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(Livro de Etica.rtf)

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.., 
ACADEMIA MILITAR 
DIRECÇÃO DE ENSINO 
Uma Reflexão Sobre a Ética Ocidental 
Cadeira M - 311 
ÉTICA E LIDERANÇA 
Apontamentos Coligidos por 
Desidério Manuel Vilas Leitão 
Tenente-Coronel de Infantaria 
Julho de 2003 
 Ética e Liderança M311_AM 
DESPACHO 
1. Aprovo para utilização na Academia Militar, a presente 
publicação escolar, para apoio da Cadeira H 313 "Ética e 
Liderança", que faz parte do programa de formação do 4° ano 
dos cursos de Infantaria, Artilharia, Cavalaria, Serviço de 
Administração Militar e Guarda Nacional Republicana, na 
Academia Militar. 
2. A publicação ora aprovada, não é classificada, e é a primeira 
edição, tendo em vista que a Cadeira de Ética e Liderança é 
recente, e começou a ser ministrada pela primeira vez no ano 
lectivo 2002-2003. 
Academia Militar 04 de Julho de 2003 
MAJ GEN 
 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
CAPÍTULO I. IN'TROD UÇÃ O........................................................ 1 
CAPÍTULO II. A ÉTICA DE SÓCRATES E DE PLATÃO............. 5 
CAPÍTULO III. A ÉTICA DE ARISTÓTELES ...................... 13 
CAPÍTULO IV. A ÉTICA DE JESUS DE NAZARÉ E DE 
PAULO DE TARSUS........................................................................22 
CAPÍTULO V. A ÉTICA DE AGOSTIN'HO DE HIPONA........... 30 
CAPÍTULO VI. A ÉTICA DE TOMÁS DE AQUIN'O ...................39 
CAPÍTULO VII. A ÉTICA DE SIGMUND FREUD.......................50 
CAPÍTULOVIII. A ÉTICA DE D. ANTÓNIO FERREIRA 
GOMES ............................................... ..... ...............~ .......................57 
CAPÍTULO IX. BIBLIOGRAFIA ....................................................68 
 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
" Dificilmente se pode ser um grande capitão sem se 
 possuir as faculdades dum grande psicólogo". 
 
 Gustavo Le Bom 
.. Na guerra, a acção nunca é dirigida apenas contra a matéria 
mas ao mesmo tempo contra as forças morais que a animam. 
Separá-las seria completamente impossível ". 
. Clausewitz 
Capítulo 1. Introdução 
Para além do conhecimento que manifestamos, muitos são os 
documentos escritos sobre o "carácter ideal" e a "vida moral", com 
múltiplas e diversificadas interpretações, desde Buda a Maquiavel, 
passando por Platão e S. Tomas, de Jesus a Nietzsche, passando pelas 
escolas socrática e aristotélica. 
Contudo, aqueles que se procuraram debruçar sobre a 
problemática da dignidade humana, um só pensador lhe deu o sentido 
pragmático, Jesus. Só ele soube impor o verdadeiro significado da 
Ética à luz da verdade, inspirado por Deus e guiado pelo seu exemplo. 
A ética é uma palavra originária do grego ethiké (epistéme) 
"ciência relativa aos costumes". Pertence ao domínio da filosofia, na 
1 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
medida em que a sua finalidade é a vida humana e os meios de a 
alcançar, tendo por objecto o juízo de apreciação com vista à distinção 
entre o bem e o moral. Trata-se, portanto, dum aspecto de filosofia, a 
filosofia do moral, ou simplesmente Moral (de mos, moris) entre os 
latinos - ou Ética (de ethos), entre os gregos, ambas com o mesmo 
significado: costume. São portanto acções livres pautadas pelo dever, 
porquanto para: terem o verdadeiro significado de costume terão que 
ser reflectidas e libertas de coacção, daí o serem voluntárias. Essa a 
razão porque muitas vezes vemos chamar-se-lhe "ciência dos 
costumes", "ciência da virtude", "ciência do dever", "ciência do bem", 
"da felicidade", "do governo da vida", etc., como vários tratadistas a 
baptizam1. 
Não deixamos contudo de referir que felicidade é uma 
qualidade relativa. Experimentamo-la de maneira diferente em função 
das circunstâncias. O que traz bem-estar a uma pessoa pode fazer 
sofrer outra. Todos nós, em geral, nos sentiríamos muito infelizes se 
fôssemos condenados a prisão perpétua. Mas um criminoso passível. 
de pena de morte ficaria provavelmente muito feliz por ver a sua pena 
comutada em prisão perpétua. 
1 PASCHOA, Maj. Armando, Ética Militar, Edições Arpa, 2' edição, Biblioteca da Academia Militar, 
 Lisboa, p. 8. 
2 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
A paz interior é a principal característica da felicidade, os 
pensamentos negativos e as emoções negativas minam as fontes de 
paz e de felicidade. Daí podermos afirmar que é ilógico procurar 
coexistir a felicidade e a cólera se não fizermos nada para refrear os 
pensamentos e emoções como o rancor e a maldade. 
A felicidade nasce de causas virtuosas. Se desejamos ser 
verdadeiramente felizes, não há outro caminho a percorrer que o da 
virtude: é o método pela qual a virtude é alcançada. E, podemos 
acrescentar, a base da virtude, o seu fundamento, é a disciplina ética. 
Na certeza de que, quando falamos de ética, é algo que podemos 
adoptar voluntariamente, baseando-nos no reconhecimento dos seus 
benefícios. Por outras palavras, ter um comportamento ético implica 
mais do que simplesmente observar leis e princípios. 
Na sequência do que temos vindo a "desenhar" para vivermos 
em felicidade, poderemos inferir que um acto ético é aquele que não 
prejudica a experiência ou a expectativa de felicidade que os outros 
têm. 
Contudo, queremos fazer uma importante distinção entre. Um 
comportamento ético e um comportan1ento espiritual. Um 
comportamento ético é aquele que não contraria a experiência ou a 
expectativa de felicidade que os outros têm. O comportamento 
espiritual descrevemo-lo na sequência das qualidades como, amor, 
3 
 
 
 
 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
compaixão, perdão, paciência, humildade, tolerância, que os filósofos 
que abordaremos, trataram durante séculos, e que pressupõem um 
certo grau de interesse pelo bem-estar alheio. 
A sinopse de "Uma Breve História da Ética Ocidental" do 
Professor Ramiro Marques2, teve como objectivo, a um tempo, coligir 
o pensamento de alguns dos pensadores que mais influenciaram a 
doutrina ética, e, a um segundo, constituir-se como mais uma fonte de 
consulta, para os Cadetes-Alunos da Academia Militar, nomeadamente 
para apoio da Cadeira de Ética e Liderança. 
Para o estudo da Ética Militar, ou da Ética da Instituição Militar, 
das Forças Armadas e dos que servem sob a condição militar, 
integrados no quadro permanente, de forma voluntária, poderão aqui 
ser encontradas as raízes e as orientações da conduta moral do homem, 
assim como, os princípios e os valores que a norteiam. 
Estamos convictos que o desafio a que nos propusemos 
pretende, tão-somente ser o embrião, para o conhecimento de algumas 
das propostas mais interessantes sobre a "condução de uma vida para 
a felicidade" e que, pela sua síntese, não responderá a muitas das 
presentes preocupações que afligem o Homem contemporâneo. 
2 MARQUES, Ramiro, Uma Breve História da Ética Ocidental, Edições Plátano, Lisboa, 2000. 
4 
I I 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
 Capítulo II. A Ética de Sócrates (469 a. C - 399 a. C) 
e de Platão (427 a.C. - 347 a.C.) 
 
 
...afinal parece que é possível através de cuidados humanos tomar bons os 
 homens bons. Mas, tornar bons os homens maus, já parece bem mais difícil!.. 
Sócrates 3 
O Homem 
Sócrates era filho de reputados cidadãos atenienses, seu pai um 
ilustre escultor e a sua mãe parteira. Este facto, conduziu mais tarde, 
a que o filósofo Sócrates fosse caracterizadopor desempenhar um 
papel idêntico ao de parteira: fazia as suas ideias virem à luz. 
Apesar, de o terem procurado confundir com os sofistas, há traços 
que demonstram o oposto, como por exemplo, o não cobrar dinheiro 
pelas suas lições e o preferir a dialéctica aos longos discursos, em 
3 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota. nº 2, p. 15. 
5 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
ruas e praças, em troca da retórica produzida nos banquetes e 
palacetes da aristocracia, prática corrente dos sofistas. . 
Sócrates deu um contributo ímpar à filosofia e à cultura grega, 
graças ao seu método, a maiêutica socrática "conhece-te a ti 
mesmo". Acusado de impiedade e corrupção moral da juventude foi 
condenado à morte aos 70 anos. 
Platão nasceu no seio de uma família de grande nobreza que lhe 
incutiu uma educação esmerada. Conheceu Sócrates aos 20 
anos de idade e tornou-se seu discípulo durante 8 anos, altura em 
que a morte do seu mestre o forçou a temer pela sua segurança e a 
abandonar Atenas. 
Ao longo da vida, Platão é preso, feito escravo, vendido, 
professor e conselheiro político. Em troca, deu à Humanidade um 
contributo sem preço: a sua obra filosófica, em muito influenciada, 
quer pelos ensinamentos do seu mestre Sócrates, quer pela forma
 
