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.., ACADEMIA MILITAR DIRECÇÃO DE ENSINO Uma Reflexão Sobre a Ética Ocidental Cadeira M - 311 ÉTICA E LIDERANÇA Apontamentos Coligidos por Desidério Manuel Vilas Leitão Tenente-Coronel de Infantaria Julho de 2003 Ética e Liderança M311_AM DESPACHO 1. Aprovo para utilização na Academia Militar, a presente publicação escolar, para apoio da Cadeira H 313 "Ética e Liderança", que faz parte do programa de formação do 4° ano dos cursos de Infantaria, Artilharia, Cavalaria, Serviço de Administração Militar e Guarda Nacional Republicana, na Academia Militar. 2. A publicação ora aprovada, não é classificada, e é a primeira edição, tendo em vista que a Cadeira de Ética e Liderança é recente, e começou a ser ministrada pela primeira vez no ano lectivo 2002-2003. Academia Militar 04 de Julho de 2003 MAJ GEN Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental CAPÍTULO I. IN'TROD UÇà O........................................................ 1 CAPÍTULO II. A ÉTICA DE SÓCRATES E DE PLATÃO............. 5 CAPÍTULO III. A ÉTICA DE ARISTÓTELES ...................... 13 CAPÍTULO IV. A ÉTICA DE JESUS DE NAZARÉ E DE PAULO DE TARSUS........................................................................22 CAPÍTULO V. A ÉTICA DE AGOSTIN'HO DE HIPONA........... 30 CAPÍTULO VI. A ÉTICA DE TOMÁS DE AQUIN'O ...................39 CAPÍTULO VII. A ÉTICA DE SIGMUND FREUD.......................50 CAPÍTULOVIII. A ÉTICA DE D. ANTÓNIO FERREIRA GOMES ............................................... ..... ...............~ .......................57 CAPÍTULO IX. BIBLIOGRAFIA ....................................................68 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental " Dificilmente se pode ser um grande capitão sem se possuir as faculdades dum grande psicólogo". Gustavo Le Bom .. Na guerra, a acção nunca é dirigida apenas contra a matéria mas ao mesmo tempo contra as forças morais que a animam. Separá-las seria completamente impossível ". . Clausewitz Capítulo 1. Introdução Para além do conhecimento que manifestamos, muitos são os documentos escritos sobre o "carácter ideal" e a "vida moral", com múltiplas e diversificadas interpretações, desde Buda a Maquiavel, passando por Platão e S. Tomas, de Jesus a Nietzsche, passando pelas escolas socrática e aristotélica. Contudo, aqueles que se procuraram debruçar sobre a problemática da dignidade humana, um só pensador lhe deu o sentido pragmático, Jesus. Só ele soube impor o verdadeiro significado da Ética à luz da verdade, inspirado por Deus e guiado pelo seu exemplo. A ética é uma palavra originária do grego ethiké (epistéme) "ciência relativa aos costumes". Pertence ao domínio da filosofia, na 1 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental medida em que a sua finalidade é a vida humana e os meios de a alcançar, tendo por objecto o juízo de apreciação com vista à distinção entre o bem e o moral. Trata-se, portanto, dum aspecto de filosofia, a filosofia do moral, ou simplesmente Moral (de mos, moris) entre os latinos - ou Ética (de ethos), entre os gregos, ambas com o mesmo significado: costume. São portanto acções livres pautadas pelo dever, porquanto para: terem o verdadeiro significado de costume terão que ser reflectidas e libertas de coacção, daí o serem voluntárias. Essa a razão porque muitas vezes vemos chamar-se-lhe "ciência dos costumes", "ciência da virtude", "ciência do dever", "ciência do bem", "da felicidade", "do governo da vida", etc., como vários tratadistas a baptizam1. Não deixamos contudo de referir que felicidade é uma qualidade relativa. Experimentamo-la de maneira diferente em função das circunstâncias. O que traz bem-estar a uma pessoa pode fazer sofrer outra. Todos nós, em geral, nos sentiríamos muito infelizes se fôssemos condenados a prisão perpétua. Mas um criminoso passível. de pena de morte ficaria provavelmente muito feliz por ver a sua pena comutada em prisão perpétua. 1 PASCHOA, Maj. Armando, Ética Militar, Edições Arpa, 2' edição, Biblioteca da Academia Militar, Lisboa, p. 8. 2 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental A paz interior é a principal característica da felicidade, os pensamentos negativos e as emoções negativas minam as fontes de paz e de felicidade. Daí podermos afirmar que é ilógico procurar coexistir a felicidade e a cólera se não fizermos nada para refrear os pensamentos e emoções como o rancor e a maldade. A felicidade nasce de causas virtuosas. Se desejamos ser verdadeiramente felizes, não há outro caminho a percorrer que o da virtude: é o método pela qual a virtude é alcançada. E, podemos acrescentar, a base da virtude, o seu fundamento, é a disciplina ética. Na certeza de que, quando falamos de ética, é algo que podemos adoptar voluntariamente, baseando-nos no reconhecimento dos seus benefícios. Por outras palavras, ter um comportamento ético implica mais do que simplesmente observar leis e princípios. Na sequência do que temos vindo a "desenhar" para vivermos em felicidade, poderemos inferir que um acto ético é aquele que não prejudica a experiência ou a expectativa de felicidade que os outros têm. Contudo, queremos fazer uma importante distinção entre. Um comportamento ético e um comportan1ento espiritual. Um comportamento ético é aquele que não contraria a experiência ou a expectativa de felicidade que os outros têm. O comportamento espiritual descrevemo-lo na sequência das qualidades como, amor, 3 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental compaixão, perdão, paciência, humildade, tolerância, que os filósofos que abordaremos, trataram durante séculos, e que pressupõem um certo grau de interesse pelo bem-estar alheio. A sinopse de "Uma Breve História da Ética Ocidental" do Professor Ramiro Marques2, teve como objectivo, a um tempo, coligir o pensamento de alguns dos pensadores que mais influenciaram a doutrina ética, e, a um segundo, constituir-se como mais uma fonte de consulta, para os Cadetes-Alunos da Academia Militar, nomeadamente para apoio da Cadeira de Ética e Liderança. Para o estudo da Ética Militar, ou da Ética da Instituição Militar, das Forças Armadas e dos que servem sob a condição militar, integrados no quadro permanente, de forma voluntária, poderão aqui ser encontradas as raízes e as orientações da conduta moral do homem, assim como, os princípios e os valores que a norteiam. Estamos convictos que o desafio a que nos propusemos pretende, tão-somente ser o embrião, para o conhecimento de algumas das propostas mais interessantes sobre a "condução de uma vida para a felicidade" e que, pela sua síntese, não responderá a muitas das presentes preocupações que afligem o Homem contemporâneo. 2 MARQUES, Ramiro, Uma Breve História da Ética Ocidental, Edições Plátano, Lisboa, 2000. 4 I I Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Capítulo II. A Ética de Sócrates (469 a. C - 399 a. C) e de Platão (427 a.C. - 347 a.C.) ...afinal parece que é possível através de cuidados humanos tomar bons os homens bons. Mas, tornar bons os homens maus, já parece bem mais difícil!.. Sócrates 3 O Homem Sócrates era filho de reputados cidadãos atenienses, seu pai um ilustre escultor e a sua mãe parteira. Este facto, conduziu mais tarde, a que o filósofo Sócrates fosse caracterizadopor desempenhar um papel idêntico ao de parteira: fazia as suas ideias virem à luz. Apesar, de o terem procurado confundir com os sofistas, há traços que demonstram o oposto, como por exemplo, o não cobrar dinheiro pelas suas lições e o preferir a dialéctica aos longos discursos, em 3 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota. nº 2, p. 15. 5 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental ruas e praças, em troca da retórica produzida nos banquetes e palacetes da aristocracia, prática corrente dos sofistas. . Sócrates deu um contributo ímpar à filosofia e à cultura grega, graças ao seu método, a maiêutica socrática "conhece-te a ti mesmo". Acusado de impiedade e corrupção moral da juventude foi condenado à morte aos 70 anos. Platão nasceu no seio de uma família de grande nobreza que lhe incutiu uma educação esmerada. Conheceu Sócrates aos 20 anos de idade e tornou-se seu discípulo durante 8 anos, altura em que a morte do seu mestre o forçou a temer pela sua segurança e a abandonar Atenas. Ao longo da vida, Platão é preso, feito escravo, vendido, professor e conselheiro político. Em troca, deu à Humanidade um contributo sem preço: a sua obra filosófica, em muito influenciada, quer pelos ensinamentos do seu mestre Sócrates, quer pela forma trágica como aquele terminou os seus dias de vida. A Obra O que sabemos sobre o trabalho produzido por Sócrates chegou até nós pelas mãos do seu fiel discípulo Platão. E uma das suas reflexões mais importantes sobre ética encontra-se num dos seus diálogo com 6 - Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Protágoras 4. Ambos rivalizavam as suas discussões em redor de duas teses principais: a possibilidade da virtude (aretê) ser ensinada e a relação entre as várias partes da aretê e a tese socrática que as reduz a uma única realidade, o conhecimento. Protágoras defende o ensino da virtude na medida em que ele é mestre na forma de a transmitir. Para o professor itinerante não há uma mas várias virtudes que se relacionam entre si como as várias partes do corpo. Sócrates não se mostra convencido dessa realidade e defende que a única virtude é o conhecimento, e que o facto de haver muitas outras qualidades não passam de denominações do conhecimento. Segundo este filósofo, a Ética é parte do Conhecimento, como qualquer ramo do Saber5. Para os sofistas como Protágoras, a virtude tinha como objectivos: a gestão dos assuntos particulares - administrar como competência a sua própria casa - gerir a polis, a política e transformar os homens livres em bons cidadãos. É então aqui que Sócrates transmite as suas fundadas razões quanto aqueles objectivos, sem colocar em causa as palavras de Protágoras, não aceita que a aretê possa ser ensinada ou transmitida aos homens por outros homens. Para atestar as suas palavras Sócrates socorre-se do 4 PINHEIRO, Ana da Piedade E1ias, Platão. Protágoras. Tradução, Introdução e Notas, Relógio D'Água Editores. Lisboa. 