dividas pós‑fixadas funcionam da seguinte forma: um titulo da dívida pública no valor de R$ 1.000,00 com data de vencimento de um ano, após seu prazo de maturidade (um ano), rende ao seu detentor R$ 1.010,00. Assim, a taxa de juros do título é de 1%. O valor dos juros pode ser determinado no momento da compra, pré‑fixado, ou pode alterar‑se ao longo do prazo de maturidade, pós‑fixado. Supondo que a taxa de juros passe a 2% ao longo do ano, o mesmo título agora pagará R$ 1.020,00 ao seu detentor. Desse modo, a elevação dos juros alterou o custo da dívida pública, o que pode aumentar a necessidade de financiamento do setor público sem que nada tenha se alterado em receitas e despesas públicas. Outra forma de calcular a necessidade que um governo tem de financiar suas ações é avaliar o resultado primário do governo. Observação Resultado primário é a diferença entre a arrecadação governamental, descontada das operações financeiras (resultados de aplicações financeiras), e a despesa descontada do serviço e amortização da dívida. 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 3,0% 3,0% 1,3% 2,0% 3,2% 2,8% 2,2% –0,9% Figura 38 – Resultado primário do Governo Geral em % do PIB, segundo a metodologia de harmonização de estatísticas fiscais do Mercosul – 2007 a 2014 154 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 Unidade III No gráfico anterior, elaborado a partir de dados do Banco Central, está representado o resultado primário do Governo Geral do Brasil em proporção do PIB. Entre os anos de 2007 e 2014, o resultado primário do setor público no Brasil girou em torno de 3% do PIB nos anos de 2007, 2011 e 2012. Ficou abaixo de 2,2% nos anos de 2009, 2013 e 2014. Em 2014, o resultado foi negativo, ou seja, o governo precisou aumentar o estoque de dívida pública para financiar as suas ações. Na figura a seguir, elaborada a partir de dados do Ipea, pode‑se ver a evolução da dívida líquida do setor público mensalmente, de janeiro de 2002 a maio de 2016. 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 0 10 20 30 40 50 60 Figura 39 – Dívida líquida do Setor Público em % do PIB – valores mensais de jan. 2002 a maio 2016 Apesar de a NFSP crescer desde 2004, o estoque da dívida em proporção do PIB reduziu‑se no período que vai de 2002 até 2014. A partir de 2014, no entanto, o estoque da dívida volta a crescer, mas sem atingir valores correlatos àqueles de 2002. Em maio de 2016, a relação dívida‑PIB do Brasil encontrava‑se próxima a 40% do PIB; esses valores correspondem ao período inicial de 2008. 155 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /1 2/ 20 16 ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO 8.2 As receitas e despesas do Governo Central Até aqui foram apresentados dados consolidados do setor público brasileiro. Agora, veremos como se comportou a arrecadação da União e os principais componentes da sua despesa. Tabela 8 – Receita arrecadada pela União, crescimento nominal da receita e arrecadação em proporção do PIB – 2002 a 2014 Ano Arrecadado (R$ Mi Corr.) Crescimento Anual da Receita IPCA Arrecadado/PIB 2002 219.900,79 15% 2003 242.869,36 10% 9,30% 14% 2004 286.807,67 18% 7,60% 15% 2005 333.069,63 16% 5,69% 15% 2006 359.189,17 8% 3,14% 15% 2007 417.509,44 16% 4,45% 15% 2008 466.337,04 12% 5,90% 15% 2009 456.139,33 ‑2% 4,31% 14% 2010 531.205,99 16% 5,90%
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