 
 
trágica como aquele terminou os seus dias de vida. 
A Obra 
O que sabemos sobre o trabalho produzido por Sócrates chegou até 
nós pelas mãos do seu fiel discípulo Platão. E uma das suas reflexões 
mais importantes sobre ética encontra-se num dos seus diálogo com 
6 
- 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Protágoras 4. Ambos rivalizavam as suas discussões em redor de 
duas teses principais: a possibilidade da virtude (aretê) ser ensinada 
e a relação entre as várias partes da aretê e a tese socrática que as 
reduz a uma única realidade, o conhecimento. Protágoras defende o 
ensino da virtude na medida em que ele é mestre na forma de a 
transmitir. Para o professor itinerante não há uma mas várias 
virtudes que se relacionam entre si como as várias partes do corpo. 
Sócrates não se mostra convencido dessa realidade e defende que a 
única virtude é o conhecimento, e que o facto de haver muitas 
outras qualidades não passam de denominações do conhecimento. 
Segundo este filósofo, a Ética é parte do Conhecimento, como 
qualquer ramo do Saber5. 
Para os sofistas como Protágoras, a virtude tinha como 
objectivos: a gestão dos assuntos particulares - administrar como 
competência a sua própria casa - gerir a polis, a política e 
transformar os homens livres em bons cidadãos. É então aqui que 
Sócrates transmite as suas fundadas razões quanto aqueles 
objectivos, sem colocar em causa as palavras de Protágoras, não 
aceita que a aretê possa ser ensinada ou transmitida aos homens por 
outros homens. Para atestar as suas palavras Sócrates socorre-se do 
4
 PINHEIRO, Ana da Piedade E1ias, Platão. Protágoras. Tradução, Introdução e Notas, Relógio 
 D'Água Editores. Lisboa. 1999. . 
5
 AL VES, José Lopes, Ética Militar - Aspectos de uma teoria e da sua realização, Lisboa, 1997, p,15. . 
6 CIT. PINHEIRO, Ana da Piedade Elias, Dp. Cit., nota 1, p. 14. 7 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
seguinte exemplo " Quando nos reunimos em Assembleia para que se 
realize algo na área da construção civil são convocados os arquitectos 
para se pronunciarem sobre o assunto...mas se for preciso resolver 
algo sobre o futuro da administração da polis, sobre essa matéria, dão 
opinião indiferentemente carpinteiros, ferreiro ou curtidor, rico ou 
pobre...sem ninguém lhe colocar as objecções dos exemplos 
anteriores: que nunca aprendeu ou que nunca ninguém lhe ensinou nada 
sobre a matéria em que tenciona dar parecer. É óbvio que não crêem que 
essa arte possa ser ensinada”7. Assim, é importante que se estabeleça 
aqui um paralelismo entre as duas concepções opostas sobre a 
educação moral e Cívica: a concepção que defende o seu ensino 
através do levantamento de uma disciplina própria e a concepção que 
defende que as virtudes não se ensinam, captam-se e descobrem-se 
através da prática e do contrato com bons exemplos. A primeira 
concepção, cara aos sofistas, assumiu nos últimos tempos a forma de 
uma disciplina ou área de educação cívica ou educação para a 
cidadania. A segunda concepção, cara a Sócrates e a Platão, faz 
depender a educação do carácter dos alunos do ambiente educativo 
escolar, não aceitando a validade da proposta sofista. Protágoras acaba 
por reconhecer que as dúvidas suscitadas por Sócrates tinham razão de 
ser: em muitos exemplos, apesar de educados em boas escolas e por 
educados em boas escolas e por bons professores, as pessoas não 
aprendem a virtude. Com ambos de acordo, Sócrates julga possível, 
através de cuidados humanos, tornar bons os homens bons. Mas, 
tornar bons os homens maus, já constitui uma tarefa bem mais 
desafiante. 
Encontrada uma solução para a primeira divergência de opinião, 
importava clarificar se a questão da aretê podia ser caracterizada 
como uma única entidade com várias denominações, posição 
suscitada por Sócrates, ou como um conjunto de múltiplas qualidades 
distintas que se relacionam entre si, conforme afirmava Protágoras. O 
que estava em causa é que um defendia a virtude como 
conhecimento, Sócrates e, o outro julgava a virtude como um 
conjunto de várias qualidades distintas. 
 8 Sócrates faz então uma pergunta: “sabedoria, sensatez, 
coragem, justiça e piedade são cinco designações para uma qualidade 
ou cada uma dessas denominações corresponde a uma entidade com 
propriedades particulares, não sendo nenhuma delas idêntica à 
outra?9 Protágoras, na sua resposta aproxima-se da tese de Sócrates 
afirmando que a sabedoria, a sensatez, a justiça e a piedade andam 
8
 MARQUES, Ramiro, op. Cit., nota nº2, p.15. 
9
 PINHEIRO, Ana da Piedade Elias, Op Cit., nota 1, p. 349. 
7
 MARQUES, Ramiro, Dp. Cit., nota nº 2, pp. 13 14. 
8 9 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
 ') 
relativamente próximas, mas a coragem é completamente diferente 
das restantes. 
O que Sócrates conseguiu foi levar os sofistas à conclusão de que 
o que conduz os homens a agir bem ou mal é saber ponderar os 
resultados que advirão das suas acções - saber esse a que se chama 
arte do comedimento que advirão das suas acções10. Desta forma 
Sócrates demonstra que a cobardia dependa da ignorância e a 
coragem da sabedoria. 
 A partir daqui, Sócrates admite, ainda que com reservas, que a 
virtude pode ser ensinada e Protágoras que se age bem por sabedoria. 
Relativamente a Platão, a sua filosofia é baseada no método 
socrático, incluindo dois aspectos distintos: a confissão da ignorância 
e um argumento, seguido de perguntas e respostas, que procuram 
aproximar-se da verdade. E tudo provinha do facto de uma amigo de 
Sócrates, após uma visita ao oráculo Delfos, a divindade ter 
considerado o filósofo o homem mais sábio. Como Sócrates não se 
considerava um ser sábio, apercebeu-se na busca de homens mais 
sábios que ele, que aqueles que se consideram sábios não chegam a 
dar conta da sua ignorância. E Sócrates, como não sabia nada, 
encontrava-se em melhores condições para procurar o conhecimento, 
a partir da teoria maiêutica “conhece-te a ti mesmo", O método 
socrático é um método de autoconhecimento. 
A confissão de Sócrates tinha um duplo objectivo: primeiro, 
procurava dizer que não possuía a verdade, na medida em que esta não 
podia ser transmitida, precisa de ser descoberta e encontrada na mente 
de cada um; em segundo lugar, o filósofo considerava que, apesar de 
não ser possível transmitir a verdade, era possível e desejável dizer aos 
homens para eles procurarem a verdade. 
Estava aberto o itinerário para asegunda fase do método: a 
discussão. Nos encontros casuais de rua e nas praças da polis 
contribuíam para aos homens da verdade o estabelecimento de 
conversas, no intuito de procurar o significado dos conceitos como 
virtude, sabedoria, conhecimento, inteligência, temperança, coragem, 
Justiça e piedade. 
 
Havia no entanto uma dupla finalidade na procura dos conceitos 
suscitados: primeiro, os interlocutores reexaminavam as suas 
próprias ideias, questionavam os seus dogmas e eram levados a 
abandonar as suas crenças e opiniões inconsistentes; em segundo 
lugar, aqueles interlocutores eram levados a substituir as ideias e as 
opiniões inadequadas por novas ideias, conceitos e opiniões mais 
próximos da verdade. Em síntese, todos compreendiam não ser 
10
 PINHEIRO, Ana da Piedade Elias, Op Cit., nota 1, p. 349. 
 
10 
11 
1
 
 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
possível atingir uma verdade final, mas ser possível uma 
aproximação à verdade. 
A ética socrática contém três traços essenciais: a virtude tem 
uma existência objectiva, a virtude é conhecimento e a virtude é o 
conhecimento do bem. Simultaneamente a ética socrática apresenta 
cinco paradoxos: a virtude não; é ensinável, a virtude é útil, 
ninguém 
 , faz o mal voluntariamente, é preferível sofrer o mal do 
que praticar o mal e a virtude é um só11 . , 
Na ética de Sócrates e de Platão, ressalta a importância do 
método socrático. E foi o carácter corrosivo e subversivo do seu 
método que o conduziu à morte por, incomodar as poderosas 
autoridades políticas atenienses e estas não apreciarem o seu 
espírito de independência. 
poder ou saber fazer" - depois de conhecer, naturalmente - "mas ao 
próprio fazer, teorizando e praticando quando necessário e 
realizando o objectivo da profissão,,12 
11 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nº 2, p. 18. 
12 ALVES, José Lopes, Op. Cit., nota nº5, p. 16. 
12 
- 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Capítulo IIl. A Ética de Aristóteles (384 a. C - 322 a. C) 
" O conhecimento sobre as virtudes não é suficiente. Devemos, também, tentar 
possuir e exercer a virtude, Ou tomamo-nos bons de qualquer forma”13. 
Aristóteles 
o Homem 
Aristóteles, filho de Nicómaco e de Faístias, nasceu em 384 a.C., em 
Estagiros, cidade da Calcídia, onde o filósofo viria igualmente a 
morrer com 62 anos de idade. Cálcia, apesar de se encontrar afastada 
de Atenas, dependia da coroa da Macedónia e o grego era a língua 
institucional. Tendo perdido os seus pais muito jovem, foi o tutor 
Próxeno d' Atarneia, quem deu seguimento ao seu processo 
educacional, acabando o filósofo por adoptar, Nicanor, filho do seu 
tutor mais tarde. 
Aristóteles entra na Academia de Platão aos 17 anos de idade, 
onde permanecerá até à morte do mestre, vinte anos depois. 
13
 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nº 2, p. 30. 
 13 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
As relações entre os dois filósofos, Aristóteles e Platão, ainda 
hoje continuam num manto indecifrável, na medida em que as fontes 
contemporâneas são contraditórias e pouco fidedignas. Encontrando-
se identificada a sua amizade, Aristóteles nunca deixou de admirar e 
apreciar a obra de Platão, apesar de manifestar discordância em 
alguns aspectos da doutrina platónica das ideias, assim como das 
suas concepções políticas, a comunhão de mulheres e a propriedade 
comum, nas suas obras a Política e a República respectivamente. 
Se o ano de 366 a.C., foi marcante no percurso intelectual de 
Aristóteles, a que não terá sido alheia a sua entrada na Academia de 
Platão, o ano de 347 a.C., significa o ano em que filósofo 
decepcionado abandona a Academia do mestre, por morte de Platão 
e provavelmente por à frente daquela estrutura ter sido nomeado o 
sobrinho daquele. 
A morte prematura da sua primeira esposa, Pítias, levou-o a casar 
 com Herpília, da qual teve um filho, a que ,deu o nome de Nicómaco 
 