1999. . 5 AL VES, José Lopes, Ética Militar - Aspectos de uma teoria e da sua realização, Lisboa, 1997, p,15. . 6 CIT. PINHEIRO, Ana da Piedade Elias, Dp. Cit., nota 1, p. 14. 7 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental seguinte exemplo " Quando nos reunimos em Assembleia para que se realize algo na área da construção civil são convocados os arquitectos para se pronunciarem sobre o assunto...mas se for preciso resolver algo sobre o futuro da administração da polis, sobre essa matéria, dão opinião indiferentemente carpinteiros, ferreiro ou curtidor, rico ou pobre...sem ninguém lhe colocar as objecções dos exemplos anteriores: que nunca aprendeu ou que nunca ninguém lhe ensinou nada sobre a matéria em que tenciona dar parecer. É óbvio que não crêem que essa arte possa ser ensinada”7. Assim, é importante que se estabeleça aqui um paralelismo entre as duas concepções opostas sobre a educação moral e Cívica: a concepção que defende o seu ensino através do levantamento de uma disciplina própria e a concepção que defende que as virtudes não se ensinam, captam-se e descobrem-se através da prática e do contrato com bons exemplos. A primeira concepção, cara aos sofistas, assumiu nos últimos tempos a forma de uma disciplina ou área de educação cívica ou educação para a cidadania. A segunda concepção, cara a Sócrates e a Platão, faz depender a educação do carácter dos alunos do ambiente educativo escolar, não aceitando a validade da proposta sofista. Protágoras acaba por reconhecer que as dúvidas suscitadas por Sócrates tinham razão de ser: em muitos exemplos, apesar de educados em boas escolas e por educados em boas escolas e por bons professores, as pessoas não aprendem a virtude. Com ambos de acordo, Sócrates julga possível, através de cuidados humanos, tornar bons os homens bons. Mas, tornar bons os homens maus, já constitui uma tarefa bem mais desafiante. Encontrada uma solução para a primeira divergência de opinião, importava clarificar se a questão da aretê podia ser caracterizada como uma única entidade com várias denominações, posição suscitada por Sócrates, ou como um conjunto de múltiplas qualidades distintas que se relacionam entre si, conforme afirmava Protágoras. O que estava em causa é que um defendia a virtude como conhecimento, Sócrates e, o outro julgava a virtude como um conjunto de várias qualidades distintas. 8 Sócrates faz então uma pergunta: “sabedoria, sensatez, coragem, justiça e piedade são cinco designações para uma qualidade ou cada uma dessas denominações corresponde a uma entidade com propriedades particulares, não sendo nenhuma delas idêntica à outra?9 Protágoras, na sua resposta aproxima-se da tese de Sócrates afirmando que a sabedoria, a sensatez, a justiça e a piedade andam 8 MARQUES, Ramiro, op. Cit., nota nº2, p.15. 9 PINHEIRO, Ana da Piedade Elias, Op Cit., nota 1, p. 349. 7 MARQUES, Ramiro, Dp. Cit., nota nº 2, pp. 13 14. 8 9 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental ') relativamente próximas, mas a coragem é completamente diferente das restantes. O que Sócrates conseguiu foi levar os sofistas à conclusão de que o que conduz os homens a agir bem ou mal é saber ponderar os resultados que advirão das suas acções - saber esse a que se chama arte do comedimento que advirão das suas acções10. Desta forma Sócrates demonstra que a cobardia dependa da ignorância e a coragem da sabedoria. A partir daqui, Sócrates admite, ainda que com reservas, que a virtude pode ser ensinada e Protágoras que se age bem por sabedoria. Relativamente a Platão, a sua filosofia é baseada no método socrático, incluindo dois aspectos distintos: a confissão da ignorância e um argumento, seguido de perguntas e respostas, que procuram aproximar-se da verdade. E tudo provinha do facto de uma amigo de Sócrates, após uma visita ao oráculo Delfos, a divindade ter considerado o filósofo o homem mais sábio. Como Sócrates não se considerava um ser sábio, apercebeu-se na busca de homens mais sábios que ele, que aqueles que se consideram sábios não chegam a dar conta da sua ignorância. E Sócrates, como não sabia nada, encontrava-se em melhores condições para procurar o conhecimento, a partir da teoria maiêutica “conhece-te a ti mesmo", O método socrático é um método de autoconhecimento. A confissão de Sócrates tinha um duplo objectivo: primeiro, procurava dizer que não possuía a verdade, na medida em que esta não podia ser transmitida, precisa de ser descoberta e encontrada na mente de cada um; em segundo lugar, o filósofo considerava que, apesar de não ser possível transmitir a verdade, era possível e desejável dizer aos homens para eles procurarem a verdade. Estava aberto o itinerário para asegunda fase do método: a discussão. Nos encontros casuais de rua e nas praças da polis contribuíam para aos homens da verdade o estabelecimento de conversas, no intuito de procurar o significado dos conceitos como virtude, sabedoria, conhecimento, inteligência, temperança, coragem, Justiça e piedade. Havia no entanto uma dupla finalidade na procura dos conceitos suscitados: primeiro, os interlocutores reexaminavam as suas próprias ideias, questionavam os seus dogmas e eram levados a abandonar as suas crenças e opiniões inconsistentes; em segundo lugar, aqueles interlocutores eram levados a substituir as ideias e as opiniões inadequadas por novas ideias, conceitos e opiniões mais próximos da verdade. Em síntese, todos compreendiam não ser 10 PINHEIRO, Ana da Piedade Elias, Op Cit., nota 1, p. 349. 10 11 1 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental possível atingir uma verdade final, mas ser possível uma aproximação à verdade. A ética socrática contém três traços essenciais: a virtude tem uma existência objectiva, a virtude é conhecimento e a virtude é o conhecimento do bem. Simultaneamente a ética socrática apresenta cinco paradoxos: a virtude não; é ensinável, a virtude é útil, ninguém , faz o mal voluntariamente, é preferível sofrer o mal do que praticar o mal e a virtude é um só11 . , Na ética de Sócrates e de Platão, ressalta a importância do método socrático. E foi o carácter corrosivo e subversivo do seu método que o conduziu à morte por, incomodar as poderosas autoridades políticas atenienses e estas não apreciarem o seu espírito de independência. poder ou saber fazer" - depois de conhecer, naturalmente - "mas ao próprio fazer, teorizando e praticando quando necessário e realizando o objectivo da profissão,,12 11 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nº 2, p. 18. 12 ALVES, José Lopes, Op. Cit., nota nº5, p. 16. 12 - Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Capítulo IIl. A Ética de Aristóteles (384 a. C - 322 a. C) " O conhecimento sobre as virtudes não é suficiente. Devemos, também, tentar possuir e exercer a virtude, Ou tomamo-nos bons de qualquer forma”13. Aristóteles o Homem Aristóteles, filho de Nicómaco e de Faístias, nasceu em 384 a.C., em Estagiros, cidade da Calcídia, onde o filósofo viria igualmente a morrer com 62 anos de idade. Cálcia, apesar de se encontrar afastada de Atenas, dependia da coroa da Macedónia e o grego era a língua institucional. Tendo perdido os seus pais muito jovem, foi o tutor Próxeno d' Atarneia, quem deu seguimento ao seu processo educacional, acabando o filósofo por adoptar, Nicanor, filho do seu tutor mais tarde. Aristóteles entra na Academia de Platão aos 17 anos de idade, onde permanecerá até à morte do mestre, vinte anos depois. 13 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nº 2, p. 30. 