(nome de seu pai, médico de profissão) e a quem dedicou um dos 
seus mais importantes livros: a Ética a Nicómaco. 
 Em 343 a.C., o rei Filipe da Macedónia pediu a Aristóteles que 
fosse para Pena, junto à cidade de Tessalónica, com o objectivo de se 
tornar preceptor do futuro rei Alexandre da Macedónia, seu filho. 
Com a subida ao poder, Filipe da Macedónia inicia uma vaga de 
14 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
conquistas sem paralelo na Humanidade. Aristóte1es, descontente 
com atitude imperialista de Alexandre, deixa a corte da Macedónia e 
regressa a Atenas. 
 Em Atenas abriu uma escola, a que deu o nome de Liceu, por se 
situar próximo do templo dedicado a Apolo Lício. 
 A criação do Liceu levou ao esfriar das relações entre o filósofo 
e alguns dos filósofos que ensinavam na Academia platónica. 
Com a morte prematura de Alexandre, em 323 a.C., e o 
crescimento da importância do partido antimacedónico em Atenas, 
fizeram sentir Aristóteles ameaçado e suspeito. Aristóteles é 
entretanto acusado de impiedade por Demófilo, por supostamente ter 
dedicado a Hérmias um "hino à virtude" como se tratasse de um 
deus. É esta acusação que o condena à morte, levando Aristóteles a 
abandonar, definitivamente, Atenas e a refugiar-se na Cálcia onde 
viria a morrer em 322 a.C. 
A Obra 
Para Aristóteles, o ensino da coragem, bem como de outras 
virtudes morais, exige a prática continuada de actos de coragem, de 
tal forma que essa virtude seja incorporada nos nossos hábitos. Tanto 
 
 15 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
na Ética a Eudemo14 como na Ética a Nicómacol5, Aristóteles 
identifica a busca da felicidade como o último fim da vida. Entre as 
obras de Aristóteles (Ética a Eudemo, Ética a Nicómaco e Magna 
Moralia 16), a Ética a Nicómaco é o grande tratado que coroa o 
pensamento ético do grande filósofo da Estagira17. 
A filosofia de Aristóteles é eudemonistal8, doutrina filosófica 
segundo a qual a moralidade consiste na procura da felicidade, tida 
como o bem supremo. O fim dos nossos actos é o bem, a felicidade 
identifica-se como o próprio bem. Por extensão à sociedade civil que, 
procura igualmente como fim viver bem, as suas instituições são o 
meio para isso. 
se faça consistir a felicidade no prazer ou na virtude, ou em ambos, 
os que têm inteligência e costumes excelentes alcançam mais 
facilmente com uma fortuna medíocre do que os que têm mais do 
que o necessário e carecem dos outros bens. Parece, pois, que a 
felicidade é algo perfeito e suficiente, já que é o fim dos actos” 19. 
Mas o que é o Bem? Tanto para Platão como para Aristóteles, o 
Bem não é um meio mas sim um fim. De certa forma o Bem tem a 
ver com a perfeição com que exercemos a nossa função. Para o 
Homem, o Bem consiste na procura de perfeição no exercício da 
actividade humana. Ao contrário dos outros seres vivos, o Homem 
possui uma alma racional e inteligível, sendo, portanto, dotado de 
razão. Deste modo, fazer o Bem é agir de acordo com a razão. O 
homem feliz é aquele que age de acordo com a razão. Portanto, "boa 
. . 
 
 A felicidade anda, em Aristóteles, tal como em Platão, associada 
ao Bem e à Virtude, à Alma portanto e não ao corpo ou aos bens 
exteriores, porque todos vemos que não é pelos bens exteriores que se 
adquirem ou conservam as virtudes, mas que é pelos talentos e 
virtudes que se adquirem e conservam os bens exteriores e que, quer 
será a conduta do homem quando ele se encontrar vinculado ao fim a 
que se propôs.”20 
Mas será que a felicidade é acessível a todos os homens? De 
acordo com Aristóteles, apenas os mal formados estão impedidos de 
a atingir. 
 Mas o que é a educação ética para Aristóteles? Dos seus textos é 
possível tirar a conclusão que a educação éticaé ajudar a cultivar nas 
14
 Aristotle, Eudemian Ethics, (Introdução e comentário de Michael Woods), Clarendon Aristotle Serie Oxford: 
Clarendon Press, 1992. . 
I5
 Aristotle, Nichomachean Ethics, (Introdução e notas de Terence Irwin). Indiana: Hackett, 1984. 
16 Continua a haver controvérsia sobre a atribuição desta obra a Aristóteles. Aristotle, Les Grands Livres D 'Éthique, 
(traduzido do grego por Catherine Dalirnier e com introdução de Pierre Pellegrin), Paris: Arléa. . 
17
 Os livros 4, 5, e 6 da Ética a Eudemo são comuns aos livros 5, 6 e 7 da Ética a Nicómaco; além disso a obra a 
Nicómaco não é apenas um tratado de maior dimensão, mas também revela uma maior maturidade filosófica e uma 
maior firmeza na argumentação; apesar disso, é impossível conhecer o pensamento ético de Aristóteles sem uma 
leitura cuidada e atenta dos "três livros de ética". 
18
 MARQUES, Ramiro, Op. Cit.. nota nº 2, p.23. 19 ARAÚLO, Maria e MARÍAS Julian, Ética a Nicómaco, Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, 
Madrid, 1999, p. 8. 
20
 ALVES, José Lopes, Op. Cit., nota nº5, p.18. 
16 17 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
pessoas traços que as ajudem a florescer como adultos capazes de 
viverem bem e de realizarem vidas felizes. A educação ética ajuda o 
crescimento porque é mais uma questão de desenvolvimento dos 
hábitos correctos do agir e do sentir do que do ensino de questões 
intelectuais, é mais uma questão de prática do que de ensino e é mais 
um problema de sentimentos do que raciocínio, embora o domínio da 
razão esteja sempre presente como processo de domesticação das 
paixões. O que distingue a educação moral de Aristóteles da educação 
moral de Platão é que o primeiro enfatiza o carácter e a conduta e o 
segundo o intelecto e o raciocínio21. 
 Ao contrário de Platão que subordina a virtude à sabedoria, 
Aristóteles considera-as duas coisas diferentes, embora com pontos em 
comum. A virtude moral é um estado habitual que rectifica a intenção, 
é um hábito de fazer as coisas rectas. A.. sabedoria é, para Aristóteles 
uma virtude intelectual. Enquanto a virtude moral é um estado habitual 
que habilita a pessoa a alcançar o justo meio, a virtude intelectual, a 
sabedoria, é um estado habitual que habilita o pensamento a encontrar 
a verdade. 
Entre as virtudes morais (disposições para o Bem que pertencem à 
alma racional), Aristóteles coloca em lugares de destaque a 
11 MARQUES, Ranúro, Op. Cit., nota n° 2, p. 26. 
18 
 
Uma Reflexão, sobre a Ética Ocidental 
 
coragem22, que não é mais do que o justo equilíbrio entre o medo e a 
temeridade, a temperança, que é um justo equilíbrio entre o 
desregramento e a insensibilidade (hábito de controlarmos as nossas 
 paixões e de procurarmos o caminho da moderação e do justo meio), 
a mansidão, que é um justo equilíbrio entre a prodigalidade e a 
avareza, a magnificência, como justo equilíbrio entre a falta de 
gosto e a mesquinhez, ti magnanimidade, como o justo equilíbrio 
entre a vaidade e a humildade, a afabilidade, como justo equilíbrio 
entre a obsequiosidade e o espírito conflituoso, a reserva, como 
justo equilíbrio entre a timidez e o descaramento. 
A justiça merece um lugar à parte pelo facto de ocupar todo o 
livro V da Ética a Nicómaco (espécie de disposição que torna os 
homens aptos a executar as acções justas, fazendo-os agir de modo 
justo e desejar as coisas justas), ocupando um. lugar central na 
filosofia moral d\:: Aristóteles. Ainda naquele livro, Aristóteles 
distingue três tipos de justiça: a justiça distributiva, a justiça 
reparatória, a justiça de troca de bens. A distributiva ocupa-se da 
divisão dos bens entre as pessoas, proporcionalmente ao seu mérito. 
A retribuitiva (reparatória) regulamenta as transacções de forma a 
suprimir os prejuízos causados e tomando em conta os prejuízos que 
possam ter resultado e o carácter intencional ou não, do delito. A 
22
 MARQUES, Ramiro, Op. Citr., nota nº 2, p. 29. 
19 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre li lftica Ocidental 
 
a razão pela qual falham todas as metodologias argumentativas e 
baseadas na discussão de dilemas morais, quando não são precedidas 
e acompanhadas de hábitos moralmente adequados. 
Uma outra questão é a que se prende com quem deve fazer a 
educação ética? É ela um empreendimento dos pais para com os 
filhos, ou do Estado para com os cidadãos? Aristóteles responde que 
é um empreendimento de todos, embora, nesta matéria, o Estado 
tenha mais poder, através das leis que aprova, de impor o respeito 
pelo Bem. Importa não esquecer que o. Estado é detentor de 
mecanismos e de instrumentos de dissuasão e de repressão que 
impedem as pessoas, incuravelmente vis, de partilharem, com os 
outros, a vida em sociedade. 
E como se classifica uma pessoa como decente ou vil? "A pessoa 
decente ouve a razão porque a sua vida procura aquilo que é bom, 
mas a pessoa vil, uma vez que se orienta pelo prazer, tem de receber 
tratamento correctivo". Sendo assim, a melhor maneira de educar o 
carácter de uma pessoa é subordiná-la desde cedo a preferir as 
virtudes e a recusar tudo aquilo que é vil. 24 
comutativa (troca de bens), ocupa-se das relações comerciais e 
assenta na instituição moeda. 
Enquanto que, para os sofistas a melhor justiça será aquela que 
permite aos mais fortes ou mais espel10s retirarem o maior proveito, 
para Aristóteles a justiça está relacionada com o justo equilíbrio, o 
. . 
 justo meio e a rectidão. 
A bem dizer, os argumentos sobre a ética só são eficazes nas 
pessoas que nascem com um bom carácter. Para a maioria das 
pessoas é manifestamente insuficiente. E Aristóteles23 justifica esta 
posição: "a maioria das pessoas obedecem naturalmente ao medo e 
não à vergonha, elas evitam o que é vil por causa dos castigos e não 
porque o que é vil seja considerado, por elas vergonhoso. Isto é 
assim, porque a maioria das pessoas vivem dependentes dos seus 
sentimentos, procuram os prazeres que lhes agradam, bem como as 
fontes deles, e evitam os seus contrários, não tendo a noção do que é 
bom e verdadeiramente agradável, visto que nunca o 
experimentaram" 
. Embora a natureza tenha um papel extremamente importante no 
desenvolvimento do carácter da pessoa, a verdade é que o hábito não 
pode ser negligenciado. O hábito constitui uma autêntica segunda 
natureza que, uma vez fixada, é quase impossível de se alterar. Essa é 
23
 ARISTÓTELES, Nichomachean Elhics, (Introdução, Tradução e notas de Terence Invin).Indilanapolis: Hackctt, 
1179 b 15, p. 292. 
24. MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nº 2, p. 31. 
21 20 
 