13 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental As relações entre os dois filósofos, Aristóteles e Platão, ainda hoje continuam num manto indecifrável, na medida em que as fontes contemporâneas são contraditórias e pouco fidedignas. Encontrando- se identificada a sua amizade, Aristóteles nunca deixou de admirar e apreciar a obra de Platão, apesar de manifestar discordância em alguns aspectos da doutrina platónica das ideias, assim como das suas concepções políticas, a comunhão de mulheres e a propriedade comum, nas suas obras a Política e a República respectivamente. Se o ano de 366 a.C., foi marcante no percurso intelectual de Aristóteles, a que não terá sido alheia a sua entrada na Academia de Platão, o ano de 347 a.C., significa o ano em que filósofo decepcionado abandona a Academia do mestre, por morte de Platão e provavelmente por à frente daquela estrutura ter sido nomeado o sobrinho daquele. A morte prematura da sua primeira esposa, Pítias, levou-o a casar com Herpília, da qual teve um filho, a que ,deu o nome de Nicómaco (nome de seu pai, médico de profissão) e a quem dedicou um dos seus mais importantes livros: a Ética a Nicómaco. Em 343 a.C., o rei Filipe da Macedónia pediu a Aristóteles que fosse para Pena, junto à cidade de Tessalónica, com o objectivo de se tornar preceptor do futuro rei Alexandre da Macedónia, seu filho. Com a subida ao poder, Filipe da Macedónia inicia uma vaga de 14 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental conquistas sem paralelo na Humanidade. Aristóte1es, descontente com atitude imperialista de Alexandre, deixa a corte da Macedónia e regressa a Atenas. Em Atenas abriu uma escola, a que deu o nome de Liceu, por se situar próximo do templo dedicado a Apolo Lício. A criação do Liceu levou ao esfriar das relações entre o filósofo e alguns dos filósofos que ensinavam na Academia platónica. Com a morte prematura de Alexandre, em 323 a.C., e o crescimento da importância do partido antimacedónico em Atenas, fizeram sentir Aristóteles ameaçado e suspeito. Aristóteles é entretanto acusado de impiedade por Demófilo, por supostamente ter dedicado a Hérmias um "hino à virtude" como se tratasse de um deus. É esta acusação que o condena à morte, levando Aristóteles a abandonar, definitivamente, Atenas e a refugiar-se na Cálcia onde viria a morrer em 322 a.C. A Obra Para Aristóteles, o ensino da coragem, bem como de outras virtudes morais, exige a prática continuada de actos de coragem, de tal forma que essa virtude seja incorporada nos nossos hábitos. Tanto 15 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental na Ética a Eudemo14 como na Ética a Nicómacol5, Aristóteles identifica a busca da felicidade como o último fim da vida. Entre as obras de Aristóteles (Ética a Eudemo, Ética a Nicómaco e Magna Moralia 16), a Ética a Nicómaco é o grande tratado que coroa o pensamento ético do grande filósofo da Estagira17. A filosofia de Aristóteles é eudemonistal8, doutrina filosófica segundo a qual a moralidade consiste na procura da felicidade, tida como o bem supremo. O fim dos nossos actos é o bem, a felicidade identifica-se como o próprio bem. Por extensão à sociedade civil que, procura igualmente como fim viver bem, as suas instituições são o meio para isso. se faça consistir a felicidade no prazer ou na virtude, ou em ambos, os que têm inteligência e costumes excelentes alcançam mais facilmente com uma fortuna medíocre do que os que têm mais do que o necessário e carecem dos outros bens. Parece, pois, que a felicidade é algo perfeito e suficiente, já que é o fim dos actos” 19. Mas o que é o Bem? Tanto para Platão como para Aristóteles, o Bem não é um meio mas sim um fim. De certa forma o Bem tem a ver com a perfeição com que exercemos a nossa função. Para o Homem, o Bem consiste na procura de perfeição no exercício da actividade humana. Ao contrário dos outros seres vivos, o Homem possui uma alma racional e inteligível, sendo, portanto, dotado de razão. Deste modo, fazer o Bem é agir de acordo com a razão. O homem feliz é aquele que age de acordo com a razão. Portanto, "boa . . A felicidade anda, em Aristóteles, tal como em Platão, associada ao Bem e à Virtude, à Alma portanto e não ao corpo ou aos bens exteriores, porque todos vemos que não é pelos bens exteriores que se adquirem ou conservam as virtudes, mas que é pelos talentos e virtudes que se adquirem e conservam os bens exteriores e que, quer será a conduta do homem quando ele se encontrar vinculado ao fim a que se propôs.”20 Mas será que a felicidade é acessível a todos os homens? De acordo com Aristóteles, apenas os mal formados estão impedidos de a atingir. Mas o que é a educação ética para Aristóteles? Dos seus textos é possível tirar a conclusão que a educação éticaé ajudar a cultivar nas 14 Aristotle, Eudemian Ethics, (Introdução e comentário de Michael Woods), Clarendon Aristotle Serie Oxford: Clarendon Press, 1992. . I5 Aristotle, Nichomachean Ethics, (Introdução e notas de Terence Irwin). Indiana: Hackett, 1984. 16 Continua a haver controvérsia sobre a atribuição desta obra a Aristóteles. Aristotle, Les Grands Livres D 'Éthique, (traduzido do grego por Catherine Dalirnier e com introdução de Pierre Pellegrin), Paris: Arléa. . 17 Os livros 4, 5, e 6 da Ética a Eudemo são comuns aos livros 5, 6 e 7 da Ética a Nicómaco; além disso a obra a Nicómaco não é apenas um tratado de maior dimensão, mas também revela uma maior maturidade filosófica e uma maior firmeza na argumentação; apesar disso, é impossível conhecer o pensamento ético de Aristóteles sem uma leitura cuidada e atenta dos "três livros de ética". 18 MARQUES, Ramiro, Op. Cit.. nota nº 2, p.23. 19 ARAÚLO, Maria e MARÍAS Julian, Ética a Nicómaco, Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, Madrid, 1999, p. 8. 20 ALVES, José Lopes, Op. Cit., nota nº5, p.18. 16 17 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental pessoas traços que as ajudem a florescer como adultos capazes de viverem bem e de realizarem vidas felizes. A educação ética ajuda o crescimento porque é mais uma questão de desenvolvimento dos hábitos correctos do agir e do sentir do que do ensino de questões intelectuais, é mais uma questão de prática do que de ensino e é mais um problema de sentimentos do que raciocínio, embora o domínio da razão esteja sempre presente como processo de domesticação das paixões. O que distingue a educação moral de Aristóteles da educação moral de Platão é que o primeiro enfatiza o carácter e a conduta e o segundo o intelecto e o raciocínio21. Ao contrário de Platão que subordina a virtude à sabedoria, Aristóteles considera-as duas coisas diferentes, embora com pontos em comum. A virtude moral é um estado habitual que rectifica a intenção, é um hábito de fazer as coisas rectas. A.. sabedoria é, para Aristóteles uma virtude intelectual. Enquanto a virtude moral é um estado habitual que habilita a pessoa a alcançar o justo meio, a virtude intelectual, a sabedoria, é um estado habitual que habilita o pensamento a encontrar a verdade. Entre as virtudes morais (disposições para o Bem que pertencem à alma racional), Aristóteles coloca em lugares de destaque a 11 MARQUES, Ranúro, Op. Cit., nota n° 2, p. 26. 18 Uma Reflexão, sobre a Ética Ocidental coragem22, que não é mais do que o justo equilíbrio entre o medo e a temeridade, a temperança, que é um justo equilíbrio entre o desregramento e a insensibilidade (hábito de controlarmos as nossas paixões e de procurarmos o caminho da moderação e do justo meio), a mansidão, que é um justo equilíbrio entre a prodigalidade e a avareza, a magnificência, como justo equilíbrio entre a falta de gosto e a mesquinhez, ti magnanimidade, como o justo equilíbrio entre a vaidade e a humildade, a afabilidade, como justo equilíbrio entre a obsequiosidade e o espírito conflituoso, a reserva, como justo equilíbrio entre a timidez e o descaramento. A justiça merece um lugar à parte pelo facto de ocupar todo o livro V da Ética a Nicómaco (espécie de disposição que torna os homens aptos a executar as acções justas, fazendo-os agir de modo justo e desejar as coisas justas), ocupando um. lugar central na filosofia moral d\:: Aristóteles. Ainda naquele livro, Aristóteles distingue três tipos de justiça: a justiça distributiva, a justiça reparatória, a justiça de troca de bens. A distributiva ocupa-se da divisão dos bens entre as pessoas, proporcionalmente ao seu mérito. A retribuitiva (reparatória) regulamenta as transacções de forma a suprimir os prejuízos causados e tomando em conta os prejuízos que possam ter resultado e o carácter intencional ou não, do delito. A 22 MARQUES, Ramiro, Op. Citr., nota nº 2, p. 29. 19 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre li lftica Ocidental a razão pela qual falham todas as metodologias argumentativas e baseadas na discussão de dilemas morais, quando não são precedidas e acompanhadas de hábitos moralmente adequados. Uma outra questão é a que se prende com quem deve fazer a educação ética? É ela um empreendimento dos pais para com os filhos, ou do Estado para com os cidadãos? Aristóteles responde que é um empreendimento de todos, embora, nesta matéria, o Estado tenha mais poder, através das leis que aprova, de impor o respeito pelo Bem. Importa não esquecer que o. Estado é detentor de mecanismos e de instrumentos de dissuasão e de repressão que impedem as pessoas, incuravelmente vis, de partilharem, com os outros, a vida em sociedade. E como se classifica uma pessoa como decente ou vil? "A pessoa decente ouve a razão porque a sua vida procura aquilo que é bom, mas a pessoa vil, uma vez que se orienta pelo prazer, tem de receber tratamento correctivo". Sendo assim, a melhor maneira de educar o carácter de uma pessoa é subordiná-la desde cedo a preferir as virtudes e a recusar tudo aquilo que é vil. 24 comutativa (troca de bens), ocupa-se das relações comerciais e assenta na instituição moeda. Enquanto que, para os sofistas a melhor justiça será aquela que permite aos mais fortes ou mais espel10s retirarem o maior proveito, para Aristóteles a justiça está relacionada com o justo equilíbrio, o . . justo meio e a rectidão. A bem dizer, os argumentos sobre a ética só são eficazes nas pessoas que nascem com um bom carácter. Para a maioria das pessoas é manifestamente insuficiente. E Aristóteles23 justifica esta posição: "a maioria das pessoas obedecem naturalmente ao medo e não à vergonha, elas evitam o que é vil por causa dos castigos e não porque o que é vil seja considerado, por elas vergonhoso. Isto é assim, porque a maioria das pessoas vivem dependentes dos seus sentimentos, procuram os prazeres que lhes agradam, bem como as fontes deles, e evitam os seus contrários, não tendo a noção do que é bom e verdadeiramente agradável, visto que nunca o experimentaram" . Embora a natureza tenha um papel extremamente importante no desenvolvimento do carácter da pessoa, a verdade é que o hábito não pode ser negligenciado. O hábito constitui uma autêntica segunda natureza que, uma vez fixada, é quase impossível de se alterar. Essa é 23 ARISTÓTELES, Nichomachean Elhics, (Introdução, Tradução e notas de Terence Invin).Indilanapolis: Hackctt, 1179 b 15, p. 292. 24. MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nº 2, p. 31. 21 20 Uma Reflexão Sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Capítulo IV A Ética de }esus de Nazaré judeus ricos, viajou por todo o Império, viveu e estudou em Jerusalém, vindo a morrer em Roma aos 56 anos de idade, É possível que Jesus de Nazaré e Paulo de Tarsus nunca se tenham encontrado. Sendo 10 anos mais novo que Jesus, há no entanto, a hipótese de Paulo ter presenciado a crucificação de Jesus, em Jerusalém, onde se encontrava o jovem estudante de Leis, A vida de ambos tendo começado por ser distinta, acabou por enormes similitudes. As fontes mais seguras para traçar as biografias de Jesus de Nazaré e de Paulo de Tarsus são os Evangelhos, os Actos dos Apóstolos e as Cartas de Paulo. Os Evangelhos relatam o percurso de Jesus vivo, desde o seu nascimento à sua crucificação e ressurreição. Os Actos traçam o percurso dos doze Apóstolos, após a ressurreição de Jesus, a conversão de Paulo e a missão evangelizadora desde a Síria, e de Paulo de Tarsus .. A César o que é de César A Deus o que é de Deus ...15 Jesus de Nazaré .. Fazei como eu, que me esforço por agradar a todos em todas as coisas, nãoprocurando os meus interesses pessoais, mas o interesse do maior número de pessoas, afim de que sejam salvas ..26. Paulo de Tarsus O Homem passado pela Grécia até Roma. As Cartas, escritas por S. Paulo, serviram como meio de comunicação entre este e as comunidades espalhadas pelo Império Romano. Paulo era um verdadeiro cosmopolita, judeu de nascimento, falava grego, tinha grandes conhecimentos de cultura clássica e era cidadão romano. Paulo de Tarsus foi também perseguido, preso, torturado e morto. Jesus era judeu de nascimento, não falava grego nem latim e não teve qualquer contacto com a cultura clássica. A sua simplicidade provinha do respeito pelas tradições culturais judaicas. Jesus nasceu em Belém. Filho de gente humilde, viveu a sua curta vida, em Nazaré, donde nunca se afastou mais de cem quilómetros. Baptizado aos 32 anos, por João Baptista, Jesus seria crucificado dois ou três anos depois, por ordem de Herodes. Paulo nasceu em Tarsus, numa cidade da Cilícia, região do Império Romano, junto ao Mediterrâneo. Filho de uma família de 25 Idem, p. 73, 26 MARQUES, Ramiro, Op. Cit.. nota n° 2, p. 66. 22 23 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Ambos morreram pela mesma causa e pela mesma fé. É surpreendente a grandeza da missão de Paulo, promovida e realizada em 22 anos vertiginosos, de viagens terrestres e marítimas, perseguições, prisões e torturas. A questão que se coloca é a seguinte: onde foi Paulo buscar a força anímica e a coragem para ementar um inimigo tão poderoso, fazer frente a falsos evangelizadores que procuravam desviar as primeiras comunidades cristãs e ainda organizar, e dar uma orientação às igrejas cristãs locais, espalhadas pelo Império? Para todos, tinha uma palavra de estímulo e apoio, de orientação e de carinho. Contudo, quando a autoridade era desrespeitada, Paulo sabia ser severo, embora estivesse pronto a perdoar. Não era vã a afirmação de Paulo: "eu tenho o espírito de Cristo!”27. sobretudo o que Jesus pensava. Ao contrário, o homem de letras, Paulo de Tarsus era conhecedor das éticas hebraica e grego-romana. É através das Epístolas que identificamos a ética de Paulo, documentos invulgares que nos permitem simultaneamente perceber o conhecimento da primitiva ética cristã e o seu desenvolvimento. É através desses documentos que sabemos a luta que Paulo travou contra a deslealdade de alguns discípulos e o falso entendimento de muitos seguidores. Paulo sabia ser afável e brusco, companheiro e mestre, irmão e pai. Perante a deslealdade e o falso entendimento da mensagem de Jesus, Paulo era irredutível e intransigente. Um dos seus maiores conflitos com algumas pequenas comunidades de discípulos gerou-se quando aqueles teimavam em encarar o Cristianismo como uma forma de Judaísmo reformado. Contudo, Paulo proclamou a liberdade completa do Cristianismo face ás leis judaicas, considerando que a única A Obra autoridade era a palavra de Jesus e o amor de Deus. Não foi por acaso que a sua autoridade foi afrontada quando fundou a Igreja Cristã, na Província da Galácia, devido a não ter sido Apóstolo. Paulo ripostou: "Agora que a fé chegou, já não estamos sob os cuidados de um pedagogo; de facto, todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, pois todos vós fostes baptizados em Cristo, vos revestiste de Cristo, já não há diferença entre judeu e grego e homem livre, entre Quando procuramos estudar e analisar a ética de Jesus de Nazaré e de Paulo de Tarsus constatamos que aquela se identifica com as suas vidas. O que sabemos sobre a ética de Jesus, encontra-se inscrito em histórias e parábolas, onde os seus seguidores, os Apóstolos, nos relatam de forma circunstanciada não só a conduta exemplar mas 27 MARQUES, Ramiro, Op. Ci., nota nO 2, p. 61. 24 25 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Foi através das Cartas que Paulo se dirigiu às comunidades cristãs dispersas, e uma das mais importante e longas foi a Carta aos Romanos, cujo tema central da carta é o Evangelh029. E Paulo diz que é o Evangelho como força de Deus que salva, com a condição do homem se entregar a Ele, mediante a fé. Não há mais nenhuma maneira do homem se libertar do pecado original: nem a Lei de Moisés, nem as teorias filosóficas dos gregos, nem as leis dos romanos. A visão emancipadora da fé é, assim, anunciada por Paulo: "de facto, no Evangelho a justiça revela-se única e exclusivamente através da fé, conforme a Escritura: o justo vive pela fé”30. Paulo explica que o cristão se liberta da lei quando entrega o seu coração Deus. Os instintos egoístas são os desejos e os projectos do homem fechado em si mesmo. São a fonte de todos os pecados. E daí que nascem as injustiças sociais e a corrupção das pessoas e das instituições. Entregue a Deus, o cristão já não vive para dentro de si, mas para o bem do outro. Muitas outras cartas escreveu Paulo, aos Corintos, aos Gálatas, aos Efésios, esta na prisão, assim como aos Filipenses, a Filémon e aos Colossenses, também em cativeiro, todas reveladoras de uma grande maturidade teológica, onde explica que, homem e mulher, pois todos vós sois um em só em Jesus Cristo”28. A ideia de subalternização da lei face à fé constitui um aspecto central na ética de Paulo. Com a fé, já não é necessária a presença vigilante e disciplinada do pedagogo. A lei pode ajudar o homem a impor limites à sua vida de pecado, mas é incapaz de o fazer caminhar com rectidão. A partir da sua experiência de vida e, sobretudo, da vida e do exemplo de Jesus, São Paulo construiu uma tábua de virtudes que inclui, em posição cimeira, o amor, a fé, a esperança, a caridade, a concórdia, a paciência, a gentileza, e o autodomínio. Como vícios, a impureza, a licenciosidade, a idolatria, a inveja, o egoísmo, a soberba e a dissensão. Quando afirmamos que a ética e a vida de Paulo se entroncam numa só, advém daquele ter voltado as costas a tudo (família, bens...), rejeitado a riqueza, uma profissão prestigiada e uma carreira brilhante apenas porque crê possuir o "espírito de Cristo", e que a ele cabe transmitir a sua mensagem. E foi a sua obstinação e o seu carácter iluminado que contribuíram não só para o levantamento da Igreja Cristã, como também a criação dos fundamentos da civilização que perdura até hoje. 29 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota n° 2, p. 64. 30 São Paulo. Carta aos Romanos 1: 17-18. 28 São Paulo. Carta aos Gálatas 3: 24-28. 26 27 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sohre a Ética Ocidental '. pela fé, os cristãos são levados a possuir uma sabedoria que supera o conhecimento obtido pelas outras fontes. A ética de Jesus e de Paulo não surgiu do desenvolvimento da razão cognitiva ou de uma teoria moral. A sua base é a FÉ. Estamos perante uma ética de base religiosa. Na verdade, a religião, e sobretudo a Teologia, sempre foi o grande fundamento da ética. Se exceptuarmos a ética de Platão e Aristóteles, no Mundo Antigo, e as éticas iluministas e modernas, surgidas a partir do século XVIII, todas as grandes éticas têm uma base teológica. A fé e a vida passam a constituir os únicos fundamentos da ética. Para Paulo o verdadeiro conhecimento não é desta vida. Só após a ressurreição, é possível aceder ao conhecimento perfeito, sem necessidade da ciência, da inteligência ou da razão. Neste particular, Paulo afasta-se completamente da cultura clássica, apesar de falar o grego e de possuir conhecimentos sobre a referida cultura. O Facto dos homens se encontrarem sob o poder do pecado e que é o pecado que corrompe a vontade não tem, também, qualquer paralelo na ética grega. que esta, face ao poder de Deus não representavanada. Uma vez que Deus exige que cada um ame o seu próximo como a si mesmo, Paulo não vê qualquer utilidade nos conflitos sociais e políticos. Contudo sempre que se dirige às comunidades cristãs, não deixa de alertar aqueles que detêm escravos, para os tratarem com amor e como irmãos. Como a velha Lei Judaica proíbe os judeus de se sentarem à mesa com os pagãos, Paulo afirma: que com Cristo, não há mais pagãos e judeus, são homens e mulheres, escravos ou amos e iguais perante o Criador. E é esta mensagem de fraternidade e de igualdade que constitui grande novidade da ética de Jesus e de Paulo3l. Face ao poder político, Paulo recomenda obediência, notando-se, nas suas palavras, algum apreço pela ordem e pela autoridade legítima. Nem Jesus nem Paulo revelam qualquer interesse pela ordem política. Paulo questionava a ordem política, na medida em 31 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nº 2, p. 74. 