 
Uma Reflexão Sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Capítulo IV A Ética de }esus de Nazaré 
judeus ricos, viajou por todo o Império, viveu e estudou em Jerusalém, 
vindo a morrer em Roma aos 56 anos de idade, 
É possível que Jesus de Nazaré e Paulo de Tarsus nunca se tenham 
encontrado. Sendo 10 anos mais novo que Jesus, há no entanto, a 
hipótese de Paulo ter presenciado a crucificação de Jesus, em Jerusalém, 
onde se encontrava o jovem estudante de Leis, 
A vida de ambos tendo começado por ser distinta, acabou por 
enormes similitudes. As fontes mais seguras para traçar as biografias de 
Jesus de Nazaré e de Paulo de Tarsus são os Evangelhos, os Actos dos 
Apóstolos e as Cartas de Paulo. Os Evangelhos relatam o percurso de 
Jesus vivo, desde o seu nascimento à sua crucificação e ressurreição. Os 
Actos traçam o percurso dos doze Apóstolos, após a ressurreição de 
Jesus, a conversão de Paulo e a missão evangelizadora desde a Síria, 
e de Paulo de Tarsus 
.. A César o que é de César 
 A Deus o que é de Deus ...15 
 Jesus de Nazaré 
.. Fazei como eu, que me esforço por agradar a todos 
 em todas as coisas, nãoprocurando os meus interesses 
 pessoais, mas o interesse do maior número de pessoas, 
 afim de que sejam salvas ..26. 
 Paulo de Tarsus 
O Homem passado pela Grécia até Roma. As Cartas, escritas por S. Paulo, serviram 
como meio de comunicação entre este e as comunidades espalhadas pelo 
Império Romano. 
 Paulo era um verdadeiro cosmopolita, judeu de nascimento, falava 
grego, tinha grandes conhecimentos de cultura clássica e era cidadão 
romano. Paulo de Tarsus foi também perseguido, preso, torturado e 
morto. Jesus era judeu de nascimento, não falava grego nem latim e não 
teve qualquer contacto com a cultura clássica. A sua simplicidade 
provinha do respeito pelas tradições culturais judaicas. 
Jesus nasceu em Belém. Filho de gente humilde, viveu a sua curta 
vida, em Nazaré, donde nunca se afastou mais de cem quilómetros. 
Baptizado aos 32 anos, por João Baptista, Jesus seria crucificado dois 
ou três anos depois, por ordem de Herodes. 
Paulo nasceu em Tarsus, numa cidade da Cilícia, região do 
Império Romano, junto ao Mediterrâneo. Filho de uma família de 
25 Idem, p. 73, 
26 MARQUES, Ramiro, Op. Cit.. nota n° 2, p. 66. 
22 23 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Ambos morreram pela mesma causa e pela mesma fé. É surpreendente 
a grandeza da missão de Paulo, promovida e realizada em 22 anos 
vertiginosos, de viagens terrestres e marítimas, perseguições, prisões e 
torturas. A questão que se coloca é a seguinte: onde foi Paulo buscar a 
força anímica e a coragem para ementar um inimigo tão poderoso, 
fazer frente a falsos evangelizadores que procuravam desviar as 
primeiras comunidades cristãs e ainda organizar, e dar uma orientação 
às igrejas cristãs locais, espalhadas pelo Império? 
Para todos, tinha uma palavra de estímulo e apoio, de orientação e 
de carinho. Contudo, quando a autoridade era desrespeitada, Paulo 
sabia ser severo, embora estivesse pronto a perdoar. Não era vã a 
afirmação de Paulo: "eu tenho o espírito de Cristo!”27. 
sobretudo o que Jesus pensava. Ao contrário, o homem de letras, Paulo 
de Tarsus era conhecedor das éticas hebraica e grego-romana. 
É através das Epístolas que identificamos a ética de Paulo, 
documentos invulgares que nos permitem simultaneamente perceber o 
conhecimento da primitiva ética cristã e o seu desenvolvimento. É 
através desses documentos que sabemos a luta que Paulo travou contra a 
deslealdade de alguns discípulos e o falso entendimento de muitos 
seguidores. Paulo sabia ser afável e brusco, companheiro e mestre, irmão 
e pai. Perante a deslealdade e o falso entendimento da mensagem de 
Jesus, Paulo era irredutível e intransigente. Um dos seus maiores 
conflitos com algumas pequenas comunidades de discípulos gerou-se 
quando aqueles teimavam em encarar o Cristianismo como uma forma 
de Judaísmo reformado. Contudo, Paulo proclamou a liberdade completa 
do Cristianismo face ás leis judaicas, considerando que a única 
A Obra autoridade era a palavra de Jesus e o amor de Deus. Não foi por acaso 
que a sua autoridade foi afrontada quando fundou a Igreja Cristã, na 
Província da Galácia, devido a não ter sido Apóstolo. Paulo ripostou: 
"Agora que a fé chegou, já não estamos sob os cuidados de um 
pedagogo; de facto, todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus 
Cristo, pois todos vós fostes baptizados em Cristo, vos revestiste de 
Cristo, já não há diferença entre judeu e grego e homem livre, entre 
Quando procuramos estudar e analisar a ética de Jesus de Nazaré e 
de Paulo de Tarsus constatamos que aquela se identifica com as suas 
vidas. O que sabemos sobre a ética de Jesus, encontra-se inscrito em 
histórias e parábolas, onde os seus seguidores, os Apóstolos, nos 
relatam de forma circunstanciada não só a conduta exemplar mas 
27 MARQUES, Ramiro, Op. Ci., nota nO 2, p. 61. 
24 25 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Foi através das Cartas que Paulo se dirigiu às comunidades 
cristãs dispersas, e uma das mais importante e longas foi a Carta aos 
Romanos, cujo tema central da carta é o Evangelh029. E Paulo diz 
que é o Evangelho como força de Deus que salva, com a condição do 
homem se entregar a Ele, mediante a fé. Não há mais nenhuma 
maneira do homem se libertar do pecado original: nem a Lei de 
Moisés, nem as teorias filosóficas dos gregos, nem as leis dos 
romanos. A visão emancipadora da fé é, assim, anunciada por Paulo: 
"de facto, no Evangelho a justiça revela-se única e exclusivamente 
através da fé, conforme a Escritura: o justo vive pela fé”30. 
Paulo explica que o cristão se liberta da lei quando entrega o seu 
coração Deus. Os instintos egoístas são os desejos e os projectos do 
homem fechado em si mesmo. São a fonte de todos os pecados. E 
daí que nascem as injustiças sociais e a corrupção das pessoas e das 
instituições. Entregue a Deus, o cristão já não vive para dentro de si, 
mas para o bem do outro. Muitas outras cartas escreveu Paulo, aos 
Corintos, aos Gálatas, aos Efésios, esta na prisão, assim como aos 
Filipenses, a Filémon e aos Colossenses, também em cativeiro, todas 
reveladoras de uma grande maturidade teológica, onde explica que, 
homem e mulher, pois todos vós sois um em só em Jesus Cristo”28. 
A ideia de subalternização da lei face à fé constitui um aspecto 
central na ética de Paulo. Com a fé, já não é necessária a presença 
vigilante e disciplinada do pedagogo. A lei pode ajudar o homem a 
impor limites à sua vida de pecado, mas é incapaz de o fazer caminhar 
com rectidão. 
A partir da sua experiência de vida e, sobretudo, da vida e do 
exemplo de Jesus, São Paulo construiu uma tábua de virtudes que 
inclui, em posição cimeira, o amor, a fé, a esperança, a caridade, a 
concórdia, a paciência, a gentileza, e o autodomínio. Como vícios, a 
impureza, a licenciosidade, a idolatria, a inveja, o egoísmo, a soberba 
e a dissensão. 
 Quando afirmamos que a ética e a vida de Paulo se entroncam 
numa só, advém daquele ter voltado as costas a tudo (família, bens...), 
rejeitado a riqueza, uma profissão prestigiada e uma carreira brilhante 
apenas porque crê possuir o "espírito de Cristo", e que a ele cabe 
transmitir a sua mensagem. E foi a sua obstinação e o seu carácter 
iluminado que contribuíram não só para o levantamento da Igreja 
Cristã, como também a criação dos fundamentos da civilização que 
perdura até hoje. 
29 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota n° 2, p. 64. 30 São 
Paulo. Carta aos Romanos 1: 17-18. 
28 São Paulo. Carta aos Gálatas 3: 24-28. 
26 27 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sohre a Ética Ocidental '. 
pela fé, os cristãos são levados a possuir uma sabedoria que supera o 
conhecimento obtido pelas outras fontes. 
A ética de Jesus e de Paulo não surgiu do desenvolvimento da 
razão cognitiva ou de uma teoria moral. A sua base é a FÉ. Estamos 
perante uma ética de base religiosa. Na verdade, a religião, e sobretudo 
a Teologia, sempre foi o grande fundamento da ética. Se exceptuarmos 
a ética de Platão e Aristóteles, no Mundo Antigo, e as éticas 
iluministas e modernas, surgidas a partir do século XVIII, todas as 
grandes éticas têm uma base teológica. A fé e a vida passam a 
constituir os únicos fundamentos da ética. 
Para Paulo o verdadeiro conhecimento não é desta vida. Só após a 
ressurreição, é possível aceder ao conhecimento perfeito, sem 
necessidade da ciência, da inteligência ou da razão. Neste particular, 
Paulo afasta-se completamente da cultura clássica, apesar de falar o 
grego e de possuir conhecimentos sobre a referida cultura. O Facto dos 
homens se encontrarem sob o poder do pecado e que é o pecado que 
corrompe a vontade não tem, também, qualquer paralelo na ética grega. 
que esta, face ao poder de Deus não representavanada. Uma vez que 
Deus exige que cada um ame o seu próximo como a si mesmo, Paulo 
não vê qualquer utilidade nos conflitos sociais e políticos. Contudo 
sempre que se dirige às comunidades cristãs, não deixa de alertar 
aqueles que detêm escravos, para os tratarem com amor e como irmãos. 
Como a velha Lei Judaica proíbe os judeus de se sentarem à mesa com 
os pagãos, Paulo afirma: que com Cristo, não há mais pagãos e judeus, 
são homens e mulheres, escravos ou amos e iguais perante o Criador. E 
é esta mensagem de fraternidade e de igualdade que constitui grande 
novidade da ética de Jesus e de Paulo3l. 
Face ao poder político, Paulo recomenda obediência, notando-se, 
nas suas palavras, algum apreço pela ordem e pela autoridade 
legítima. Nem Jesus nem Paulo revelam qualquer interesse pela 
ordem política. Paulo questionava a ordem política, na medida em 
31
 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nº 2, p. 74. 28 29 
 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Capítulo V. A Ética de Agostinho de Hipipona (354-430) 
Nascido e criado numa fase de pleno declínio do Império 
Romano, com os bárbaros a ameaçarem as suas fronteiras, a vida de 
Agostinho reflecte as tensões de uma época atormentada. A vida 
adulta de Agostinho inicia-se no quadro da civilização cristã que, 
atacada por todos os lados, se mostrava ansiosa pela reconstrução 
espiritual que o Cristianismo, erigido em religião do Império, parecia 
em condições de proporcionar. Embora o Cristianismo não fosse 
capaz de salvar o Império, a verdade é que a sua superioridade acabou 
por se estender a quase todas as Províncias e por ser aceite pelos 
bárbaros vitoriosos. Com a morte de Agostinho, em 430, na cidade de 
Cartago, não chega a ter a percepção do fim da civilização clássica e o 
anúncio da vitória espiritual do Cristianismo. O facto de os Vândalos 
terem poupado, à destruição, a Biblioteca de Agostinho, constituiu um 
prenúncio dessa vitória espiritual e permitiu às gerações vindouras o 
contacto ímpar com as suas obras. 
A filosofia ética de Agostinho confunde-se com a sua vida 
tornando-se necessário, para a compreender, conhecer as tensões e 
contradições por que passou durante a infância e a adolescência. Da 
leitura da sua obra, As Confissões, redigida com 44 anos, ajuda-nos a 
compreender melhor a união entre a filosofia ética e a sua vida. Entre 
a insatisfação e a tortura, percebe-se a influência pouco positiva da 
vida amorosa de Agostinho. Amando a sua esposa, esta deixa-o, 
.. É-se tanto mais feliz quanto mais próximo de 
Deus se estiver: Quem possui Deus é feliz”31. 
Stº Agostinho 
O Homem 
Agostinho de Hipona nasceu, em 13 de Novembro 354, em Tagasto, 
na Província romana da Numídia, hoje, Souk Ahras e situada em 
território da Argélia. Filho de Patrício, funcionário municipal, pagão e 
de Mónica, devota cristã, educou-o na base dos princípios do 
cristianismo, mas nunca o baptizou. Agostinho teve uma infância 
igual a qualquer outro rapaz da classe média, com a diferença de se ter 
identificado, nele, uma curiosidade e inteligência invulgares. 
31
 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota 11° 2, p.81. 
30 31 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
suficiente para alcançar a verdade. "Agostinho sabia que não era um 
ser autónomo, o seu conhecimento, tal como o seu ser e o seu querer, 
têm de possuir uma última fonte e padrão, e para ele essa fonte e esse 
padrão de verdade era Deus….Pois, quando a mente distingue entre 
verdadeiro e falso, está a admitir que há alguma coisa objectiva e 
superior à mente. Isto é, há Deus”.34 
 