28 29 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Capítulo V. A Ética de Agostinho de Hipipona (354-430) Nascido e criado numa fase de pleno declínio do Império Romano, com os bárbaros a ameaçarem as suas fronteiras, a vida de Agostinho reflecte as tensões de uma época atormentada. A vida adulta de Agostinho inicia-se no quadro da civilização cristã que, atacada por todos os lados, se mostrava ansiosa pela reconstrução espiritual que o Cristianismo, erigido em religião do Império, parecia em condições de proporcionar. Embora o Cristianismo não fosse capaz de salvar o Império, a verdade é que a sua superioridade acabou por se estender a quase todas as Províncias e por ser aceite pelos bárbaros vitoriosos. Com a morte de Agostinho, em 430, na cidade de Cartago, não chega a ter a percepção do fim da civilização clássica e o anúncio da vitória espiritual do Cristianismo. O facto de os Vândalos terem poupado, à destruição, a Biblioteca de Agostinho, constituiu um prenúncio dessa vitória espiritual e permitiu às gerações vindouras o contacto ímpar com as suas obras. A filosofia ética de Agostinho confunde-se com a sua vida tornando-se necessário, para a compreender, conhecer as tensões e contradições por que passou durante a infância e a adolescência. Da leitura da sua obra, As Confissões, redigida com 44 anos, ajuda-nos a compreender melhor a união entre a filosofia ética e a sua vida. Entre a insatisfação e a tortura, percebe-se a influência pouco positiva da vida amorosa de Agostinho. Amando a sua esposa, esta deixa-o, .. É-se tanto mais feliz quanto mais próximo de Deus se estiver: Quem possui Deus é feliz”31. Stº Agostinho O Homem Agostinho de Hipona nasceu, em 13 de Novembro 354, em Tagasto, na Província romana da Numídia, hoje, Souk Ahras e situada em território da Argélia. Filho de Patrício, funcionário municipal, pagão e de Mónica, devota cristã, educou-o na base dos princípios do cristianismo, mas nunca o baptizou. Agostinho teve uma infância igual a qualquer outro rapaz da classe média, com a diferença de se ter identificado, nele, uma curiosidade e inteligência invulgares. 31 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota 11° 2, p.81. 30 31 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental suficiente para alcançar a verdade. "Agostinho sabia que não era um ser autónomo, o seu conhecimento, tal como o seu ser e o seu querer, têm de possuir uma última fonte e padrão, e para ele essa fonte e esse padrão de verdade era Deus….Pois, quando a mente distingue entre verdadeiro e falso, está a admitir que há alguma coisa objectiva e superior à mente. Isto é, há Deus”.34 I O caminho da verdade depende da relação que o sujeito estabelecer com Deus. Agostinho nega a possibilidade da independência da razão face à fé. Para ele o conhecimento não é um processo meramente intelectual. A graça divina constitui a principal fonte de acesso ao conhecimento verdadeiro. Nem a razão, nem os sentimentos, são suficientes ao processo de conhecimento da verdade35. A vontade e a graça divina constituem os dois factores dominantes. Uma vontade deficiente, apesar de uma grande inteligência, impede o sujeito de conhecer a verdade. Como Deus é a origem da verdade, o acesso ao verdadeiro conhecimento exige a iluminação da mente e uma vontade apropriada. Enquanto a concepção clássica considerava a razão como factor suficiente no acesso ao conhecimento verdadeiro, Agostinho coloca duas outras abandonando igualmente o filho, por razões sociais, constituem factos que marcaram o espírito de Agostinho. O seu percurso intelectual não foi uma linha recta. O sinuoso percurso espiritual de Agostinho foi marcado pela presença de grandes amizades e de algumas rupturas traumáticas. Faustus foi o responsável pela sua iniciação ao maniqueísmo33 face ao contacto que lhe proporcionou, ao longo de dez anos, com a seita dos Maniqueus. Das relações com o Bispo de Milão, Ambrósio, abraçou o Cristianismo, aos 32 anos de idade, apesar de aos 19 anos, a procura da verdade já ter constituído algo que tenha mudado os seus sentimentos, após ter lido Cícero. A Obra A teoria ética de Agostinho tem em Deus a fonte e a origem da verdade. Agostinho aceita o ideal clássico da objectividade da verdade e do conhecimento, mas rejeita a ideia de que a razão seja 33 o maniqueísmo foi uma doutrina herética, muito popular nos séculos III e rv, fundada por Manes, na primeira metade do século lU, que procuroll associar elementos do Cristianismo com elementos da religião persa. O maniqueísmo teve grande aceitação no Império romano por tentar dar resposta aos problemas da origem do mal. A solução que propunha baseava-se na formulação de um duali_mo extremo, em que se deliontariam dois reinos, o espiritual e o material. Desde a etemid.1de, coexistiram dois princípios opostos: Deus, como fonte da luz e do Bem, e Satanás fonte da matéria e do mal. Para Manes, no princípio do Mundo teria havido uma batalha entre o Bem e o Mal os cinco elementos do Bem (luz, água, fogo, brisa e vento) foram misturados com 'elementos maus, de forma que, neste Mundo, o bem e o mal se encontram misturados em tudo quanto é matéria, viva ou morta. Para os maniqueístas, havia três classes distintas de pessoas: os eleitos, os ouvintes e os não crentes. Os primeiros eram os portadores da verdade maniqueista. Obrigavam-se a obedecer à doutrina, estavam impedidos de trabalhar, não podiam matar qualquer ser vivo e abstinham-se de comer carne. Os ouvintes eram iniciados na doutrina e obrigavam-se a sllstentar-se os eleitos. Só os eleitos e os ouvintes tinham lugar no paraíso. 34 ASHBY, W., A Comprehensive History of Western Ethics: What do We Believe?, Amherst: Prometheus Books, p. 171. 35 MARQUES, Ramiro, Op. Cit.. nota nº 2, p.77. 33 32 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental condições: uma vontade apropriada e a iluminação divina. A razão objectiva pode descrever e analisar a realidade, mas é incapaz, por si só, de lhe dar valor. A melhor maneira de compreender a ética de Agostinho é olhar para a sua vida e a forma de olhar para a sua vida é ler a sua principal obra "As Confissões", uma das autobiografias que mais impressiona o leitor atento. Análise psicológica e relato de uma caminhada intelectual, a sua obra Confissões, redigida aos 20 anos, está cheia de contradições, tensões recuos e avanços. A leitura desta obra mostra- nos a importância que os sentimentos e a vontade têm na ética de Agostinho. Para haver transformação e crescimento do "self' é necessário que o sujeito tome consciência dos seus sentimentos. A compreensão da vida interior é a chave da verdade. Os sentimentos e a vontade constituem duas componentes essenciais da vida interior. A razão é manifestamenteinsuficiente36. Sobre a maldade, Agostinho afirma: "perguntei-me então o que seria a maldade, e não conclui que fosse algo, mas apenas o perverso movimento de uma vontade que se afasta daquele que é plenamente Deus”37. Distanciando-se das posições maniqueístas, Agostinho afirma que Deus criou todas as coisas muito boas e que o mal não é 36 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota n° 2, p.79. 37 AGOSTINHO, Santo, As Confissões, S. Paulo, Quadrante, 1989, p.118. 34 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental mais que a ausência do bem: "para Deus, com certeza, o mal não existe absolutamente; e não só para Ele, mas para tudo o que Ele criou, pois nada há que possa romper e destruir a ordem que Deus pôs no seu universo, há algumas que se consideram más por não se harmonizarem com outras. Ora, as coisas que são desarmónicas entre si, harmonizam-se com outras; logo, também são boas; além disso, por si mesmas, todas as coisas são boas”38. A adesão à ideia de que todas as coisas são boas, porque tudo o que existe foi criado por Deus e que é a deficiência da vontade dos homens que origina o mal, é o produto das leituras que Agostinho faz da Bíblia, a partir do momento em que verifica a falta de consistência das teorias maniqueístas. A vontade deficiente é produto do pecado original. . Num certo sentido, todos começamos por ter uma vontade deficiente. O hábito pode ajudar a corrigir a deficiência ou a agravá-la. De acordo com Agostinho: " O Demónio era dono da minha vontade, e dela fizera uma cadeia em que me mantinha prisioneiro. Pois a vontade má nasce da concupiscência, e quando se obedece aos desejos da carne, estes tornam-se costumes; quando não se quebra esse costume, torna-se necessidade"39. 38 Idem, p.116. 39 Ibidem, p. 136. 