I 
 
 O caminho da verdade depende da relação que o sujeito 
estabelecer com Deus. Agostinho nega a possibilidade da 
independência da razão face à fé. Para ele o conhecimento não é um 
processo meramente intelectual. A graça divina constitui a principal 
fonte de acesso ao conhecimento verdadeiro. Nem a razão, nem os 
sentimentos, são suficientes ao processo de conhecimento da 
verdade35. A vontade e a graça divina constituem os dois factores 
dominantes. Uma vontade deficiente, apesar de uma grande 
inteligência, impede o sujeito de conhecer a verdade. Como Deus é a 
origem da verdade, o acesso ao verdadeiro conhecimento exige a 
iluminação da mente e uma vontade apropriada. Enquanto a 
concepção clássica considerava a razão como factor suficiente no 
acesso ao conhecimento verdadeiro, Agostinho coloca duas outras 
abandonando igualmente o filho, por razões sociais, constituem 
factos que marcaram o espírito de Agostinho. O seu percurso 
intelectual não foi uma linha recta. O sinuoso percurso espiritual de 
Agostinho foi marcado pela presença de grandes amizades e de 
algumas rupturas traumáticas. Faustus foi o responsável pela sua 
iniciação ao maniqueísmo33 face ao contacto que lhe proporcionou, 
ao longo de dez anos, com a seita dos Maniqueus. Das relações com 
o Bispo de Milão, Ambrósio, abraçou o Cristianismo, aos 32 anos de
idade, apesar de aos 19 anos, a procura da verdade já ter constituído 
algo que tenha mudado os seus sentimentos, após ter lido Cícero. 
A Obra 
 
A teoria ética de Agostinho tem em Deus a fonte e a origem da 
verdade. Agostinho aceita o ideal clássico da objectividade da 
verdade e do conhecimento, mas rejeita a ideia de que a razão seja 
33
 o maniqueísmo foi uma doutrina herética, muito popular nos séculos III e rv, fundada por Manes, na 
primeira metade do século lU, que procuroll associar elementos do Cristianismo com elementos da religião persa. 
O maniqueísmo teve grande aceitação no Império romano por tentar dar resposta aos problemas da origem do mal. 
A solução que propunha baseava-se na formulação de um duali_mo extremo, em que se deliontariam dois reinos, o 
espiritual e o material. Desde a etemid.1de, coexistiram dois princípios opostos: Deus, como fonte da luz e do Bem, 
e Satanás fonte da matéria e do mal. Para Manes, no princípio do Mundo teria havido uma batalha entre o Bem e o 
Mal os cinco elementos do Bem (luz, água, fogo, brisa e vento) foram misturados com 'elementos maus, de forma 
que, neste Mundo, o bem e o mal se encontram misturados em tudo quanto é matéria, viva ou morta. Para os 
maniqueístas, havia três classes distintas de pessoas: os eleitos, os ouvintes e os não crentes. Os primeiros eram os 
portadores da verdade maniqueista. Obrigavam-se a obedecer à doutrina, estavam impedidos de trabalhar, não 
podiam matar qualquer ser vivo e abstinham-se de comer carne. Os ouvintes eram iniciados na doutrina e 
obrigavam-se a sllstentar-se os eleitos. Só os eleitos e os ouvintes tinham lugar no paraíso. 
34
 ASHBY, W., A Comprehensive History of Western Ethics: What do We Believe?, Amherst: Prometheus 
Books, p. 171. 
35 MARQUES, Ramiro, Op. Cit.. nota nº 2, p.77. 
 33 32 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
condições: uma vontade apropriada e a iluminação divina. A razão 
objectiva pode descrever e analisar a realidade, mas é incapaz, por si 
só, de lhe dar valor. 
A melhor maneira de compreender a ética de Agostinho é olhar 
para a sua vida e a forma de olhar para a sua vida é ler a sua principal 
obra "As Confissões", uma das autobiografias que mais impressiona 
o leitor atento. Análise psicológica e relato de uma caminhada 
intelectual, a sua obra Confissões, redigida aos 20 anos, está cheia de 
contradições, tensões recuos e avanços. A leitura desta obra mostra-
nos a importância que os sentimentos e a vontade têm na ética de 
Agostinho. Para haver transformação e crescimento do "self' é 
necessário que o sujeito tome consciência dos seus sentimentos. A 
compreensão da vida interior é a chave da verdade. Os sentimentos e 
a vontade constituem duas componentes essenciais da vida interior. A 
razão é manifestamenteinsuficiente36. 
Sobre a maldade, Agostinho afirma: "perguntei-me então o que 
seria a maldade, e não conclui que fosse algo, mas apenas o perverso 
movimento de uma vontade que se afasta daquele que é plenamente 
Deus”37. Distanciando-se das posições maniqueístas, Agostinho 
afirma que Deus criou todas as coisas muito boas e que o mal não é 
36
 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota n° 2, p.79. 
37
 AGOSTINHO, Santo, As Confissões, S. Paulo, Quadrante, 1989, p.118. 
34 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
mais que a ausência do bem: "para Deus, com certeza, o mal não 
existe absolutamente; e não só para Ele, mas para tudo o que Ele 
criou, pois nada há que possa romper e destruir a ordem que Deus 
pôs no seu universo, há algumas que se consideram más por não se 
harmonizarem com outras. Ora, as coisas que são desarmónicas 
entre si, harmonizam-se com outras; logo, também são boas; além 
disso, por si mesmas, todas as coisas são boas”38. A adesão à ideia 
de que todas as coisas são boas, porque tudo o que existe foi criado 
por Deus e que é a deficiência da vontade dos homens que origina 
o mal, é o produto das leituras que Agostinho faz da Bíblia, a partir 
do momento em que verifica a falta de consistência das teorias 
maniqueístas. A vontade deficiente é produto do pecado original. 
. Num certo sentido, todos começamos por ter uma vontade 
deficiente. O hábito pode ajudar a corrigir a deficiência ou a 
agravá-la. De acordo com Agostinho: " O Demónio era dono da 
minha vontade, e dela fizera uma cadeia em que me mantinha 
prisioneiro. Pois a vontade má nasce da concupiscência, e quando 
se obedece aos desejos da carne, estes tornam-se costumes; quando 
não se quebra esse costume, torna-se necessidade"39. 
38
 Idem, p.116. 
39
 Ibidem, p. 136. 
35 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Embora Agostinho não tenha conhecido as Éticas de Aristóteles, é 
possível vislumbrar nos Diálogos Sobre a Felicidade e em a Cidade de 
Deus (retirado de Organon), uma teoria das virtudes. Desde logo, a 
preferência pelas virtudes teologais: fé, esperança e caridade. De 
seguida a temperança e a moderação. Mas também, a proporção, a 
harmonia, a docilidade e a pureza. Os vícios a evitar são a indigência 
espiritual, a inveja, a estultícia, o orgulho e a vaidade. "A sabedoria é 
que é; portanto, a medida da alma, porque a sabedoria é, 
efectivamente, o contrário da estultícia; ora, a estultícia é uma 
indigência e esta é o contrário da plenitude. A sabedoria é, então, a 
plenitude e na plenitude existe a medida, a medida da alma consiste na 
sabedoria. Daí aquela excelente máxima, não sem razão propalada 
como a mais importante para a vida: nada em demasia 40. 
A vida de Agostinho, com as suas tensões, contradições e 
tormentos, revela-se uma fonte inesgotável de situações e problemas, 
capazes de gerarem uma profunda reflexão sobre a ética. A 
interligação da sua vida com a sua escrita permite-nos retirar cinco 
qualidades inerentes ao pensamento ético de Agostinho41: 1) a 
memória exerce uma função importante na harmonização do "self': 
graças à continuada recordação do passado, é possível retirar ilações 
40AGOSTINHO, Santo, Diálogo Sobre a Felicidade, Lisboa, Edições 70,1997, p. 45. 
41MARQUES, R3RÜrO, Op. Cit.. nota n° 2, p. 82. 
36 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
das experiências menos conseguidas, dos erros e dos falhanços; 
2) o crescimento ético faz-se mergulhando numa tradição, em 
contacto com o testemunho dos nossos amigos, observando o 
exemplo dos espírito mais fortes, ainda que, por vezes, seja 
necessário saborear o fu1to amargo das rupturas; 3) o 
reconhecimento do carácter corruptor das instituições políticas e 
sociais e que é preciso uma grande força de vontade, bem 
orientada e comandada pela razão, para resistir às más 
influências; 4) constata-se o fascínio que a beleza do mundo 
exerce sobre a nossa vontade distorcendo-a e enfraquecendo-a: 
Agostinho nunca foi capaz de ultrapassar as doces lembranças 
da carne proporcionadas pelas mulheres que amou e dos 
encantos da vida fácil, dedicada aos prazeres da carne e da 
mesa; 5) tem-se a noção que Deus escreve direito por linhas 
tortas, de todo o mal, Ele fará sair o bem, e para vencer a morte 
Ele nos enviará seu Filho42, e que o Reino dos Céus não está 
mais ao alcance dos doutos do que dos ignorantes, o que o levou 
a questionar-se, e aos seus amigos, embora cultos inteligentes, 
por que razão, têm mais dificuldade em optar pelo Bem, do que 
as pessoas simples, pobres e ignorantes. Agostinho reconhece 
que o caminho da verdade não é mais curto para os inteligentes 
do que para os simples de espírito. O verdadeiro conhecimento 
vem de Deus e não provém da experiência, 
42
 MORILLON, Gen. Philippe,Mon Credo, Presses De La Renaissance, Paris, 1999, p. 26. 
 37 
 
 
daí a razão que explica o facto de as simples, mas cheias de fé, 
revelarem mais capacidade em encontrarem a verdade, do que as 
pessoas cultas que, como Agostinho, andaram perdidas e enganadas 
durante muito tempo, com concepções maniqueístas. 
É possível identificar uma teoria da felicidade, quer nos Diálogos 
Sobre a Felicidade, quer em as Confissões. Agostinho tem a noção que 
a verdadeira felicidade não é deste mundo. Daí referir a busca da 
felicidade com a procura de Deus, embora, muitas vezes, julguemos 
que a busca da felicidade está em encontrar coisas materiais e 
passageiras, como o dinheiro, a fama, a honra e os prazeres. A prova de 
que esses desejos não são componentes da felicidade é que, uma vez 
satisfeitos, deixam um travo amargo a desilusão e a tristeza. O desejo 
natural da felicidade está presente na natureza humana. Foi colocada lá, 
por Deus, e, por isso, só Deus pode ajudar-nos a encontrá-la. 
A procura da felicidade depende, portanto, da demanda de uma 
vida ética, iluminada por Deus e fertilizada pelo amor e pelos 
sentimentos. A fé, mais do que a razão, é a essência da vida ética, e o 
amor a base da ética43. 
43
 MARQUES, Ramiro,.Op. Cit., nota nº 2, p.85. 
38 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Capítulo VI. A Ética de Tomás de Aquino (1225 -1274) 
"Afelicidade exige uma finalidade última apropriada, 
 isto é, uma finalidade iluminada pelo Bem" 
 Tomás de Aquino 
O Homem 
Tomás de Aquino nasceu no castelo de Roccasecca, situado 
junto à localidade de Aquino, a norte de Nápoles. Oriundo de uma 
família da alta nobreza, Tomás de Aquino fez os seus primeiros 
estudos na abadia do Monte Cassino, passando posteriormente pela 
Universidade de Nápoles e ingressar, em 1243, com apenas 18 anos 
de idade, na ordem dominicana, onde permaneceu até à morte 
prematura, aos apenas 49 anos. Faleceu de forma súbita quando se 
desloca para Lyon, a pedido do Papa Gregório X, a fim de participar 
no Concilio. Em 1245, Alberto Magno, intelectual de grande 
39 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
prestígio, chama-o para estudar na Universidade de Paris, onde 
permaneceu até 1248, sempre muito activo e dinâmico no campo 
universitário. Depois de passar pela Universidade de Colónia com o 
seu mestre, Alberto Magno, regressa a Paris, onde ensina como leitor 
e recebe o título de Mestre em Teologia. 
Tomás de Aquino dedicou toda a sua vida ao conhecimento, a 
primazia dada ao saber, levou-o a recusar a nomeação para cargos 
importantes na Ordem Dominicana e no Arcebispado em Nápoles, 
reconhecendo a incompatibilidade entre uma vida dedicada ao 
conhecimento e uma vida preenchida com cargos de direcção e 
gestão44. Neste paralelo só encontramos em Aristóteles comparação e 
cujo pensamento influenciou, não sendo por acaso, que fosse durante 
muito tempo, denominado "o filósofo". 
A Obra 
Que sentido tem o pensamento de Tomás? Ao largo da suavida e 
da sua obra podemos descobrir o fio condutor do seu pensamento: o 
acesso a Deus, Ser supremo, Existência absoluta. Com efeito, Tomás 
de Aquino é um teólogo que descobre em Deus o fim do Homem, 
tanto na ordem do conhecimento como na actuação. Esta orientação 
44 MARQUES, Ramiro, Op. Cit.. nota nO 2, p. 88. 
40 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
radical do homem até Deus é o eixo do seu pensamento, e em torno do 
qual vão confluir as suas investigações. Daí a ética aquiniana ser 
eminentemente teleológica. 
Todo o pensamento ético de Aquino radica na aceitação dos 
princípios cristãos, através da razão e da fé. Tomás de Aquino procura 
estudar o lugar e a natureza dos seres humanos na ordem cósmica 
criada por Deus. E para resolver o problema, procura respostas para as 
seguintes questões: Como podemos descobrir a verdade? Como pode a 
pessoa ordenar a sua vida em função do Bem? Consciente de que a 
ética deve ser fundada no conhecimento teológico e no conhecimento 
filosófico; na fé e na razão, Aquino procura conciliar a visão 
aristotélica com o conhecimento profético revelado dos Evangelhos. 
Escrevia Santo Tomás de Aquino (Secção TI da TI Parte, questão 
150 da Summa Theológica) as precisas palavras com que agora vou a 
justificar a ambiciosa pretensão de reunir num só artigo duas questões, 
a ética militar e a religiosidade cristã, que o pensamento moderno está 
empenhado em dissociar: "A quem mais deve o homem depois de Deus 
é a seus pais e à pátria; de onde se retira que 
41 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
assim como o render culto a Deus pertence à religião..., assim 
também corresponde à piedade render culto aos pais e à pátria". 45 
Seguindo as orientações do seu Mestre Alberto Magno e de 
Aristóteles, embora ele nunca o tivesse lido em grego, Tomás 
situa o seu ponto de partida na experiência. Nós não vemos Deus, 
mas seres concretos, individuais, que têm existência Este conceito 
e realidade é o centro do seu pensamento. O pensamento remonta-
se a Deus, que existe por si mesmo, causa da existência de todos 
os seres, que é criador. Ainda que Deus seja o fim do 
conhecimento, Deus revela-se. Pela fé, o homem conhece Deus 
na Sagrada Escritura. E pela fé o homem descobre o seu fim 
sobrenatural: filosofia e teologia unem-se para alcançar o único 
fim do homem, o conhecimento e a união com Deus46. 
O Caminho da verdade passa tanto pela razão como pela fé. 
A razão e a fé são, para Aquino, caminhos complementares para a 
verdade. As verdades reveladas pela fé e as verdades descobertas 
pela razão, não podem contradizer-se47. Nada neste mundo 
45
 BAQUER, Gen. Brig. Miguel Alonso, La Moral Militar En Tiempo De Reforma, Atzobispado 
 Castrense, Madrid, 1988, p. 11. . 
46 MARQUES, Ramiro, Op. Cir., notA nO 2, p. 89. 47 ASHBY, W., A Comprehensive History of 
Western Ethics: What do We Believe?, Arnherst, Prometheus Books, 1997. 
42 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
contingente continuaria a existir sem Deus, o Ser necessário. Nada teria 
valor sem a direcção de Deus, o Ser-valor perfeito48. 
A filosofia e a teologia são duas ciências que se ajudam na medida 
que, o objectivo de todo o pensamento é Deus, a Verdade única. Para 
alcançá-la, o ser humano dispõe de dois caminhos: a razão e a fé. A 
razão procede por dedução e, partindo do sensível, chega ao inteligível; 
dos efeitos, às causas; das criaturas, ao Criador. Ao contrário, a fé 
procede de forma inversa: parte de Deus, que se revelou e, por 
dedução, chega às criaturas. O discurso racional é o método da 
filosofia; e o discurso que se realiza no horizonte da fé é o da teologia. 
Ambas são ciências, o mesmo é dizer, conhecimento universal e 
necessário que aporta informação certa acerca da realidade, que 
investiga as primeiras causas...atendendo às características que 
Aristóteles outorga o saber científico. Diferem entre si formalmente no 
objecto e método de investigação. 
Relativamente ao ser humano, Deus criou o homem "à sua imagem 
e semelhança". Na escala de seres corpóreos, o ser humano o escalão 
superior e, por dispor de uma alma imortal, também pertence ao mundo 
dos anjos. É em síntese, um composto de corpo e alma, de matéria 
corpórea e forma espiritual. 
43 
45
 BAQUER, Gen. Brig. Miguel Alonso, La Moral Militar En Tiempo De Reforma, Atzobispado 
 Castrense, Madrid, 1988, p. 11. . 
46 MARQUES, Ramiro, Op. Cir., notA nO 2, p. 89. 47 ASHBY, W., A Comprehensive History of 
Western Ethics: What do We Believe?, Arnherst, Prometheus Books, 1997. 48
 Idem, p.230 
 