35 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Embora Agostinho não tenha conhecido as Éticas de Aristóteles, é possível vislumbrar nos Diálogos Sobre a Felicidade e em a Cidade de Deus (retirado de Organon), uma teoria das virtudes. Desde logo, a preferência pelas virtudes teologais: fé, esperança e caridade. De seguida a temperança e a moderação. Mas também, a proporção, a harmonia, a docilidade e a pureza. Os vícios a evitar são a indigência espiritual, a inveja, a estultícia, o orgulho e a vaidade. "A sabedoria é que é; portanto, a medida da alma, porque a sabedoria é, efectivamente, o contrário da estultícia; ora, a estultícia é uma indigência e esta é o contrário da plenitude. A sabedoria é, então, a plenitude e na plenitude existe a medida, a medida da alma consiste na sabedoria. Daí aquela excelente máxima, não sem razão propalada como a mais importante para a vida: nada em demasia 40. A vida de Agostinho, com as suas tensões, contradições e tormentos, revela-se uma fonte inesgotável de situações e problemas, capazes de gerarem uma profunda reflexão sobre a ética. A interligação da sua vida com a sua escrita permite-nos retirar cinco qualidades inerentes ao pensamento ético de Agostinho41: 1) a memória exerce uma função importante na harmonização do "self': graças à continuada recordação do passado, é possível retirar ilações 40AGOSTINHO, Santo, Diálogo Sobre a Felicidade, Lisboa, Edições 70,1997, p. 45. 41MARQUES, R3RÜrO, Op. Cit.. nota n° 2, p. 82. 36 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental das experiências menos conseguidas, dos erros e dos falhanços; 2) o crescimento ético faz-se mergulhando numa tradição, em contacto com o testemunho dos nossos amigos, observando o exemplo dos espírito mais fortes, ainda que, por vezes, seja necessário saborear o fu1to amargo das rupturas; 3) o reconhecimento do carácter corruptor das instituições políticas e sociais e que é preciso uma grande força de vontade, bem orientada e comandada pela razão, para resistir às más influências; 4) constata-se o fascínio que a beleza do mundo exerce sobre a nossa vontade distorcendo-a e enfraquecendo-a: Agostinho nunca foi capaz de ultrapassar as doces lembranças da carne proporcionadas pelas mulheres que amou e dos encantos da vida fácil, dedicada aos prazeres da carne e da mesa; 5) tem-se a noção que Deus escreve direito por linhas tortas, de todo o mal, Ele fará sair o bem, e para vencer a morte Ele nos enviará seu Filho42, e que o Reino dos Céus não está mais ao alcance dos doutos do que dos ignorantes, o que o levou a questionar-se, e aos seus amigos, embora cultos inteligentes, por que razão, têm mais dificuldade em optar pelo Bem, do que as pessoas simples, pobres e ignorantes. Agostinho reconhece que o caminho da verdade não é mais curto para os inteligentes do que para os simples de espírito. O verdadeiro conhecimento vem de Deus e não provém da experiência, 42 MORILLON, Gen. Philippe,Mon Credo, Presses De La Renaissance, Paris, 1999, p. 26. 37 daí a razão que explica o facto de as simples, mas cheias de fé, revelarem mais capacidade em encontrarem a verdade, do que as pessoas cultas que, como Agostinho, andaram perdidas e enganadas durante muito tempo, com concepções maniqueístas. É possível identificar uma teoria da felicidade, quer nos Diálogos Sobre a Felicidade, quer em as Confissões. Agostinho tem a noção que a verdadeira felicidade não é deste mundo. Daí referir a busca da felicidade com a procura de Deus, embora, muitas vezes, julguemos que a busca da felicidade está em encontrar coisas materiais e passageiras, como o dinheiro, a fama, a honra e os prazeres. A prova de que esses desejos não são componentes da felicidade é que, uma vez satisfeitos, deixam um travo amargo a desilusão e a tristeza. O desejo natural da felicidade está presente na natureza humana. Foi colocada lá, por Deus, e, por isso, só Deus pode ajudar-nos a encontrá-la. A procura da felicidade depende, portanto, da demanda de uma vida ética, iluminada por Deus e fertilizada pelo amor e pelos sentimentos. A fé, mais do que a razão, é a essência da vida ética, e o amor a base da ética43. 43 MARQUES, Ramiro,.Op. Cit., nota nº 2, p.85. 38 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Capítulo VI. A Ética de Tomás de Aquino (1225 -1274) "Afelicidade exige uma finalidade última apropriada, isto é, uma finalidade iluminada pelo Bem" Tomás de Aquino O Homem Tomás de Aquino nasceu no castelo de Roccasecca, situado junto à localidade de Aquino, a norte de Nápoles. Oriundo de uma família da alta nobreza, Tomás de Aquino fez os seus primeiros estudos na abadia do Monte Cassino, passando posteriormente pela Universidade de Nápoles e ingressar, em 1243, com apenas 18 anos de idade, na ordem dominicana, onde permaneceu até à morte prematura, aos apenas 49 anos. Faleceu de forma súbita quando se desloca para Lyon, a pedido do Papa Gregório X, a fim de participar no Concilio. Em 1245, Alberto Magno, intelectual de grande 39 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental prestígio, chama-o para estudar na Universidade de Paris, onde permaneceu até 1248, sempre muito activo e dinâmico no campo universitário. Depois de passar pela Universidade de Colónia com o seu mestre, Alberto Magno, regressa a Paris, onde ensina como leitor e recebe o título de Mestre em Teologia. Tomás de Aquino dedicou toda a sua vida ao conhecimento, a primazia dada ao saber, levou-o a recusar a nomeação para cargos importantes na Ordem Dominicana e no Arcebispado em Nápoles, reconhecendo a incompatibilidade entre uma vida dedicada ao conhecimento e uma vida preenchida com cargos de direcção e gestão44. Neste paralelo só encontramos em Aristóteles comparação e cujo pensamento influenciou, não sendo por acaso, que fosse durante muito tempo, denominado "o filósofo". A Obra Que sentido tem o pensamento de Tomás? Ao largo da suavida e da sua obra podemos descobrir o fio condutor do seu pensamento: o acesso a Deus, Ser supremo, Existência absoluta. Com efeito, Tomás de Aquino é um teólogo que descobre em Deus o fim do Homem, tanto na ordem do conhecimento como na actuação. Esta orientação 44 MARQUES, Ramiro, Op. Cit.. nota nO 2, p. 88. 40 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental radical do homem até Deus é o eixo do seu pensamento, e em torno do qual vão confluir as suas investigações. Daí a ética aquiniana ser eminentemente teleológica. Todo o pensamento ético de Aquino radica na aceitação dos princípios cristãos, através da razão e da fé. Tomás de Aquino procura estudar o lugar e a natureza dos seres humanos na ordem cósmica criada por Deus. E para resolver o problema, procura respostas para as seguintes questões: Como podemos descobrir a verdade? Como pode a pessoa ordenar a sua vida em função do Bem? Consciente de que a ética deve ser fundada no conhecimento teológico e no conhecimento filosófico; na fé e na razão, Aquino procura conciliar a visão aristotélica com o conhecimento profético revelado dos Evangelhos. Escrevia Santo Tomás de Aquino (Secção TI da TI Parte, questão 150 da Summa Theológica) as precisas palavras com que agora vou a justificar a ambiciosa pretensão de reunir num só artigo duas questões, a ética militar e a religiosidade cristã, que o pensamento moderno está empenhado em dissociar: "A quem mais deve o homem depois de Deus é a seus pais e à pátria; de onde se retira que 41 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental assim como o render culto a Deus pertence à religião..., assim também corresponde à piedade render culto aos pais e à pátria". 45 Seguindo as orientações do seu Mestre Alberto Magno e de Aristóteles, embora ele nunca o tivesse lido em grego, Tomás situa o seu ponto de partida na experiência. Nós não vemos Deus, mas seres concretos, individuais, que têm existência Este conceito e realidade é o centro do seu pensamento. O pensamento remonta- se a Deus, que existe por si mesmo, causa da existência de todos os seres, que é criador. Ainda que Deus seja o fim do conhecimento, Deus revela-se. Pela fé, o homem conhece Deus na Sagrada Escritura. E pela fé o homem descobre o seu fim sobrenatural: filosofia e teologia unem-se para alcançar o único fim do homem, o conhecimento e a união com Deus46. O Caminho da verdade passa tanto pela razão como pela fé. A razão e a fé são, para Aquino, caminhos complementares para a verdade. As verdades reveladas pela fé e as verdades descobertas pela razão, não podem contradizer-se47. Nada neste mundo 45 BAQUER, Gen. Brig. Miguel Alonso, La Moral Militar En Tiempo De Reforma, Atzobispado Castrense, Madrid, 1988, p. 11. . 46 MARQUES, Ramiro, Op. Cir., notA nO 2, p. 89. 47 ASHBY, W., A Comprehensive History of Western Ethics: What do We Believe?, Arnherst, Prometheus Books, 1997. 42 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental contingente continuaria a existir sem Deus, o Ser necessário. Nada teria valor sem a direcção de Deus, o Ser-valor perfeito48. A filosofia e a teologia são duas ciências que se ajudam na medida que, o objectivo de todo o pensamento é Deus, a Verdade única. Para alcançá-la, o ser humano dispõe de dois caminhos: a razão e a fé. A razão procede por dedução e, partindo do sensível, chega ao inteligível; dos efeitos, às causas; das criaturas, ao Criador. Ao contrário, a fé procede de forma inversa: parte de Deus, que se revelou e, por dedução, chega às criaturas. O discurso racional é o método da filosofia; e o discurso que se realiza no horizonte da fé é o da teologia. Ambas são ciências, o mesmo é dizer, conhecimento universal e necessário que aporta informação certa acerca da realidade, que investiga as primeiras causas...atendendo às características que Aristóteles outorga o saber científico. Diferem entre si formalmente no objecto e método de investigação. Relativamente ao ser humano, Deus criou o homem "à sua imagem e semelhança". Na escala de seres corpóreos, o ser humano o escalão superior e, por dispor de uma alma imortal, também pertence ao mundo dos anjos. É em síntese, um composto de corpo e alma, de matéria corpórea e forma espiritual. 