A alma como parte do corpo é substância criada por Deus? Como 
procede de Deus a alma? Deus cria cada alma individual, assumindo 
aquela funções vegetativa (responsável pela nutrição e reprodução), 
sensitiva (ou animal, onde se alojam as características que permitem o 
movimento e a percepção sensorial) e o intelectual (ou racional, onde 
se encontram as funções da intelectuais da memória, imaginação, 
concepção e. juízo). A sua relação com o corpo é essencial: o corpo 
está em potência na alma, que é o seu acto; o corpo é matéria 
informada pela alma. Só há ser humano quando existe a união entre o 
corpo e a alma. A morte é a separação de ambas. Porém, a alma é 
imortal, na medida em que é substância, por isso pode existir 
independentemente do corpo. È contudo uma substância incompleta, 
posto que está ordenada a um corpo para formar um ser humano 
concreto e determinado, ou seja, a alma de cada indivíduo é 
incorpórea, mas como cada indivíduo é real, a alma é subsistente. A 
união da alma com o corpo constitui a vida real da pessoa. A alma não 
está sepultada num corpo, mas sim dotada de um corpo e tem um 
destino eterno49. Aqui radica o fundamento filosófico e especulativo 
da ressurreição. 
A este respeito é passível afirmarmos o conceito seguinte: a força 
militar é uma força impregnada de alma. Em primeiro lugar, pelo 
49 ASHBY, W., Op. Cit..nota I, p. 231. 
44 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
objectivo a que se ordena. O Exército quando actua, não é a 
destruição que visa. Procura simplesmente salvar um direito 
ameaçado, e por isso recorre à violência, não por amor a esta, mas 
tão somente do direito que .sem ela não poderia defender; em 
segundo lugar, pelo modo como se exerce, na medida em que 
jamais e pega em armas por paixão. 
Tomás de Aquino utiliza o processo aristotélico da abstracção. 
O conhecimento parte dos sentidos e eleva-se até ao universo, 
abstraindo-se da forma inteligível da matéria. 
O processo de abstracção consiste, precisamente em fazer 
passar o objecto do conhecimento proporcionado pelos sentidos, de 
potência a acto: objecto inteligível, universal, objecto de ciência, 
desprovido de matéria. Este passo realiza-se pelo entendimento 
pessoal, individual de cada pessoa. ~ 
 A alma tem a faculdade da vontade, através da qual expressa a 
sua vontade de querer e de desejar. Todavia, Tomás de Aquino 
entende que a vontade depende da inteligência na delimitação do 
objecto de amor. A inteligência conhece o bem. Já sabemos que o 
autêntico fim do homem é a visão de Deus. E este fim sobrenatural 
fundamenta a teoria moral de Tomás. A vontade quer o Bem, deseja 
a Deus. E esse reconhecimento do fim supremo ordena as acções; há 
50 
 RODRIGUEZ, Cón. António dos Reis, Apologia do Exército, Academia Militar, Lisboa, 1963, p.11. 
45 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
algumas que são boas porque se orientam em direcção ao Bem, e 
outras que são más porque se separam dele. Porém, tal juízo ético só 
se pode exercer sobre as acções que dependem da vontade livre. 
Para a consecução do seu fim, o. ser humano conta com a ajuda 
das virtudes.Como Aristóteles, Tomás de Aquino considera que as 
virtudes são "hábitos adquiridos"; que constituem um "termo médio" 
entre dois extremos, porém desde o ponto de vista axiológico são um 
extremo. Para Aquino, como para Aristóteles, as virtudes são 
componentes essenciais de qualquer prática que integre os bens 
interiores. As virtudes comuns aos dois filósofos são a coragem, a 
justiça, a prudência e a temperança. Tomás de Aquino, 
profundamente devedor da tradição cristã, acrescenta-lhe as virtudes 
teologais, da caridade, da fé e da esperança. A caridade é, no entanto, 
uma virtude estranha a Aristóteles e a toda a Grécia clássica. Implica 
saber perdoar quem nos ofende. Na mesma linha, encontra-se a 
humildade, virtude tipicamente medieval é completamente estranha a 
Aristóteles. Ser humilde é reconhecer a nossa pequenez e impotência 
face à omnipotência e omnisciência de Deus. 
E segue também Aristóteles na classificação das virtudes (éticas e 
dinoéticas). Porém, para se compreender, correctamente, a teoria da 
virtude51, em Aquino, é necessário estabelecer a diferença entre bens 
46 
exteriores, que são sempre propriedade de alguém (riqueza, fama e 
poder), e. bens interiores (conhecimento, sabedoria, inteligência, 
prudência, temperança, justiça, fé, esperança e caridade). Enquanto 
possuidor dos bens exteriores, quando os divide com outras pessoas, 
fica automaticamente com menos, tornam-se por isso, objecto de 
competição, e uma comunidade, interessada apenas na aquisição de 
bens exteriores, nunca pode aspirar à virtude. Os bens interiores 
nunca são excessivos e quanto mais bens interiores eu tiver mais 
benefícios posso dar à minha comunidade52. É daqui que Tomás 
define virtude, em tudo semelhante a Aristóteles, como a qualidade 
humana adquirida, cuja posse e exercício tende a tornar-nos capazes 
de conseguir os bens interiores. A ausência da virtude impossibilita-
nos de adquirir os bens interiores. Nas sociedades que 
sobrevalorizam os bens exteriores, as virtudes tendem a desaparecer. 
Nos últimos tempos, há sinais societais de que o vazio de bens 
interiores se torna mais agressivo na competição pela aquisição de 
bens exteriores (riqueza, fama e poder). É este consumismo 
desenfreado, fruto da falta de bens interiores, que explica a enorme 
dependência dos tóxicos e dos bens materiais supérfluos, por parte do 
Homem contemporâneo. Se aceitarmos que se é tanto mais livre 
51 
 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota n° 2, p. 93. 
52 
Ver a este propósito, MACINTYRE, A., After VirTUE, Notre Dame: Unjversity of Notre Dame Press e, também, 
MACINTYRE A., Three Rival Versions of Moral Enquiry: Enciclopedia, Genealogy and Tradition. Notre Dame, 
Notre Dame University Press, p. 204. 
47 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
quanto melhor se for capaz de ordenar e controlar as necessidades, 
então estamos em condições de avaliar a angustiante falta de 
liberdade do Homem contemporâneo. 
 É igualmente interessante a reflexão entre a ponte de virtudes 
expressa pelo pensamento ético de Tomás e Aristóteles, a um tempo e 
Kant a outro. Para Aquino, não é possível separar a identidade pessoal 
de cada um da sua identidade social e histórica. A ética kantiana julga 
poder fazê-lo. Para Tomás de Aquino, aquilo que é bom para mim, tem 
de ser, também, bom para a minha família, para a minha comunidade e 
para a minha nação. É impossível haver uma noção de vida boa para 
mim que colida com a noção de vida boa para a minha família e para a 
minha comunidade. 
Sintetizando o pensamento ético de Tomás de Aquino, 
identificams em primeiro lugar, a defesa da unidade do ser humano e 
da inter-relação entre a identidade pessoal e a identidade social e 
histórica. Em segundo lugar, a ideia de que o verdadeiro significado 
da vida humana é espiritual. Em terceiro, o lugar central ocupado por 
Jesus Cristo, pelos Evangelhos e pela Igreja na forma como a pessoa 
ordena a sua vida. Por último a noção de que a vida boa depende do 
reconhecimento de uma realidade espiritual superior e na livre 
aceitação da sua autoridade. Resulta deste quadro teórico um 
conjunto de teses sobre o papel do indivíduo na família e na 
48 
comunidade. Para Tomás de Aquino a família é vista como 
a forma original de vida, grupo perfeito, baseado na Lei 
Natural. A finalidade da família é gerar, proteger e educar 
os filhos e este propósito conduz, à monogamia, 
estabilidade do casamento, propriedade privada e herança. 
Toda a propriedade pertence a Deus. A finalidade do estado 
é manter a paz e a ordem. Os súbditos devem obediência à 
autoridade estatal sempre que essa autoridade se exerce de 
forma legítima e justa. 
49 
 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
.. 
Capítulo VII. A Ética de Sigmund Freud(1856 -1939) 
. ".. .todas as recordações recalcadas e todos 
 os factores de histeria têm um conteúdo sexual". 
 S. Freud 
o Homem 
Sigmund Freud nasceu, em. Freiberg, na Morávia, no dia 6 de Maio 
de 1856. A família de Freud instalou-se em Viena, em 1860, cidade 
onde Freud fez os seus estudos. Educado por uma velha ama e
rodeado de meios irmãos, a família de Freud desempenhou, sem 
dúvida, um papel na génese da sua teoria psicanalítica. Em 1873 entra 
na Universidade, onde segue o curso de Medicina, mais por um 
fascínio pelo conhecimento das relações entre as pessoas,. que uma 
vocação médica. Entre 1876 e 1882, fez estudos neuro-histológicos, 
tendo-se doutorado em Medicina, no ano de 1881. O seu percurso 
científico e intelectual foi fruto da partilha de conhecimentos com 
 
 
50 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
três grandes intelectuais da época: Jean Charcot (1825-1893), 
famoso neurologista de Paris, com quem aprendeu bastante histeria; 
Joseph Breuer (1842-1925), o médico vienense que desenvolveu a 
cura para a histeria com base na hipnose; e Wilhelm Fliess (1858-
1928), o médico e biólogo berlinense que tanto influenciou o 
pensamento de Freud e com quem partilhou uma amizade intensa 
durante mais de dez anos53. As rupturas com os amigos de longa 
data, Brauer e Fliess, deixaram marcas amargas em Freud. 
A partir de 1902, Freud começou a dedicar uma parte do seu 
tempo ao movimento psicanalítico. A teoria de Freud encontrou 
alguma resistência na Alemanha, mas conheceu grande aceitação na 
Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América. Apesar das 
perseguições dos nazis aos judeus, Freud recusou a sua saída e 
permaneceu em Viena até 1938. A sua permanência em Austria 
manteve-se insustentável, a partir do momento em que viu a policia 
nazi entrar em sua casa, procurando refúgio na Grã-Bretanha, 
morrendo aos 83 anos em Londres. 
 