43 45 BAQUER, Gen. Brig. Miguel Alonso, La Moral Militar En Tiempo De Reforma, Atzobispado Castrense, Madrid, 1988, p. 11. . 46 MARQUES, Ramiro, Op. Cir., notA nO 2, p. 89. 47 ASHBY, W., A Comprehensive History of Western Ethics: What do We Believe?, Arnherst, Prometheus Books, 1997. 48 Idem, p.230 A alma como parte do corpo é substância criada por Deus? Como procede de Deus a alma? Deus cria cada alma individual, assumindo aquela funções vegetativa (responsável pela nutrição e reprodução), sensitiva (ou animal, onde se alojam as características que permitem o movimento e a percepção sensorial) e o intelectual (ou racional, onde se encontram as funções da intelectuais da memória, imaginação, concepção e. juízo). A sua relação com o corpo é essencial: o corpo está em potência na alma, que é o seu acto; o corpo é matéria informada pela alma. Só há ser humano quando existe a união entre o corpo e a alma. A morte é a separação de ambas. Porém, a alma é imortal, na medida em que é substância, por isso pode existir independentemente do corpo. È contudo uma substância incompleta, posto que está ordenada a um corpo para formar um ser humano concreto e determinado, ou seja, a alma de cada indivíduo é incorpórea, mas como cada indivíduo é real, a alma é subsistente. A união da alma com o corpo constitui a vida real da pessoa. A alma não está sepultada num corpo, mas sim dotada de um corpo e tem um destino eterno49. Aqui radica o fundamento filosófico e especulativo da ressurreição. A este respeito é passível afirmarmos o conceito seguinte: a força militar é uma força impregnada de alma. Em primeiro lugar, pelo 49 ASHBY, W., Op. Cit..nota I, p. 231. 44 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental objectivo a que se ordena. O Exército quando actua, não é a destruição que visa. Procura simplesmente salvar um direito ameaçado, e por isso recorre à violência, não por amor a esta, mas tão somente do direito que .sem ela não poderia defender; em segundo lugar, pelo modo como se exerce, na medida em que jamais e pega em armas por paixão. Tomás de Aquino utiliza o processo aristotélico da abstracção. O conhecimento parte dos sentidos e eleva-se até ao universo, abstraindo-se da forma inteligível da matéria. O processo de abstracção consiste, precisamente em fazer passar o objecto do conhecimento proporcionado pelos sentidos, de potência a acto: objecto inteligível, universal, objecto de ciência, desprovido de matéria. Este passo realiza-se pelo entendimento pessoal, individual de cada pessoa. ~ A alma tem a faculdade da vontade, através da qual expressa a sua vontade de querer e de desejar. Todavia, Tomás de Aquino entende que a vontade depende da inteligência na delimitação do objecto de amor. A inteligência conhece o bem. Já sabemos que o autêntico fim do homem é a visão de Deus. E este fim sobrenatural fundamenta a teoria moral de Tomás. A vontade quer o Bem, deseja a Deus. E esse reconhecimento do fim supremo ordena as acções; há 50 RODRIGUEZ, Cón. António dos Reis, Apologia do Exército, Academia Militar, Lisboa, 1963, p.11. 45 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental algumas que são boas porque se orientam em direcção ao Bem, e outras que são más porque se separam dele. Porém, tal juízo ético só se pode exercer sobre as acções que dependem da vontade livre. Para a consecução do seu fim, o. ser humano conta com a ajuda das virtudes.Como Aristóteles, Tomás de Aquino considera que as virtudes são "hábitos adquiridos"; que constituem um "termo médio" entre dois extremos, porém desde o ponto de vista axiológico são um extremo. Para Aquino, como para Aristóteles, as virtudes são componentes essenciais de qualquer prática que integre os bens interiores. As virtudes comuns aos dois filósofos são a coragem, a justiça, a prudência e a temperança. Tomás de Aquino, profundamente devedor da tradição cristã, acrescenta-lhe as virtudes teologais, da caridade, da fé e da esperança. A caridade é, no entanto, uma virtude estranha a Aristóteles e a toda a Grécia clássica. Implica saber perdoar quem nos ofende. Na mesma linha, encontra-se a humildade, virtude tipicamente medieval é completamente estranha a Aristóteles. Ser humilde é reconhecer a nossa pequenez e impotência face à omnipotência e omnisciência de Deus. E segue também Aristóteles na classificação das virtudes (éticas e dinoéticas). Porém, para se compreender, correctamente, a teoria da virtude51, em Aquino, é necessário estabelecer a diferença entre bens 46 exteriores, que são sempre propriedade de alguém (riqueza, fama e poder), e. bens interiores (conhecimento, sabedoria, inteligência, prudência, temperança, justiça, fé, esperança e caridade). Enquanto possuidor dos bens exteriores, quando os divide com outras pessoas, fica automaticamente com menos, tornam-se por isso, objecto de competição, e uma comunidade, interessada apenas na aquisição de bens exteriores, nunca pode aspirar à virtude. Os bens interiores nunca são excessivos e quanto mais bens interiores eu tiver mais benefícios posso dar à minha comunidade52. É daqui que Tomás define virtude, em tudo semelhante a Aristóteles, como a qualidade humana adquirida, cuja posse e exercício tende a tornar-nos capazes de conseguir os bens interiores. A ausência da virtude impossibilita- nos de adquirir os bens interiores. Nas sociedades que sobrevalorizam os bens exteriores, as virtudes tendem a desaparecer. Nos últimos tempos, há sinais societais de que o vazio de bens interiores se torna mais agressivo na competição pela aquisição de bens exteriores (riqueza, fama e poder). É este consumismo desenfreado, fruto da falta de bens interiores, que explica a enorme dependência dos tóxicos e dos bens materiais supérfluos, por parte do Homem contemporâneo. Se aceitarmos que se é tanto mais livre 51 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota n° 2, p. 93. 52 Ver a este propósito, MACINTYRE, A., After VirTUE, Notre Dame: Unjversity of Notre Dame Press e, também, MACINTYRE A., Three Rival Versions of Moral Enquiry: Enciclopedia, Genealogy and Tradition. Notre Dame, Notre Dame University Press, p. 204. 47 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental quanto melhor se for capaz de ordenar e controlar as necessidades, então estamos em condições de avaliar a angustiante falta de liberdade do Homem contemporâneo. É igualmente interessante a reflexão entre a ponte de virtudes expressa pelo pensamento ético de Tomás e Aristóteles, a um tempo e Kant a outro. Para Aquino, não é possível separar a identidade pessoal de cada um da sua identidade social e histórica. A ética kantiana julga poder fazê-lo. Para Tomás de Aquino, aquilo que é bom para mim, tem de ser, também, bom para a minha família, para a minha comunidade e para a minha nação. É impossível haver uma noção de vida boa para mim que colida com a noção de vida boa para a minha família e para a minha comunidade. Sintetizando o pensamento ético de Tomás de Aquino, identificams em primeiro lugar, a defesa da unidade do ser humano e da inter-relação entre a identidade pessoal e a identidade social e histórica. Em segundo lugar, a ideia de que o verdadeiro significado da vida humana é espiritual. Em terceiro, o lugar central ocupado por Jesus Cristo, pelos Evangelhos e pela Igreja na forma como a pessoa ordena a sua vida. Por último a noção de que a vida boa depende do reconhecimento de uma realidade espiritual superior e na livre aceitação da sua autoridade. Resulta deste quadro teórico um conjunto de teses sobre o papel do indivíduo na família e na 48 comunidade. Para Tomás de Aquino a família é vista como a forma original de vida, grupo perfeito, baseado na Lei Natural. A finalidade da família é gerar, proteger e educar os filhos e este propósito conduz, à monogamia, estabilidade do casamento, propriedade privada e herança. Toda a propriedade pertence a Deus. A finalidade do estado é manter a paz e a ordem. Os súbditos devem obediência à autoridade estatal sempre que essa autoridade se exerce de forma legítima e justa. 49 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental .. Capítulo VII. A Ética de Sigmund Freud(1856 -1939) . ".. .todas as recordações recalcadas e todos os factores de histeria têm um conteúdo sexual". S. Freud o Homem Sigmund Freud nasceu, em. Freiberg, na Morávia, no dia 6 de Maio de 1856. A família de Freud instalou-se em Viena, em 1860, cidade onde Freud fez os seus estudos. Educado por uma velha ama e rodeado de meios irmãos, a família de Freud desempenhou, sem dúvida, um papel na génese da sua teoria psicanalítica. Em 1873 entra na Universidade, onde segue o curso de Medicina, mais por um fascínio pelo conhecimento das relações entre as pessoas,. que uma vocação médica. Entre 1876 e 1882, fez estudos neuro-histológicos, tendo-se doutorado em Medicina, no ano de 1881. O seu percurso científico e intelectual foi fruto da partilha de conhecimentos com 50 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental três grandes intelectuais da época: Jean Charcot (1825-1893), famoso neurologista de Paris, com quem aprendeu bastante histeria; Joseph Breuer (1842-1925), o médico vienense que desenvolveu a cura para a histeria com base na hipnose; e Wilhelm Fliess (1858- 1928), o médico e biólogo berlinense que tanto influenciou o pensamento de Freud e com quem partilhou uma amizade intensa durante mais de dez anos53. As rupturas com os amigos de longa data, Brauer e Fliess, deixaram marcas amargas em Freud. A partir de 1902, Freud começou a dedicar uma parte do seu tempo ao movimento psicanalítico. A teoria de Freud encontrou alguma resistência na Alemanha, mas conheceu grande aceitação na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América. Apesar das perseguições dos nazis aos judeus, Freud recusou a sua saída e permaneceu em Viena até 1938. A sua permanência em Austria manteve-se insustentável, a partir do momento em que viu a policia nazi entrar em sua casa, procurando refúgio na Grã-Bretanha, morrendo aos 83 anos em Londres. 