53 MARQUES, Ramiro, Op. Cito, nota n° 2, p. 157. 
51 
 
A Obra 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Para conhecer a ética freudiana é preciso entender alguns conceitos. 
Desde logo, o conceito de catarse: reacção de libertação provocada 
pela recordação de uma emoção recalcada ou de um conflito não 
resolvido, que perturbavam a vida psíquica. O conceito de associação 
livre: o paciente é convidado a dizer tudo o que lhe vem ao espírito, 
mesmo o que possa parecer mais absurdo e sem sentido. O conceito 
de frustração: condição do sujeito que vê recusar ou recusa a 
satisfação de uma pulsão; a frustação pode ser provocada pelas 
medidas educativas, pelas regras hierárquicas que submetem a 
vontade e os desejos da criança à racionalidade e à cultura da família, 
a criança pode ser frustrada de modo inoportuno, se os pais forem 
demasiados autoritários e rígidos e o conceito de Neurose: forma um 
conjunto de afecções psíquicas que apresentam em comum as 
seguintes características: determinam perturbações de 
comportamentos menores;o paciente dá mostras de sintomas de 
angústia, fobias e obsessões. 
52 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
Para compreendermos a ética de Freud, temos de conhecer a teoria do 
inconsciente, o significado da sexual, a importância das experiências 
infantis e a teoria da repressão e da resistência54. 
A base fundamental da psicanálise é o reconhecimento da 
importância da vida mental inconsciente. A ideia central "do 
inconsciente é que há actividades que têm aspectos mentais (exemplo, 
as percepções, as concepções e os desejos) de que o indivíduo não está 
consciente. Na actividade freudiana o inconsciente foi dividido em dois 
tipos: o pré-consciente, que pode ser acessível ao pensamento, e o 
inconsciente, que não está ao alcance de quaisquer processos mentais. 
A importância do inconsciente reside no facto de que elementos do 
consciente. emergem continuamente, de uma forma descontrolada na 
vida consciente”55. 
Freud não acreditava na objectividade da moral, " embora a sua 
teoria do comportamento humano envolvesse padrões valorativos que 
ele proclamava estarem enraizados na verdade objectiva. Isso era 
possível porque Freud estava preocupado, como médico, com a cura da 
doença e não com a promoção das ideias morais. Dia após dia as 
pessoas doentes vinham ter com ele. Descobriu cedo que as suas
54 
 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nO 2, p. 159. 
55
.ASHBY, W. A Comprehensive History of Westem Ethics: What do We Believe? Amherst: Prometheus Book, 1997, p. 520. 
53
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
doenças não eram, na maioria dos casos, físicas, mas sim desordens 
mentais, os resultados das suas experiências e, muitas vezes, da 
repressão de uma sociedade ou de pais moralistas. Ele aprendeu que a 
cura não criava paladinos da virtude, mas indivíduos com uma certa 
unidade de carácter. Assim, ele atacou a moral dominante sem 
reconhecer que o ataque se baseava num padrão ético, e promoveu um 
processo curativo sem admitir que a sua imagem de normalidade 
envolvia um juízo ético. Esta cegueira era tanto o produto de um 
desejo de objectividade livre de valores como o resultado da sua 
experiência de ideias morais"56. 
O relativismo ético de Freud não foi o produto de uma descoberta 
filosófica, mas apenas o resultado das suas investigações 
psicológicas57. Contudo, Freud tinha a noção de que o 
desenvolvimento psicológico do indivíduo não chegava para explicar a 
moralidade social. Por isso, "Freud foi levado a aplicar a sua teoria às 
origens sociais. Tal como a pré-história da sociedade explica a 
moralidade social. Aqui, também, o tema de Édipo58 foi central, para 
que os problemas da psicologia social também pudessem ser 
56
 Idem, p. 525. 
57
 MARQUES, Ramiro, Dp. Cit.. nota. n° 2, p. 161. 
58
 Complexo de Édipo é o conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança (constante na construção da 
personalidade entre os 3 e 5 anos) experimenta a respeito dos pais; na forma positiva, a criança sente um amor sexual 
pelo pai do sexo oposto e um ciúme dirigido ao pai do mesmo sexo. Na forma negativa, o amor é dirigido ao pai do 
mesmo sexo e deseja-se a morte do pai oposto. 
54 
resolvidos na base de um único ponto concreto - a relação do 
homem com o seu pai,,59. A par do complexo de Édipo, há a 
registar o remorso e o sentimento de culpa, bem como a 
criação de tabus, todos eles com profunda influência na 
construção damoralidade. Encarada desta forma, a moralidade 
individual e a moralidade social ficam privadas de padrões 
objectivos. Não admira, portanto, a recusa de Freud em aceitar 
uma ética objectiva e uma moral natural. Não há, portanto, 
quaisquer tábuas de valores. que mereçam aspirar à 
universalidade, . já que as. ideias morais são o produto das 
nossas experiências psicológicas, sobretudo as que ocorreram 
durante a infância. 
A pouco e pouco, Freud foi desenvolvendo uma teoria da 
personalidade que implicava a defesa de várias camadas: para 
além do ego, foi levado a admitir a existência do super-eu e do 
sub-eu. Recorrendo aos trabalhos e estudos de Adler, Freud 
desenvolve a teoria dos três instintos: "O Sub-eu que é o 
reservatório das tendências instintivas inconscientes; o Eu que 
é a entidade que age em grande parte consciente e é sobretudo 
adquirido; O Super-eu é o sistema moral ético por excelência 
que representa os imperativos morais dos educadores aceites 
por nós, tomados à nossa conta e tornados inconscientes 
tendo em consideração simultaneamente a 
59 ASHBY, W. Dp. CIt., nota nº1, p. 524. 
55 
 
Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
 
Uma Reflexão_sobre a Étiça_Ocidental 
realidade e as exigências do super-eu. No sub-eu, segundo Freud, 
acumula-se a energia indiferenciada donde emanam os instintos da 
vida e de morte”60. 
Embora o trabalho científico de Freud não tivesse como 
objectivo a descoberta ou o desenvolvimento de uma ética, toda a 
sua obra está impregnada de uma ética profundamente relativista. A 
par de Marx e de Nietzche, Freud é um dos progenitores da ética 
preponderante nas sociedades ocidentais materialmente 
desenvolvidas. Não é possível compreender a actual crise de 
valores morais sem perceber o contributo que a psicanálise de 
Freud deu para a eclosão dessa crise. 
60
 LAUZAN, G. et Sigmund Frend. Lisboa, Círculo de leitores, p. 38. 
56 
Capítulo VIII. A Ética de D. António F. Gomes (1970-82) 
"A1etodologicamente. falar da guerra apenas serve para ilustra/O o bem que 
se despreza com a falta de paz. Mas o campo de visão continua a focar-se 
na paz. E de resto, como diria Jesus, quem tem ouvidos para ouvir, oiça ". 
 
 D. António Ferreira Gomes 
O Homem 
D. António Ferreira Gomes nasceu em S. Martinho de 
Milhundos, Penafiel, em Outubro de 1906, filho de Manuel F. 
Gomes e de D. Albina R. De Jesus F. Gomes. Foi em 1916 que 
iniciou o curso de preparatórios no Seminário do Porto, para aí 
concluir em 1925 o Curso teológico. É na Universidade 
Gregoriana que faz o seu doutoramento em Filosofia. É 
ordenado presbítero, em Novembro de 1928, vindo a 
desempenhar funções de professor no Seminário de Vilar, no 
Porto, onde o seu do era reitor e a quem virá a suceder no cargo. 
Em Junho de 1936 foi nomeado cónego capitular da Sé do Porto 
onde viria a desempenhar várias funções. Em Janeiro de 1948
57 
 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental 
foi eleito bispo titular de Rando e coadjutor com futura sucessão de 
D. Domingos M. Frutuoso, bispo de Portalegre, situação que viria a 
ocorrer em Junho de 1949, apesar de desde a entrada desempenhar o 
governo efectivo da diocese. Em Julho de 1952 foi transferido para a 
Sé do Porto, tomando posse por procuração, em Setembro desse ano 
e feito a sua entrada solene, em Outubro de 1952. 
D. António F. Gomes foi um homem dotado de grande cultura, 
conhecendo bem o latim e o grego, o francês e o inglês, sempre se 
interessou pelos problemas históricos e pelas questões sociais. Em 
Portalegre e no Porto, promoveu a organização dos arquivos e a 
defesa do património artístico das igrejas. 
No exercício do magistério episcopal e, em defesa da doutrina 
social da Igreja, na sequência, de uma "pró-memória" ou carta, 
dirigida ao Prof. Oliveira Salazar, foi obrigado a exilar-se, em 24 de 
Julho de 1959. Passou então a, residir em Espanha, na República 
Federal da Alemanha e em França, regressando a Portugal após a 
morte de Oliveira Salazar (1968)" em Junho de 1969, para retomar o 
governo da sua diocese, onde procedeu a uma ampla e dinâmica 
reestruturação. No exílio foi nomeado pelo Papa João XXIII, 
membro da Comissão Pontifícia de Estudos Ecuménicos., 
Em princípios de 1981, apresentou o pedido de resignação

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