53 MARQUES, Ramiro, Op. Cito, nota n° 2, p. 157. 51 A Obra Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Para conhecer a ética freudiana é preciso entender alguns conceitos. Desde logo, o conceito de catarse: reacção de libertação provocada pela recordação de uma emoção recalcada ou de um conflito não resolvido, que perturbavam a vida psíquica. O conceito de associação livre: o paciente é convidado a dizer tudo o que lhe vem ao espírito, mesmo o que possa parecer mais absurdo e sem sentido. O conceito de frustração: condição do sujeito que vê recusar ou recusa a satisfação de uma pulsão; a frustação pode ser provocada pelas medidas educativas, pelas regras hierárquicas que submetem a vontade e os desejos da criança à racionalidade e à cultura da família, a criança pode ser frustrada de modo inoportuno, se os pais forem demasiados autoritários e rígidos e o conceito de Neurose: forma um conjunto de afecções psíquicas que apresentam em comum as seguintes características: determinam perturbações de comportamentos menores;o paciente dá mostras de sintomas de angústia, fobias e obsessões. 52 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Para compreendermos a ética de Freud, temos de conhecer a teoria do inconsciente, o significado da sexual, a importância das experiências infantis e a teoria da repressão e da resistência54. A base fundamental da psicanálise é o reconhecimento da importância da vida mental inconsciente. A ideia central "do inconsciente é que há actividades que têm aspectos mentais (exemplo, as percepções, as concepções e os desejos) de que o indivíduo não está consciente. Na actividade freudiana o inconsciente foi dividido em dois tipos: o pré-consciente, que pode ser acessível ao pensamento, e o inconsciente, que não está ao alcance de quaisquer processos mentais. A importância do inconsciente reside no facto de que elementos do consciente. emergem continuamente, de uma forma descontrolada na vida consciente”55. Freud não acreditava na objectividade da moral, " embora a sua teoria do comportamento humano envolvesse padrões valorativos que ele proclamava estarem enraizados na verdade objectiva. Isso era possível porque Freud estava preocupado, como médico, com a cura da doença e não com a promoção das ideias morais. Dia após dia as pessoas doentes vinham ter com ele. Descobriu cedo que as suas 54 MARQUES, Ramiro, Op. Cit., nota nO 2, p. 159. 55 .ASHBY, W. A Comprehensive History of Westem Ethics: What do We Believe? Amherst: Prometheus Book, 1997, p. 520. 53 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental doenças não eram, na maioria dos casos, físicas, mas sim desordens mentais, os resultados das suas experiências e, muitas vezes, da repressão de uma sociedade ou de pais moralistas. Ele aprendeu que a cura não criava paladinos da virtude, mas indivíduos com uma certa unidade de carácter. Assim, ele atacou a moral dominante sem reconhecer que o ataque se baseava num padrão ético, e promoveu um processo curativo sem admitir que a sua imagem de normalidade envolvia um juízo ético. Esta cegueira era tanto o produto de um desejo de objectividade livre de valores como o resultado da sua experiência de ideias morais"56. O relativismo ético de Freud não foi o produto de uma descoberta filosófica, mas apenas o resultado das suas investigações psicológicas57. Contudo, Freud tinha a noção de que o desenvolvimento psicológico do indivíduo não chegava para explicar a moralidade social. Por isso, "Freud foi levado a aplicar a sua teoria às origens sociais. Tal como a pré-história da sociedade explica a moralidade social. Aqui, também, o tema de Édipo58 foi central, para que os problemas da psicologia social também pudessem ser 56 Idem, p. 525. 57 MARQUES, Ramiro, Dp. Cit.. nota. n° 2, p. 161. 58 Complexo de Édipo é o conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança (constante na construção da personalidade entre os 3 e 5 anos) experimenta a respeito dos pais; na forma positiva, a criança sente um amor sexual pelo pai do sexo oposto e um ciúme dirigido ao pai do mesmo sexo. Na forma negativa, o amor é dirigido ao pai do mesmo sexo e deseja-se a morte do pai oposto. 54 resolvidos na base de um único ponto concreto - a relação do homem com o seu pai,,59. A par do complexo de Édipo, há a registar o remorso e o sentimento de culpa, bem como a criação de tabus, todos eles com profunda influência na construção damoralidade. Encarada desta forma, a moralidade individual e a moralidade social ficam privadas de padrões objectivos. Não admira, portanto, a recusa de Freud em aceitar uma ética objectiva e uma moral natural. Não há, portanto, quaisquer tábuas de valores. que mereçam aspirar à universalidade, . já que as. ideias morais são o produto das nossas experiências psicológicas, sobretudo as que ocorreram durante a infância. A pouco e pouco, Freud foi desenvolvendo uma teoria da personalidade que implicava a defesa de várias camadas: para além do ego, foi levado a admitir a existência do super-eu e do sub-eu. Recorrendo aos trabalhos e estudos de Adler, Freud desenvolve a teoria dos três instintos: "O Sub-eu que é o reservatório das tendências instintivas inconscientes; o Eu que é a entidade que age em grande parte consciente e é sobretudo adquirido; O Super-eu é o sistema moral ético por excelência que representa os imperativos morais dos educadores aceites por nós, tomados à nossa conta e tornados inconscientes tendo em consideração simultaneamente a 59 ASHBY, W. Dp. CIt., nota nº1, p. 524. 55 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão_sobre a Étiça_Ocidental realidade e as exigências do super-eu. No sub-eu, segundo Freud, acumula-se a energia indiferenciada donde emanam os instintos da vida e de morte”60. Embora o trabalho científico de Freud não tivesse como objectivo a descoberta ou o desenvolvimento de uma ética, toda a sua obra está impregnada de uma ética profundamente relativista. A par de Marx e de Nietzche, Freud é um dos progenitores da ética preponderante nas sociedades ocidentais materialmente desenvolvidas. Não é possível compreender a actual crise de valores morais sem perceber o contributo que a psicanálise de Freud deu para a eclosão dessa crise. 60 LAUZAN, G. et Sigmund Frend. Lisboa, Círculo de leitores, p. 38. 56 Capítulo VIII. A Ética de D. António F. Gomes (1970-82) "A1etodologicamente. falar da guerra apenas serve para ilustra/O o bem que se despreza com a falta de paz. Mas o campo de visão continua a focar-se na paz. E de resto, como diria Jesus, quem tem ouvidos para ouvir, oiça ". D. António Ferreira Gomes O Homem D. António Ferreira Gomes nasceu em S. Martinho de Milhundos, Penafiel, em Outubro de 1906, filho de Manuel F. Gomes e de D. Albina R. De Jesus F. Gomes. Foi em 1916 que iniciou o curso de preparatórios no Seminário do Porto, para aí concluir em 1925 o Curso teológico. É na Universidade Gregoriana que faz o seu doutoramento em Filosofia. É ordenado presbítero, em Novembro de 1928, vindo a desempenhar funções de professor no Seminário de Vilar, no Porto, onde o seu do era reitor e a quem virá a suceder no cargo. Em Junho de 1936 foi nomeado cónego capitular da Sé do Porto onde viria a desempenhar várias funções. Em Janeiro de 1948 57 Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental Uma Reflexão sobre a Ética Ocidental foi eleito bispo titular de Rando e coadjutor com futura sucessão de D. Domingos M. Frutuoso, bispo de Portalegre, situação que viria a ocorrer em Junho de 1949, apesar de desde a entrada desempenhar o governo efectivo da diocese. Em Julho de 1952 foi transferido para a Sé do Porto, tomando posse por procuração, em Setembro desse ano e feito a sua entrada solene, em Outubro de 1952. D. António F. Gomes foi um homem dotado de grande cultura, conhecendo bem o latim e o grego, o francês e o inglês, sempre se interessou pelos problemas históricos e pelas questões sociais. Em Portalegre e no Porto, promoveu a organização dos arquivos e a defesa do património artístico das igrejas. No exercício do magistério episcopal e, em defesa da doutrina social da Igreja, na sequência, de uma "pró-memória" ou carta, dirigida ao Prof. Oliveira Salazar, foi obrigado a exilar-se, em 24 de Julho de 1959. Passou então a, residir em Espanha, na República Federal da Alemanha e em França, regressando a Portugal após a morte de Oliveira Salazar (1968)" em Junho de 1969, para retomar o governo da sua diocese, onde procedeu a uma ampla e dinâmica reestruturação. No exílio foi nomeado pelo Papa João XXIII, membro da Comissão Pontifícia de Estudos Ecuménicos., Em princípios de 1981, apresentou o pedido de resignação
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